Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1964242 / SP
0012060-68.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA ILÍQUIDA E CONDICIONAL. ATIVIDADE
RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. PERÍDO
INTERCALADO COM CONTRATO DE TRABALHO. IMPOSSIBILIDADE. ATIVIDADE
ESPECIAL. AJUDANTE GERAL DE LINHA. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL.
APOSENTADORIA INTEGRAL. DIB NA DER. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REMESSA NECESSÁRIA, TIDA POR SUBMETIDA,
PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
APELAÇÕES DA PARTE AUTORA E DO INSS PREJUDICADAS.
1 - A r. sentença condenou o INSS a computar os períodos de 20/07/1967 a 30/09/1976 e
18/11/1976 a 28/10/1982 e, se preenchidos os requisitos legais, a conceder o benefício de
aposentadoria por tempo de contribuição ao autor, desde o requerimento administrativo, com o
pagamento das parcelas atrasadas. Assim, não havendo como se apurar o valor da
condenação, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos termos do
inciso I do artigo 475 do CPC/73 e da Súmula 490 do STJ.
2 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015.
3 - Em sua decisão, a juíza a quo, apesar de reconhecer o labor rural vindicado, condicionou a
concessão do benefício à presença da totalidade dos requisitos, o que deveria ser averiguado
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pelo INSS.
4 - Está-se diante de sentença condicional, eis que expressamente não foi analisado o pedido
formulado na inicial, restando violado o princípio da congruência insculpido no art. 460 do
CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
5 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto.
6 - Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os elementos
necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram assegurados -
com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação processual
aplicável, passa-se ao exame do mérito da demanda.
7 - Pretende o demandante a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, desde a data do requerimento administrativo (14/08/2012), mediante o
reconhecimento de atividade rural e de período trabalhado em atividade sujeita a condições
especiais.
8 - O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior
Tribunal de Justiça.
9 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça.
10 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
11 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
12 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação
do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar
apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as
Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
13 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o
desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos
genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando,
se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em
que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
14 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente
os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
15 - Sustenta o autor ter trabalhado nas lides campesinas desde tenra idade, na Fazenda Boa
Vista/Bela Vista, de 20/07/1967 a 30/09/1976 e de 18/11/1976 a 28/10/1982.
16 - Há início de prova material, a qual foi corroborada por idônea e segura prova testemunhal,
colhida em audiência realizada em 11/09/2013 (mídia à fl. 155).
17 - A prova oral reforça o labor no campo e amplia a eficácia probatória dos documentos
carreados aos autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino de 20/07/1967 (data em
que o autor completou 14 anos de idade, conforme requerido) a 30/09/1976.
18 - Quanto ao outro período (18/11/1976 a 28/10/1982), não merece acolhida o pleito, na
medida em que a existência de contratos de trabalhos anotados em CTPS, afasta a presunção
de que o labor tenha sido ininterrupto, tornando indefensável a tese de que, nos intervalos de
tais contratos, o demandante tenha laborado, por "extensão", na condição de rurícola.
19 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
20 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
21 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
22 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos.
23 - Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria
especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos
enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
24 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
25 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
26 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
27 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
28 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
29 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
30 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
31 - Pretende o autor o reconhecimento da especialidade de 29/10/1982 a 22/06/1998,
trabalhado na empresa FEPASA - Ferrovia Paulista S/A. Para comprovar o alegado, anexou
aos autos cópia da CTPS e declaração emitida pela Inventariante da Extinta Rede Ferroviária
Federal S.A. - RFFSA, nas quais constam que, de 29/10/1982 a 31/03/1988, o autor exerceu a
função de ajudante geral e, de 1º/04/1988 a 22/06/1998, a função de ajudante geral de linha I
(fls. 40 e 44), e também colheu-se o depoimento de testemunhas, em audiência realizada em
11/09/2013 (mídia à fl. 155).
32 - Infere-se que as testemunhas apresentaram divergência no tocante às funções de ajudante
geral e ajudante geral de linha, de modo que somente é possível o reconhecimento da
especialidade do labor de 1º/04/1988 a 28/04/1995, época em que constatado que, de fato, o
autor atuava em via permanente, enquadrando-se a atividade no item 2.4.3 do Decreto nº
53.831/64 (maquinistas, guarda-freios, trabalhadores de via permanente).
33 - Inviável o reconhecimento do labor especial de 19/10/1982 a 31/03/1988, eis que a função
de ajudante geral não se subsome às hipóteses descritas nos Decretos vigentes à época, e de
29/04/1995 a 22/06/1998, ante à inexistência de formulário-padrão emitido pela empresa dando
conta da efetiva exposição aos agentes nocivos, não sendo suficiente para tanto, relativamente
a este último interregno, o depoimento das testemunhas, sobretudo porque uma delas afirmou
que não tinham contato com agentes químicos e que às vezes ajudavam o soldador.
34 - Assevera-se que era ônus do autor comprovar o alegado e que a declaração de fl. 69
apenas dá conta da impossibilidade de emissão de PPP ou laudo técnico ante à extinção da
FEPASA e da Rede Ferroviária Federal S/A e que "outra informação que julgar necessária,
poderá ser solicitada à Inventariante".
35 - Procedendo ao cômputo do tempo rural e do labor especial reconhecidos nesta demanda,
acrescidos dos períodos incontroversos (resumo de documentos para cálculo de tempo de
serviço de fls. 93/94), verifica-se que, na data do requerimento administrativo (14/08/2012), o
demandante alcançou 39 anos, 05 meses e 15 dias de contribuição, fazendo jus ao benefício de
aposentadoria com proventos integrais.
36 - O requisito carência restou comprovado pelo extrato do CNIS de fl. 121.
37 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo
(14/08/2012).
38 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
39 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
40 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento), devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas
vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior
Tribunal de Justiça.
41 - O termo ad quem a ser considerado continua sendo a data da prolação da sentença, ainda
que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Explica-se. Na
hipótese de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia
previdenciária, o trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura
enquanto não transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis
exercidos pelos atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos
distintos em relação ao que foi decidido. Portanto, não se considera lógico e razoável referido
discrímen, a ponto de justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração
profissionais que exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação.
42 - Isenção da Autarquia Securitária do pagamento de custas processuais, nos termos da lei,
salientando que referida isenção não abrange as despesas processuais devidamente
comprovadas.
43 - Remessa necessária, tida por submetida, provida. Sentença anulada. Ação julgada
parcialmente procedente. Apelações do INSS e da parte autora prejudicadas.
Apelação do INSS conhecida em parte e desprovida. De ofício, corrigido erro de cálculo.
Remessa necessária parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa
necessária, tida por submetida, para anular a r. sentença condicional e, com supedâneo no art.
1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar parcialmente procedente o pedido, para
reconhecer o labor rural de 20/07/1967 a 30/09/1976 e a especialidade do período de
1º/04/1988 a 28/04/1995, condenando a Autarquia a implantar o benefício de aposentadoria por
tempo de contribuição, desde o requerimento administrativo (14/08/2012), sendo que sobre os
valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a
expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, bem como no pagamento dos
honorários advocatícios, arbitrados no montante de 10% sobre o valor das parcelas vencidas
até a data da prolação da sentença, restando prejudicadas as apelações do INSS e da parte
autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
