Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5000414-13.2017.4.03.6105
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
01/04/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/04/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. GENITOR QUE RECEBIA APOSENTADORIA. LEI 8.742/93, ART.
20, §3º. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. FRAUDE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I – Não procede a alegação da autarquia previdenciária no sentido de que a r. sentença incorreu
em julgamentoextra petitaao acolher a pretensão do autor por entender comprovada sua
hipossuficiência à época do recebimento do benefício assistencial, porquanto o pedido deduzido
em Juízo, consistente na declaração deinexigibilidadedo débito, buscava afastar o cumprimento
da obrigação de devolver os valores recebidos, independentemente de fundamento.
II - Os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem
respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores
jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis
ao caso em tela.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI - O deferimento do benefício de prestação continuada ao autor não pode ser considerado
indevido unicamente pelas razões ora apontadas pelo INSS, sem a efetiva avaliação das
condições de vida da requerente e verificação da eventual existência de fatores que
demonstrassem a ausência de vulnerabilidade social.
VII - Ao que parece, o autor preenchia o requisito relativo à vulnerabilidade social à época em que
lhe foi concedido o benefício assistencial, devendo também, ser considerada a presunção de
legalidade de que se revestem os atos administrativos, não havendo que se falar em
ressarcimento dos valores pagos ao requerente a título de amparo social à pessoa portadora de
deficiência.
VIII - Verba honorária fixada em R$ 2.000,00.
IX – Preliminar rejeitada. Apelação do INSS improvida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000414-13.2017.4.03.6105
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADILSON DE PAULA
REPRESENTANTE: GERALDA GOMES RIBEIRO DE PAULA
Advogados do(a) APELADO: LOANIS REIS DE OLIVEIRA - SP346331-A, ANTONIO GUIDO DA
SILVA - SP125026-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000414-13.2017.4.03.6105
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADILSON DE PAULA
REPRESENTANTE: GERALDA GOMES RIBEIRO DE PAULA
Advogados do(a) APELADO: LOANIS REIS DE OLIVEIRA - SP346331-A, ANTONIO GUIDO DA
SILVA - SP125026-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se de apelação
interposta em face de sentença que julgou procedente pedido formulado em ação declaratória de
inexistência de débito, para desobrigar a parte autora da restituição dos valores que recebeu a
título de benefício assistencial. O INSS foi condenado ao pagamento de honorários advocatícios
arbitrados no percentual mínimo legal, incidente sobre a condenação calculada até a data do
julgado singular. Sem custas.
Em suas razões recursais, argui a Autarquia, preliminarmente, a nulidade da sentença, por ter
incorrido em julgamento extra petita, considerando que, tendo em vista que o autor se limitou a
invocar a tese da boa-fé e da irrepetibilidade dos alimentos, reconhecendo de forma expressa, em
vários momentos, que os valores que INSS persegue a devolução não seriam mesmo devidos,
não poderia jamais o Magistrado de primeiro grau, sob fundamento diverso não suscitado pela
parte autora (qual seja, a pretensa hipossuficiência familiar - o faz, aliás, mesmo à míngua de
qualquer arrimo em laudo assistencial), decidir pela procedência do pleito autoral, sendo que, ao
assim fazer, incorreu em violação ao artigo 141 do CPC. No mérito, alega, em síntese, que o
autor não preenchia o requisito relativo à miserabilidade quando do deferimento do amparo social
à pessoa portadora de deficiência que percebeu no período de 10.04.1996 a 01.06.2011, e
incorreu em fraude e má fé ao requerer administrativamente o benefício, pois omitiu o fato de que
seu genitor, na DER, recebia benefício de aposentadoria por invalidez (NB 107.981.007-0), no
valor de R$ 633,00 e que sua mãe, a partir de 07.05.1998, passou a receber benefício de pensão
por morte, NB 109.243.328-4, em razão do óbito de seu marido (pai do demandante), no valor
atual de R$ 2.515,34. Defende o cabimento do ressarcimento dos valores indevidamente
percebidos pela demandante, na forma do disposto no artigo 115 da Lei nº 8.213/91, asseverando
que o princípio da irrepetibilidade dos alimentos não existe na esfera pública, salvo se queira
declarar expressamente inconstitucionais o inciso II e o § 1º do referido dispositivo legal, bem
como os artigos 884 e 885 do Código Civil. Suscita o prequestionamento da matéria ventilada.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000414-13.2017.4.03.6105
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ADILSON DE PAULA
REPRESENTANTE: GERALDA GOMES RIBEIRO DE PAULA
Advogados do(a) APELADO: LOANIS REIS DE OLIVEIRA - SP346331-A, ANTONIO GUIDO DA
SILVA - SP125026-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Recebo a apelação do INSS, na forma do artigo 1.011 do CPC.
