Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5009006-57.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
13/10/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/10/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO
LITERAL À DISPOSITIVO DE LEI. VALORAÇÃO DE PROVA. LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO. RAZOABILIDADE. SOLUÇÃO JURÍDICA ADMISSÍVEL. PARÂMETROS LEGAIS E
JURISPRUDENCIAIS DE ÉPOCA. INCABÍVEL REANÁLISE DE PROVAS. ERRO DE FATO.
INFLUÊNCIA DE FORMA DEFINITIVA NO JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. EX-CÔNJUGE. DEVER
LEGAL DE PRESTAR ALIMENTOS. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. IUDICIUM
RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.
1. A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal
e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta.
Ressalta-se que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do
enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais".
2. Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração
da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma
vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.
3. A viabilidade da ação rescisória por erro de fato pressupõe que, sem que tenha havido
controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva
para a conclusão do decidido.
4. O erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível
pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção
de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
5. O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Por seu
turno, a Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício.
6. Conceito legal de família para fins da concessão do amparo assistencial à pessoa idosa ou
com deficiência. Em que pesem as alterações do conceito legal de família para fins da concessão
do amparo assistencial garantido no artigo 203, V, da Constituição, não há que se perder de vista
o princípio da solidariedade familiar, que impõe aos integrantes da entidade familiar, aqui
entendida na forma protegida pela Constituição em seu artigo 226, o dever da mútua assistência
material.
7. Segundo o disposto nos artigos 399 do CC/1916 e 1.695 do Código Civil de 2002, são devidos
alimentos pelos parentes que possam fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu próprio
sustento, quando quem os pretende não tiver bens suficientes, nem puder prover, pelo seu
trabalho, à própria mantença. Ainda, considerado o binômio necessidade-possibilidade, há dever
entre cônjuges separados de prestar alimentos, caso venham a deles necessitar para sua
sobrevivência, caso não tenham parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o
trabalho, conforme disposição dos artigos 5º, I, e 226, § 5º, da Constituição, 248, IX, do CC/1916
e 1.702 e 1.704, I, do CC/2002.
8. Evidencia-se o caráter supletivo da atuação estatal, haja vista que o amparo assistencial, como
previsto na Constituição, é devido àquele que não possui meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família.
9. Verifica-se, realmente, que a decisão rescindenda se refere a regulamento que já se
encontrava revogado (Decreto n.º 1.744/95), bem como qualifica a curadora do autor como
“esposa”, embora estivessem separados judicialmente. No que tange ao regulamento, a mera
menção ao Decreto não trouxe qualquer prejuízo ao julgamento da causa, nem se demonstrou
fator determinante para a improcedência do pedido, haja vista que a decisão se encontra calcada
na Lei de regência do amparo assistencial e não no ato normativo infralegal. Em relação à
qualificação da curadora como “esposa” do autor, embora se pudesse observar que o julgado
incidiu em erro quanto ao estado civil do autor, tem-se que o erro de fato não influiu de forma
definitiva para a conclusão do decidido. Verifica-se que o julgador originário avaliou detidamente a
situação concreta do autor no que tange à sua hipossuficiência econômica, entendendo afastada
situação de extrema vulnerabilidade social, conclusão que não sofreria qualquer modificação
decorrente da correção do estado civil.
10. Em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, considerado o dever dos filhos e da
ex-cônjuge de prestar alimentos, bem como a situação fática de ausência de vulnerabilidade
social, não reconhecida a existência no julgado rescindendo de erro de fato, definitivo para o
resultado do julgamento, ou violação direta à lei, ao entender não comprovada a situação de
miserabilidade do requerente considerando a renda percebida pela ex-esposa.
11. É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao
pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
12. O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso ou ao deficiente, até porque a
realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis n.ºs
8.742/93 e 10.741/03 vão além e exigem que o idoso ou deficiente se encontre em situação de
risco. Frisa-se que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de
benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em
situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a
sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são
suficientes a garantir o mínimo existencial.
13. O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige que o julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
14. Ademais, a aferição da situação de miserabilidade sempre foi questão espinhosa na
jurisprudência, não somente em relação ao critério legal relativo ao valor da renda per capita,
como também quanto à própria composição do grupo familiar e àquilo que efetivamente é
possível considerar, diante das situações concretas, como estado de hipossuficiência tal que
reclame o amparo estatal.
15. O Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e
razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível, não se afastando dos
parâmetros legais e jurisprudenciais que existiam à época. A excepcional via rescisória não é
cabível para mera reanálise das provas.
16. Ressalta-se que o benefício assistencial é concedido ou indeferido rebus sic stantibus, ou
seja, conforme a situação fática e jurídica no momento da decisão. Nada impede, portanto, a
rediscussão da controvérsia em 1º grau de jurisdição, à luz dos elementos fático-jurídicos atuais.
17. Verba honorária fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de
juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas
civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º,
4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que
inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios
da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
18. Rejeitada a matéria preliminar. Em juízo rescindendo, julgada improcedente a ação rescisória,
nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5009006-57.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AUTOR: WILSON JOSE MOREIRA DE ARRUDA
REPRESENTANTE: BERENICE DE JESUS ARO DE ARRUDA
Advogado do(a) AUTOR: APARECIDO OLADE LOJUDICE - SP126083,
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5009006-57.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AUTOR: WILSON JOSE MOREIRA DE ARRUDA
REPRESENTANTE: BERENICE DE JESUS ARO DE ARRUDA
Advogado do(a) AUTOR: APARECIDO OLADE LOJUDICE - SP126083,
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de ação rescisória, com aditamento ID 51025161, p. 58-59, proposta por WILSON JOSE
MOREIRA DE ARRUDA, assistido por sua curadora Berenice de Jesus Aro, em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, com fundamento no artigo 966, V e VIII,
do CPC/2015, objetivando rescindir decisão monocrática terminativa de mérito, a fim de que lhe
seja concedido o benefício de amparo assistencial ao deficiente, com data de início em
27.07.2006.
