Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0019364-79.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
13/05/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 25/05/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA. ESTUDO SOCIAL
REALIZADO. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.
ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA
MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO INCONTROVERSO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RENDA
PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. ACIMA DO PARÂMETRO
JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE. RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA OS
GASTOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1 – Rejeitada a preliminar arguida, tendo em vista que, em ações como a presente, na qual se
busca a obtenção do benefício assistencial de prestação continuada, o estudo social, orientado
por visita e entrevista na casa do postulante - realizado nos autos -, é o instrumento apto e
suficiente para a averiguação da hipossuficiência econômica, figurando, desta feita, como
desnecessária a oitiva testemunhal ou qualquer outra modalidade probatória para demonstrar o
requisito da miserabilidade, registrado, ainda, que a deficiência restou incontroversa.
2 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
3 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
4 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
5 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
6 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
7 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão
do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
8 - Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
9 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, uma vez que, submetida a
exame médico-pericial em 20 de maio de 2015, a autora, atualmente com 26 (vinte e seis) anos
de idade, fora diagnosticada como portadora de sequela de traumatismo craniano, acarretando
incapacidade total e permanente para o desempenho de atividade laboral, bem como para os
atos da vida civil.
10 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 22 de
maio de 2015 (ID 103904094, p. 81/85), informou que o núcleo familiar é formado por esta, sua
irmã, seus pais e seus avós.
11 - Residem em casa dos avós maternos. “Construída em alvenaria, contendo 01 dormitório,
sala, cozinha, área de serviço/cozinha, e banheiro. Piso frio, com forro.” Informaram que estão
morando na cidade de Colina-SP há nove meses, pois a empresa em que o genitor da requerente
trabalha não estaria pagando os salários desde outubro de 2014, além dele estar se recuperando
de uma cirurgia e estar aguardando receber o auxílio-doença.
12 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de
aposentadoria auferidos pelo avô da requerente, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 – ano
de 2015), além de “doação familiar” no valor de R$ 100,00. No entanto, como se observa do CNIS
trazido pela autarquia a juízo (ID 103904094 – p. 106), o pai da autora, RICARDO TAPIA FILHO,
empregado na “Agropecuária Nossa Senhora do Carmo SA”, também vinha recebendo o seu
salário, de forma ininterrupta, desde outubro de 2013. Particularmente no mês em que foi
realizado o estudo social – maio de 2015-, a remuneração recebida foi de R$ 2.263,20, sendo que
na média o seu salário era superior a R$ 2.500,00. Assim, é possível assegurar que os
rendimentos familiares totalizavam valor acima de R$ 3.000,00.
13 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, energia elétrica, água,
combustível, prestações e medicamentos, cingiam a aproximadamente R$ 951,00.
14 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente às
despesas.
15 - Observa-se que, por determinação do juízo, houve complementação do laudo social em
novembro de 2016. Na ocasião, apurou-se que o pai da autora auferia R$ 5,20 por hora
trabalhada, num total de 44 horas semanais (ID 103904094 – p. 135), o que lhe renderia em torno
de R$ 915,20 mensais. Todavia, a própria requerente apresentou comprovante de pagamento do
seu genitor, para o mesmo mês de novembro do ano de 2016, no valor de R$ 2.443,00 (ID
103904094 – p. 142), sendo que em grande parte deste ano os seus vencimentos superaram os
R$ 4.000,00 (ID 103904094 – p. 106).
16 - Desta feita, diante da identificação de rendimentos ainda superiores aos apurados
inicialmente, mesmo em momento posterior, os novos elementos de prova reunidos distanciam
ainda mais os familiares da situação de miserabilidade, ratificando a ausência de dificuldades
financeiras.
17 - Ademais, vale também destacar que, na segunda visita domiciliar, a autora e sua família já
haviam deixado a cidade de Colina-SP, onde residem os seus avós. A mudança para a cidade de
Palmares Paulista-SP, por si só, altera significativamente o núcleo familiar e também impossibilita
a constatação pretendida, tendo em conta o estudo social realizado em outra localidade e com
número diverso de integrantes.
