Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1951866 / SP
0009140-43.2012.4.03.6103
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SENTENÇA ULTRA PETITA. RESTRIÇÃO AOS LIMITES
DO PEDIDO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. FALTA DE INTERESSE. ATIVIDADE RURAL.
INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. ATIVIDADE ESPECIAL.
RUÍDO ACIMA DOS LIMITES DE TOLERÂNCIA. PPP. APOSENTADORIA INTEGRAL. DIB NA
DATA DA CITAÇÃO. ERRO DE CÁLCULO NA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA DE REFORMATIO
IN PEJUS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS CONHECIDA
EM PARTE E DESPROVIDA. DE OFÍCIO, CORRIGIDO ERRO DE CÁLCULO E ALTERADA A
DIB. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA.
1 - Fixados os limites da lide pela parte autora, veda-se ao magistrado decidir além (ultra petita),
aquém (citra petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do
CPC/2015.
2 - Pretende o demandante o reconhecimento do labor rural de 02/01/1972 a 30/12/1973 e de
02/01/1974 a 02/06/1980, bem como o cômputo de tempo especial de 02/09/1991 a 10/06/1994,
com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
3 - Todavia, em sua decisão, o MM. Juiz a quo reconheceu o labor especial de 02/01/1972 a
02/06/1980, sendo, assim, ultra petita, restando violado o princípio da congruência insculpido no
art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
4 - Conveniente esclarecer que a violação ao princípio da congruência traz, no seu bojo,
agressão ao princípio da imparcialidade e do contraditório.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
5 - Desta forma, a r. sentença deve ser reduzida aos limites do pedido, excluindo-se o cômputo
dos dias 31/12/1973 e 1º/01/1974.
6 - A apelação do INSS não merece ser conhecida, por ausência de interesse recursal, na parte
em que postula a incidência da prescrição quinquenal, isto porque a sentença vergastada fixou
o termo inicial do beneplácito na data da citação.
7 - Postula a parte autora a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de
contribuição, desde a data do requerimento administrativo (17/03/2009), mediante o
reconhecimento de atividade rural e de período trabalhado em atividade sujeita a condições
especiais, garantindo-lhe a opção pelo benefício mais vantajoso, ou desde a data em que
preenchidos os requisitos necessários, computando-se as contribuições vertidas até a data da
audiência.
8 - O art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior
Tribunal de Justiça.
9 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Precedentes da 7ª Turma desta Corte e do C. Superior Tribunal de Justiça.
10 - Quanto ao reconhecimento da atividade rural exercida em regime de economia familiar, o
segurado especial é conceituado na Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII.
11 - É pacífico o entendimento no sentido de ser dispensável o recolhimento das contribuições
para fins de obtenção de benefício previdenciário, desde que a atividade rural tenha se
desenvolvido antes da vigência da Lei nº 8.213/91. Precedentes jurisprudenciais.
12 - A respeito da idade mínima para o trabalho rural do menor, registro ser histórica a vedação
do trabalho infantil. Com o advento da Constituição de 1967, a proibição passou a alcançar
apenas os menores de 12 anos, em nítida evolução histórica quando em cotejo com as
Constituições anteriores, as quais preconizavam a proibição em período anterior aos 14 anos.
13 - Já se sinalizava, então, aos legisladores constituintes, como realidade incontestável, o
desempenho da atividade desses infantes na faina campesina, via de regra ao lado dos
genitores. Corroborando esse entendimento, e em alteração ao que até então vinha adotando,
se encontrava a realidade brasileira das duas décadas que antecederam a CF/67, época em
que a população era eminentemente rural (64% na década de 1950 e 55% na década de 1960).
14 - Antes dos 12 anos, porém, ainda que acompanhasse os pais na lavoura e eventualmente
os auxiliasse em algumas atividades, não se mostra razoável supor que pudesse exercer
plenamente a atividade rural, inclusive por não contar com vigor físico suficiente para uma
atividade tão desgastante.
15 - Sustenta o autor ter trabalhado nas lides campesinas de 02/01/1972 a 30/12/1973 e de
02/01/1974 a 02/06/1980.
16 - À exceção de alguns documentos, os quais estão em nome de terceiros estranhos, bem
como das declarações firmadas, as quais se equiparam à prova testemunhal não produzida sob
o crivo do contraditório e da ampla defesa, há início de prova material, a qual foi corroborada
por idônea e segura prova testemunhal, colhida em audiência realizada em 06/05/2013,
oportunidade em que também foi colhido o depoimento pessoal do demandante (mídia à fl. 91).
17 - As testemunhas foram unânimes em afirmar que o demandante, enquanto morava na
Bahia, trabalhava no campo, ampliando a eficácia probatória dos documentos carreados aos
autos, sendo possível reconhecer o trabalho campesino de 02/01/1972 a 30/12/1973 e de
02/01/1974 a 02/06/1980.
18 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
19 - Em período anterior ao da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a
conversão do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da
categoria profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25
de março de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979,
ratificados pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou,
inicialmente, a Lei de Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva
exposição aos agentes agressivos, exceto para ruído e calor.
20 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial.
21 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos.
22 - Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais, agentes
físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de aposentadoria
especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os agentes nocivos
enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os grupos profissionais.
23 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
24 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
25 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
26 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
27 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
28 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
29 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, conforme se extrai da conjugação das regras dos arts. 28 da Lei
nº 9.711/98 e 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91.
30 - Pretende o autor o reconhecimento da especialidade de 02/09/1991 a 10/06/1994,
trabalhado como operador de empilhadeira, na empresa "Cervejarias Kaiser Brasil S/A".
31 - Para comprovar o alegado, coligiu aos autos Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP
(fls. 43/44), o qual dá conta de que, no interstício em apreço, havia exposição ao fator de risco
ruído de 86,3dB(A).
32 - Desta forma, possível o reconhecimento do labor especial de 02/09/1991 a 10/06/1994, eis
que a atividade foi desempenhada em nível de pressão sonora superior ao limite de tolerância
vigente à época.
33 - Procedendo ao cômputo do tempo rural e do labor especial reconhecido nesta demanda,
acrescidos dos períodos incontroversos (resumo de documentos para cálculo de tempo de
serviço de fls. 73/75 e do CNIS de fl. 92), verifica-se que, na data do requerimento
administrativo (17/03/2009), o demandante alcançou 35 anos, 04 meses e 24 dias de
contribuição, fazendo jus ao benefício de aposentadoria com proventos integrais.
34 - O termo inicial do benefício deve ser mantido na data da citação (18/03/2013 - fl. 83), à
mingua de recurso autoral.
35 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
36 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
37 - Apelação do INSS conhecida em parte e desprovida. De ofício, corrigido erro de cálculo.
Remessa necessária parcialmente provida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer em parte da
apelação do INSS e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, de ofício, corrigir o erro de
cálculo constante na r. sentença, para reconhecer o direito à aposentadoria por tempo de
contribuição integral na data do requerimento administrativo (17/03/2009), e dar parcial
provimento à remessa necessária, para reduzir a sentença aos limites do pedido, excluindo-se o
cômputo dos dias 31/12/1973 e 1º/01/1974, e estabelecer que a correção monetária dos valores
em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para
os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será
apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a
expedição do ofício requisitório, mantendo, no mais, a r. sentença proferida em 1º grau de
jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
