Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2210031 / SP
0041140-09.2016.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
24/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO CONFIGURADO.
BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO
ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES
JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF.
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE
DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. SITUAÇÃO DE RISCO
COMPROVADA. RENDA TIDA COMO INEXISTENTE. BEENFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO
AO IDOSO. AINDA QUE CONSIDERADA, INSUFICIENTE PARA COM OS GASTOS DA
FAMÍLIA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. NÚCLEO FAMILIAR COMPOSTO POR PESSOA
COM DEFICIÊNCIA MENTAL E IDOSA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE
INSATISFATÓRIAS. MÍNIMO EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA
ECONÔMICA DEMONSTRADA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL RESTABELECIDO.
INEXIGIBILIDADE DO DÉBITO. DIB. DATA DA CESSAÇÃO INDEVIDA. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ.
APLICABILIDADE. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA.
AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho,
em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do
art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
idosa e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O impedimento de longo prazo da autora é inequívoco no presente caso, sendo despicienda
a realização de perícia médica judicial. Isso porque, consoante os documentos acostados aos
autos, às fls. 20/29, o benefício assistencial que deseja ver restabelecido, com a presente
demanda, foi cessado em virtude de incremento da renda do seu núcleo familiar, ou seja, foi
cancelado em virtude do não preenchimento do requisito da hipossuficiência econômica. O
requisito do impedimento de longo prazo, portanto, para o próprio ente autárquico, persiste.
8 - Ademais, a autora está interditada judicialmente desde 14/11/2007 (fl. 15), frequentou a
APAE por praticamente 10 (dez) anos (fl. 18) e foi diagnosticada com "retardo mental" (fl. 17),
fatos estes que afastam qualquer dúvida acerca do seu impedimento de longo prazo.
9 - O estudo socioeconômico, elaborado em 12 de janeiro de 2015 (fls. 51/53), informou que o
núcleo familiar é formado pela requerente e sua genitora. Residem em "casa própria com 05
cômodos de material, com cobertura de telhas de barro, com forro de PVC, o piso é cerâmica,
os móveis da casa encontram-se com aspectos de conservação".
10 - A renda do núcleo familiar decorre do benefício de aposentadoria por idade percebido pela
mãe da autora, MARIA JOAQUINA CORAZZI DA SILVA, no importe de um salário mínimo.
Trata-se de pessoa maior de 65 (sessenta e cinco) anos, motivo pelo qual a demandante
defende a aplicação do disposto no art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, para que seja
excluído o montante em questão do cômputo da renda familiar. Todavia, a mera aplicação do
referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o
requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor
per capita, sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade.
Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da
análise de todo o conjunto probatório.
11 - As despesas informadas pela assistente, envolvendo gastos com alimentação, água, gás,
energia elétrica e auxílio funerário, cingiam a aproximadamente R$661,09.
12 - Por outro lado, extrato acostado aos autos, de fl. 26, indica que a mãe da autora havia
contraído empréstimo, na modalidade consignado, junto à Caixa Econômica Federal, sendo
descontado mensalmente da sua aposentadoria, para pagamento do empréstimo, o valor de
R$187,05.
13 - Note-se, portanto, que ainda que considerados os proventos de aposentadoria da sua
genitora, os rendimentos seriam insuficientes para com os gastos.
14 - Alie-se, como elemento de convicção, que o núcleo familiar é composto por apenas 2
(duas) pessoas, sendo que uma das suas integrantes conta, atualmente, com mais de 68
(sessenta e oito) anos de idade e a outra é portadora de deficiência mental.
15 - As condições de habitabilidade se mostram insatisfatórias, sobretudo para uma família
cujas integrantes possuem as características supra.
16 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a autora, jus ao beneplácito assistencial, sendo de rigor, por conseguinte, a
declaração de inexigibilidade dos valores cobrados pelo INSS, a título de percepção irregular
deste benefício, pois o seu recebimento, em verdade, foi legal.
17 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015).
18 - Tendo em vista a persistência da hipossuficiência econômica, quando da cessação do
benefício assistencial (NB: 505.380.229-3), a DIB deve ser fixada no momento do seu
cancelamento indevido, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua
cessação (DCB: 02/12/2014 - fl. 58), a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema da
Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
19 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
20 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
21 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o
tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único
do art. 37 da Lei nº 8.742/93.
22 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
23 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. Tutela
específica concedida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação
da parte autora para reformar a r. sentença e, com isso, julgar procedente o pedido deduzido na
inicial, para condenar o INSS no restabelecimento e no pagamento dos atrasados de benefício
assistencial de prestação continuada, desde a data da sua cessação indevida, em 02/12/2014,
com a consequente declaração de inexigibilidade do débito cobrado pela autarquia, sendo que
sobre os valores em atraso, devidos à autora, incidirá correção monetária de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo
Manual, além de condenar o INSS no pagamento de honorários advocatícios na ordem de 10%
(dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença de 1º
grau de jurisdição, deferindo-se, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do
relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