18 – Por fim, consigno que a notícia da situação de desemprego do pai da requerente, a partir de
abril/2020, trazida na undécima hora, em nada lhe socorre, considerando que a aferição da
condição de hipossuficiência econômica se deu por ocasião da realização do estudo social.
Eventual alteração fática no cenário então retratado, deve ser objeto de requerimento autônomo,
na medida em que o benefício assistencial ora pleiteado, por seu caráter transitório, possui a
característica rebus sic stantibus.
19 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
20 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
21 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não
pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
22 - O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos
e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
23 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
24 – Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora desprovida.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0019364-79.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: LAIS HELENA BARBI TAPIA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO MELO FILHO - SP184689-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: CLAUDIA VALERIA BARBI TAPIA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FERNANDO MELO FILHO - SP184689-N
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0019364-79.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: LAIS HELENA BARBI TAPIA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO MELO FILHO - SP184689-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: CLAUDIA VALERIA BARBI TAPIA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FERNANDO MELO FILHO - SP184689-N
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por LAÍS HELENA BARBI TÁPIA, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença julgou improcedente o pedido. Condenada a parte autora no pagamento das
custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor
atualizado da causa, suspensa sua exigibilidade em razão da concessão da gratuidade da
justiça (ID 103904094, p. 170/173).
Em razões recursais, a parte autora, preliminarmente, alega cerceamento de defesa, arguindo a
impossibilidade de produção da prova testemunhal. No mérito, pugna pela reforma da sentença,
ao fundamento de que preenche os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado, nos
termos iniciais propostos. (ID 103904094, p. 177/194).
O INSS não apresentou contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 103904094, p. 218), no sentido do desprovimento do
apelo.
Em petição ID 153753116, protocolada em 04 de março de 2021, a requerente junta a CTPS de
seu genitor, noticiando o encerramento do vínculo empregatício em 27 de abril de 2020,
passando à situação de desempregado.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0019364-79.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: LAIS HELENA BARBI TAPIA
Advogado do(a) APELANTE: FERNANDO MELO FILHO - SP184689-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
TERCEIRO INTERESSADO: CLAUDIA VALERIA BARBI TAPIA
ADVOGADO do(a) TERCEIRO INTERESSADO: FERNANDO MELO FILHO - SP184689-N
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Em primeiro lugar, rejeito a preliminar arguida, tendo em vista que, em ações como a presente,
na qual se busca a obtenção do benefício assistencial de prestação continuada, o estudo social,
orientado por visita e entrevista na casa do postulante - realizado nos autos -, é o instrumento
apto e suficiente para a averiguação da hipossuficiência econômica, figurando, desta feita,
como desnecessária a oitiva testemunhal ou qualquer outra modalidade probatória para
demonstrar o requisito da miserabilidade, registrado, ainda, que a deficiência restou
incontroversa.
Passo ao exame do mérito.
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte
redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de
1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos
foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício
de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo
vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão
por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia
repetitiva assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre
convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida
como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode
admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o
seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03,
referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se
considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício
previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado
e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu
no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado
segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
Do caso concreto.
Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, uma vez que, submetida a
exame médico-pericial em 20 de maio de 2015, a autora, atualmente com 26 (vinte e seis) anos
de idade, fora diagnosticada como portadora de sequela de traumatismo craniano, acarretando
incapacidade total e permanente para o desempenho de atividade laboral, bem como para os
atos da vida civil (fls. 73/79 e fls. 98/100).
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 22 de
maio de 2015 (ID 103904094, p. 81/85), informou que o núcleo familiar é formado por esta, sua
irmã, seus pais e seus avós.
Residem em casa dos avós maternos. “Construída em alvenaria, contendo 01 dormitório, sala,
cozinha, área de serviço/cozinha, e banheiro. Piso frio, com forro.” Informaram que estão
morando na cidade de Colina-SP há nove meses, pois a empresa em que o genitor da
requerente trabalha não estaria pagando os salários desde outubro de 2014, além dele estar se
recuperando de uma cirurgia e estar aguardando receber o auxílio-doença.
