Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FED...

Data da publicação: 08/07/2020, 19:37:57

E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR À METADE DE UM SALÁRIO MÍNIMO. RENDIMENTOS INSUFICIENTES PARA COM AS DESPESAS. VALORES PROVENIENTES DO PROGRAMA RENDA CIDADÃ DESCONSIDERADOS. ART. 4º, §2º, II, DO DECRETO 6.214/2007. NÚCLEO FAMILIAR COMPOSTO POR 4 (QUATRO) PESSOAS, SENDO QUE 2 (DUAS) MENORES DE 18 (DEZOITO) ANOS E UMA, COM MAIS DE 60 (SESSENTA), PORTADORA DE DIVERSAS PATOLOGIAS. AUTORA. AUXÍLIO DOS FILHOS. IMPOSSIBILIDADE. FILHO RECLUSO. MEDICAMENTOS NÃO FORNECIDOS PELA REDE PÚBLICA DE SAÚDE. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE INSATISFATÓRIAS. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. 3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. 4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia. 5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. 6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família. 7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 24 de março de 2017 (ID 105189880, p. 63/66), quando a demandante possuía 62 (sessenta e dois) anos de idade, a diagnosticou com “cervicalgia de origem degenerativa (CID: M542)”, “lombalgia de origem degenerativa (CID M54.4/M51.1/M47.8)”, “tendinopatia do manguito rotador do ombro direito e esquerdo (CID: M75.1)”, “artrose da articulação acrômio-clavicular do ombro direito e esquerdo (CID: M19.9)”, “artrose bilateral dos joelhos (CID: M17.9)”, “insuficiência vascular periférica (CID: I73.9)” e “depressão (CID: F32)”. Assim sintetizou o laudo: “O quadro clínico da pericianda associado ao exame físico indica diagnósticos que causam incapacidade da mesma em realizar esforço físico, permanecer por um período longo em pé, sentada ou até mesmo deitada, a realização da atividade cotidianas como passar pano no chão, varrer a casa, lavar louça, lavar roupas, estender roupas no varal se torna uma tarefa árdua e significativamente dolorosa estando, portanto, incapacitada de realizar suas atividades laborais”. 8 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. 9 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade. 10 - Portanto, inequívoco o impedimento de longo prazo da autora. 11 - O estudo socioeconômico, elaborado em 27 de março de 2017 (ID 105189880, p. 48/53), informou que o núcleo familiar é formado pela demandante, sua filha e 2 (dois) netos. A família reside em imóvel próprio, "localizada em área de maior índice vulnerabilidade social (...), de alvenaria, parcialmente sem forro, piso de cerâmica, sem área da frente, e com pintura desgastada. Composta por cinco cômodos, ou seja, dois quartos, um banheiro, uma cozinha e uma sala. É provida de água e energia elétrica. Possui rede de esgoto e asfalto". 12 - A renda do núcleo familiar decorria, na época do estudo, dos ganhos auferidos pela filha da requerente, JOSILAINE PINA FERREIRA, no importe de um salário mínimo, por trabalho desenvolvido em cooperativa de reciclagem municipal. Recebiam ainda valores, a título de inscrição no Programa Renda Cidadã, do Governo Estadual. No entanto, tais quantias não podem ser computadas como rendimento, à luz do disposto no art. 4º, §2º, II, do Decreto 6.214/2007. 13 - As despesas, envolvendo gastos com água, luz, alimentação, gás, remédio e outros gastos inespecíficos, cingiam a aproximadamente R$1.088,00. 14 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior à ½ (metade) do salário mínimo, parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, além de ser insuficiente para com suas despesas. 15 - Alie-se, como elemento de convicção, a corroborar a situação da vulnerabilidade social da família, o fato de que dos seus 4 (quatro) integrantes, 2 (dois) são menores de 18 (dezoito) anos e 1 (uma), maior de 60 (sessenta), portadora de diversas patologias - autora. 16 - Nem todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública de saúde. 17 - A requerente possui mais 3 (três) filhos, os quais constituíram família própria, e não possuem condições de ajuda-la. Um deles, ademais, encontra-se recluso em penitenciária. 18 - As condições de habitabilidade não são satisfatórias. O imóvel, com pintura desgastada e parcialmente forrado, encontra-se em precário estado de conservação. É o que se depreende das fotografias que acompanham o estudo socioeconômico (ID 105189880, p. 56/59). 19 - A assistente social arremata que “o histórico de vida da periciada é permeado pela exclusão social, reproduzindo vivências aos filhos que hoje não possuem condições econômicas (...) Portanto, após avaliação técnica foi confirmado estado de vulnerabilidade social”. 20 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a autora, jus ao beneplácito assistencial. 21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos prospectivos. 22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 23 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93. 24 - Apelação do INSS desprovida. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora de ofício. Sentença reformada em parte. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0037713-67.2017.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 31/03/2020, Intimação via sistema DATA: 03/04/2020)


