Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5279187-41.2020.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/11/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 03/12/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO
DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA
DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO
CONFIGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RENDA PER
CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. VALOR ACIMA DO PARÂMETRO
JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE. RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA OS
GASTOS. GARANTIA DAS NECESSIDADES BÁSICAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, COM MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de
fevereiro de 2019 (ID 135930839 – p. 1/5), quando o requerente tinha 42 (quarenta e dois) anos
de idade, consignou o seguinte: “Conforme informações colhidas no processo, anamnese com o
periciado, exames e atestados anexados ao processo, exame físico realizado no ato da perícia
médica judicial, periciado apresenta incapacidade total e temporária para realizar atividades
laborais, em decorrência de fratura sofrida no tornozelo esquerdo, com complicações cirúrgicas,
ocorrendo Osteomielite, quadro infeccioso que impede a consolidação da fratura. No exame físico
pericial foram apuradas alterações no tornozelo decorrente da fratura que lhe causam limitações,
sendo necessário afastamento laboral de 6 meses para tratamento otimizado e melhora. Entende-
se que esteja incapacitado desde 01/2017, quando sofreu a fratura, uma vez que, conforme
análise documental, foi possível apurar que desde então não houve recuperação ou melhora a
ponto de restabelecer a sua capacidade laborativa. Documento médico indica ainda ser portador
de Epilepsia.”
8 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
9 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
10 - Desta feita, a constatação de que o autor está incapacitado totalmente para o exercício de
atividades laborativas por período superior a 2 (dois) anos – considerado o período entre a data
de início da incapacidade e a data da perícia – é suficiente para a caracterização do impedimento
de longo prazo.
11 - A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do
benefício ora em análise.
12 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 09 de
julho de 2019 (ID 135930862, p. 2/11), informou que o núcleo familiar é composto por este, a sua
esposa e a filha do casal.
13 - Residem em casa alugada. “A residência é localizada próxima ao centro, não muito grande,
com 05 cômodos pequenos, forrada com PVC e uma área na frente (contrapiso e sem forro). Os
móveis apresentam bom estado de conservação, e segundo depoimentos do casal, foram
adquiridos ainda quando tinham uma condição financeira melhor.”
14 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com aluguel, água, energia elétrica, farmácia e
supermercado, cingiam a aproximadamente R$ 993,71, observado que os gastos de água e luz
eram rateados entre o autor e a Igreja.
15 - A renda da família, segundo informado à assistente social, decorria da pensão por morte
auferida pela esposa do requerente, no valor de R$ 800,00, além dos “bicos” realizados como
cuidadora e faxineira, no valor de R$ 290,00 mensais, época em que o salário mínimo era de R$
998,00. Recebiam, ainda, R$ 190,00, em virtude de inscrição no Programa Bolsa Família do
Governo Federal, valor este que sequer pode ser considerado para fins de concessão do
benefício assistencial de prestação continuada (art. 4º, §2º, II, do Dec. 6.214/2007).
16 - Cabe acrescentar, consoante informações obtidas pelo extrato anexo do INSS – histórico de
créditos da pensão por morte recebida pela esposa do autor, que passa a integrar a presente
decisão, que o valor do benefício na data do estudo social era de R$ 1.230,19, sendo que em
novembro do presente ano o montante atualizado era de R$ 1.355,34.
17 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de suficiente para fazer frente aos
gastos essenciais dos seus integrantes, seja pelo critério da renda bruta ou mesmo pela ótica dos
valores líquidos recebidos.
18 - Vale destacar, ainda, a informação apurada pela assistente social, de que o casal recebe
doações da igreja e também de pessoas conhecidas.
19 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a parte autora, jus ao benefício assistencial.
20 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
21- Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
22- O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos
e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
23- O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
24– Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os
limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
25- Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido, com majoração da verba
honorária.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5279187-41.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: EDSON MOTA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: BRUNA STEPHANIE ROSSI SOARES - SP294516-N, RAFAELA
MIYASAKI - SP286313-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5279187-41.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: EDSON MOTA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: BRUNA STEPHANIE ROSSI SOARES - SP294516-N, RAFAELA
MIYASAKI - SP286313-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por EDSON MOTA DA SILVA, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, objetivando a concessão do benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença julgou improcedente o pedido. Condenada a parte autora no pagamento dos
honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa, suspensa sua exigibilidade
em razão da concessão da gratuidade da justiça (ID 135930877, p. 1/4).
