Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5002288-54.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
07/06/2018
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 15/06/2018
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CÔNJUGE QUE
AUFERE RENDA. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. IDOSA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. FRAUDE. NÃO
CARACTERIZAÇÃO.
I - Os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem
respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores
jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis
ao caso em tela.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - No caso dos autos, não obstante o estudo social realizado em 17.03.2017 tenha concluído
que a autora e seu marido não se encontram em situação de vulnerabilidade social, e que eles
neste momento, enfrentam, de modo satisfatório, as lutas cotidianas, não se pode afirmar que tal
quadro já existia à época da concessão do benefício, de modo a caracterizar a prática de fraude
por parte da demandante.
VI - Face à presunção de legalidade de que se revestem os atos administrativos, é descabido o
ressarcimento dos valores pagos à requerente a título de amparo social ao idoso.
VII – Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO (198) Nº 5002288-54.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA VELANI DE CARVALHO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogados do(a) APELADO: WILLIAM ROSA FERREIRA - MS1297100A, MARIA ANGELICA
MENDONCA ROYG - MS8595000A
APELAÇÃO (198) Nº 5002288-54.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA VELANI DE CARVALHO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogados do(a) APELADO: WILLIAM ROSA FERREIRA - MS1297100A, MARIA ANGELICA
MENDONCA ROYG - MS8595000A
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação
interposta em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela
autora, para o fim de declarar a inexistência de débito junto à autarquia ré no que tange ao
benefício assistencial NB 701.132.292-3, concedido em 05.09.2014 e cessado em 24.12.2015,
desacolhendo o pleito de restabelecimento do referido amparo social. A demandante foi
condenada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixado em
10% do valor da causa, cuja exigibilidade restou suspensa, com arrimo nas disposições do artigo
98 do CPC. O INSS, a seu turno, foi condenado a pagar aos representantes processuais da parte
autora o importe correspondente a 10% do débito declarado nulo e inexigível nesta oportunidade,
devidamente corrigido e atualizado pelos critérios legais.
Em suas razões recursais, defende a Autarquia, em síntese, que a parte autora omitiu a real
ocupação e renda do seu cônjuge, o que configura fraude na obtenção do amparo social,
havendo o dever legal de promover o ressarcimento dos valores indevidamente recebidos,
independentemente do caráter alimentar do benefício.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
APELAÇÃO (198) Nº 5002288-54.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA VELANI DE CARVALHO
PROCURADOR: PROCURADORIA-REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Advogados do(a) APELADO: WILLIAM ROSA FERREIRA - MS1297100A, MARIA ANGELICA
MENDONCA ROYG - MS8595000A
V O T O
Recebo a apelação do INSS, na forma do artigo 1.011 do CPC de 2015.
A controvérsia que resta ser dirimida nos presentes autos refere-se à possibilidade de o réu
promover a cobrança relativa às quantias que entende terem sido pagas à autora indevidamente
a título de benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição da República.
Da análise dos autos depreende-se que em 05.09.2014 a autora obteve o benefício de amparo
social ao idoso (doc. ID Num. 1918278 - Pág. 137).
Em outubro de 2015, a Autarquia Previdenciária comunicou à autora que constatara indício de
irregularidade na concessão/manutenção do referido benefício, tendo em vista que seu cônjuge,
quando compareceu ao INSS a fim de pleitear benesse de mesma espécie, em 14.10.2015,
declarou auferir renda equivalente a R$ 1.500,00, por ser proprietário de estabelecimento
denominado “Bar do Chico”, o que faria com que a renda familiar per capita ultrapassasse o limite
de ¼ do salário mínimo (doc. ID Num. 1918278 - Pág. 73).
A Autarquia sustenta ter havido má-fé da demandante em não informar a verdadeira renda de seu
cônjuge, destacando que, mesmo instada em mais de uma oportunidade, deixou de promover a
sua defesa na seara administrativa.
De início, ressalto que os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção,
pois que dizem respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros
importantes valores jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e
razoabilidade na aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância
social, aplicáveis ao caso em tela.
De fato, não tendo o esposo da requerente demonstrado não ser proprietário do estabelecimento
comercial (bar), a renda per capita do grupo familiar seria superior a ¼ do salário mínimo,
situação que teria sido omitida pela autora, com infringência ao disposto no artigo 48, I, do
Decreto nº 6.214/2007.
Entretanto, no que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da
Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o
limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI
1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
No caso dos autos, não obstante o estudo social realizado em 17.03.2017 (doc. ID Num. 1918279
- Pág. 66/69) tenha concluído que a autora e seu marido não se encontram em situação de
vulnerabilidade social, e que eles neste momento, enfrentam, de modo satisfatório, as lutas
cotidianas, não se pode afirmar que tal quadro já existia à época da concessão do benefício, de
modo a caracterizar a prática de fraude por parte da demandante.
Ademais, consoante bem salientado pelo magistrado a quo, no que tange aos documentos que
noticiam a realização de “torneios de sinuca” no bar do cônjuge da autora, verifica-se que eles
datam do ano de 2016, momento posterior à cessação do benefício assistencial que ocorreu em
24.12.2015.
Destarte, entendo que, face à presunção de legalidade de que se revestem os atos
administrativos, é descabido o ressarcimento dos valores pagos à requerente a título de amparo
social ao idoso.
Diante do exposto, nego provimento à apelação do INSS.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. CÔNJUGE QUE
AUFERE RENDA. LEI 8.742/93, ART. 20, §3º. IDOSA. INCONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. FRAUDE. NÃO
CARACTERIZAÇÃO.
I - Os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem
respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores
jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis
ao caso em tela.
II - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E. STJ
e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
III - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
IV - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
V - No caso dos autos, não obstante o estudo social realizado em 17.03.2017 tenha concluído
que a autora e seu marido não se encontram em situação de vulnerabilidade social, e que eles
neste momento, enfrentam, de modo satisfatório, as lutas cotidianas, não se pode afirmar que tal
quadro já existia à época da concessão do benefício, de modo a caracterizar a prática de fraude
por parte da demandante.
VI - Face à presunção de legalidade de que se revestem os atos administrativos, é descabido o
ressarcimento dos valores pagos à requerente a título de amparo social ao idoso.
VII – Apelação do INSS improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Décima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