A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de aposentadoria
auferidos pelo avô da requerente, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 – ano de 2015),
além de “doação familiar” no valor de R$ 100,00. No entanto, como se observa do CNIS trazido
pela autarquia a juízo (ID 103904094 – p. 106), o pai da autora, RICARDO TAPIA FILHO,
empregado na “Agropecuária Nossa Senhora do Carmo SA”, também vinha recebendo o seu
salário, de forma ininterrupta, desde outubro de 2013. Particularmente no mês em que foi
realizado o estudo social – maio de 2015-, a remuneração recebida foi de R$ 2.263,20, sendo
que na média o seu salário era superior a R$ 2.500,00. Assim, é possível assegurar que os
rendimentos familiares totalizavam valor acima de R$ 3.000,00.
As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, energia elétrica, água,
combustível, prestações e medicamentos, cingiam a aproximadamente R$ 951,00.
Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente às
despesas.
Observa-se que, por determinação do juízo, houve complementação do laudo social em
novembro de 2016. Na ocasião, apurou-se que o pai da autora auferia R$ 5,20 por hora
trabalhada, num total de 44 horas semanais (ID 103904094 – p. 135), o que lhe renderia em
torno de R$ 915,20 mensais. Todavia, a própria requerente apresentou comprovante de
pagamento do seu genitor, para o mesmo mês de novembro do ano de 2016, no valor de R$
2.443,00 (ID 103904094 – p. 142), sendo que em grande parte deste ano os seus vencimentos
superaram os R$ 4.000,00 (ID 103904094 – p. 106).
Desta feita, diante da identificação de rendimentos ainda superiores aos apurados inicialmente,
mesmo em momento posterior, os novos elementos de prova reunidos distanciam ainda mais
os familiares da situação de miserabilidade, ratificando a ausência de dificuldades financeiras.
Ademais, vale também destacar que, na segunda visita domiciliar, a autora e sua família já
haviam deixado a cidade de Colina-SP, onde residem os seus avós. A mudança para a cidade
de Palmares Paulista-SP, por si só, altera significativamente o núcleo familiar e também
impossibilita a constatação pretendida, tendo em conta o estudo social realizado em outra
localidade e com número diverso de integrantes.
Por fim, consigno que a notícia da situação de desemprego do pai da requerente, a partir de
abril/2020, trazida na undécima hora, em nada lhe socorre, considerando que a aferição da
condição de hipossuficiência econômica se deu por ocasião da realização do estudo social.
Eventual alteração fática no cenário então retratado, deve ser objeto de requerimento
autônomo, na medida em que o benefício assistencial ora pleiteado, por seu caráter transitório,
possui a característica rebus sic stantibus.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada
é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou
seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e
quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco
deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de
medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à
complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata
tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem
por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida e, no mérito, nego provimento à apelação da parte
autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PRELIMINAR REJEITADA.
ESTUDO SOCIAL REALIZADO. INEXISTÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. ART. 203,
V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO.
EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR
ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES.
IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO INCONTROVERSO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA
NÃO DEMONSTRADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO
MÍNIMO. ACIMA DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE.
RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA OS GASTOS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA
MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1 – Rejeitada a preliminar arguida, tendo em vista que, em ações como a presente, na qual se
busca a obtenção do benefício assistencial de prestação continuada, o estudo social, orientado
por visita e entrevista na casa do postulante - realizado nos autos -, é o instrumento apto e
suficiente para a averiguação da hipossuficiência econômica, figurando, desta feita, como
desnecessária a oitiva testemunhal ou qualquer outra modalidade probatória para demonstrar o
requisito da miserabilidade, registrado, ainda, que a deficiência restou incontroversa.
2 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
3 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
4 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
5 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
6 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
7 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a
concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão
somente levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
8 - Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega,
é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
9 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, uma vez que, submetida a
exame médico-pericial em 20 de maio de 2015, a autora, atualmente com 26 (vinte e seis) anos
de idade, fora diagnosticada como portadora de sequela de traumatismo craniano, acarretando
incapacidade total e permanente para o desempenho de atividade laboral, bem como para os
atos da vida civil.
