
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001303-20.2012.4.03.6140
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIR RAIMUNDO
Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS RODRIGUES JUNIOR - SP282133-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001303-20.2012.4.03.6140
RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: JAIR RAIMUNDO
Advogado do(a) APELADO: JOSE CARLOS RODRIGUES JUNIOR - SP282133-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
“um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. ‘Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.’”
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
“A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.”
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no “balançar de olhos” entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5.
Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)”“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.”
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ 20/11/2009). (grifos nossos)
Do caso concreto.
Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
Apesar do Laudo de Exame Médico Pericial (ID 103902258 - págs. 48/51 e 91/92), realizado em 14/06/2013, indicar que o autor é portador de “transtorno depressivo recorrente – CID 10, F33.0” e concluir pela ausência de incapacidade laborativa, de acordo com o Laudo Médico (ID 103902258 – págs. 46/47), realizado em 21/11/2012, apresentado na ação de interdição, o autor é portador de “esquizofrenia, doença mental crônica, que evolui em surtos, causadores de sequelas afetivas e cognitivas”, concluindo pela incapacidade absoluta e permanente do autor.
Como bem salientou a r. sentença, “considerando o laudo médico emprestado dos autos da ação de interdição que tramitou perante a Justiça Estadual e as próprias conclusões da perícia médica realizada na via administrativa, as quais levaram à concessão do benefício em favor do demandante, inexiste controvérsia quanto à existência de deficiência mental da parte autora. Restam, assim, afastadas as conclusões da perita designada pelo Juízo, vez que isoladas das demais provas dos autos, e demonstrada a existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho desde 21/11/2012, data da realização da perícia médica perante a Justiça Estadual”.
Assim, configurado o impedimento de longo prazo, passo à análise da hipossuficiência.
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante, em 29 de setembro de 2015 (ID 103902258 – págs. 121/130), informou que o núcleo familiar é formado pelo autor e sua esposa, Sandra Aparecida Florêncio Raimundo.
Residem em imóvel próprio, há 33 anos, com “três cômodos, cujas dependências são: sala, quarto, cozinha e banheiro. A edificação é construída de alvenaria, terminada, porém necessitando de reforma. O prédio encontra-se deteriorado, apresentando infiltração, manchas de bolor e o reboco das paredes estão soltando, bem como do teto que é de estuque e parte dele já foi refeito devido a desabamento. O imóvel mantém estrutura original de construção. No tocante aos utensílios domésticos e mobiliários que guarnecem o interior do imóvel periciado, os mesmos são antigos, porém conservados e doados por familiares”.
“O bairro possui serviços públicos essenciais como: iluminação pública, ruas pavimentadas, a numeração da rua não é sequencial, os moradores possuem rede de água tratada, coleta de lixo, telefonia fixa, o transporte público passa próximo à residência, ligando o bairro ao centro da cidade”.
A esposa do autor informou que “não possui fonte de renda fixa, esporadicamente vende produtos cosméticos e panos de pratos, cujo valor não ultrapassa R$ 100,00 mensais, e sua filha FERNANDA FLORENCIO RAIMUNDO, 34 anos, separada, mãe de uma filha, residente em dois cômodos nos fundos da propriedade, auxiliar de enfermagem, portadora da Cédula de Identidade RG nº 41.384.031-1 e CPF/MF nº 218.291.748/94 juntamente com o irmão FELIPE FLORENCIO RAIMUNTO, 23 anos, residente em Santo André, portador da Cédula de Identidade RG nº 48.106.629-9 e CPF/MF nº 399.583.858/80 é quem vem mantendo o autor e a esposa”.
A despesa mensal é de aproximadamente R$ 1.003,70, sendo R$ 500,00 de alimentação, R$ 335,00 de energia elétrica, R$ 58,00 de água, R$ 42,00 de gás e R$ 68,70 de IPTU.
O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento.
Vê-se que, no presente caso, os familiares do demandante vêm-no ajudando dentro de suas condições, sendo o seu auxílio, no entanto, insuficiente, eis que, conforme relato da assistente social, o imóvel “encontrava-se em péssimo estado de conservação, algumas partes da moradia estão deteriorando, apresentando focos de infiltração, o reboco está soltando e a propriedade mantém a estrutura original de construção”.
Ainda, de acordo com informações presentes no CNIS (ID 103902259 – págs. 7/8 e 10/17), no período de novembro de 2012 a julho de 2013, apenas a filha do autor estava laborando.
Alie-se, como elemento de convicção, a corroborar a vulnerabilidade social da família, o fato de que “o autor JAIR RAIMUNDO é pessoa Curatelada, em acompanhamento na Rede Pública de Saúde, faz uso de medicação contínua. Não possui independência para a realização de atividades de vida diária, para a realização do autocuidado bem como, para a realização de atividades de vida prática como: autonomia para sair aos locais e sua participação social segue prejudicada. Desta forma, é exclusivamente de seus familiares (esposa e filhos) a responsabilidade por oferecer os cuidados ao autor e acompanhá-lo em atividades extras e consultas médicas e hospitalares”.
Vale lembrar que, para os fins do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93 (LOAS), a renda familiar a ser contabilizada se restringe àquela percebida pelos integrantes da família que residem sob o mesmo teto.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, o autor, jus ao benefício assistencial.
Assim, acertada a condenação do INSS no pagamento, em favor do autor, das prestações em atraso decorrentes do benefício de prestação continuada, no valor de um salário-mínimo, devidas no período compreendido entre 21/11/2012 (data do laudo pericial realizado no processo de interdição) e 28/07/2013 (data anterior à concessão administrativa do benefício).
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
Ante o exposto,
dou parcial provimento
à apelação do INSS
, para estabelecer que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e,de ofício
, determino que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E; mantendo-se, no mais, a r. sentença de primeiro grau de jurisdição.É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS PARCIALMENTE PROVIDA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
7 - Apesar do Laudo de Exame Médico Pericial (ID 103902258 - págs. 48/51 e 91/92), realizado em 14/06/2013, indicar que o autor é portador de “transtorno depressivo recorrente – CID 10, F33.0” e concluir pela ausência de incapacidade laborativa, de acordo com o Laudo Médico (ID 103902258 – págs. 46/47), realizado em 21/11/2012, apresentado na ação de interdição, o autor é portador de “esquizofrenia, doença mental crônica, que evolui em surtos, causadores de sequelas afetivas e cognitivas”, concluindo pela incapacidade absoluta e permanente do autor.
8 - Como bem salientou a r. sentença, “considerando o laudo médico emprestado dos autos da ação de interdição que tramitou perante a Justiça Estadual e as próprias conclusões da perícia médica realizada na via administrativa, as quais levaram à concessão do benefício em favor do demandante, inexiste controvérsia quanto à existência de deficiência mental da parte autora. Restam, assim, afastadas as conclusões da perita designada pelo Juízo, vez que isoladas das demais provas dos autos, e demonstrada a existência de incapacidade total e definitiva para o trabalho desde 21/11/2012, data da realização da perícia médica perante a Justiça Estadual”.
9 - Assim, configurado o impedimento de longo prazo.
10 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante, em 29 de setembro de 2015 (ID 103902258 – págs. 121/130), informou que o núcleo familiar é formado pelo autor e sua esposa, Sandra Aparecida Florêncio Raimundo.
11 - Residem em imóvel próprio, há 33 anos, com “três cômodos, cujas dependências são: sala, quarto, cozinha e banheiro. A edificação é construída de alvenaria, terminada, porém necessitando de reforma. O prédio encontra-se deteriorado, apresentando infiltração, manchas de bolor e o reboco das paredes estão soltando, bem como do teto que é de estuque e parte dele já foi refeito devido a desabamento. O imóvel mantém estrutura original de construção. No tocante aos utensílios domésticos e mobiliários que guarnecem o interior do imóvel periciado, os mesmos são antigos, porém conservados e doados por familiares”.
