Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2217874 / SP
0002440-27.2017.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
09/09/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE
DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO
COMPROVADA. RENDA FAMILIAR PER CAPITA INFERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO.
PERCEPÇÃO DE BOLSA FAMÍLIA. VALOR DESCONSIDERADO. FAMÍLIA COMPOSTA POR
QUATRO PESSOAS, DAS QUAIS UMA É CRIANÇA. DISPÊNDIO DE ¼ DOS RENDIMENTOS
COM FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. DÍVIDA COM SUPERMERCADO. CONDIÇÕES DE
HABITABILIDADE INSATISFATÓRIAS. RUA SEM ASFALTAMENTO. CASA DISTANTE DE
EQUIPAMENTO PÚBLICO DE SAÚDE. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO.
HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. DIB. DATA DA CITAÇÃO. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ.
APLICABILIDADE. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
DEFERIDO. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA
ESPECÍFICA CONCEDIDA.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 14 de
setembro de 2011 (fls. 99/124), consignou o seguinte: "Em face dos elementos clínicos
encontrados no exame pericial realizado por este Auxiliar do Juízo associado às informações
médicas em anexo, nos permite afirmar que a Autora é portadora de Hipertensão Arterial não
controlada, Lombalgia crônica devido a Osteoartrose e Diabetes mellitus descompensado, cujos
males a impedem trabalhar atualmente, necessitando de tratamento clínico, ortopédico e
fisioterápico. Apresenta-se Incapacitada de Forma Total e Temporária para o Trabalho".
8 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
9 - Pois bem, apesar do impedimento transitório constatado, se afigura pouco crível, à luz das
máximas da experiência, subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art.
335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do CPC/2015), que, quem sempre desenvolveu
atividades braçais ("empregada doméstica" - fl. 101), e que conta, atualmente, com mais de 61
(sessenta e um) anos de idade, não esteja impedida de trabalhar por mais de 2 (dois) anos.
10 - É o caso da demandante. Isso porque é portadora de males ortopédicos degenerativos
típicos de pessoas com idade avançada, sendo certo que a sua situação física, sobretudo
ortopédica, tende a piorar ou, quando muito, se manter no estágio atual. Configurado o
impedimento de longo prazo.
11 - Os estudos sociais, elaborados com base em visitas efetivadas na moradia da autora, em
04 de agosto 2012 e em 06 de março de 2013 (fls. 131/133 e 142/146), informaram que o
núcleo familiar é formado por esta, duas filhas e uma neta.
12 - Residem em casa própria (financiada), sendo sua "construção de tijolo sem reboco, não
possui forração, o telhado é de telha Eternit, a casa é composta por 03 cômodos mais banheiro,
é de aparência modesta. Possuem de eletrodomésticos uma geladeira aparentando mais de 05
anos de uso, uma TV 14', não possuem carro. A residência localiza-se nas proximidades de
uma escola pública, o hospital municipal fica distante da casa. A rua é abastecida com
saneamento básico e energia elétrica e não é asfaltada, a rua é revestida com lajotas".
13 - A renda do núcleo familiar decorria do salário recebido por uma das filhas da requerente,
FRANCIELLI DE FÁTIMA COSTA (hoje com 31 anos), no valor de R$400,00 mensais, em
função do trabalho exercido na qualidade de doméstica.
14 - Recebiam, ainda, valores a título de inscrição no Programa Bolsa Família, do Governo
Federal. No entanto, tais quantias não podem ser computadas como rendimento, à luz do
disposto no art. 4º, IV, alínea, "c" do Decreto 6.135/2007.
15 - Em suma, a renda per capita familiar era de aproximadamente R$100,00 por mês, inferior,
portanto, ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, de metade de um salário mínimo
(anos exercícios de 2012 e 2013).
16 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, as quais
seguem anexas aos autos, corroboram o exposto. A autora, sua filha PATRÍCIA DE LOURDES
COSTA (hoje com 30 anos) e sua neta RAUANY FRANCINY COSTA DA SILVA (hoje com 9
anos), não possuem qualquer vínculo previdenciário registrado em seus nomes. Por sua vez,
FRANCIELLI DE FÁTIMA COSTA, também não era registrada ao tempo das visitas da
assistente social.
17 - Todavia, a partir de 01/05/2015, manteve vínculo empregatício com ULISSES VILELA, na
condição de empregada doméstica. O vínculo se estendeu até 20/03/2019 e o valor percebido
nunca superou a quantia de R$1.108,38 (de janeiro de 2018 a fevereiro de 2019).
18 - Desta feita, ainda que considerados tais salários, vê-se que a renda per capita da família
da demandante nunca superou metade de um salário.
19 - Alie-se, como robusto elemento de convicção, a comprovar a vulnerabilidade da família, o
fato de que ¼ dos seus rendimentos eram despendidos com financiamento imobiliário. Alie-se,
como robusto elemento de convicção, a comprovar a vulnerabilidade o núcleo familiar, o fato de
que ¼ dos seus rendimentos eram despendidos com financiamento imobiliário. E mais: relatou-
se que a família possuía dívida com o supermercado de mais de R$800,00.
20 - A neta da demandante, na época dos estudos, possuía 2 (dois) e 3 (três) anos de idade,
não passando, hoje, dos 9 (nove). Com relação a esta, também não consta notícia nos autos de
que recebe ou já recebeu pensão alimentícia do seu pai.
21 - Repisa-se que residem em imóvel com condições de habitabilidade insatisfatórias (paredes
sem reboco, telhado de Eternit e ausência de forro), além de este se situar em rua coberta
apenas com lajotas, sem asfaltamento, e distante de hospital público.
22 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a autora, jus ao beneplácito assistencial.
23 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Tendo em vista a não apresentação de requerimento
administrativo, de rigor a fixação da DIB na data da citação, ocorrida em 28/07/2011 (fl. 61).
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
27 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
28 - Apelação da parte autora provida. Benefício assistencial deferido. Sentença reformada.
Ação julgada procedente. Tutela específica concedida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora para reformar a r. sentença e, com isso, julgar procedente o pedido deduzido na
inicial, para condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de benefício
assistencial de prestação continuada, desde a data da citação, sendo que sobre os valores em
atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando
será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício
requisitório, de acordo com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento de honorários
advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data
da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, deferindo-se, ainda, a antecipação dos efeitos
da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