Aduziu que o julgado violou disposição literal dos artigos 5º, caput, 37, caput, 203, V, da CF; 20,
caput e § 3º, da Lei n.º 8.742/93; 4º, V, do Decreto n.º 6.214/07; 5º da LICC; 14, I, e 17, II, do
CPC/1973; e, 186 do CC; pois, no seu entender, o conjunto probatório da demanda subjacente
demonstrava seu direito ao benefício, sendo que, em suma, o autor considerou que a decisão
rescindenda não teria sido fundamentada quanto aos requisitos legais para concessão do
benefício assistencial, ferindo seu alegado direito, em igualdade de condições com outros
assistidos.
Sustentou, ainda, a ocorrência de erros de fato no julgado rescindendo: (i) por não considerar a
revogação do Decreto n.º 1.744/95; (ii) por qualificar como sua “esposa” a sua ex-esposa, e
curadora, incluindo-a na composição da renda familiar; (iii) por exigir o atendimento da Súmula
STF n.º 281 embora se verificassem as aduzidas violações ao ordenamento jurídico
supramencionadas.
O feito foi originariamente distribuído, em 12.09.2018, perante o c. Superior Tribunal de Justiça,
que deferiu ao autor a gratuidade de justiça (ID 51025161, p. 43), bem como determinou a
emenda da inicial (p. 51-53) dada a inexistência de decisão de mérito por aquela Corte e o
“flagrante erro na indicação do juízo competente”. O autor aditou a inicial (p. 58-59) para indicar
este e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Foi acolhida a emenda e determinada a
redistribuição do feito (p. 61).
Redistribuído o processo, em 11.04.2019, e em atenção à determinação ID 54559525, o autor
complementou as peças que instruíram a inicial (ID 73646732).
Consta decisão ID 80424788, datada de 16.07.2019, que decretou a decadência da pretensão
rescisória, considerando o trânsito em julgado ocorrido em 17.01.2013, bem como precedente
unânime desta 3ª Seção quanto à fluência do prazo decadencial em desfavor do curatelado
(AG/AR 00041732320154030000, relator Desembargador Federal Gilberto Jordan, j. 28.02.2019).
O autor interpôs agravo interno ID 88072915.
A autarquia, citada, apresentou (ID 92162427) as suas contrarrazões ao recurso, bem como
contestou o pedido, alegando, em preliminar, a carência da ação e, no mérito, a inexistência de
violação à lei ou erro de fato.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso, com aplicação da multa
prevista no artigo 1.021, § 4º , do CPC (ID 102219616).
Na sessão de 23.04.2020, esta 3ª Seção, por maioria, deu provimento ao agravo para afastar a
decadência da pretensão rescisória, conforme acórdão ID 132376314.
Sem oposição recursal, foi determinado o prosseguimento do feito (ID 137078698) e o autor
ofereceu réplica (ID 139329094).
O Ministério Público Federal opinou pela improcedência da ação rescisória (ID 139937164).
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5009006-57.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
AUTOR: WILSON JOSE MOREIRA DE ARRUDA
REPRESENTANTE: BERENICE DE JESUS ARO DE ARRUDA
Advogado do(a) AUTOR: APARECIDO OLADE LOJUDICE - SP126083,
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Rejeito a preliminar de carência da ação, relativa ao suposto caráter recursal da demanda, por se
confundir com o mérito da demanda rescisória.
O autor fundamenta a ação rescisória no artigo 966, V e VIII, do CPC/2015, sob a alegação de
que o julgado rescindendo violou a literal disposição dos artigos 5º, caput, 37, caput, 203, V, da
CF; 20, caput e § 3º, da Lei n.º 8.742/93; 4º, V, do Decreto n.º 6.214/07; 5º da LICC; 14, I, e 17, II,
do CPC/1973; e, 186 do CC; pois, no seu entender, o conjunto probatório da demanda subjacente
demonstrava seu direito ao benefício. Entende que a decisão rescindenda não teria sido
fundamentada quanto aos requisitos legais para concessão do benefício assistencial, ferindo seu
alegado direito, em igualdade de condições com outros assistidos. Sustenta, ainda, a ocorrência
de erros de fato no julgado rescindendo: (i) por não ter considerado a revogação do Decreto n.º
1.744/95; (ii) por qualificar como sua “esposa” a sua ex-esposa, e curadora, incluindo-a na
composição da renda familiar; (iii) por exigir o atendimento da Súmula STF n.º 281 embora se
verificassem as aduzidas violações ao ordenamento jurídico supramencionadas.
Na ação subjacente, ajuizada em 10.05.2008 (ID 73646735, p. 3-6), o requerente, nascido em
30.01.1953 (p. 88), assistido por sua curadora, Berenice de Jesus Aro, postulou a concessão do
benefício de amparo assistencial ao deficiente, alegando situação de deficiência decorrente da
ingestão de bebidas alcóolica ao longo dos anos e por se encontrar em situação de
hipossuficiência econômica, haja vista que dela dependeria, sua ex-esposa, embora tivesse três
filhos adultos, dois casados, com “vida independente”, e um recluso.
Juntou apenas cópia de sua certidão de casamento (p. 8) com Berenice de Jesus Aro, ocorrido
em 15.01.1977, na qual consta averbada a separação judicial, ocorrida em 29.08.1986.
No curso da demanda, juntou cópia da certidão de sua interdição definitiva (ID 73646739, p. 14),
ocorrida em 29.07.2009, constando como curadora sua ex-esposa.
Com a contestação, foi juntada cópia dos autos do procedimento administrativo (ID 73646735, p.
39-49, 73646736, p. 1-11), instaurado em 20.07.2006, no qual indicou a sra. Berenice de Jesus
Aro como sua “esposa”, convivendo na mesma residência (p. 42).
O estudo social, datado de 18.08.2008 (ID 73646736, p.12-15), discrimina que:
"[...] O autor é um senhor de cinqüenta e cinco anos de idade, de aparência muito envelhecida e
muito confuso, não tem coerência na fala. Demonstra ser totalmente dependente de terceiros.
Atualmente vive em companhia de sua ex-esposa e curadora [...]
Tem como escolaridade 4ª série do primeiro grau.
[...] foi a Berenice com seu trabalho que sempre manteve o lar. [...]
O casal ficou separado de fato por dois anos e quando o senhor Wilson não tinha para onde ir,
havia perdido toda sua herança, estava desempregado e confuso, resolveu recolher em sua casa.
Afirma que não tem vida em comum com ele, apenascuida dele para não deixar o “fardo” (sic)
para os filhos.
O casal teve três filhos:
Wildson Moreira de Arruda: 32 anos idade, casado, operário e pai de um filho. Sua esposa
trabalha como empregada doméstica.
Esteferson Aro de Arruda: 28 anos de idade, já foi amasiado e no momento cumpre pena [...]. Ele
tem um filho, que vive com as (sic) avó paterna e é ela que tem a guarda dele, L.V.S.A., de oito
anos idade, frequenta a segunda série na escola municipal [...]”.
Wilson Aro Arruda: 24 anos de idade, casado, pai de um filho. Ele é operário e a esposa é
empregada doméstica.
Da Residência: [...]
O imóvel está semi-acabado, em nome do filho Wildson e consistente em três quartos, uma sala,
cozinha, banheiro e área de serviço. A casa esta (sic) semi-acabada, o chão no contra piso (sic),
não existe portas internamente, as paredes estão apenas “chamuscadas”. É uma casa bem
ampla e arejada.
O mobiliário é antigo, conservado dentro do possível e como utensílios de maior valor possui:
televisão, DVD, geladeira e fogão á (sic) gás.
Conta com linha telefônica [...]
Da Renda:
Vive o autor, seu neto L. e a ex-esposa Berenice com a aposentadoria dela, que hoje é de $ (sic)
767,00 reais mensais.
Gastam mensalmente os seguintes itens: $ (sic) 281,00 de empréstimo consignado (36 parcelas,
só pagou 6), água $ (sic) 36,26, luz $ (sic) 84,00, telefone $ (sic) 40.34 e o restante em todos os
demais itens de sobrevivência.
O IPTU foi pago em uma única parcela com a ajuda dos filhos $ (sic) 189,94. [...]
Da Saúde:
O autor é alcoólatra, todo dia necessita tomar pelo menos uma dose de pinga. É uma pessoa
confusa, que urina na cama e depende de terceiros para sua higiene pessoal. Esteve internado
várias vezes em hospitais psiquiátricos da região e chegou a sofrer convulsões.
Atualmente faz acompanhamento ambulatorial e utiliza os seguinte remédios diariamente [...]
Já a ex-esposa do autor tem problemas de pressão alta e depressão, utiliza diariamente os
seguintes remédios [...]
Toda a família é usuária do Sistema Único de Saúde.
Conclusão:
O senhor Wilson aparentemente se mostra incapaz, depende de terceiros para gerir sua própria
vida e agora, da caridade da sua exposa.
Socialmente entendemos que ele participe da renda familiar e assim, nos manifestamos
favoravelmente à (sic) obtenção do benefício pleiteado.” (grifo nosso)
No laudo ID 73646736, p. 41-45, datado de 09.12.2008, o perito médico concluiu que:
"[...] Antecedentes hereditários.
Pai falecido há mais de seis anos. Vítima de câncer.
Mãe falecida há mais de 15 anos. Vítima de câncer. Era alcoólatra.
São sete filhos naturais e um adotivo. Um de seus irmãos, já falecido era alcoólatra e epiléptico.
Irmã e irmão são alcoólatras.
Neto é alcoólatra.
Antecedentes pessoais.
Mãe bebia durante sua gestação.
Reside com a ex-esposa e um neto. [...]
Está separado há 28 anos mas mesmo assim sua ex-esposa refere que o acolheu um ano após a
separação em virtude da situação precária do mesmo.
É etilista e tabagista. [...]
Tem que ser estimulado para se alimentar e cuidar de sua higiene pessoal. [...]
EXAME FÍSICO.
Péssimo estado de apresentação e nutrição.
Tremor fino de extremidades.
Dificuldades para deambular.
Sinais Vitais mantidos.
EXAME PSÍQUICO.
Campo da Consciência ligeiramente estreitado (obnubilado). Desorientado no tempo e no espaço,
atenção dispersa, tônus afetivo diminuído, humor instável, inquietude psicomotora, com
agressividade verbal contra a acompanhante quando ela falava a respeito de seu comportamento,
memória de fixação e evocação comprometidas, prováveis distúrbios senso-perceptivos descritos
sob a forma de alucinações auditivas e visuais (zoopsias), juízo crítico diminuído, instinto de
conservação mantido em níveis primitivos.
