Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0001221-42.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
18/12/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 22/01/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA
DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO.
REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO
DEMONSTRADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO.
RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA FAZER FRENTE AOS GASTOS. AUSENTES DESPESAS
COM TRATAMENTO OU MEDICAMENTOS. SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE. BAIRRO COM
BOA INFRAESTRUTURA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão
do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
pessoa incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por
sua família.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 26 de
outubro de 2015 (ID 103330133 – p. 105/107), quando a demandante possuía 63 (sessenta e
três) anos de idade, consignou o seguinte: “Trata-se de mulher, com 63 anos, que trabalhava
como doméstica, poliqueixosa, porém inexistem exames complementares e/ou laudos médicos
que comprovem as patologias mencionadas e/ou suas queixas, e, ao exame físico não foi
encontrado nada digno de nota. Como não apresenta documentação recente confirmando
qualquer tratamento médico atual, concluo que, nesse momento, Inexiste incapacidade
laborativa.”
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente
jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que
infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros
documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante
o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário
das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ,
4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA
200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Afastado, portanto, o impedimento de longo prazo da autora. Por outro lado, o requisito etário
fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 (sessenta e
cinco) anos no curso do processo, em 29/06/2017 (ID 103330133, p. 11).
11 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 15 de
janeiro de 2014 (ID 103330133, p. 7/80), informou que o núcleo familiar é formado por esta e o
seu filho.
12 - Residem em casa cedida, de alvenaria. A moradia é composta por “5 cômodos: 2 quartos,
sala, cozinha e banheiro (interior da casa), pequena área de serviço coberta telha tipo Eternit e
com tanque de cimento. Todos os cômodos cobertos com telhas tipo romana, sem forro,
revestimento nas paredes a base de pintura em todos os cômodos, piso cimento queimado,
quintal terra.”
13 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do exercício da atividade de
servente de pedreiro pelo filho da requerente, ADEÍLSON DE SÁ, que lhe rendia o valor
aproximado de R$ 800,00, época em que o salário mínimo era de R$ 724,00.
14 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, energia elétrica e água, cingiam
a aproximadamente R$ 467,00.
15 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente aos
gastos.
16 - Alie-se, como elemento de convicção, que a própria autora afirmou durante a visita que as
necessidades básicas vinham sendo supridas com a renda obtida pelo seu filho, frisando-se que,
apesar de suas queixas de saúde – sendo considerada apta para o trabalho na perícia – não há
menção de dispêndio financeiro com tratamento ou mesmo como medicamentos, do que se
deduz que os obtém gratuitamente por meio do serviço público de saúde.
17 - Cumpre verificar, ainda, que a morada é situada em bairro dotado de boa infraestrutura, nos
dizeres da assistente social, localizado “na zona urbana do município, local de fácil acesso, rua
pavimentada, possui guias e sarjetas, rede, água e esgoto, iluminação pública e coleta de lixo. Os
equipamentos existentes no bairro próximo ao domicilio Escola Estadual. Escola Objetivo, PSF.
Asilo Supermercado e comércios em geral” (ID 103330133 – p. 78).
18 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
19 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
20 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
21 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade
econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e
10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever
de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um
salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito
de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
22 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
23 - Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001221-42.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA PEDRO CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: JOSE FRANCISCO VILLAS BOAS - SP66430-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001221-42.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA PEDRO CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: JOSE FRANCISCO VILLAS BOAS - SP66430-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por MARIA PEDRO CARVALHO, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença julgou improcedente o pedido. Condenada a parte autora no pagamento dos
honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor da causa, suspensa a sua exigibilidade em
razão da concessão da gratuidade da justiça (ID 103330133, p. 123/127).
Em razões recursais, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que
preenche os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado. Requer a concessão da
tutela antecipada (ID 103330133, p. 131/134).
O INSS não apresentou contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 103330133, p. 148/158), no sentido do provimento do
apelo.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0001221-42.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA PEDRO CARVALHO
Advogado do(a) APELANTE: JOSE FRANCISCO VILLAS BOAS - SP66430-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi
reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada
pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente
de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou
ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da
reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado
comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros
meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por
meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva
assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento
motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual
essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de
prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do
Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido
tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar
somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de
qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo
em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não
havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no
sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis
Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito
do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Do caso concreto.
Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
pessoa incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por
sua família.
O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 26 de outubro
de 2015 (ID 103330133 – p. 105/107), quando a demandante possuía 63 (sessenta e três) anos
de idade, consignou o seguinte: “Trata-se de mulher, com 63 anos, que trabalhava como
doméstica, poliqueixosa, porém inexistem exames complementares e/ou laudos médicos que
comprovem as patologias mencionadas e/ou suas queixas, e, ao exame físico não foi encontrado
nada digno de nota. Como não apresenta documentação recente confirmando qualquer
tratamento médico atual, concluo que, nesse momento, Inexiste incapacidade laborativa.”
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do
que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Afastado, portanto, o impedimento de longo prazo da autora. Por outro lado, o requisito etário fora
devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 (sessenta e cinco)
anos no curso do processo, em 29/06/2017 (ID 103330133, p. 11).