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037713-67.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: BENEDITA JOSE PINA FERREIRA

Advogado do(a) APELADO: DANILO BERNARDES MATHIAS - SP281589-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037713-67.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: BENEDITA JOSE PINA FERREIRA

Advogado do(a) APELADO: DANILO BERNARDES MATHIAS - SP281589-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por BENEDITA JOSÉ PINA FERREIRA, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.

A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de beneplácito assistencial, desde a data da apresentação do requerimento administrativo, ocorrida em 05/11/2015 (ID 105189880, p. 25). Fixou correção monetária e juros de mora nos termos do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09. Condenou o INSS, ainda, no pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas em atraso, contabilizadas até a data da sua prolação (ID 105189880, p. 127/130).

Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a parte autora não preenche os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado (ID 105189880, p. 139/146).

A parte autora apresentou contrarrazões (ID 105189880, p. 159/164).

Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

Parecer do Ministério Público Federal (ID 105189880, p. 173/176), no sentido do desprovimento do apelo.

É o relatório.

 

 

 


APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0037713-67.2017.4.03.9999

RELATOR: Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: BENEDITA JOSE PINA FERREIRA

Advogado do(a) APELADO: DANILO BERNARDES MATHIAS - SP281589-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em:

"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"

(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).

Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:

"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.

O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.

Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.

Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.

O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10).

A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou ocupação remunerada.

Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".

No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art. 20,

caput,

da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).

Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo

per capita

como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato. Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade, incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF, o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E, inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5.

Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993

. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"

Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a renda

per capita

, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova.

Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência econômica pelos já referidos "outros meios de prova".

A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva assim ementado:

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

(...)

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido."

(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ 20/11/2009). (grifos nossos)

No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a

ratio legis

do artigo em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não havia justificativa plausível para a discriminação.

Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.

Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência), apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.

1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.

2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.

(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015). (grifos nossos)

Do caso concreto.

Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.

O profissional médico indicado pelo Juízo

a quo

, com base em exame realizado em 24 de março de 2017 (ID 105189880, p. 63/66), quando a demandante possuía 62 (sessenta e dois) anos de idade, a diagnosticou com “cervicalgia de origem degenerativa (CID: M542)”, “lombalgia de origem degenerativa (CID M54.4/M51.1/M47.8)”, “tendinopatia do manguito rotador do ombro direito e esquerdo (CID: M75.1)”, “artrose da articulação acrômio-clavicular do ombro direito e esquerdo (CID: M19.9)”, “artrose bilateral dos joelhos (CID: M17.9)”, “insuficiência vascular periférica (CID: I73.9)” e “depressão (CID: F32)”.

Assim sintetizou o laudo:

O quadro clínico da pericianda associado ao exame físico indica diagnósticos que causam incapacidade da mesma em realizar esforço físico, permanecer por um período longo em pé, sentada ou até mesmo deitada, a realização da atividade cotidianas como passar pano no chão, varrer a casa, lavar louça, lavar roupas, estender roupas no varal se torna uma tarefa árdua e significativamente dolorosa estando, portanto, incapacitada de realizar suas atividades laborais

”.

Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,

a contrario sensu

do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.

Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade.

Portanto, inequívoco o impedimento de longo prazo da autora.