Em razões recursais, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que
preenche os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado, desde a data do
requerimento administrativo. Requer o pagamento de honorários advocatícios de 15% das
prestações vencidas até a data do acórdão condenatório (ID 135930880, p. 1/13).
O INSS não apresentou contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 155812158, p. 1/4), no sentido do desprovimento do
recurso.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5279187-41.2020.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: EDSON MOTA DA SILVA
Advogados do(a) APELANTE: BRUNA STEPHANIE ROSSI SOARES - SP294516-N, RAFAELA
MIYASAKI - SP286313-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte
redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de
1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos
foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício
de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo
vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão
por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia
repetitiva assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre
convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida
como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode
admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o
seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03,
referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se
considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício
previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado
e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu
no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado
segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Do caso concreto.
Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de
fevereiro de 2019 (ID 135930839 – p. 1/5), quando o requerente tinha 42 (quarenta e dois) anos
de idade, consignou o seguinte:
“Conforme informações colhidas no processo, anamnese com o periciado, exames e atestados
anexados ao processo, exame físico realizado no ato da perícia médica judicial, periciado
apresenta incapacidade total e temporária para realizar atividades laborais, em decorrência de
fratura sofrida no tornozelo esquerdo, com complicações cirúrgicas, ocorrendo Osteomielite,
quadro infeccioso que impede a consolidação da fratura. No exame físico pericial foram
apuradas alterações no tornozelo decorrente da fratura que lhe causam limitações, sendo
necessário afastamento laboral de 6 meses para tratamento otimizado e melhora. Entende-se
que esteja incapacitado desde 01/2017, quando sofreu a fratura, uma vez que, conforme
análise documental, foi possível apurar que desde então não houve recuperação ou melhora a
ponto de restabelecer a sua capacidade laborativa. Documento médico indica ainda ser
portador de Epilepsia.”
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre
convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou
científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.
Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas
partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se
vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração
do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000,
Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo
Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
Desta feita, a constatação de que o autor está incapacitado totalmente para o exercício de
atividades laborativas por período superior a 2 (dois) anos – considerado o período entre a data
de início da incapacidade e a data da perícia – é suficiente para a caracterização do
impedimento de longo prazo.
A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do benefício
ora em análise.
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 09 de
julho de 2019 (ID 135930862, p. 2/11), informou que o núcleo familiar é composto por este, a
sua esposa e a filha do casal.
Residem em casa alugada. “A residência é localizada próxima ao centro, não muito grande,
com 05 cômodos pequenos, forrada com PVC e uma área na frente (contrapiso e sem forro).
Os móveis apresentam bom estado de conservação, e segundo depoimentos do casal, foram
adquiridos ainda quando tinham uma condição financeira melhor.”
As despesas relatadas, envolvendo gastos com aluguel, água, energia elétrica, farmácia e
supermercado, cingiam a aproximadamente R$ 993,71, observado que os gastos de água e luz
eram rateados entre o autor e a Igreja.
A renda da família, segundo informado à assistente social, decorria da pensão por morte
auferida pela esposa do requerente, no valor de R$ 800,00, além dos “bicos” realizados como
cuidadora e faxineira, no valor de R$ 290,00 mensais, época em que o salário mínimo era de
R$ 998,00. Recebiam, ainda, R$ 190,00, em virtude de inscrição no Programa Bolsa Família do
Governo Federal, valor este que sequer pode ser considerado para fins de concessão do
benefício assistencial de prestação continuada (art. 4º, §2º, II, do Dec. 6.214/2007).
Cabe acrescentar, consoante informações obtidas pelo extrato anexo do INSS – histórico de
créditos da pensão por morte recebida pela esposa do autor, que passa a integrar a presente
decisão, que o valor do benefício na data do estudo social era de R$ 1.230,19, sendo que em
novembro do presente ano o montante atualizado era de R$ 1.355,34.
Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de suficiente para fazer frente aos
gastos essenciais dos seus integrantes, seja pelo critério da renda bruta ou mesmo pela ótica
dos valores líquidos recebidos.