SÍNTESE – COMENTÁRIOS – CONCLUSÃO
O examinado é portador de quadro psicopatológico de natureza cerebral orgânica que
comprometeu de forma definitiva sua cognição, atividade intelectiva e memória, com déficit de
crítica e alterações súbitas e consciência e alterações globais em demais funções psíquicas.
Quadro decorrente do uso abusivo e crônico de bebidas alcoólicas com desenvolvimento de
quadro epiléptico em decorrência de tal dependência química.
Apresenta deterioração mental de natureza crônica irreversível, perda da capacidade de
entendimento e autodeterminação o que o torna totalmente incapacitado para o trabalho e demais
atividades relacionadas ao gerenciamento de sua vida.
Necessita de forma permanente da assistência de terceiros para sua sobrevivência.
Pelo exposto, pelo (sic) dados colhidos, pelo exame realizado, concluímos na presente data estar
incapacitado para o trabalho e demais atos da vida civil de forma definitiva. [...]” (grifo nosso)
Em 1ª Instância, o pedido foi julgado procedente (ID 73646739, p. 31-33), sentença reformada em
2º grau de jurisdição, dando-se provimento à apelação autárquica para julgar improcedente o
pedido, conforme decisão monocrática terminativa de mérito proferida, em 03.06.2011, pela
Desembargadora Federal Daldice Santana (ID 73646742, p. 22-26), da qual destaco:
"[...] Discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício de
prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado pelo Decreto n.
1.744/95.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu
artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o
postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar não possuir
meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67
(sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998 e, mais
recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei
n. 10.741/03).
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelece, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os
conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivam sob o
mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida
independente e para o trabalho - § 2º), e de família incapacitada de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼
(um quarto) do salário-mínimo - § 3º). [...]
Já a constitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, proferida na ADIn n.
1.232-1/DF, não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação
de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a
exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação. Deve-se verificar, na
questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de carência de
recursos - a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social
constitucionalmente prevista.
Assim, a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a
possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova,
conforme precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min.
Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61; REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson
Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal,
DJU 21/2/2000, p. 163). [...]
O relevante é que, ao assim reiteradamente decidir em Reclamações (Reclamação n. 4115/RS,
Rel. Min. Carlos Britto; Reclamação n. 3963/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Reclamação n.
3342/MA, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), a própria Suprema Corte admite a possibilidade, na
hipótese, de ser apreciada a matéria de fato no Juízo ad quem - por isso que ilide a presunção de
¼ do salário-mínimo, até então tida como absoluta, não cabendo àquela Corte o reexame da
prova.
Cumpre ressaltar, ainda, que a legislação federal superveniente à propositura da referida ação
direta, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes,
considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse
sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as
Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n.
4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora o Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Em conclusão, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93,
como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado
Brasileiro elegeu outros, como deflui da legislação acima citada.
A apelante alega não ter sido demonstrada a hipossuficiência econômica da parte autora.
Quanto a essa questão, verifica-se, pela análise do estudo social (fls. 57/60), que a parte autora
reside com sua esposa e um neto.
A renda familiar constitui-se da aposentadoria recebida pela esposa, no valor de R$ 767,00
(setecentos e sessenta e sete reais).
Tal fato, por si só, torna inaplicável, por analogia, o disposto no artigo 34, parágrafo único, do
Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
Além disso, a família reside em casa própria, ampla e arejada, composta de sete cômodos,
guarnecida com mobiliário conservado e capaz de propiciar certo conforto aos moradores.
Com efeito, possuem linha de telefone fixo e aparelho de DVD.
Destarte, depreende-se do estudo socioeconômico que a família tem acesso aos mínimos sociais,
o que afasta a condição de miserabilidade que enseja a percepção do benefício.
A respeito, é importante destacar o fato de o amparo assistencial não depender de nenhuma
contribuição do beneficiário e ser custeado por toda a sociedade, destinando-se, portanto,
somente àqueles indivíduos que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social e,
por não possuírem nenhuma fonte de recursos, devem ter sua miserabilidade atenuada com o
auxílio financeiro prestado pelo Estado. Desse modo, tal medida não pode ter como finalidade
propiciar maior conforto e comodidade, assemelhando-se a uma complementação de renda.
Nesse sentido, reporto-me ao seguinte julgado: [...]
Em decorrência, concluo pelo não preenchimento dos requisitos necessários à concessão do
benefício de prestação continuada, previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado pelo
Decreto n. 1.744/95, impondo-se a reforma da decisão de Primeira Instância e a inversão do ônus
da sucumbência. [...]" (grifo nosso)
Rejeitados os embargos de declaração opostos (ID 73646742, p. 45-47), o autor interpôs recurso
especial, o qual não foi admitido (p. 66-67).
O c. Superior Tribunal de Justiça não conheceu do agravo interposto (ID 73646743, p. 36),
decisão que, sem interposição de outros recursos pelas partes, teve seu trânsito em julgado
certificado em 11.02.2016 (p. 40).
A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal e
direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta
(confira-se: STJ, S1, AR 4264, relator Ministro Humberto Martins, DJe 02.05.2016).
Ressalto que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do
enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais".
Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração da
prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma
vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.