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 15 de
janeiro de 2014 (ID 103330133, p. 7/80), informou que o núcleo familiar é formado por esta e o
seu filho.
Residem em casa cedida, de alvenaria. A moradia é composta por “5 cômodos: 2 quartos, sala,
cozinha e banheiro (interior da casa), pequena área de serviço coberta telha tipo Eternit e com
tanque de cimento. Todos os cômodos cobertos com telhas tipo romana, sem forro, revestimento
nas paredes a base de pintura em todos os cômodos, piso cimento queimado, quintal terra.”
A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do exercício da atividade de
servente de pedreiro pelo filho da requerente, ADEÍLSON DE SÁ, que lhe rendia o valor
aproximado de R$ 800,00, época em que o salário mínimo era de R$ 724,00.
As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, energia elétrica e água, cingiam a
aproximadamente R$ 467,00.
Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente aos
gastos.
Alie-se, como elemento de convicção, que a própria autora afirmou durante a visita que as
necessidades básicas vinham sendo supridas com a renda obtida pelo seu filho, frisando-se que,
apesar de suas queixas de saúde – sendo considerada apta para o trabalho na perícia – não há
menção de dispêndio financeiro com tratamento ou mesmo como medicamentos, do que se
deduz que os obtém gratuitamente por meio do serviço público de saúde.
Cumpre verificar, ainda, que a morada é situada em bairro dotado de boa infraestrutura, nos
dizeres da assistente social, localizado “na zona urbana do município, local de fácil acesso, rua
pavimentada, possui guias e sarjetas, rede, água e esgoto, iluminação pública e coleta de lixo. Os
equipamentos existentes no bairro próximo ao domicilio Escola Estadual. Escola Objetivo, PSF.
Asilo Supermercado e comércios em geral” (ID 103330133 – p. 78).
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é
auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja,
nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a
situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo
legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e 10.741/03 vão
além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos
e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação
da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de
1º grau de jurisdição.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA
DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADO IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO.
REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO
DEMONSTRADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO.
RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA FAZER FRENTE AOS GASTOS. AUSENTES DESPESAS
COM TRATAMENTO OU MEDICAMENTOS. SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE. BAIRRO COM
BOA INFRAESTRUTURA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO
DESPROVIDO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão
do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
pessoa incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por
sua família.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 26 de
outubro de 2015 (ID 103330133 – p. 105/107), quando a demandante possuía 63 (sessenta e
três) anos de idade, consignou o seguinte: “Trata-se de mulher, com 63 anos, que trabalhava
como doméstica, poliqueixosa, porém inexistem exames complementares e/ou laudos médicos
que comprovem as patologias mencionadas e/ou suas queixas, e, ao exame físico não foi
encontrado nada digno de nota. Como não apresenta documentação recente confirmando
qualquer tratamento médico atual, concluo que, nesse momento, Inexiste incapacidade
laborativa.”
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção
das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente
jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que
infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros
documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante
o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário
das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ,
4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA
200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Afastado, portanto, o impedimento de longo prazo da autora. Por outro lado, o requisito etário
fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade mínima de 65 (sessenta e
cinco) anos no curso do processo, em 29/06/2017 (ID 103330133, p. 11).
11 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 15 de
janeiro de 2014 (ID 103330133, p. 7/80), informou que o núcleo familiar é formado por esta e o
seu filho.
12 - Residem em casa cedida, de alvenaria. A moradia é composta por “5 cômodos: 2 quartos,
sala, cozinha e banheiro (interior da casa), pequena área de serviço coberta telha tipo Eternit e
com tanque de cimento. Todos os cômodos cobertos com telhas tipo romana, sem forro,
revestimento nas paredes a base de pintura em todos os cômodos, piso cimento queimado,
quintal terra.”
13 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do exercício da atividade de
servente de pedreiro pelo filho da requerente, ADEÍLSON DE SÁ, que lhe rendia o valor
aproximado de R$ 800,00, época em que o salário mínimo era de R$ 724,00.
14 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, energia elétrica e água, cingiam
a aproximadamente R$ 467,00.
15 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente aos
gastos.
16 - Alie-se, como elemento de convicção, que a própria autora afirmou durante a visita que as
necessidades básicas vinham sendo supridas com a renda obtida pelo seu filho, frisando-se que,
apesar de suas queixas de saúde – sendo considerada apta para o trabalho na perícia – não há
menção de dispêndio financeiro com tratamento ou mesmo como medicamentos, do que se
deduz que os obtém gratuitamente por meio do serviço público de saúde.
17 - Cumpre verificar, ainda, que a morada é situada em bairro dotado de boa infraestrutura, nos
dizeres da assistente social, localizado “na zona urbana do município, local de fácil acesso, rua
pavimentada, possui guias e sarjetas, rede, água e esgoto, iluminação pública e coleta de lixo. Os
equipamentos existentes no bairro próximo ao domicilio Escola Estadual. Escola Objetivo, PSF.
Asilo Supermercado e comércios em geral” (ID 103330133 – p. 78).
18 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
19 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
20 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
21 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade
econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e
10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o dever
de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um
salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito
de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
22 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
23 - Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r.
sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA