Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5787123-94.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
29/07/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/08/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.
ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA
MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO CONFIGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. RENDA PER
CAPITA FAMILIAR INFERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMO. VALOR ABAIXO DO
PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE. RENDIMENTOS INSUFICIENTES
PARA FAZER FRENTE ÀS DESPESAS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DA
CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS
PARCIALMENTE PROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADA DE OFÍCIO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - Sendo o demandante menor de idade (10 anos à época da submissão ao exame médico), a
análise da deficiência deve ser feita sob a óptica do art. 4º, §1º, do Decreto nº 6.214/2007, com
redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base exame realizado em 27 de março
de 2018 (ID 73219231, p. 1/2), consignou o seguinte: “Periciando de 10 anos de idade, portador
de Dificuldade Específica da Linguagem por disfunção cerebral da área frontal de provável causa
genética ou gestacional com diagnóstico firmado por neurologista infantil com CID 10 F80.9
(transtorno do desenvolvimento da fala ou da linguagem).”Em esclarecimentos complementares,
consignou o expert que “a dificuldade de linguagem é permanente”. Acrescentou que “claro está
que no futuro influenciará diretamente na sua inserção no mercado de trabalho de forma parcial”.
9 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
11 – A bem da verdade, em que pese a perícia fale impropriamente – por se tratar o demandante
de criança - na interferência da sua dificuldade de fala e de linguagem na sua inserção no
mercado de trabalho, da mesma forma, deduz-se que aludido comprometimento, que já dura
desde os seus 4 (quatro) anos de idade, também o limita em suas atividades, impedindo-o de
realizar e participar das atividades rotineiras da infância e da adolescência de forma plena e de
interagir com aqueles de sua idade, razões pelas quais, há que se concluir pela presença do
decantado impedimento de longo prazo exigido pela lei para a concessão do benefício vindicado.
12 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 01° de
maio de 2017 (ID 73219210, p. 1/13), informou que o núcleo familiar é formado por este e os seus
genitores.
13 - Residem em casa de madeira, em propriedade na qual a genitora do autor faz alguns “bicos”
na colheita, tendo o casal pequena participação. A moradia é “coberta de telhas romanas, sem
forro, o chão da sala é de vermelhão. Nos demais cômodos o chão é de cimento queimado. "
14 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de
aposentadoria do pai do requente, LORIVAL JACINTO DE SOUZA, no valor de um salário
mínimo, além de R$200,00 auferidos por sua mãe, nos citados “bicos” realizados, acrescidos de
aproximados R$ 165,00 mensais que detinham na participação da colheita do colorau, já que
anualmente lhes rendia R$ 2.000,00. À época o salário mínimo era de R$ 937,00. O pai do autor
afirmou não trabalhar.
15 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com supermercado, farmácia, leite, cingiam a
aproximadamente R$ 1.692,00. Informaram que “todos os meses precisam escolher qual despesa
acertar, pois não conseguem pagar todas”. Recebiam doações de roupas e calçados.
16 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser insuficiente para fazer frente aos
gastos dos seus integrantes.
17 - Não há registro de que estivessem inscritos em programas sociais de transferência de renda
municipal, estadual e federal. Foi mencionado que às vezes “necessitam pegar um dinheiro
emprestado com algum parente para se manterem”, no entanto, sem que ficasse caracterizada
nos autos a possibilidade de ajuda material contínua prestada pelos familiares. Inclusive o registro
foi apenas de que era feito um empréstimo.
18 - Consoante confirmou a diretora da escola frequentada pelo requerente, o autor apresenta
problemas na fala e também na escrita, tendo afirmado que os seus pais são “muito presentes,
que fazem de tudo para ajudar o filho no tratamento da fala”. Na ocasião, revelou que a escola
contribui com o pagamento de metade da consulta médica de que necessita o requerente, no
valor de R$ 175,00, tendo também recentemente contribuído com mais R$ 150,00 para uma
avaliação psicológica indicada pela médica, Dra. Cecília. Notória, desta feita, também por este
prisma, a dificuldade financeira vivenciada pela família, o que restou corroborado pela declaração
dos proprietários e administradores da propriedade na qual o autor residia com a sua família, ao
reconhecê-los como “pessoas humildes e que vivem extremamente com o necessário”,
“trabalham para se alimentar”.
19 - Diante de tais elementos reunidos, após o encerramento do estudo social, bem conclui a
assistente social que “a família passa por momentos de privações, vivendo apenas com o
necessário”, “o que causa preocupações constantes ao casal, pois sabem que para que o
requerente alcance melhoras, ele precisaria de tratamentos complementares”.