Da sentença extra petita.
Não procede a alegação da autarquia previdenciária no sentido de que a r. sentença incorreu em
julgamentoextra petitaao acolher a pretensão do autor por entender comprovada sua
hipossuficiência à época do recebimento do benefício assistencial, porquanto o pedido deduzido
em Juízo, consistente na declaração deinexigibilidadedo débito, buscava afastar o cumprimento
da obrigação de devolver os valores recebidos, independentemente de fundamento.
Do mérito.
O autor obteve o deferimento do amparo social à pessoa portadora de deficiência NB
103.262.958-1 em 14.10.1996 o qual foi cessado em 01.06.2011 (doc. ID Num. 90246164 - Pág.
5).
Em março de 2011, a autarquia previdenciária comunicou ao demandante que, após a avaliação
de que trata o artigo 11 da Lei n° 10.666/2003, identificou indício de irregularidade na concessão
de seu benefício, consistente na constatação de que a renda familiar seria superior àquela
prevista no artigo 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, em decorrência da omissão na declaração de
composição familiar do fato de que seu genitor percebia renda, por ser titular de aposentadoria
por invalidez.
Esgotados os prazos para defesa, além de suspender o benefício, concluiu a Autarquia que o
autor recebera valores indevidos, equivalentes, à época, a R$ 69.245,19, os quais deveriam ser
restituídos aos cofres públicos (fl. Doc. ID Num. 90246170 - Pág. 61).
De início, ressalto que os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção,
pois que dizem respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros
importantes valores jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e
razoabilidade na aplicação das normas, bem como da proteção ao portador de deficiência,
critérios de relevância social, aplicáveis ao caso em tela.
O INSS entende que, considerando os rendimentos auferidos pelo genitor do requerente, que
posteriormente ao seu óbito se transformaram em proventos de pensão por morte em favor de
sua viúva, mãe do demandante, cuja existência foi omitida quando do requerimento do benefício
assistencial, a renda per capita do grupo familiar seria superior a ¼ do salário mínimo.
No entanto, efetivamente, levando-se em conta a remuneração percebida pelo genitor do autor
(R$ 633,20 em fevereiro de 2011), a renda da família seria superior ao limite estabelecido no art.
20, § 3º, da Lei 8.742/93.
Ocorre que, no que toca ao requisito socioeconômico, cumpre observar que o §3º do artigo 20 da
Lei 8.742/93 estabeleceu para a sua aferição o critério de renda familiar per capita, observado o
limite de um quarto do salário mínimo, que restou mantido na redação dada pela Lei 12.435/11.
A questão relativa à constitucionalidade do critério de renda per capita não excedente a um
quarto do salário mínimo para que se considerasse o idoso ou pessoa com deficiência aptos à
concessão do benefício assistencial, foi analisada pelo E. Supremo Tribunal Federal em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1.232/DF), a qual foi julgada improcedente (STF. ADI
1.232-DF. Rel. p/ Acórdão Min. Nelson Jobim. J. 27.08.98; D.J. 01.06.2001).
Todavia, conquanto reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20, da Lei 8.742/93, a
jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelecia situação objetiva pela qual se
deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impedia o exame de situações subjetivas
tendentes a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Tal
interpretação seria consolidada pelo E. Superior Tribunal de Justiça em recurso especial julgado
pela sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (STJ - REsp. 1.112.557-MG;
Terceira Seção; Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho; j. 28.10.2009; DJ 20.11.2009).
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da
miserabilidade dos postulantes ao benefício assistencial e o entendimento assentado por ocasião
do julgamento da ADI 1.232-DF levaria a Corte Suprema a voltar ao enfrentamento da questão,
após o reconhecimento da existência da sua repercussão geral, no âmbito da Reclamação 4374 -
PE, julgada em 18.04.2013.
