Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0015317-96.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
17/11/2020
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 19/11/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO CONFIGURADO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO.
EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR
ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES.
SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR À METADE
DO SALÁRIO MÍNIMO. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE PRECÁRIAS. MÍNIMO
EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. CONSECTÁRIOS LEGAIS ALTERADOS DE OFÍCIO.
1 – O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 18 de
julho de 2016 (ID 105047814, p. 45/52), quando a demandante possuía 49 (quarenta e nove)
anos, a diagnosticou como portadora de “NEOPLASIA MALIGNA SECUNDÁRIA E NÃO
ESPECIFICADA DOS GÂNGLIOS LINFÁTICOS, CÂNCER DE TIREÓIDE COM METÁSTASE
PARA CADEIAS GANGLIONARES DO PESCOÇO (CID C77) e HIPERTENSÃO ARTERIAL
SISTÊMICA (CID 110)”.
8 - Consignou que, por meio de laudo citopatológico, datado de 26/11/15, já estava evidente o
diagnóstico, tendo a requerente relatado que já apresentava esse quadro desde o mês de maio
de 2015. Concluiu, ao final, que apresenta “incapacidade total e por tempo indeterminado”.
9 - Considerada a gravidade da doença relatada, reforçada pelas fotografias reunidas nos autos,
e diante da própria ausência de fixação de um prazo para eventual possibilidade de exercício de
atividades laborativas pelo perito, é de se concluir que não há, num horizonte concreto, qualquer
possibilidade de retorno ao trabalho num prazo suficiente a afastar o impedimento de longo prazo.
10 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
11 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente, a
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
12 - Configurado o impedimento de longo prazo, passa-se à análise da hipossuficiência.
13 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante, em 29 de
junho de 2016 (ID 105047814, p. 18/22), informou que o núcleo familiar é formado por esta, seu
marido e dois filhos.
14 - Residem em casa própria, “composta por 6 (seis) cômodos, entre eles, o banheiro;
construídos de alvenaria: tijolos, cimento, piso cerâmico, etc., paredes internas e externas com
reboco e pinturas regulares, telhado coberto com telhas de barro e forrado com madeira, chão
parcialmente (os dormitórios) revestido com piso cerâmico e os demais cômodos cobertos com
cimento queimado vermelhão”. “A casa encontra-se em condições ruins e abriga
insatisfatoriamente os integrantes do núcleo familiar, pois, ajudado pela falta de manutenção
preventiva, o imóvel precisa de reformas”.
15 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do recebimento do benefício
de prestação continuada, no valor de um salário mínimo (R$ 880,00), em favor da filha da
requerente, DANIELA CRAVO DE ALELUIA, deficiente. O seu marido, ELIAS OLEGÁRIO DA
SILVA, atualmente estava desempregado, e o outro filho, JOÃO VITOR PEREIRA DA SILVA,
menor de idade, apenas estudava. O benefício recebido pela autora em razão de tutela
antecipada não pode ser contabilizado, pois exatamente esse é o objeto desta demanda.
16 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo.
17 - Além disso, não são beneficiários de nenhum programa de transferência de renda ou
acompanhamento socioassistencial.
18 - As despesas relatadas, envolvendo água, luz, alimentação, gás e medicamentos, cingiam a
aproximadamente R$ 780,00.
19 – Apurou-se, ainda, que a demandante viaja para a cidade de Jaú/SP três vezes por mês, para
realizar sessões de quimioterapia e de radioterapia.
20 - Diante desse quadro, se me afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência,
subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973,
reproduzido no art. 375 do CPC/2015), que os gastos da família persistam no mesmo valor
indicado no estudo (R$780,00), sobretudo, em virtude dos futuros dispêndios com saúde.
21 - Repisa-se, a corroborar a vulnerabilidade social da família, como asseverado pela assistente
social em sua visita, que as condições de habitabilidade não são satisfatórias.