20 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a parte autora, jus ao benefício assistencial.
21 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na
data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (AgRg
no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/08/2015, DJe 14/08/2015). Fixada a data do início do benefício na data da citação e ausente
recurso da parte autora, fica mantida a DIB nos termos da r. sentença.
22 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
23 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
24 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico
do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art.
37 da Lei nº 8.742/93.
25 - Apelação do INSS desprovida. Correção monetária alterada de ofício.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787123-94.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: J. P. A. D. S.
REPRESENTANTE: EDNA APARECIDA ADRIANO DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: THAISA HIDALGO BARRETO - SP281428-N, ROMULO BATISTA
GALVAO SOARES - SP361309-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787123-94.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: J. P. A. D. S.
REPRESENTANTE: EDNA APARECIDA ADRIANO DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: THAISA HIDALGO BARRETO - SP281428-N, ROMULO BATISTA
GALVAO SOARES - SP361309-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por J.P.A.D.S, representado por sua genitora, EDNA APARECIDA ADRIANO DE
SOUZA, objetivando a concessão de benefício assistencial previsto no art. 203, V, da
Constituição Federal.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento
dos atrasados de beneplácito assistencial, desde a data da citação, acrescidas as diferenças
apuradas de correção monetária e juros de mora. Condenou-o, ainda, no pagamento de
honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor das parcelas em atraso até a data da
sentença. Foi concedida a tutela antecipada (ID 73219276, p. 1/5).
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que o
demandante não preencheu os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado.
Subsidiariamente, requer a anulação da sentença, a fim de que o impedimento de longo prazo
seja analisado por meio de uma equipe multidisciplinar e, no tocante à correção monetária,
pleiteia a aplicação da Lei nº 11.960/2009 (ID 73219281, p. 1/9).
A parte autora apresentou contrarrazões (ID 73219294, p. 1/8).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 138030509, p. 1/9), no sentido do desprovimento do
recurso autárquico.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5787123-94.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: J. P. A. D. S.
REPRESENTANTE: EDNA APARECIDA ADRIANO DE SOUZA
Advogados do(a) APELADO: THAISA HIDALGO BARRETO - SP281428-N, ROMULO BATISTA
GALVAO SOARES - SP361309-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido
normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-
se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a
nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade
individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre
que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem
social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa
e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados
formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa
humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração
da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas
como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte
redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada,
dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº
8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de
1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios
de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos
foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de
impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em
interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a
redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio
permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício
de trabalho ou ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do
Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção
do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203,
V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um
salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem
não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art.
20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo
Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se
incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja
renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro
estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria
que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do
benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do
art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão
proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da
reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o
Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência
geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a
Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como
fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria
competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da
constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das
decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais
naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico
típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que
surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de
constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o
Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação,
se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei
8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia
quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com
entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios
mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004,
que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente
de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas
modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de
outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6.
Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo
vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso
por outros meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão
por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia
repetitiva assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO
SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98,
dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas
portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja
família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de
se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de
tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade,
ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre
convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de
provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida
como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode
admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o
seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03,
referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se
considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício
previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a
ratio legis do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado
e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu
no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado
segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO,
NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no
valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do
benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do
Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código
de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Do caso concreto.
Pleiteia a parte autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
Sendo o demandante menor de idade (10 anos à época da submissão ao exame médico), a
análise da deficiência deve ser feita sob a óptica do art. 4º, §1º, do Decreto nº 6.214/2007, com
redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011, in verbis:
"Art.4º Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
(...)
§ 1º Para fins de reconhecimento do direito ao Benefício de Prestação Continuada às crianças e
adolescentes menores de dezesseis anos de idade, deve ser avaliada a existência da
deficiência e o seu impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da
participação social, compatível com a idade."
O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base exame realizado em 27 de março de
2018 (ID 73219231, p. 1/2), consignou o seguinte:
“Periciando de 10 anos de idade, portador de Dificuldade Específica da Linguagem por
disfunção cerebral da área frontal de provável causa genética ou gestacional com diagnóstico
firmado por neurologista infantil com CID 10 F80.9 (transtorno do desenvolvimento da fala ou da
linguagem).”
Em esclarecimentos complementares, consignou o expert que “a dificuldade de linguagem é
permanente”. Acrescentou que “claro está que no futuro influenciará diretamente na sua
inserção no mercado de trabalho de forma parcial”.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre
convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou
científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.
Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas
partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se
vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração
do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000,
Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo
Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
A bem da verdade, em que pese a perícia fale impropriamente – por se tratar o demandante de
criança - na interferência da sua dificuldade de fala e de linguagem na sua inserção no mercado
de trabalho, da mesma forma, deduz-se que aludido comprometimento, que já dura desde os
seus 4 (quatro) anos de idade, também o limita em suas atividades, impedindo-o de realizar e
participar das atividades rotineiras da infância e da adolescência de forma plena e de interagir
com aqueles de sua idade, razões pelas quais, há que se concluir pela presença do decantado
impedimento de longo prazo exigido pela lei para a concessão do benefício vindicado.
Configurado o impedimento de longo prazo, passo à análise da hipossuficiência.
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 01° de
maio de 2017 (ID 73219210, p. 1/13), informou que o núcleo familiar é formado por este e os
seus genitores.
Residem em casa de madeira, em propriedade na qual a genitora do autor faz alguns “bicos” na
colheita, tendo o casal pequena participação. A moradia é “coberta de telhas romanas, sem
forro, o chão da sala é de vermelhão. Nos demais cômodos o chão é de cimento queimado. "
A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de aposentadoria
do pai do requente, LORIVAL JACINTO DE SOUZA, no valor de um salário mínimo, além de
R$200,00 auferidos por sua mãe, nos citados “bicos” realizados, acrescidos de aproximados R$
165,00 mensais que detinham na participação da colheita do colorau, já que anualmente lhes
rendia R$ 2.000,00. À época o salário mínimo era de R$ 937,00. O pai do autor afirmou não
trabalhar.
As despesas relatadas, envolvendo gastos com supermercado, farmácia, leite, cingiam a
aproximadamente R$ 1.692,00. Informaram que “todos os meses precisam escolher qual
despesa acertar, pois não conseguem pagar todas”. Recebiam doações de roupas e calçados.
Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser insuficiente para fazer frente aos
gastos dos seus integrantes.
Não há registro de que estivessem inscritos em programas sociais de transferência de renda
municipal, estadual e federal. Foi mencionado que às vezes “necessitam pegar um dinheiro
emprestado com algum parente para se manterem”, no entanto, sem que ficasse caracterizada
nos autos a possibilidade de ajuda material contínua prestada pelos familiares. Inclusive o
registro foi apenas de que era feito um empréstimo.
Consoante confirmou a diretora da escola frequentada pelo requerente, o autor apresenta
problemas na fala e também na escrita, tendo afirmado que os seus pais são “muito presentes,
que fazem de tudo para ajudar o filho no tratamento da fala”. Na ocasião, revelou que a escola
contribui com o pagamento de metade da consulta médica de que necessita o requerente, no
valor de R$ 175,00, tendo também recentemente contribuído com mais R$ 150,00 para uma
avaliação psicológica indicada pela médica, Dra. Cecília. Notória, desta feita, também por este
prisma, a dificuldade financeira vivenciada pela família, o que restou corroborado pela
declaração dos proprietários e administradores da propriedade na qual o autor residia com a
sua família, ao reconhecê-los como “pessoas humildes e que vivem extremamente com o
necessário”, “trabalham para se alimentar”.
Diante de tais elementos reunidos, após o encerramento do estudo social, bem conclui a
assistente social que “a família passa por momentos de privações, vivendo apenas com o
necessário”, “o que causa preocupações constantes ao casal, pois sabem que para que o
requerente alcance melhoras, ele precisaria de tratamentos complementares”.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a
parte autora, jus ao benefício assistencial.
Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na
data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência.
Nessa esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO
INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ, porquanto o deslinde da controvérsia requer apenas
a análise de matéria exclusivamente de direito.
2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, o termo inicial para a concessão do benefício
assistencial de prestação continuada é a data do requerimento administrativo e, na sua
ausência, a partir da citação .
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015)."
Fixada a data do início do benefício na data da citação e ausente recurso da parte autora, fica
mantida a DIB nos termos da r. sentença.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do
Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37
da Lei nº 8.742/93.
Ante o exposto, negoprovimento à apelação do INSS e, de ofício, estabeleço que a correção
monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09,
a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual,
mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau de jurisdição.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.
ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº
8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA.
ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO
DE LONGO PRAZO CONFIGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA.
RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR À METADE DO SALÁRIO MÍNIMO. VALOR
ABAIXO DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE. RENDIMENTOS
INSUFICIENTES PARA FAZER FRENTE ÀS DESPESAS. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
DEVIDO. DIB. DATA DA CITAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA ALTERADA DE
OFÍCIO.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - Sendo o demandante menor de idade (10 anos à época da submissão ao exame médico), a
análise da deficiência deve ser feita sob a óptica do art. 4º, §1º, do Decreto nº 6.214/2007, com
redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base exame realizado em 27 de março
de 2018 (ID 73219231, p. 1/2), consignou o seguinte: “Periciando de 10 anos de idade, portador
de Dificuldade Específica da Linguagem por disfunção cerebral da área frontal de provável
causa genética ou gestacional com diagnóstico firmado por neurologista infantil com CID 10
F80.9 (transtorno do desenvolvimento da fala ou da linguagem).”Em esclarecimentos
complementares, consignou o expert que “a dificuldade de linguagem é permanente”.
Acrescentou que “claro está que no futuro influenciará diretamente na sua inserção no mercado
de trabalho de forma parcial”.
9 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
10 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente,
o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
11 – A bem da verdade, em que pese a perícia fale impropriamente – por se tratar o
demandante de criança - na interferência da sua dificuldade de fala e de linguagem na sua
inserção no mercado de trabalho, da mesma forma, deduz-se que aludido comprometimento,
que já dura desde os seus 4 (quatro) anos de idade, também o limita em suas atividades,
impedindo-o de realizar e participar das atividades rotineiras da infância e da adolescência de
forma plena e de interagir com aqueles de sua idade, razões pelas quais, há que se concluir
pela presença do decantado impedimento de longo prazo exigido pela lei para a concessão do
benefício vindicado.
12 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 01°
de maio de 2017 (ID 73219210, p. 1/13), informou que o núcleo familiar é formado por este e os
seus genitores.
13 - Residem em casa de madeira, em propriedade na qual a genitora do autor faz alguns
“bicos” na colheita, tendo o casal pequena participação. A moradia é “coberta de telhas
romanas, sem forro, o chão da sala é de vermelhão. Nos demais cômodos o chão é de cimento
queimado. "
14 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos proventos de
aposentadoria do pai do requente, LORIVAL JACINTO DE SOUZA, no valor de um salário
mínimo, além de R$200,00 auferidos por sua mãe, nos citados “bicos” realizados, acrescidos de
aproximados R$ 165,00 mensais que detinham na participação da colheita do colorau, já que
anualmente lhes rendia R$ 2.000,00. À época o salário mínimo era de R$ 937,00. O pai do
autor afirmou não trabalhar.
15 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com supermercado, farmácia, leite, cingiam a
aproximadamente R$ 1.692,00. Informaram que “todos os meses precisam escolher qual
despesa acertar, pois não conseguem pagar todas”. Recebiam doações de roupas e calçados.
16 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial
de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser insuficiente para fazer frente
aos gastos dos seus integrantes.
17 - Não há registro de que estivessem inscritos em programas sociais de transferência de
renda municipal, estadual e federal. Foi mencionado que às vezes “necessitam pegar um
dinheiro emprestado com algum parente para se manterem”, no entanto, sem que ficasse
caracterizada nos autos a possibilidade de ajuda material contínua prestada pelos familiares.
Inclusive o registro foi apenas de que era feito um empréstimo.
18 - Consoante confirmou a diretora da escola frequentada pelo requerente, o autor apresenta
problemas na fala e também na escrita, tendo afirmado que os seus pais são “muito presentes,
que fazem de tudo para ajudar o filho no tratamento da fala”. Na ocasião, revelou que a escola
contribui com o pagamento de metade da consulta médica de que necessita o requerente, no
valor de R$ 175,00, tendo também recentemente contribuído com mais R$ 150,00 para uma
avaliação psicológica indicada pela médica, Dra. Cecília. Notória, desta feita, também por este
prisma, a dificuldade financeira vivenciada pela família, o que restou corroborado pela
declaração dos proprietários e administradores da propriedade na qual o autor residia com a
sua família, ao reconhecê-los como “pessoas humildes e que vivem extremamente com o
necessário”, “trabalham para se alimentar”.
19 - Diante de tais elementos reunidos, após o encerramento do estudo social, bem conclui a
assistente social que “a família passa por momentos de privações, vivendo apenas com o
necessário”, “o que causa preocupações constantes ao casal, pois sabem que para que o
requerente alcance melhoras, ele precisaria de tratamentos complementares”.
20 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a parte autora, jus ao benefício assistencial.
21 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Fixada a data do início do benefício na data da citação e
ausente recurso da parte autora, fica mantida a DIB nos termos da r. sentença.
22 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
23 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
24 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
25 - Apelação do INSS desprovida. Correção monetária alterada de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, estabelecer que a
correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros
de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o
mesmo Manual, mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