Naquela ocasião, prevaleceu o entendimento de que "ao longo de vários anos desde a sua
promulgação, o §3º do art. 20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização". Com
efeito, as significativas alterações no contexto socioeconômico desde então e o reflexo destas
nas políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios
para aferição da miserabilidade previstos na Lei 8.742/93 e aqueles constantes no sistema de
proteção social que veio a se consolidar(Rcl 4374, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal
Pleno, j. 18.04.2013, DJe-173 03.09.2013).
Destarte, é de se reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação
específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência
é através da própria natureza dos males que a assolam, do seu grau e intensidade, que poderão
ser mensuradas suas necessidades. Não há, pois, que se enquadrar todos os indivíduos em um
mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do
salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Assim sendo, o deferimento do benefício de prestação continuada ao autor não pode ser
considerado indevido unicamente pelas razões ora apontadas pelo INSS, sem a efetiva avaliação
das condições de vida da requerente e verificação da eventual existência de fatores que
demonstrassem a ausência de vulnerabilidade social.
Ao contrário, ao que parece, o autor preenchia o requisito relativo à vulnerabilidade social à época
em que lhe foi concedido o benefício assistencial, devendo também, ser considerada a presunção
de legalidade de que se revestem os atos administrativos, não havendo que se falar em
ressarcimento dos valores pagos ao requerente a título de amparo social à pessoa portadora de
deficiência.
Honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00, consoante o entendimento desta 10ª Turma.
Diante do exposto, rejeito a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento à apelação do INSS.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA. GENITOR QUE RECEBIA APOSENTADORIA. LEI 8.742/93, ART.
20, §3º. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO E. STF. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA. FRAUDE. NÃO CARACTERIZAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I – Não procede a alegação da autarquia previdenciária no sentido de que a r. sentença incorreu
em julgamentoextra petitaao acolher a pretensão do autor por entender comprovada sua
hipossuficiência à época do recebimento do benefício assistencial, porquanto o pedido deduzido
em Juízo, consistente na declaração deinexigibilidadedo débito, buscava afastar o cumprimento
da obrigação de devolver os valores recebidos, independentemente de fundamento.
II - Os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem
respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores
jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis
ao caso em tela.
III - Quanto à hipossuficiência econômica, à luz da jurisprudência consolidada no âmbito do E.
STJ e do posicionamento usual desta C. Turma, no sentido de que o art. 20, §3º, da Lei 8.742/93
define limite objetivo de renda per capita a ser considerada, mas não impede a comprovação da
miserabilidade pela análise da situação específica de quem pleiteia o benefício. (Precedente do
E. STJ).
IV - Em que pese a improcedência da ADIN 1.232-DF, em julgamento recente dos Recursos
Extraordinários 567.985-MT e 580.983-PR, bem como da Reclamação 4.374, o E. Supremo
Tribunal Federal modificou o posicionamento adotado anteriormente, para entender pela
inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93.
V - O entendimento que prevalece atualmente no âmbito do E. STF é os de que as significativas
alterações no contexto socioeconômico desde a edição da Lei 8.742/93 e o reflexo destas nas
políticas públicas de assistência social, teriam criado um distanciamento entre os critérios para
aferição da miserabilidade previstos na LOAS e aqueles constantes no sistema de proteção social
que veio a se consolidar.
VI - O deferimento do benefício de prestação continuada ao autor não pode ser considerado
indevido unicamente pelas razões ora apontadas pelo INSS, sem a efetiva avaliação das
condições de vida da requerente e verificação da eventual existência de fatores que
demonstrassem a ausência de vulnerabilidade social.
VII - Ao que parece, o autor preenchia o requisito relativo à vulnerabilidade social à época em que
lhe foi concedido o benefício assistencial, devendo também, ser considerada a presunção de
legalidade de que se revestem os atos administrativos, não havendo que se falar em
ressarcimento dos valores pagos ao requerente a título de amparo social à pessoa portadora de
deficiência.
VIII - Verba honorária fixada em R$ 2.000,00.
IX – Preliminar rejeitada. Apelação do INSS improvida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egregia Decima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3 Regiao, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e,
no merito, negar provimento a apelacao do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