12 - “O bairro possui serviços públicos essenciais como: iluminação pública, ruas pavimentadas, a numeração da rua não é sequencial, os moradores possuem rede de água tratada, coleta de lixo, telefonia fixa, o transporte público passa próximo à residência, ligando o bairro ao centro da cidade”.
13 - A esposa do autor informou que “não possui fonte de renda fixa, esporadicamente vende produtos cosméticos e panos de pratos, cujo valor não ultrapassa R$ 100,00 mensais, e sua filha FERNANDA FLORENCIO RAIMUNDO, 34 anos, separada, mãe de uma filha, residente em dois cômodos nos fundos da propriedade, auxiliar de enfermagem, portadora da Cédula de Identidade RG nº 41.384.031-1 e CPF/MF nº 218.291.748/94 juntamente com o irmão FELIPE FLORENCIO RAIMUNTO, 23 anos, residente em Santo André, portador da Cédula de Identidade RG nº 48.106.629-9 e CPF/MF nº 399.583.858/80 é quem vem mantendo o autor e a esposa”.
14 - A despesa mensal é de aproximadamente R$ 1.003,70, sendo R$ 500,00 de alimentação, R$ 335,00 de energia elétrica, R$ 58,00 de água, R$ 42,00 de gás e R$ 68,70 de IPTU.
15 - O benefício assistencial de prestação continuada existe para auxiliar a sobrevivência das pessoas portadoras de incapacidade, por idade avançada, ou outras restrições físicas ou psíquicas para o trabalho e que não possuam parentes próximos em condições de lhes prover o sustento.
16 - Vê-se que, no presente caso, os familiares do demandante vêm-no ajudando dentro de suas condições, sendo o seu auxílio, no entanto, insuficiente, eis que, conforme relato da assistente social, o imóvel “encontrava-se em péssimo estado de conservação, algumas partes da moradia estão deteriorando, apresentando focos de infiltração, o reboco está soltando e a propriedade mantém a estrutura original de construção”.
17 - Ainda, de acordo com informações presentes no CNIS (ID 103902259 – págs. 7/8 e 10/17), no período de novembro de 2012 a julho de 2013, apenas a filha do autor estava laborando.
18 - Alie-se, como elemento de convicção, a corroborar a vulnerabilidade social da família, o fato de que “o autor JAIR RAIMUNDO é pessoa Curatelada, em acompanhamento na Rede Pública de Saúde, faz uso de medicação contínua. Não possui independência para a realização de atividades de vida diária, para a realização do autocuidado bem como, para a realização de atividades de vida prática como: autonomia para sair aos locais e sua participação social segue prejudicada. Desta forma, é exclusivamente de seus familiares (esposa e filhos) a responsabilidade por oferecer os cuidados ao autor e acompanhá-lo em atividades extras e consultas médicas e hospitalares”.
19 - Vale lembrar que, para os fins do art. 20, §1º, da Lei 8.742/93 (LOAS), a renda familiar a ser contabilizada se restringe àquela percebida pelos integrantes da família que residem sob o mesmo teto.
20 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
21 - Assim, acertada a condenação do INSS no pagamento, em favor do autor, das prestações em atraso decorrentes do benefício de prestação continuada, no valor de um salário-mínimo, devidas no período compreendido entre 21/11/2012 (data do laudo pericial realizado no processo de interdição) e 28/07/2013 (data anterior à concessão administrativa do benefício).
22 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos
ex tunc
do mencionado pronunciamento.23 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
24 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
25 - Apelação do INSS parcialmente provida. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária de ofício. Sentença reformada em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a ilustre representante do Ministério Público Federal retificou o parecer proferido para requerer tão somente seja dado seguimento ao feito, sem se considerar como contrária a posição ministerial. A Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar parcial provimento à apelação do INSS, para estabelecer que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, de ofício, determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E; mantendo-se, no mais, a r. sentença de primeiro grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
