Processo
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP
5017171-93.2019.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal MARIA LUCIA LENCASTRE URSAIA
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
10/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/10/2019
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INSS.
RESTITUIÇÃO. VALORES PAGOS A MAIOR. PRÓPRIOS AUTOS. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES E. STJ. DEVOLUÇÃO PELO AGRAVADO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE.
TEMPUS REGIT ACTUM. SEGURANÇA JURÍDICA. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ.
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. LEI N. 13.846/19. INAPLICABILIDADE NO CASO. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE.
1. Recurso conhecido, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.
2. Consoante decisão proferida no REsp. 1.695.287, de Relatoria do Ministro Sérgio Kukina,
firmou-se entendimento de que não há necessidade de ajuizamento de ação autônoma para
restituir valores recebidos a maior decorrente da revogação da tutela antecipada.
3. O artigo 115, II, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/19, autoriza o desconto
nos casos de pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial
indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de
decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos
do regulamento.
4. Nas relações previdenciárias se aplica o princípio do tempus regit actum, ou seja, aplica-se a
lei vigente à época dos fatos, de forma que, inaplicável a legislação superveniente aos fatos
ocorridos antes de sua vigência (18/06/2019), sob pena de ofensa a garantia de irretroatividade
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
da lei, prevista no artigo 5º., inciso XXXVI, da CF.
5. Considerando que à época dos fatos, vigorava o entendimento consolidado pelo C. STF, no
sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão
judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos,
bem como ao entendimento pacífico da E. 10ª. Turma desta Corte, é defeso a Autarquia exigir a
devolução de valores já pagos.
6. Agravo de instrumento provido em parte.
Acórdao
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5017171-93.2019.4.03.0000
RELATOR:Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: JOSE ARAUJO DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVADO: VANDERLEI BRITO - SP103781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017171-93.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: JOSE ARAUJO DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVADO: VANDERLEI BRITO - SP103781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Trata-se de agravo de
instrumento interposto em face de r. decisão que, nos autos da ação de natureza previdenciária,
em fase de cumprimento de sentença, determinou que a Autarquia deverá se valer de demanda
própria a fim de obter a restituição dos valores pagos a maior, haja vista que o pedido é estranho
ao feito.
Sustenta a Autarquia/agravante, em síntese, que a decisão agravada contraria entendimento
consolidado do E. STJ quanto à admissibilidade de cobrança nos próprios autos de valores pagos
a maior. Requer o provimento do recurso com a reforma da decisão agravada para que seja
autorizada a cobrança nos próprios autos.
Intimada, para regularizar a interposição do presente recurso, a Autarquia cumpriu a
determinação.
Intimado, nos termos do artigo 1.019, II, do CPC, o agravado não apresentou resposta ao
recurso.
É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5017171-93.2019.4.03.0000
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
AGRAVANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
AGRAVADO: JOSE ARAUJO DOS SANTOS
Advogado do(a) AGRAVADO: VANDERLEI BRITO - SP103781-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora): Conheço do recurso, nos termos
do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.
Analisando os autos, observo que o v. acórdão, transitado em julgado, deu parcial provimento ao
reexame necessário e à apelação do INSS, para alterar o termo inicial do benefício de 05/01/2008
para 22/05/2009, além de especificar a forma de incidência da correção monetária e dos juros.
Iniciada a fase de cumprimento de sentença, a Contadoria do Juízo considerou os cálculos da
Autarquia corretos, concluindo nada ser devido ao agravado em consequência dos valores pagos
em sede administrativa terem superado os que são devidos de acordo com o julgado.
Permanecendo devido apenas o valor dos honorários sucumbenciais no importe de R$ 2.348,00,
em 11/2016.
O R. Juízo a quo aprovou os cálculos da Contadoria do Juízo e determinou a intimação das
partes para requererem o que de interesse.
A Autarquia requereu a intimação do agravado para pagamento do valor constante em seus
cálculos e ratificados pelo Contador do Juízo.
O R. Juízo a quo assim decidiu:
“Fls. 358: A autarquia deverá se valer de demanda própria a fim de obter a restituição dos valores
pagos a maior, vez que o pedido é estranho ao feito.
Fls. 510: Expeça-se o ofício requisitório relativo à verba honorária, intimando-se as partes acerca
de seu teor, nos termos do artigo 11º da Resolução 405 do CJF, de 09/06/2016.
Nada sendo requerido, venham-me conclusos para transmissão e, após, aguarde-se no arquivo o
pagamento.”
É contra esta decisão que a Autarquia se insurge.
Razão lhe assiste em parte.
De fato, consoante decisão proferida no REsp. 1.695.287, de Relatoria do Ministro Sérgio Kukina,
firmou-se entendimento de que não há necessidade de ajuizamento de ação autônoma.
Transcrevo os principais trechos da decisão, verbis:
“(...)
Quanto à questão de fundo, a questão trazida do apelo especial consiste em definir se há
necessidade do ajuizamento de uma ação autônoma, para fins de restituição dos valores
recebidos por força da tutela antecipada, posteriormente revogada. De início, ressalta-se que a
Primeira Seção deste Sodalício, ao julgar o REsp 1.384.418/SC, decidiu que é legítimo o
desconto de valores pagos aos beneficiários do Regime Geral de Previdência Social- RGPS em
razão do cumprimento de decisão judicial precária posteriormente cassada (REsp 1.384.418/SC,
Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/6/2013, DJe 30/8/2013).
Posteriormente, essa compreensão veio a ser chancelada no julgamento do REsp 1.401.560/MT,
processado nos termos do art. 543-C do CPC, como representativo da controvérsia, merecendo
transcrição a ementa do acórdão: (...)
No caso concreto, o Tribunal de origem posicionou-se no sentido de ser necessário o ajuizamento
de uma nova demanda autônoma para restituição dos valores recebidos por força de decisão que
antecipou os efeitos da tutela e que veio a ser revogada. É o que se infere do seguinte trecho
extraído do acórdão recorrido (...)
Entretanto, referido entendimento encontra-se dissonante da jurisprudência desta Corte que, ao
examinar tema semelhante, firmou compreensão no sentido de que a determinação de restituir os
valores recebidos é decorrência lógica da revogação da tutela antecipada, em face da
improcedência do pedido, razão pela qual não há necessidade de ajuizamento de ação
autônoma, devendo ser realizada nos próprios autos.(...) No mesmo sentido as seguintes
decisões: REsp 1.604.222/RS, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 08/09/2017; REsp
1.667.511/RJ, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 03/08/2017; e REsp 1.602.861/RS, Rel. Ministro
Marco Buzzi, DJe de 03/05/2017.
Desse modo, revela-se clara a dissonância do acórdão recorrido com a orientação desta Corte
sobre a matéria, motivo pelo qual determina-se a devolução dos autos à origem para que haja
adequação ao entendimento supra.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial.
(...)
Neste passo, conforme entendimento do E. STJ não há necessidade de ajuizamento de ação
autônoma para restituir valores recebidos a maior decorrente da revogação da tutela antecipada.
Todavia, quanto à devolução de valores recebidos a maior pelo agravado, a matéria foi decidida
pelo Eg. STJ, em sede de recurso repetitivo, REsp 1.401.560 / MT, Tema 692. Posteriormente,
em sessão do dia 14/11/2018, a 1ª. Seção do E. STJ, decidiu acolher questão de ordem no REsp.
1.734.627/SP, a fim de revisar o entendimento firmado no referido Tema Repetitivo. “(...) 3. A
proposta de revisão de entendimento tem como fundamentos principais a variedade de situações
que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva relacionada
ao Tema 692/STJ, bem como a jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo
não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade. 4.
Nesse sentido, a tese repetitiva alusiva ao Tema 692 merece ser revisitada para que, com um
debate mais ampliado e consequencialista da decisão, sejam enfrentados todos os pontos
relevantes. (...)”.
Outrossim, em 18/06/2019, foi sancionada a Lei n. 13.846 (conversão da MP 871/2019), que,
dentre outras disposições, alterou a Lei 8.213/91. Das alterações, destaca-se a nova redação do
artigo 115, verbis:
“Art. 115. Podem ser descontados os benefícios:
(...)
II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou
além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão
judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do
regulamento;
(...)”.
