Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / MS
5000104-96.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
06/01/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/01/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO INCONTROVERSO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO
PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03.
APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ
(REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE
NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM
CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. RENDA PER
CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A R$1.200,00. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. GASTOS CINCO
VEZES MENORES QUE OS GANHOS. PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA ESTADUAL DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA. MORADIA
PRÓPRIA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE SATISFATÓRIAS. MÍNIMO EXISTENCIAL
GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. REVOGAÇÃO DA
TUTELA ANTECIPADA. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, COM SUSPENSÃO DOS
EFEITOS. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. APELO DA
PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, na medida em que o INSS não
impugnou o capítulo da sentença que o reconheceu, nem esta foi submetida à remessa
necessária.
8 - O estudo social, elaborado com base em visita à casa da demandante, em 07 de maio de
2015 (ID 21469), informou que o núcleo familiar é formado por esta, seu esposo e 2 (dois) filhos.
Residem em casa própria, "construída em alvenaria, contendo 06 cômodos, em péssimo estado
de conservação (...) Não há telefone fixo, apenas celular pré-pago; há 01 (uma) televisão, 01 (um)
fogão, 01 (uma) geladeira. A família não possui ferro de passar roupas nem liquidificador. O local
em que a família reside é servido de esgoto, a rua é asfaltada. A residência é localizada em frente
à unidade básica de saúde. Não há transporte público".
9 - A renda do núcleo familiar, na época do estudo e segundo o informado à assistente, decorria
dos proventos de aposentadoria de seu esposo, FRANCISCO VIEIRA, no valor de um salário
mínimo.
10 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
encontra-se acostado aos autos (IDs 165005, 165006, 165008 e 165009), dão conta que um dos
filhos da autora, PAULO HENRIQUE RAMOS VIEIRA, percebeu a quantia de R$3.519,69, em
maio de 2015. Seu outro filho, TIAGO RAMOS VIEIRA, passou a desenvolver atividade laboral
pouco tempo depois, junto à PAMPILI PRODUTOS PARA MENINAS LTDA, em agosto daquele
ano, percebeu a quantia de aproximadamente R$800,00.
11 - Assim sendo, a renda total da família era, em verdade, de R$5.107,69, 2 (dois) meses após a
visita da assistente social, chegando, por cabeça, a mais de R$1.200,00.
12 - As despesas, envolvendo gastos com alimentação, energia e medicamentos, cingiam a
aproximadamente R$890,00.
13 - Em suma, os rendimentos familiares eram 5 (cinco) vezes maiores que os seus dispêndios,
restando afastado, por completo, a vulnerabilidade alegada.
14 - A família participa de Programa do Governo Estadual de Transferência de Renda (Vale
Renda), recebendo cerca de R$170,00, o que denota estar amparada pelo Poder Público.
15 - Alie-se, como elemento de convicção, que são proprietários de um veículo automotor, ainda
que antigo (Fiat Pálio 97).
16 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
17 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
18 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
19 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
20 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
21 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente
desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos,
desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da
Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
22 - Apelação do INSS desprovida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. Revogação
da tutela antecipada. Inversão dos ônus de sucumbência, com suspensão dos efeitos. Dever de
pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelo da parte autora prejudicado.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000104-96.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCA RAMOS DE JESUS VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: ROBSON CARDOSO DE CARVALHO - MS11908-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000104-96.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCA RAMOS DE JESUS VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: ROBSON CARDOSO DE CARVALHO - MS11908-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelações interpostas pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS e
por FRANCISCA RAMOS DE JESUS VIEIRA, em ação ajuizada pela última, objetivando a
concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença julgou procedente o pedido deduzido na inicial, condenando o INSS na concessão e
no pagamento dos atrasados de beneplácito assistencial, desde a data da apresentação do
requerimento administrativo, ocorrida em 07/10/2011 (ID 21492, p. 6). Fixou correção monetária e
juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, observando-se o decidido pelo C. STF
4425 e 4357. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em
10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua
prolação. Por fim, determinou a imediata implantação (ID 21482).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a parte
autora não demonstrou ser hipossuficiente para fins de concessão do benefício assistencial (ID
21471).
A requerente também interpôs apelo, na forma adesiva, no qual pleiteia a majoração da verba
honorária (ID 21495).
Apresentou, ainda, contrarrazões (ID 21473).
Devidamente processados os recursos, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional
Federal.
O Ministério Público Federal (ID 165000), no sentido do provimento do apelo do INSS, julgando-
se prejudicado o apelo da requerente.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5000104-96.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: FRANCISCA RAMOS DE JESUS VIEIRA
Advogado do(a) APELADO: ROBSON CARDOSO DE CARVALHO - MS11908-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi
reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada
pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente
de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou
ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da
reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado
comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros
meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por
meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva
assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento
motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual
essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de
prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do
Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido
tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar
somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de
qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo
em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não
havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no
sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis
Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito
do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Do caso concreto.
Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e
não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, na medida em que o INSS não
impugnou o capítulo da sentença que o reconheceu, nem esta foi submetida à remessa
necessária.
O estudo social, elaborado com base em visita à casa da demandante, em 07 de maio de 2015
(ID 21469), informou que o núcleo familiar é formado por esta, seu esposo e 2 (dois) filhos.
Residem em casa própria, "construída em alvenaria, contendo 06 cômodos, em péssimo estado
de conservação (...) Não há telefone fixo, apenas celular pré-pago; há 01 (uma) televisão, 01 (um)
fogão, 01 (uma) geladeira. A família não possui ferro de passar roupas nem liquidificador. O local
em que a família reside é servido de esgoto, a rua é asfaltada. A residência é localizada em frente
à unidade básica de saúde. Não há transporte público".