O estudo socioeconômico, elaborado em 27 de março de 2017 (ID 105189880, p. 48/53), informou que o núcleo familiar é formado pela demandante, sua filha e 2 (dois) netos.

A família reside em imóvel próprio, "

localizada em área de maior índice vulnerabilidade social (...), de alvenaria, parcialmente sem forro, piso de cerâmica, sem área da frente, e com pintura desgastada. Composta por cinco cômodos, ou seja, dois quartos, um banheiro, uma cozinha e uma sala. É provida de água e energia elétrica. Possui rede de esgoto e asfalto

".

A renda do núcleo familiar decorria, na época do estudo, dos ganhos auferidos pela filha da requerente, JOSILAINE PINA FERREIRA, no importe de um salário mínimo, por trabalho desenvolvido em cooperativa de reciclagem municipal.

Recebiam ainda valores, a título de inscrição no Programa Renda Cidadã, do Governo Estadual. No entanto, tais quantias não podem ser computadas como rendimento, à luz do disposto no art. 4º, §2º, II, do Decreto 6.214/2007.

As despesas, envolvendo gastos com água, luz, alimentação, gás, remédio e outros gastos inespecíficos, cingiam a aproximadamente R$1.088,00.

Nota-se, portanto, que a renda

per capita

familiar era inferior à ½ (metade) do salário mínimo, parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, além de ser insuficiente para com suas despesas.

Alie-se, como elemento de convicção, a corroborar a situação da vulnerabilidade social da família, o fato de que dos seus 4 (quatro) integrantes, 2 (dois) são menores de 18 (dezoito) anos e 1 (uma), maior de 60 (sessenta), portadora de diversas patologias - autora.

Nem todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública de saúde.

A requerente possui mais 3 (três) filhos, os quais constituíram família própria, e não possuem condições de ajuda-la. Um deles, ademais, encontra-se recluso em penitenciária.

As condições de habitabilidade não são satisfatórias. O imóvel, com pintura desgastada e parcialmente forrado, encontra-se em precário estado de conservação. É o que se depreende das fotografias que acompanham o estudo socioeconômico (ID 105189880, p. 56/59).

A assistente social arremata que “

o histórico de vida da periciada é permeado pela exclusão social, reproduzindo vivências aos filhos que hoje não possuem condições econômicas (...) Portanto, após avaliação técnica foi confirmado estado de vulnerabilidade social

”.

Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a autora, jus ao beneplácito assistencial.

A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos

ex tunc

do mencionado pronunciamento.

Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.

Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.

Ante o exposto,

nego provimento

à apelação do INSS e,

de ofício

, estabeleço que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual.

É como voto.

 

 

 

 



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. RENDA

PER CAPITA

FAMILIAR INFERIOR À METADE DE UM SALÁRIO MÍNIMO. RENDIMENTOS INSUFICIENTES PARA COM AS DESPESAS. VALORES PROVENIENTES DO PROGRAMA RENDA CIDADÃ DESCONSIDERADOS. ART. 4º, §2º, II, DO DECRETO 6.214/2007. NÚCLEO FAMILIAR COMPOSTO POR 4 (QUATRO) PESSOAS, SENDO QUE 2 (DUAS) MENORES DE 18 (DEZOITO) ANOS E UMA, COM MAIS DE 60 (SESSENTA), PORTADORA DE DIVERSAS PATOLOGIAS. AUTORA. AUXÍLIO DOS FILHOS. IMPOSSIBILIDADE. FILHO RECLUSO. MEDICAMENTOS NÃO FORNECIDOS PELA REDE PÚBLICA DE SAÚDE. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE INSATISFATÓRIAS. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA DE OFÍCIO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.

1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar

per capita

inferior a ¼ do salário mínimo.

3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.

4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda

per capita

, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.

5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo

per capita

como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.

7 - O profissional médico indicado pelo Juízo

a quo

, com base em exame realizado em 24 de março de 2017 (ID 105189880, p. 63/66), quando a demandante possuía 62 (sessenta e dois) anos de idade, a diagnosticou com “cervicalgia de origem degenerativa (CID: M542)”, “lombalgia de origem degenerativa (CID M54.4/M51.1/M47.8)”, “tendinopatia do manguito rotador do ombro direito e esquerdo (CID: M75.1)”, “artrose da articulação acrômio-clavicular do ombro direito e esquerdo (CID: M19.9)”, “artrose bilateral dos joelhos (CID: M17.9)”, “insuficiência vascular periférica (CID: I73.9)” e “depressão (CID: F32)”. Assim sintetizou o laudo: “O quadro clínico da pericianda associado ao exame físico indica diagnósticos que causam incapacidade da mesma em realizar esforço físico, permanecer por um período longo em pé, sentada ou até mesmo deitada, a realização da atividade cotidianas como passar pano no chão, varrer a casa, lavar louça, lavar roupas, estender roupas no varal se torna uma tarefa árdua e significativamente dolorosa estando, portanto, incapacitada de realizar suas atividades laborais”.

8 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial,

a contrario sensu

do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.

9 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrito no órgão competente, o qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica merece confiança e credibilidade.

10 - Portanto, inequívoco o impedimento de longo prazo da autora.

11 - O estudo socioeconômico, elaborado em 27 de março de 2017 (ID 105189880, p. 48/53), informou que o núcleo familiar é formado pela demandante, sua filha e 2 (dois) netos. A família reside em imóvel próprio, "localizada em área de maior índice vulnerabilidade social (...), de alvenaria, parcialmente sem forro, piso de cerâmica, sem área da frente, e com pintura desgastada. Composta por cinco cômodos, ou seja, dois quartos, um banheiro, uma cozinha e uma sala. É provida de água e energia elétrica. Possui rede de esgoto e asfalto".

12 - A renda do núcleo familiar decorria, na época do estudo, dos ganhos auferidos pela filha da requerente, JOSILAINE PINA FERREIRA, no importe de um salário mínimo, por trabalho desenvolvido em cooperativa de reciclagem municipal. Recebiam ainda valores, a título de inscrição no Programa Renda Cidadã, do Governo Estadual. No entanto, tais quantias não podem ser computadas como rendimento, à luz do disposto no art. 4º, §2º, II, do Decreto 6.214/2007.

13 - As despesas, envolvendo gastos com água, luz, alimentação, gás, remédio e outros gastos inespecíficos, cingiam a aproximadamente R$1.088,00.

14 - Nota-se, portanto, que a renda

per capita

familiar era inferior à ½ (metade) do salário mínimo, parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, além de ser insuficiente para com suas despesas.

15 - Alie-se, como elemento de convicção, a corroborar a situação da vulnerabilidade social da família, o fato de que dos seus 4 (quatro) integrantes, 2 (dois) são menores de 18 (dezoito) anos e 1 (uma), maior de 60 (sessenta), portadora de diversas patologias - autora.

16 - Nem todos os medicamentos são fornecidos pela rede pública de saúde.

17 - A requerente possui mais 3 (três) filhos, os quais constituíram família própria, e não possuem condições de ajuda-la. Um deles, ademais, encontra-se recluso em penitenciária.

18 - As condições de habitabilidade não são satisfatórias. O imóvel, com pintura desgastada e parcialmente forrado, encontra-se em precário estado de conservação. É o que se depreende das fotografias que acompanham o estudo socioeconômico (ID 105189880, p. 56/59).

19 - A assistente social arremata que “o histórico de vida da periciada é permeado pela exclusão social, reproduzindo vivências aos filhos que hoje não possuem condições econômicas (...) Portanto, após avaliação técnica foi confirmado estado de vulnerabilidade social”.

20 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a autora, jus ao beneplácito assistencial.

21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal vigente quando da elaboração da conta, com aplicação do IPCA-E nos moldes do julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE) e com efeitos prospectivos.

22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.

23 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93.

24 - Apelação do INSS desprovida. Alteração dos critérios de aplicação da correção monetária e dos juros de mora de ofício. Sentença reformada em parte.


 

ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação do INSS e, de ofício, estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora