Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1316753 / SP
0026552-75.2008.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
27/05/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REQUISITO ETÁRIO PREENCHIDO. BENEFÍCIO DE VALOR
MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº
10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ
(REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE
NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE
EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. AFASTADA SITUAÇÃO DE RISCO. FILHO QUE
RESIDIA NO MESMO TERRENO DA AUTORA E AUFERIU RENDIMENTOS NO MÊS DA
VISITA DA ASSISTENTE SOCIAL. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES. DEVER DE AUXÍLIO É,
EM PRIMEIRO LUGAR, DA FAMÍLIA. PAGAMENTO DE AUXÍLIO-FUNERÁRIO. DIVISÃO DE
CONTAS DE ÁGUA E LUZ ENTRE TRÊS FAMÍLIAS. OBTENÇÃO DE MEDICAMENTOS VIA
SUS. MORADIA PRÓPRIA. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. APELAÇÃO DO INSS PROVIDA. SENTENÇA
REFORMADA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DOS ÔNUS DE
SUCUMBÊNCIA, COM SUSPENSÃO DOS EFEITOS. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO.
GRATUIDADE DA JUSTIÇA. APELO DA PARTE AUTORA PREJUDICADO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alegava, era
incapaz e não possuía condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O requisito etário fora devidamente preenchido, considerando o implemento da idade
mínima de 65 (sessenta e cinco) anos em 25/12/2004 (fl. 17), anteriormente à propositura da
presente demanda (15/08/2006 - fl. 02).
8 - Entretanto, não restou demonstrada a hipossuficiência econômica. Por primeiro, nessa
seara, destaca-se que, informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais -
CNIS, as quais seguem anexas aos autos, dão conta que a requerente percebeu benefício
previdenciário de pensão por morte, entre 1/06/2009 e 23/12/2018 (NB: 144.815.521-2). Assim,
a partir de então, é certo que não faz mais jus ao deferimento do benefício assistencial, nos
exatos termos do art. 20, §4º, da Lei 8.742/93, o qual veda a cumulação deste com qualquer
outro no âmbito da seguridade social, exceto os da assistência médica e da pensão especial de
natureza indenizatória. Todavia, também não faz jus ao beneplácito em período anterior a
1/06/2009.
9 - O estudo social, realizado em 13 de junho de 2007, (fls. 56/67), informou que o núcleo
familiar era formado pela autora e seu marido. A família residia em imóvel próprio, com 5 (cinco)
cômodos. Segundo o relatado, "a casa estava sem acabamento na parte externa e os móveis
eram velhos, porém, conservados", sendo que "no terreno da casa da Sra. Natália moravam 3
(três) famílias, contando com ela, com isso as contas como energia e água eram divididas".
10 - Ainda que desconsiderado o benefício de aposentadoria percebido pelo esposo da
requerente, JOSÉ SILVÉRIO RODRIGUES, o qual, até a época do estudo, não havia falecido
(faleceu em 1/06/2009), mesmo assim a família não se encontrava em situação de miséria
absoluta.
11 - Segundo os extratos do CNIS já mencionados, o filho da demandante, JOSÉ CARLOS
RODRIGUES, percebeu a quantia de R$741,00, no mês da visita da assistente social
(competência 06/2006). Por conseguinte, poderia ajudar seus genitores já que, além da sua
remuneração, residia no mesmo terreno da casa daqueles.
12 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das
pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou
psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o
sustento. O dever, portanto, é, em primeiro lugar, da família.
13 - A autora obtinha medicamentos de forma gratuita junto à rede pública de saúde. Por outro
lado, as contas de água e luz eram dividas por 3 (três) famílias.
14 - Alie-se, como elemento de convicção, a afastar a vulnerabilidade alegada, o fato de que a
requerente e seu marido despendiam quantia mensal para pagamento de auxílio-funerário.
14 - Por fim, repisa-se que a residência era própria.
15 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que a
demandante não se enquadrava na concepção legal de hipossuficiência econômica, antes da
percepção da pensão por morte, não fazendo, portanto, jus a quaisquer atrasados de benefício
assistencial.
16 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
17 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
18 - O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso. Até porque a realidade
econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis nº 8.742/93 e
10.741/03 vão além e exigem que o idoso se encontre em situação de risco. Frisa-se que o
dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor
de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de
miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência
de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento
gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a
garantir o mínimo existencial.
19 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
20 - Condenada a parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente
desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez
por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos,
desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos
benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da
Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC.
21 - Apelação do INSS provida. Sentença reformada. Ação julgada improcedente. Inversão dos
ônus de sucumbência, com suspensão dos efeitos. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade
da justiça. Apelo da parte autora prejudicado.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
do INSS para reformar a r. sentença de 1º grau de jurisdição e, com isso, julgar improcedente o
pedido deduzido na inicial, restando prejudicado o apelo da parte autora, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Referência Legislativa
***** EIDO-2003 ESTATUTO DO IDOSO
LEG-FED LEI-10741 ANO-2003 ART-34 PAR-ÚNICO***** CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988
LEG-FED ANO-1988 ART-203 INC-5***** LOAS-93 LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
LEG-FED LEI-8742 ANO-1993 ART-20 PAR-2 PAR-3 PAR-4LEG-FED LEI-13146 ANO-
2015***** LAJ-50 LEI DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
LEG-FED LEI-1060 ANO-1950 ART-11 PAR-2 ART-12***** CPC-15 CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 2015
LEG-FED LEI-13105 ANO-2015 ART-98 PAR-3
Veja
STF ADI 1.232/DF;
STF RCL 4.374/PE.