10 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 22 de
maio de 2015 (ID 103904094, p. 81/85), informou que o núcleo familiar é formado por esta, sua
irmã, seus pais e seus avós.
11 - Residem em casa dos avós maternos. “Construída em alvenaria, contendo 01 dormitório,
sala, cozinha, área de serviço/cozinha, e banheiro. Piso frio, com forro.” Informaram que estão
morando na cidade de Colina-SP há nove meses, pois a empresa em que o genitor da
requerente trabalha não estaria pagando os salários desde outubro de 2014, além dele estar se
recuperando de uma cirurgia e estar aguardando receber o auxílio-doença.
12 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de
aposentadoria auferidos pelo avô da requerente, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 –
ano de 2015), além de “doação familiar” no valor de R$ 100,00. No entanto, como se observa
do CNIS trazido pela autarquia a juízo (ID 103904094 – p. 106), o pai da autora, RICARDO
TAPIA FILHO, empregado na “Agropecuária Nossa Senhora do Carmo SA”, também vinha
recebendo o seu salário, de forma ininterrupta, desde outubro de 2013. Particularmente no mês
em que foi realizado o estudo social – maio de 2015-, a remuneração recebida foi de R$
2.263,20, sendo que na média o seu salário era superior a R$ 2.500,00. Assim, é possível
assegurar que os rendimentos familiares totalizavam valor acima de R$ 3.000,00.
13 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, energia elétrica, água,
combustível, prestações e medicamentos, cingiam a aproximadamente R$ 951,00.
14 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente às
despesas.
15 - Observa-se que, por determinação do juízo, houve complementação do laudo social em
novembro de 2016. Na ocasião, apurou-se que o pai da autora auferia R$ 5,20 por hora
trabalhada, num total de 44 horas semanais (ID 103904094 – p. 135), o que lhe renderia em
torno de R$ 915,20 mensais. Todavia, a própria requerente apresentou comprovante de
pagamento do seu genitor, para o mesmo mês de novembro do ano de 2016, no valor de R$
2.443,00 (ID 103904094 – p. 142), sendo que em grande parte deste ano os seus vencimentos
superaram os R$ 4.000,00 (ID 103904094 – p. 106).
16 - Desta feita, diante da identificação de rendimentos ainda superiores aos apurados
inicialmente, mesmo em momento posterior, os novos elementos de prova reunidos distanciam
ainda mais os familiares da situação de miserabilidade, ratificando a ausência de dificuldades
financeiras.
17 - Ademais, vale também destacar que, na segunda visita domiciliar, a autora e sua família já
haviam deixado a cidade de Colina-SP, onde residem os seus avós. A mudança para a cidade
de Palmares Paulista-SP, por si só, altera significativamente o núcleo familiar e também
impossibilita a constatação pretendida, tendo em conta o estudo social realizado em outra
localidade e com número diverso de integrantes.
18 – Por fim, consigno que a notícia da situação de desemprego do pai da requerente, a partir
de abril/2020, trazida na undécima hora, em nada lhe socorre, considerando que a aferição da
condição de hipossuficiência econômica se deu por ocasião da realização do estudo social.
Eventual alteração fática no cenário então retratado, deve ser objeto de requerimento
autônomo, na medida em que o benefício assistencial ora pleiteado, por seu caráter transitório,
possui a característica rebus sic stantibus.
19 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não
fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
20 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo
Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que
preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia
efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre
interpretação do Poder Judiciário.
21 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e
compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral,
não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de
contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições
previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar
perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto
Securitário.
22 - O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-
orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a
assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário
mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou
seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer,
mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de
medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o
mínimo existencial.
23 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
24 – Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar arguida e, no mérito, negar provimento à apelação da
parte autora, mantendo íntegra a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
Sustentou oralmente, por videoconferência, o Dr. FERNANDO MELO FILHO, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