22 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
23 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na
data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (AgRg
no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/08/2015, DJe 14/08/2015). Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em
29.07.2014 (ID 790547, p. 22), seria de rigor a fixação da DIB na referida data. Dessa forma,
tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 05.04.2016 (ID 105047813, p.
45), de rigor a fixação da DIB na referida data.
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico
do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art.
37 da Lei nº 8.742/93.
27 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou
perfeitamente atendido com o percentual de 10% estabelecido na sentença, devendo o mesmo
incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o
verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
28 – Apelação da parte autora provida. Apelação do INSS desprovida. Consectários legais
alterados de ofício.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0015317-96.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA DE FATIMA PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
APELADO: MARIA DE FATIMA PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0015317-96.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA DE FATIMA PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
APELADO: MARIA DE FATIMA PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pela parte autora e pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARIA DE FÁTIMA PEREIRA, objetivando a concessão
de benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.
A r. sentença julgou procedente o pedido, condenando o INSS na concessão e no pagamento dos
atrasados de beneplácito assistencial, desde a data da citação (25/05/2016), acrescidas as
diferenças apuradas de correção monetária e juros de mora. Condenou-o, ainda, no pagamento
de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.
Foi confirmada a tutela antecipada, tornando-a definitiva (ID 105047814, p. 69/74).
Em razões recursais, a parte autora requer a modificação da data do início do benefício para a
data do requerimento administrativo (ID 105047814, p. 79/83).
O INSS, por sua vez, pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que a demandante não
preencheu os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado. Subsidiariamente, requer a
fixação da DIB na data da juntada do último laudo médico, além da redução dos honorários
advocatícios (ID 105047814, p. 87/94).
A autora apresentou contrarrazões (ID 105047814, p. 98/114).
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
Parecer do Ministério Público Federal (ID 105047814 – p. 117/120), no sentido do desprovimento
do apelo da autarquia.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0015317-96.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: MARIA DE FATIMA PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
APELADO: MARIA DE FATIMA PEREIRA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: ROSANA MARIA DO CARMO NITO - SP239277-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de
prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi
reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.
Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.
Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada
pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10).
A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente
de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou
ocupação remunerada.
Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".
No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).
Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:
"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da
reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"
Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado
comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros
meios de prova.
Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".
A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por
meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva
assim ementado:
"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento
motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual
essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de
prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do
Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)
No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido
tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar
somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de
qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo
em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não
havia justificativa plausível para a discriminação.
Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no
sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis
Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito
do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)
Do caso concreto.
Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e
não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 18 de julho
de 2016 (ID 105047814, p. 45/52), quando a demandante possuía 49 (quarenta e nove) anos, a
diagnosticou como portadora de “NEOPLASIA MALIGNA SECUNDÁRIA E NÃO ESPECIFICADA
DOS GÂNGLIOS LINFÁTICOS, CÂNCER DE TIREÓIDE COM METÁSTASE PARA CADEIAS
GANGLIONARES DO PESCOÇO (CID C77) e HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (CID
110)”.
Consignou que, por meio de laudo citopatológico, datado de 26/11/15, já estava evidente o
diagnóstico, tendo a requerente relatado que já apresentava esse quadro desde o mês de maio
de 2015. Concluiu, ao final, que apresenta “incapacidade total e por tempo indeterminado”.
Considerada a gravidade da doença relatada, reforçada pelas fotografias reunidas nos autos, e
diante da própria ausência de fixação de um prazo para eventual possibilidade de exercício de
atividades laborativas pelo perito, é de se concluir que não há, num horizonte concreto, qualquer
possibilidade de retorno ao trabalho num prazo suficiente a afastar o impedimento de longo prazo.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do
que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente, a
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
Configurado o impedimento de longo prazo, passo à análise da hipossuficiência.
O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante, em 29 de junho
de 2016 (ID 105047814, p. 18/22), informou que o núcleo familiar é formado por esta, seu marido
e dois filhos.
Residem em casa própria, “composta por 6 (seis) cômodos, entre eles, o banheiro; construídos de
alvenaria: tijolos, cimento, piso cerâmico, etc., paredes internas e externas com reboco e pinturas
regulares, telhado coberto com telhas de barro e forrado com madeira, chão parcialmente (os
dormitórios) revestido com piso cerâmico e os demais cômodos cobertos com cimento queimado
vermelhão”. ‘A casa encontra-se em condições ruins e abriga insatisfatoriamente os integrantes
do núcleo familiar, pois, ajudado pela falta de manutenção preventiva, o imóvel precisa de
reformas.
A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do recebimento do benefício de
prestação continuada, no valor de um salário mínimo (R$ 880,00), em favor da filha da
requerente, DANIELA CRAVO DE ALELUIA, deficiente. O seu marido, ELIAS OLEGÁRIO DA
SILVA, atualmente estava desempregado, e o outro filho, JOÃO VITOR PEREIRA DA SILVA,
menor de idade, apenas estudava. O benefício recebido pela autora em razão de tutela
antecipada não pode ser contabilizado, pois exatamente esse é o objeto desta demanda.
Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo.
Além disso, não são beneficiários de nenhum programa de transferência de renda ou
acompanhamento socioassistencial.
As despesas relatadas, envolvendo água, luz, alimentação, gás e medicamentos, cingiam a
aproximadamente R$ 780,00.
Apurou-se, ainda, que a demandante viaja para a cidade de Jaú/SP três vezes por mês, para
realizar sessões de quimioterapia e de radioterapia.
Diante desse quadro, se me afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência,
subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973,
reproduzido no art. 375 do CPC/2015), que os gastos da família persistam no mesmo valor
indicado no estudo (R$780,00), sobretudo, em virtude dos futuros dispêndios com saúde.
Repisa-se, ainda, a corroborar a vulnerabilidade social da família, como asseverado pela
assistente social em sua visita, que as condições de habitabilidade não são satisfatórias.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que o núcleo
familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo, portanto, a
autora, jus ao benefício assistencial.
Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data
do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa
esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO
INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ, porquanto o deslinde da controvérsia requer apenas a
análise de matéria exclusivamente de direito.
2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, o termo inicial para a concessão do benefício
assistencial de prestação continuada é a data do requerimento administrativo e, na sua ausência,
a partir da citação .
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015)."
Dessa forma, tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 05.04.2016 (ID
105047813, p. 45), de rigor a fixação da DIB na referida data.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do
Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37
da Lei nº 8.742/93.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por
imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou perfeitamente
atendido com o percentual de 10% estabelecido na sentença, devendo o mesmo incidir sobre o
valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula
111 do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora, para fixar a data de início do
benefício na data do requerimento administrativo (05/04/2016), nego provimento à apelação do
INSS, e, de ofício, estabeleço que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de
variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
serão fixados de acordo com o mesmo Manual, mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau de
jurisdição.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. IMPEDIMENTO DE
LONGO PRAZO CONFIGURADO. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO.
EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR
ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE
CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20
DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO
ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES.
SITUAÇÃO DE RISCO COMPROVADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR INFERIOR À METADE
DO SALÁRIO MÍNIMO. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE PRECÁRIAS. MÍNIMO
EXISTENCIAL NÃO GARANTIDO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA.
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA.
APELAÇÃO DO INSS DESPROVIDA. CONSECTÁRIOS LEGAIS ALTERADOS DE OFÍCIO.
1 – O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
7 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 18 de
julho de 2016 (ID 105047814, p. 45/52), quando a demandante possuía 49 (quarenta e nove)
anos, a diagnosticou como portadora de “NEOPLASIA MALIGNA SECUNDÁRIA E NÃO
ESPECIFICADA DOS GÂNGLIOS LINFÁTICOS, CÂNCER DE TIREÓIDE COM METÁSTASE
PARA CADEIAS GANGLIONARES DO PESCOÇO (CID C77) e HIPERTENSÃO ARTERIAL
SISTÊMICA (CID 110)”.