Por seu turno, para que seja reconhecido erro de fato, hábil à rescisão da coisa julgada na forma
do artigo 485, IX, §§ 1º e 2º, do CPC/1973, exige-se que, sem que tenha havido controvérsia ou
pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente ou considerado
inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva para a conclusão
do decidido.
Ainda, o erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser
aferível pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a
produção de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
Nesse sentido, encontra-se sedimentada a jurisprudência dos Tribunais superiores e desta Corte:
"EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE
FATO. PENSÃO POR MORTE DE EX-COMBATENTE. CUMULAÇÃO COM BENEFÍCIO DE
NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DECISÃO AGRAVADA
PUBLICADA EM 25.02.2016. 1. A hipótese de rescindibilidade insculpida no artigo 485, IX, do
CPC de 1973, em que fundado o pedido, resulta configurada quando "a sentença admitir um fato
inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido", sendo
indispensável, em ambos os casos, "que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento
judicial sobre o fato" (CPC, artigo 485, §§ 1º e 2º). [...] o erro apto a ensejar a desconstituição do
julgado é aquele que, corrigido, impõe outra solução para a causa, ou seja, deve ser capaz de
influir de forma definitiva para a conclusão do julgado.[...]" (STF, 1ª Turma, AgRg/AR 1931,
relatora Ministra Rosa Weber, DJe 10.03.2017)
"RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL. EX-
COMBATENTE. ART. 485, IX, DO CPC. ERRO DE FATO. INEXISTÊNCIA. LEI 4.242/63.
CONCEITO AMPLO DE EX-COMBATENTE. IMPOSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. 1. O erro que dá ensejo à ação rescisória é o que
passa despercebido pelo juiz e não aquele incidente sobre fato que foi alvo de divergência entre
as partes e pronunciamento judicial. [...]" (STJ, 2ª Turma, REsp 1349189, relatora Ministra Eliana
Calmon, DJe 19.06.2013)
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, VII e IX DO
CPC/73. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA
MATERIAL. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO. REQUISITOS PARA QUALIFICAÇÃO DOS
DOCUMENTOS COMO "NOVOS" NÃO DEMONSTRADOS. EXTENSÃO DA QUALIFICAÇÃO
RURAL DO COMPANHEIRO. INVIABILIDADE. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI
NÃO DEMONSTRADA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUIRA CONCEDIDO.
APLICAÇÃO DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA.
INTELIGÊNCIA DO ART. 14 DO CPC, C/C O ART. 5º, XXXVI DA C.F. AÇÃO RESCISÓRIA
IMPROCEDENTE. [...] 5 - O erro de fato apto a ensejar a configuração da hipótese de
rescindibilidade prevista no artigo 485, IX, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil/73 é aquele que
tenha influenciado decisivamente no julgamento da causa e sobre o qual não tenha havido
controvérsia nem tenha sido objeto de pronunciamento judicial, apurável independentemente da
produção de novas provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00189594320134030000, relator
Desembargador Federal Paulo Domingues, DJe 19.05.2017)
A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:
"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).
Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:
"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."
Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.
No que se refere à hipossuficiência econômica, verifica-se que, para aferição da renda per capita
familiar, até a vigência da Lei n.º 9.720/98, que alterou o artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93,
entendia-se por família "a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é
mantida pela contribuição de seus integrantes", isto é, não havia limitação de qualidade de
parentesco das pessoas residentes sob o mesmo teto do requerente do benefício assistencial.
A partir da vigência da Lei n.º 9.720/98, passou-se a entender como família, desde que vivam sob
o mesmo teto, o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n.º 8.213/91: cônjuge;
companheiro(a); filho(a) não emancipado(a), de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um)
anos ou inválido(a); pais; irmã(o) não emancipado(a), de qualquer condição, menor de 21 (vinte e
um) anos ou inválido(a).
Já com a vigência da Lei n.º 12.435/11, a família, para efeitos do benefício assistencial de
prestação continuada, passou a ser considerada como "composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros,
os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
Em que pesem as alterações do conceito legal de família para fins da concessão do amparo
assistencial garantido no artigo 203, V, da Constituição, não há que se perder de vista o princípio
da solidariedade familiar, que impõe aos integrantes da entidade familiar, aqui entendida na forma
protegida pela Constituição em seu artigo 226, o dever da mútua assistência material.
Segundo o disposto nos artigos 399 do CC/1916 e 1.695 do Código Civil de 2002, são devidos
alimentos pelos parentes que possam fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu próprio
sustento, quando quem os pretende não tiver bens suficientes, nem puder prover, pelo seu
trabalho, à própria mantença.
Ainda, considerado o binômio necessidade-possibilidade, há dever entre cônjuges separados de
prestar alimentos, caso venham a deles necessitar para sua sobrevivência, caso não tenham
parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, conforme disposição dos
artigos 5º, I, e 226, § 5º, da Constituição, 248, IX, do CC/1916 e 1.702 e 1.704, I, do CC/2002.
Evidencia-se, assim, o caráter supletivo da atuação estatal, haja vista que o amparo assistencial,
como previsto na Constituição, é devido àquele que não possui meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Postas essas premissas, passo à análise das alegadas inconsistências do julgado rescindendo
que, segundo o autor justificariam sua desconstituição.
Verifica-se, realmente, que a decisão rescindenda se refere a regulamento que já se encontrava
revogado (Decreto n.º 1.744/95), bem como qualifica a sra. Berenice de Jesus Aro como “esposa”
do autor.
No que tange ao regulamento, a mera menção ao Decreto não trouxe qualquer prejuízo ao
julgamento da causa, nem se demonstrou fator determinante para a improcedência do pedido,
haja vista que a decisão se encontra calcada na Lei de regência do amparo assistencial e não no
ato normativo infralegal.
Em relação à qualificação da sra. Berenice de Jesus Aro como “esposa” do autor, embora se
pudesse observar que o julgado incidiu em erro quanto ao estado civil do autor, separado
judicialmente, tem-se que o erro de fato não influiu de forma definitiva para a conclusão do
decidido.
Verifica-se que o julgador originário avaliou detidamente a situação concreta do autor no que
tange à sua hipossuficiência econômica, entendendo afastada situação de extrema
vulnerabilidade social, conclusão que não sofreria qualquer modificação decorrente da correção
do estado civil da sra. Berenice para “ex-esposa”.
Quanto ao ponto, reitero o quanto constante da decisão rescindenda, no sentido de que “a família
reside em casa própria, ampla e arejada, composta de sete cômodos, guarnecida com mobiliário
conservado e capaz de propiciar certo conforto aos moradores. Com efeito, possuem linha de
telefone fixo e aparelho de DVD. Destarte, depreende-se do estudo socioeconômico que a família
tem acesso aos mínimos sociais, o que afasta a condição de miserabilidade que enseja a
percepção do benefício. A respeito, é importante destacar o fato de o amparo assistencial não
depender de nenhuma contribuição do beneficiário e ser custeado por toda a sociedade,
destinando-se, portanto, somente àqueles indivíduos que se encontram em situação de extrema
vulnerabilidade social e, por não possuírem nenhuma fonte de recursos, devem ter sua
miserabilidade atenuada com o auxílio financeiro prestado pelo Estado. Desse modo, tal medida
não pode ter como finalidade propiciar maior conforto e comodidade, assemelhando-se a uma
complementação de renda”.
Resta claro que, embora separados judicialmente, a sra. Berenice, ainda que extrajudicialmente,
presta alimentos ao ex-marido desde, aproximadamente, o segundo ano do desenlace conjugal,
isto é, há mais de trinta anos.
Registra-se, ainda, que o faz voluntariamente para que o “fardo” não recaia sobre os filhos, dos
quais, ao menos dois, encontram-se em idade laborativa plena e empregados, de sorte que
teriam a obrigação legal de prestar alimentos ao pai.
Não obstante, encontra-se retratado no estudo social que os filhos, ainda assim, assistem o casal
quando necessário, pagando, inclusive, o IPTU.
Anota-se que a renda da ex-esposa, equivalente a cerca de dois salários mínimos, embora
diminuta, é suficiente às despesas familiares, conforme relatado no estudo social, haja vista que
as despesas fixas são inferiores a um salário mínimo, além de se servirem do Sistema Único de
Saúde e escola pública municipal.
Repisa-se, nos exatos termos do julgado rescindendo, que as condições de habitabilidade são
suficientes às necessidades básicas da família, tratando-se de “casa própria, ampla e arejada,
composta de sete cômodos, guarnecida com mobiliário conservado e capaz de propiciar certo
conforto aos moradores”.
Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, tal qual detidamente
avaliado no jugado rescindendo, verifica-se que o autor não se encontra desemparado ou
desassistido, nem se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo,
portanto, jus ao benefício assistencial.
É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação continuada é
auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja,
nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a
situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo
legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso ou ao deficiente, até porque a
realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis n.ºs
8.742/93 e 10.741/03 vão além e exigem que o idoso ou deficiente se encontre em situação de
risco. Frisa-se que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de
benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em
situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a
sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são
suficientes a garantir o mínimo existencial.
Repito que o benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação
da renda familiar baixa e a sua concessão exige que o julgador exerça a ingrata tarefa de
distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por
finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
Assim, em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, considerado o dever dos filhos e da
ex-cônjuge de prestar alimentos, bem como a situação fática de ausência de vulnerabilidade
social, não reconheço a existência no julgado rescindendo de erro de fato, definitivo para o
resultado do julgamento, ou violação direta à lei, ao entender não comprovada a situação de
miserabilidade do requerente considerando a renda percebida pela ex-esposa.
Ademais, a aferição da situação de miserabilidade sempre foi questão espinhosa na
jurisprudência, não somente em relação ao critério legal relativo ao valor da renda per capita,
como também quanto à própria composição do grupo familiar e àquilo que efetivamente é
possível considerar, diante das situações concretas, como estado de hipossuficiência tal que
reclame o amparo estatal.
Assim, o julgado rescindendo não se afastou dos parâmetros legais e jurisprudenciais que
existiam à época.
Certo ou errado, tem-se que o Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre
convencimento, de forma motivada e razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras,
admissível.
A excepcional via rescisória não é cabível para mera reanálise das provas. Nesse sentido,
confira-se precedentes desta 3ª Seção:
"PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V e IX DO CPC/73.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL
ACERCA DO LABOR RURAL DA AUTORA. VIOLAÇÃO AO ART. 55, § 3º DA LEI DE
BENEFÍCIOS AFASTADA. ERRO DE FATO NÃO CONFIGURADO. APLICAÇÃO DA
SISTEMÁTICA PROCESSUAL VIGENTE À ÉPOCA DA PROPOSITURA. INTELIGÊNCIA DO
ART. 14 DO NOVO CPC, C/C O ART. 5º, XXXVI DA C.F. AÇÃO RESCISÓRIA
IMPROCEDENTE. [...] 2 - A viabilidade da ação rescisória fundada no artigo 485, V do Código de
Processo Civil/73 ( atual art 966, V do CPC) decorre da não aplicação de uma determinada lei ou
do seu emprego de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade,
dispensando-se o reexame dos fatos da causa originária. 3 - O julgado rescindendo reconheceu
como não comprovado o labor rural durante todo o período afirmado na ação originária, negando
aos documentos juntados pelo requerente para sua comprovação a qualidade de início de prova
material conforme previsto no art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91. Pleito rescisório que reside
precipuamente na rediscussão dos requisitos para o reconhecimento do tempo de serviço como
trabalhadorA rural invocado pela parte autora, com o questionamento do critério de valoração da
prova produzida na ação originária adotado pelo julgado rescindendo, fundamentado no livre
convencimento motivado, com sua revaloração segundo os critérios que o autor entende corretos.
4 - Hipótese de rescindibilidade prevista no inciso V do artigo 485 do CPC/73 não configurada,
pois das razões aduzidas na petição inicial não se pode reconhecer tenha o julgado rescindendo
incorrido em interpretação absolutamente errônea da norma regente da matéria, não
configurando a violação a literal disposição de lei a mera injustiça ou má apreciação das provas.
[...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00333455420084030000, relator Desembargador Federal Paulo
Domingues, DJe 03.02.2017)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO LEGAL. AÇÃO RESCISÓRIA. JULGAMENTO
MONOCRÁTICO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. APOSENTADORIA POR IDADE
RURAL. PROVA ORAL INCONSISTENTE. DOCUMENTO NOVO. VIOLAÇÃO A LITERAL
DISPOSIÇÃO DE LEI AFASTADA. MERO REEXAME DA PROVA PRODUZIDA NA AÇÃO
ORIGINÁRIA. DESCABIMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE. PRELIMINAR
REJEITADA. AGRAVO IMPROVIDO. [...] 2 - Mantida a decisão agravada que resolveu de
maneira fundamentada a questão, afastando a pretensão rescisória direcionada exclusivamente
ao questionamento do critério de valoração da prova produzida na ação originária e adotada Na r.
decisão rescindenda, fundamentado no livre convencimento do julgador. 3 - Prova testemunhal
inconsistente. 4 - Não se pode reconhecer tenha o julgado rescindendo incorrido na hipótese de
rescindibilidade prevista no inciso V, do artigo 485 do CPC, pois a autora não comprovou sua
atividade rural e, se assim foi, não há que se falar em violação à disposição de lei a mera injustiça
ou má apreciação das provas. [...]" (TRF3, 3ª Seção, Ag/AR 00193564420094030000, relator
Desembargador Federal Gilberto Jordan, DJe 30.03.2016)
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. CARÊNCIA DA AÇÃO.
PRELIMINAR CONFUNDE-SE COM O MÉRITO. PENSÃO POR MORTE. ALEGAÇÃO DE
DIREITO ADQUIRIDO DO FALECIDO À APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ERRO DE
FATO NÃO CARACTERIZADO. DOCUMENTOS NOVOS INSERVÍVEIS. INEXISTÊNCIA DE
VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. ÔNUS DA
SUCUMBÊNCIA. [...] 18. Entendo não terem sido violados os dispositivos apontados. Com base
no princípio do livre convencimento motivado, a prestação jurisdicional foi entregue de acordo
com uma das soluções possíveis para a situação fática apresentada, à luz da legislação de
regência. [...]" (TRF3, 3ª Seção, AR 00007730620124030000, relatora Desembargadora Federal
Daldice Santana, DJe 26.11.2014)
Por fim, ressalto que o benefício assistencial é concedido ou indeferido rebus sic stantibus, ou
seja, conforme a situação fática e jurídica no momento da decisão. Nada impede, portanto, a
rediscussão da controvérsia em 1º grau de jurisdição, à luz dos elementos fático-jurídicos atuais.
Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar suscitada e, em iudicium rescindens, julgo
improcedente a presente ação rescisória, nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015.
Custas na forma da lei.
Condeno o autor no pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.000,00 (mil reais),
devidamente atualizado e acrescido de juros de mora, conforme estabelecido do Manual de
Cálculos e Procedimentos para as dívidas civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento
(correção), conforme prescrevem os §§ 2º, 4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará
suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que
fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no
artigo 98, § 3º, do CPC.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO
LITERAL À DISPOSITIVO DE LEI. VALORAÇÃO DE PROVA. LIVRE CONVENCIMENTO
MOTIVADO. RAZOABILIDADE. SOLUÇÃO JURÍDICA ADMISSÍVEL. PARÂMETROS LEGAIS E
JURISPRUDENCIAIS DE ÉPOCA. INCABÍVEL REANÁLISE DE PROVAS. ERRO DE FATO.
INFLUÊNCIA DE FORMA DEFINITIVA NO JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. MISERABILIDADE. EX-CÔNJUGE. DEVER
LEGAL DE PRESTAR ALIMENTOS. MÍNIMO EXISTENCIAL GARANTIDO. IUDICIUM
RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.
1. A viabilidade da ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei pressupõe violação frontal
e direta da literalidade da norma jurídica, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta.
Ressalta-se que, em 13.12.1963, o e. Supremo Tribunal Federal fixou entendimento, objeto do
enunciado de Súmula n.º 343, no sentido de que "não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais".
2. Para que seja possível a rescisão do julgado por violação literal de lei decorrente de valoração
da prova, esta deve ter sido de tal modo desconexa que resulte em pungente ofensa à norma
vigente ou em absoluto descompasso com os princípios do contraditório ou da ampla defesa.