Ocorre que, no caso dos autos, não obstante o v. acórdão, transitado em julgado, tenha mantido
a concessão do benefício de aposentadoria proporcional por tempo de contribuição ao agravado,
alterou a DIB do benefício de 05/01/2008 para 22/05/2009. Contudo, o v. acórdão foi prolatado
em 24/05/2016, com trânsito em julgado em 09/08/2016, de forma que, o pagamento a maior
efetuado ao agravado, foi realizado por força de decisão judicial vigente à época, apenas
modificada com o trânsito em julgado do v. acórdão.
Depreende-se, assim, que os efeitos da decisão judicial que fixou a DIB do benefício devido ao
agravado em 05/01/2008 apenas foram revogados quando do trânsito em julgado da decisão
definitiva que fixou a DIB em 22/05/2009, fato que ocorreu antes da vigência da alteração
legislativa supra referida.
Neste passo, é cediço que nas relações previdenciárias se aplica o princípio do tempus regit
actum, ou seja, aplica-se a lei vigente à época dos fatos, de forma que, inaplicável a legislação
superveniente aos fatos ocorridos antes de sua vigência (18/06/2019), sob pena de ofensa a
garantia de irretroatividade da lei, prevista no artigo 5º., inciso XXXVI, da CF.
Acresce relevar, ainda, o que dispõe o artigo 24 da LINDB, acrescentado pela Lei 13.655/18:
“Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato,
contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará
em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de
orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas
em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e
ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público”.
Tal disposição reforça a regra constitucional que veda a retroatividade da lei. Interpretar uma
norma é determinar o seu sentido e alcance, em respeito ao princípio da segurança jurídica,
projetando seus efeitos para o futuro.
Em decorrência, considerando que à época dos fatos, vigorava o entendimento consolidado pelo
C. STF, no sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante
decisão judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos
alimentos, bem como ao entendimento pacífico da E. 10ª. Turma desta Corte, é defeso a
Autarquia exigir a devolução de valores já pagos.
Ademais, não se mostra razoável impor ao agravado a obrigação de devolver a verba que
recebeu de boa-fé, em virtude de ordem judicial. Assim, ante a natureza alimentar do benefício
concedido, pressupõe-se que os valores correspondentes foram por ele utilizados para a
manutenção da própria subsistência e de sua família, além do que, não consta dos autos
elementos capazes de afastar a presunção de que os valores foram recebidos de boa-fé pelo
agravado.
Em decorrência, não obstante seja cabível a restituição de valores pagos a maior nos próprios
autos, no caso em análise, indevida a devolução pelo agravado.
Diante do exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO, nos termos
da fundamentação supra.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INSS.
RESTITUIÇÃO. VALORES PAGOS A MAIOR. PRÓPRIOS AUTOS. POSSIBILIDADE.
PRECEDENTES E. STJ. DEVOLUÇÃO PELO AGRAVADO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE.
TEMPUS REGIT ACTUM. SEGURANÇA JURÍDICA. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ.
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. LEI N. 13.846/19. INAPLICABILIDADE NO CASO. AGRAVO DE
INSTRUMENTO PROVIDO EM PARTE.
1. Recurso conhecido, nos termos do parágrafo único, do artigo 1.015, do CPC.
2. Consoante decisão proferida no REsp. 1.695.287, de Relatoria do Ministro Sérgio Kukina,
firmou-se entendimento de que não há necessidade de ajuizamento de ação autônoma para
restituir valores recebidos a maior decorrente da revogação da tutela antecipada.
3. O artigo 115, II, da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei 13.846/19, autoriza o desconto
nos casos de pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial
indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de
decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos
do regulamento.
4. Nas relações previdenciárias se aplica o princípio do tempus regit actum, ou seja, aplica-se a
lei vigente à época dos fatos, de forma que, inaplicável a legislação superveniente aos fatos
ocorridos antes de sua vigência (18/06/2019), sob pena de ofensa a garantia de irretroatividade
da lei, prevista no artigo 5º., inciso XXXVI, da CF.
5. Considerando que à época dos fatos, vigorava o entendimento consolidado pelo C. STF, no
sentido de ser desnecessária a restituição dos valores recebidos de boa fé, mediante decisão
judicial, devido ao seu caráter alimentar, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos,
bem como ao entendimento pacífico da E. 10ª. Turma desta Corte, é defeso a Autarquia exigir a
devolução de valores já pagos.
6. Agravo de instrumento provido em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Decima Turma, por
unanimidade, decidiu dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e
voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