8 - Consignou que, por meio de laudo citopatológico, datado de 26/11/15, já estava evidente o
diagnóstico, tendo a requerente relatado que já apresentava esse quadro desde o mês de maio
de 2015. Concluiu, ao final, que apresenta “incapacidade total e por tempo indeterminado”.
9 - Considerada a gravidade da doença relatada, reforçada pelas fotografias reunidas nos autos,
e diante da própria ausência de fixação de um prazo para eventual possibilidade de exercício de
atividades laborativas pelo perito, é de se concluir que não há, num horizonte concreto, qualquer
possibilidade de retorno ao trabalho num prazo suficiente a afastar o impedimento de longo prazo.
10 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
11 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente, a
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
12 - Configurado o impedimento de longo prazo, passa-se à análise da hipossuficiência.
13 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante, em 29 de
junho de 2016 (ID 105047814, p. 18/22), informou que o núcleo familiar é formado por esta, seu
marido e dois filhos.
14 - Residem em casa própria, “composta por 6 (seis) cômodos, entre eles, o banheiro;
construídos de alvenaria: tijolos, cimento, piso cerâmico, etc., paredes internas e externas com
reboco e pinturas regulares, telhado coberto com telhas de barro e forrado com madeira, chão
parcialmente (os dormitórios) revestido com piso cerâmico e os demais cômodos cobertos com
cimento queimado vermelhão”. “A casa encontra-se em condições ruins e abriga
insatisfatoriamente os integrantes do núcleo familiar, pois, ajudado pela falta de manutenção
preventiva, o imóvel precisa de reformas”.
15 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria do recebimento do benefício
de prestação continuada, no valor de um salário mínimo (R$ 880,00), em favor da filha da
requerente, DANIELA CRAVO DE ALELUIA, deficiente. O seu marido, ELIAS OLEGÁRIO DA
SILVA, atualmente estava desempregado, e o outro filho, JOÃO VITOR PEREIRA DA SILVA,
menor de idade, apenas estudava. O benefício recebido pela autora em razão de tutela
antecipada não pode ser contabilizado, pois exatamente esse é o objeto desta demanda.
16 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo.
17 - Além disso, não são beneficiários de nenhum programa de transferência de renda ou
acompanhamento socioassistencial.
18 - As despesas relatadas, envolvendo água, luz, alimentação, gás e medicamentos, cingiam a
aproximadamente R$ 780,00.
19 – Apurou-se, ainda, que a demandante viaja para a cidade de Jaú/SP três vezes por mês, para
realizar sessões de quimioterapia e de radioterapia.
20 - Diante desse quadro, se me afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência,
subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973,
reproduzido no art. 375 do CPC/2015), que os gastos da família persistam no mesmo valor
indicado no estudo (R$780,00), sobretudo, em virtude dos futuros dispêndios com saúde.
21 - Repisa-se, a corroborar a vulnerabilidade social da família, como asseverado pela assistente
social em sua visita, que as condições de habitabilidade não são satisfatórias.
22 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o
núcleo familiar se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo,
portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
23 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na
data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (AgRg
no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/08/2015, DJe 14/08/2015). Tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em
29.07.2014 (ID 790547, p. 22), seria de rigor a fixação da DIB na referida data. Dessa forma,
tendo em vista a apresentação de requerimento administrativo em 05.04.2016 (ID 105047813, p.
45), de rigor a fixação da DIB na referida data.
24 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
25 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
26 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico
do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art.
37 da Lei nº 8.742/93.
27 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou
perfeitamente atendido com o percentual de 10% estabelecido na sentença, devendo o mesmo
incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o
verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
28 – Apelação da parte autora provida. Apelação do INSS desprovida. Consectários legais
alterados de ofício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora, para fixar a data de início do
benefício na data do requerimento administrativo (05/04/2016), negar provimento à apelação do
INSS, e, de ofício, estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça
Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de
variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório,
serão fixados de acordo com o mesmo Manual, mantendo, no mais, a r. sentença de 1º grau de
jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