3. A viabilidade da ação rescisória por erro de fato pressupõe que, sem que tenha havido
controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha admitido um fato inexistente
ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha influído de forma definitiva
para a conclusão do decidido.
4. O erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível
pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção
de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
5. O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Por seu
turno, a Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício.
6. Conceito legal de família para fins da concessão do amparo assistencial à pessoa idosa ou
com deficiência. Em que pesem as alterações do conceito legal de família para fins da concessão
do amparo assistencial garantido no artigo 203, V, da Constituição, não há que se perder de vista
o princípio da solidariedade familiar, que impõe aos integrantes da entidade familiar, aqui
entendida na forma protegida pela Constituição em seu artigo 226, o dever da mútua assistência
material.
7. Segundo o disposto nos artigos 399 do CC/1916 e 1.695 do Código Civil de 2002, são devidos
alimentos pelos parentes que possam fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu próprio
sustento, quando quem os pretende não tiver bens suficientes, nem puder prover, pelo seu
trabalho, à própria mantença. Ainda, considerado o binômio necessidade-possibilidade, há dever
entre cônjuges separados de prestar alimentos, caso venham a deles necessitar para sua
sobrevivência, caso não tenham parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o
trabalho, conforme disposição dos artigos 5º, I, e 226, § 5º, da Constituição, 248, IX, do CC/1916
e 1.702 e 1.704, I, do CC/2002.
8. Evidencia-se o caráter supletivo da atuação estatal, haja vista que o amparo assistencial, como
previsto na Constituição, é devido àquele que não possui meios de prover à própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família.
9. Verifica-se, realmente, que a decisão rescindenda se refere a regulamento que já se
encontrava revogado (Decreto n.º 1.744/95), bem como qualifica a curadora do autor como
“esposa”, embora estivessem separados judicialmente. No que tange ao regulamento, a mera
menção ao Decreto não trouxe qualquer prejuízo ao julgamento da causa, nem se demonstrou
fator determinante para a improcedência do pedido, haja vista que a decisão se encontra calcada
na Lei de regência do amparo assistencial e não no ato normativo infralegal. Em relação à
qualificação da curadora como “esposa” do autor, embora se pudesse observar que o julgado
incidiu em erro quanto ao estado civil do autor, tem-se que o erro de fato não influiu de forma
definitiva para a conclusão do decidido. Verifica-se que o julgador originário avaliou detidamente a
situação concreta do autor no que tange à sua hipossuficiência econômica, entendendo afastada
situação de extrema vulnerabilidade social, conclusão que não sofreria qualquer modificação
decorrente da correção do estado civil.
10. Em interpretação sistemática do ordenamento jurídico, considerado o dever dos filhos e da
ex-cônjuge de prestar alimentos, bem como a situação fática de ausência de vulnerabilidade
social, não reconhecida a existência no julgado rescindendo de erro de fato, definitivo para o
resultado do julgamento, ou violação direta à lei, ao entender não comprovada a situação de
miserabilidade do requerente considerando a renda percebida pela ex-esposa.
11. É preciso que reste claro ao jurisdicionado que o benefício assistencial da prestação
continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in
extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem
como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao
pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
12. O legislador não criou programa de renda mínima ao idoso ou ao deficiente, até porque a
realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. As Leis n.ºs
8.742/93 e 10.741/03 vão além e exigem que o idoso ou deficiente se encontre em situação de
risco. Frisa-se que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de
benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em
situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a
sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como
fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são
suficientes a garantir o mínimo existencial.
13. O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da
renda familiar baixa e a sua concessão exige que o julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir
faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade
precípua prover a subsistência daquele que o requer.
14. Ademais, a aferição da situação de miserabilidade sempre foi questão espinhosa na
jurisprudência, não somente em relação ao critério legal relativo ao valor da renda per capita,
como também quanto à própria composição do grupo familiar e àquilo que efetivamente é
possível considerar, diante das situações concretas, como estado de hipossuficiência tal que
reclame o amparo estatal.
15. O Juízo originário apreciou as provas segundo seu livre convencimento, de forma motivada e
razoável, tendo adotado uma solução jurídica, dentre outras, admissível, não se afastando dos
parâmetros legais e jurisprudenciais que existiam à época. A excepcional via rescisória não é
cabível para mera reanálise das provas.
16. Ressalta-se que o benefício assistencial é concedido ou indeferido rebus sic stantibus, ou
seja, conforme a situação fática e jurídica no momento da decisão. Nada impede, portanto, a
rediscussão da controvérsia em 1º grau de jurisdição, à luz dos elementos fático-jurídicos atuais.
17. Verba honorária fixada em R$ 1.000,00 (mil reais), devidamente atualizado e acrescido de
juros de mora, conforme estabelecido do Manual de Cálculos e Procedimentos para as dívidas
civis, até sua efetiva requisição (juros) e pagamento (correção), conforme prescrevem os §§ 2º,
4º, III, e 8º, do artigo 85 do CPC. A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que
inalterada a situação de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios
da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto no artigo 98, § 3º, do CPC.
18. Rejeitada a matéria preliminar. Em juízo rescindendo, julgada improcedente a ação rescisória,
nos termos do artigo 487, I, do CPC/2015. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu rejeitar a matéria preliminar suscitada e, em juízo rescindendo, julgar
improcedente a ação rescisória, consoante art. 487, I, do CPC/2015, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