A renda do núcleo familiar, na época do estudo e segundo o informado à assistente, decorria dos
proventos de aposentadoria de seu esposo, FRANCISCO VIEIRA, no valor de um salário mínimo.
Todavia, informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos
extratos encontra-se acostado aos autos (IDs 165005, 165006, 165008 e 165009), dão conta que
o filho da autora, PAULO HENRIQUE RAMOS VIEIRA, percebeu a quantia de R$3.519,69, em
maio de 2015. Seu outro filho, TIAGO RAMOS VIEIRA, passou a desenvolver atividade laboral
pouco tempo depois, junto à PAMPILI PRODUTOS PARA MENINAS LTDA, em agosto daquele
ano, percebeu a quantia de aproximadamente R$800,00.
Assim sendo, a renda total da família era, em verdade, de R$5.107,69, 2 (dois) meses após a
visita da assistente social, chegando, por cabeça, a mais de R$1.200,00.
As despesas, envolvendo gastos com alimentação, energia e medicamentos, cingiam a
aproximadamente R$890,00.
Em suma, os rendimentos familiares eram 5 (cinco) vezes maiores que os seus dispêndios,
restando afastado, por completo, a vulnerabilidade alegada.
A família participa de Programa do Governo Estadual de Transferência de Renda (Vale Renda),
recebendo cerca de R$170,00, o que denota estar amparada pelo Poder Público.
Alie-se, como elemento de convicção, que são proprietários de um veículo automotor, ainda que
antigo (Fiat Pálio 97).
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é
auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja,
nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a
situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo
legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas
portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o
trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento. O dever,
portanto, é, em primeiro lugar, da família.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação
da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS para reformar a r. sentença de 1º grau de
jurisdição e, com isso, julgar improcedente o pedido deduzido na inicial, restando prejudicada a
apelação da parte autora.
Inverto o ônus sucumbencial, condenando-a no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, os quais
arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por
5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a
concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e
12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
Revogo os efeitos da tutela antecipada.
Oficie-se ao INSS.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO INCONTROVERSO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO
PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03.
APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ
(REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE
NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM
CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. RENDA PER
CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A R$1.200,00. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. GASTOS CINCO
VEZES MENORES QUE OS GANHOS. PROPRIEDADE DE VEÍCULO AUTOMOTOR.
PARTICIPAÇÃO EM PROGRAMA ESTADUAL DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA. MORADIA
PRÓPRIA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE SATISFATÓRIAS. MÍNIMO EXISTENCIAL
GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. REVOGAÇÃO DA
TUTELA ANTECIPADA. INVERSÃO DOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA, COM SUSPENSÃO DOS
EFEITOS. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. APELO DA
PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, na medida em que o INSS não
impugnou o capítulo da sentença que o reconheceu, nem esta foi submetida à remessa
necessária.
8 - O estudo social, elaborado com base em visita à casa da demandante, em 07 de maio de
2015 (ID 21469), informou que o núcleo familiar é formado por esta, seu esposo e 2 (dois) filhos.
Residem em casa própria, "construída em alvenaria, contendo 06 cômodos, em péssimo estado
de conservação (...) Não há telefone fixo, apenas celular pré-pago; há 01 (uma) televisão, 01 (um)
fogão, 01 (uma) geladeira. A família não possui ferro de passar roupas nem liquidificador. O local
em que a família reside é servido de esgoto, a rua é asfaltada. A residência é localizada em frente
à unidade básica de saúde. Não há transporte público".
9 - A renda do núcleo familiar, na época do estudo e segundo o informado à assistente, decorria
dos proventos de aposentadoria de seu esposo, FRANCISCO VIEIRA, no valor de um salário
mínimo.
10 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujos extratos
encontra-se acostado aos autos (IDs 165005, 165006, 165008 e 165009), dão conta que um dos
filhos da autora, PAULO HENRIQUE RAMOS VIEIRA, percebeu a quantia de R$3.519,69, em
maio de 2015. Seu outro filho, TIAGO RAMOS VIEIRA, passou a desenvolver atividade laboral
pouco tempo depois, junto à PAMPILI PRODUTOS PARA MENINAS LTDA, em agosto daquele
ano, percebeu a quantia de aproximadamente R$800,00.
11 - Assim sendo, a renda total da família era, em verdade, de R$5.107,69, 2 (dois) meses após a
visita da assistente social, chegando, por cabeça, a mais de R$1.200,00.
12 - As despesas, envolvendo gastos com alimentação, energia e medicamentos, cingiam a
aproximadamente R$890,00.
13 - Em suma, os rendimentos familiares eram 5 (cinco) vezes maiores que os seus dispêndios,
restando afastado, por completo, a vulnerabilidade alegada.
14 - A família participa de Programa do Governo Estadual de Transferência de Renda (Vale
Renda), recebendo cerca de R$170,00, o que denota estar amparada pelo Poder Público.
15 - Alie-se, como elemento de convicção, que são proprietários de um veículo automotor, ainda
que antigo (Fiat Pálio 97).
16 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
17 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
18 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
19 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
20 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
21 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente
desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos,
desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da
Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
22 - Apelação do INSS desprovida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. Revogação
da tutela antecipada. Inversão dos ônus de sucumbência, com suspensão dos efeitos. Dever de
pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. Apelo da parte autora prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação do INSS para reformar a r. sentença de 1º grau
de jurisdição e, com isso, julgar improcedente o pedido deduzido na inicial, restando prejudicada
a apelação da parte autora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