Vale destacar, ainda, a informação apurada pela assistente social, de que o casal recebe
doações da igreja e também de pessoas conhecidas.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a parte autora, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada
é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou
seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e
quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco
deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de
medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata
tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem
por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de
1º grau de jurisdição. Em atenção ao disposto no artigo 85, §11, do CPC, ficam os honorários
advocatícios majorados em 2% (dois por cento), respeitando-se os limites previstos nos §§ 2º e
3º do mesmo artigo.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.
ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº
8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA.
ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO
DE LONGO PRAZO CONFIGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO
DEMONSTRADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO.
VALOR ACIMA DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE.
RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA OS GASTOS. GARANTIA DAS NECESSIDADES
BÁSICAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, COM
MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega,
é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de
fevereiro de 2019 (ID 135930839 – p. 1/5), quando o requerente tinha 42 (quarenta e dois) anos
de idade, consignou o seguinte: “Conforme informações colhidas no processo, anamnese com o
periciado, exames e atestados anexados ao processo, exame físico realizado no ato da perícia
médica judicial, periciado apresenta incapacidade total e temporária para realizar atividades
laborais, em decorrência de fratura sofrida no tornozelo esquerdo, com complicações cirúrgicas,
ocorrendo Osteomielite, quadro infeccioso que impede a consolidação da fratura. No exame
físico pericial foram apuradas alterações no tornozelo decorrente da fratura que lhe causam
limitações, sendo necessário afastamento laboral de 6 meses para tratamento otimizado e
melhora. Entende-se que esteja incapacitado desde 01/2017, quando sofreu a fratura, uma vez
que, conforme análise documental, foi possível apurar que desde então não houve recuperação
ou melhora a ponto de restabelecer a sua capacidade laborativa. Documento médico indica
ainda ser portador de Epilepsia.”
8 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
9 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
10 - Desta feita, a constatação de que o autor está incapacitado totalmente para o exercício de
atividades laborativas por período superior a 2 (dois) anos – considerado o período entre a data
de início da incapacidade e a data da perícia – é suficiente para a caracterização do
impedimento de longo prazo.
11 - A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do
benefício ora em análise.
12 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 09 de
julho de 2019 (ID 135930862, p. 2/11), informou que o núcleo familiar é composto por este, a
sua esposa e a filha do casal.
13 - Residem em casa alugada. “A residência é localizada próxima ao centro, não muito grande,
com 05 cômodos pequenos, forrada com PVC e uma área na frente (contrapiso e sem forro).
Os móveis apresentam bom estado de conservação, e segundo depoimentos do casal, foram
adquiridos ainda quando tinham uma condição financeira melhor.”
14 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com aluguel, água, energia elétrica, farmácia e
supermercado, cingiam a aproximadamente R$ 993,71, observado que os gastos de água e luz
eram rateados entre o autor e a Igreja.
15 - A renda da família, segundo informado à assistente social, decorria da pensão por morte
auferida pela esposa do requerente, no valor de R$ 800,00, além dos “bicos” realizados como
cuidadora e faxineira, no valor de R$ 290,00 mensais, época em que o salário mínimo era de
R$ 998,00. Recebiam, ainda, R$ 190,00, em virtude de inscrição no Programa Bolsa Família do
Governo Federal, valor este que sequer pode ser considerado para fins de concessão do
benefício assistencial de prestação continuada (art. 4º, §2º, II, do Dec. 6.214/2007).
16 - Cabe acrescentar, consoante informações obtidas pelo extrato anexo do INSS – histórico
de créditos da pensão por morte recebida pela esposa do autor, que passa a integrar a
presente decisão, que o valor do benefício na data do estudo social era de R$ 1.230,19, sendo
que em novembro do presente ano o montante atualizado era de R$ 1.355,34.
17 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de suficiente para fazer frente aos
gastos essenciais dos seus integrantes, seja pelo critério da renda bruta ou mesmo pela ótica
dos valores líquidos recebidos.
18 - Vale destacar, ainda, a informação apurada pela assistente social, de que o casal recebe
doações da igreja e também de pessoas conhecidas.
19 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não
fazendo, portanto, a parte autora, jus ao benefício assistencial.
20 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
21- Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
22- O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de
medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
23- O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
24– Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os
limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
25- Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido, com majoração da verba
honorária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação da parte autora, com majoração da verba
honorária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA