
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000489-46.2017.4.03.6006
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO JOSE DA ROSA
Advogado do(a) APELADO: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000489-46.2017.4.03.6006
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO JOSE DA ROSA
Advogado do(a) APELADO: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural, prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou procedente o pedido formulado.
O INSS apela, sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legais necessários à concessão em questão.
Com contrarrazões, subiram os autos.
É o relatório.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000489-46.2017.4.03.6006
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ANTONIO JOSE DA ROSA
Advogado do(a) APELADO: THAYSON MORAES NASCIMENTO - MS17829-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Tempestivo o recurso e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39, inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de 1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de 25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em 14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2 (dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art. 2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art. 3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três), limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze) meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido", consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
Na presente hipótese, o requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima em 15/1/2013, devendo fazer prova do exercício de atividade rural por 180 meses.
Para comprovar as alegações, juntou documentos, dentre os quais destacam-se:
- Carteira do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de ltaquirai/MS, com admissão em 14/7/2011;
- Declaração da atividade rural emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de ltaquirai/MS em 10/12/2012, declarando a atividade rural no período de 6/12/2007 a 2012, como segurado especial, na produção de milho para comercialização;
- Certidão emitida pela INCRA em 25/5/2011, no sentido do autor ser assentado no Projeto de Assentamento PA Itaquiraí, onde desenvolve atividades rurais em regime de economia familiar no lote nº 077, de 7,000 ha, que lhe foi destinado em 6/12/2007;
- Contrato de Concessão de Uso, formalizado entre o INCRA e o autor, referente a área de sete hectares no PA Itaquiraí;
- Recibos de diárias rurais, emitidos pelo autor, datados de 1997, 1998, 1999, 2000, 2003, 2005, 2011, 2012, 2013;
- Cadastro de contribuinte do ICMS em nome do autor, com endereço do PA Itaquiraí, lote 77, datado de 6/12/2012;
- Demonstrativos de pagamento de salário como trabalhador rural para Antonio Carlos Moraes e Outros, referente aos meses de 6/2004 e 8/2005;
- Comprovantes de dias/horário trabalhado para a empresa Infinity Agrícola S.A., no cargo de trabalhador rural, de 26/9/2008 a 25/10/2008 e de 26/10/2008 a 25/11/2008;
- Demonstrativo de pagamento de salário como trabalhador rural para a empresa Infinity Agricola S.A , referente ao mês de 11/2007;
- Notas fiscais de comercialização de milho e leite em natura, em nome do autor, datadas de 12/2012, 12/2016, 1/2017 e 3/2017;
- Extrato CNIS em nome do autor, constando vínculos urbanos de 18/11/1980 a 6/1/1981 e de 5/8/1985 a 5/10/1985, além de vínculos rurais de 1.º/6/2004 a 4/2/2005, 4/8/2005 a 14/11/2005, 21/4/2006 a 18/7/2006, 7/11/2007 a 26/2/2008 e de 14/10/2008 a 8/1/2009;
- Entrevista rural efetuda pelo INSS, na data de 19/6/2013, na qual concluiu o servidor que: “Com base nas alegações do requerente podemos classifica-lo como segurado contribuinte individual boia fria de 1985 até 2004 quando começou a prestar serviço para usina. Nos períodos trabalhados para usina podemos classifica-lo como segurado empregado trabalhador rural, e a partir de 2007 quando recebeu terras do Ira como segurado especial trabalhador rural”;
- Carta de exigência emitida pelo INSS em 18/6/2013, pleiteando a apresentação de outros documentos para comprovação do tempo que exerceu atividade rural como boia fria a partir de 1985, comprovando pelo menos 15 anos de atividade.
- Comunicação do indeferimento do benefício, encaminhada ao autor em 8/7/2013.
O autor e suas testemunhas deixaram de comparecer à audiência de instrução designada para 10/3/2020, transcorrendo in albis o prazo para o autor apresentar justificativa acerca do não comparecimento das testemunhas.
Apesar de haver início de prova material, faz-se necessária a produção de prova oral para a confirmação da alegada condição de segurada especial.
Esclareça-se que o Colendo Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, no julgamento do RESP n.º 1.354.908/SP, sob a sistemática dos recursos representativos de controvérsia repetitiva, a necessidade da demonstração do exercício da atividade campesina em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário.
Não se pode perder de vista que as situações em que se tem admitido a anulação do julgado por cerceamento de defesa dizem respeito àqueles casos nos quais a produção de prova é indeferida. Veja-se:
"PREVIDENCIÁRIO. PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO. APELAÇÃO PREJUDICADA.
I- O princípio constitucional do devido processo legal impõe que se conceda aos litigantes o direito à produção de provas, devendo facultar-se amplos meios para que se possa comprovar os fatos que amparam o direito disputado em juízo. Segundo Eduardo Couture, "A lei instituidora de uma forma de processo não pode privar o indivíduo de razoável oportunidade de fazer valer seu direito, sob pena de ser acoimada de inconstitucional" (BARACHO, José Alfredo de Oliveira; Teoria Geral do Processo Constitucional in Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 62, p. 135, Jan/2008).
II – No presente caso, em que pese a sentença tenha sido de procedência, verifico que a parte autora foi prejudicada pelo julgamento antecipado do feito, em razão da insuficiência dos documentos juntados aos autos para a comprovação da especialidade do período pleiteado.
III - Dessa forma, o julgamento antecipado do feito causou efetivo prejuízo à parte autora, por impedir, no presente momento, a comprovação do caráter especial das atividades exercidas, o que obsta concessão do benefício, nos termos em que pleiteado na exordial.
IV- Sentença anulada de ofício. Apelação prejudicada."
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApReeNec - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO - 0011947-67.2011.4.03.6104, Rel. Desembargador Federal NEWTON DE LUCCA, DJ de 17/03/2020).
Por outro lado, não há que se falar em nulidade da sentença por cerceamento de defesa quando a parte autora, apesar de devidamente intimada, não apresenta o rol de testemunhas, ou quando as testemunhas, apesar de intimadas, deixam de comparecer à audiência.
Nesse sentido, este Tribunal assim vem decidindo:
“PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. NÃO APRESENTADO ROL DE TESTEMUNHAS. PRECLUSÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
(...) Verifica-se que o autor foi devidamente intimado a apresentar o rol de testemunhas, conforme despacho. Assim, embora o autor tenha trazido as testemunhas na Audiência de Instrução e Julgamento; contudo, restou preclusa a realização da prova testemunhal em razão não apresentação tempestivamente do rol de testemunhas, nos termos do artigo 357 § 4º do CPC/2015.
- Todavia, não merece a anulação da sentença para que sejam colhidos os depoimentos testemunhais, vez que o autor não cumpriu determinação do Juízo.
- Tendo em vista que a parte autora não preencheu os requisitos para concessão do benefício, julgo improcedente o pedido.
- Apelação da parte autora improvida. Apelação do INSS provida.”
(ApCiv - AC - 5668713-77.2019.4.03.9999, Relator Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, DJ de 17/03/2020).
“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. PRECLUSÃO DA PROVA TESTEMUNHAL. AUSÊNCIA DA QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. NÃO PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. APELAÇÃO IMPROVIDA.
(...) A MM Juíza de primeiro grau julgou improcedente o pedido porque o autor perdeu a qualidade de segurado desde o último vínculo empregatício até a comprovação do início da incapacidade laborativa e que não houve a produção da prova testemunhal para confirmar o trabalho rural após o término do último vínculo em CTPS.
- E foi dada à parte autora a oportunidade de produzir a prova testemunhal requerida, para comprovar o exercício de atividade rural, que apenas não se realizou em razão do seu não comparecimento, nem das testemunhas arroladas à audiência de instrução, tornando precluso o direito.
(...) Apelo da parte autora improvido.”
(TRF 3.ª Região, AC 0002006-38.2017.4.03.9999, Relatora Desembargadora Federal TÂNIA MARANGONI, 8.ª TURMA, DJ de 17/06/2019).
No presente caso, o conjunto probatório é insuficiente para fins de concessão do benefício vindicado. Cabe lembrar que a jurisprudência do Colendo STJ é firme no sentido de que “o início de prova material deverá ser corroborado por idônea e robusta prova testemunhal” (Súmula/STJ n.º 149). Cite-se, por oportuno, precedente desta Corte:
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSO CIVIL. RECONHECIMENTO DE TEMPO RURAL. PROVA EXCLUSIVAMENTE MATERIAL.
(...) Sem a prova oral, fica comprometida a documentação que se presta a servir de início de prova material.
- Apelação da parte autora desprovida.”
(TRF 3.ª Região, AC 0046630-27.2007.4.03.9999, Relator Desembargador Federal CASTRO GUERRA, 10.ª TURMA, DJU de 27/02/2008).
Diante dessas considerações, a reforma da sentença impõe-se de rigor, com a improcedência do pedido.
Condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do CPC, por se tratar de beneficiária da gratuidade da justiça.
Posto isso, dou provimento à apelação, para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido formulado.
É o voto.
VANESSA MELLO
Juíza Federal Convocada
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ART. 143 DA LEI N.º 8.213/91. APOSENTADORIA POR IDADE A TRABALHADOR RURAL. NÃO COMPARECIMENTO DAS TESTEMUNHAS EM AUDIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- Sem a prova oral, fica comprometida a documentação que se presta a servir de início de prova material. A atividade rural deve ser comprovada por meio de início de prova material, aliada à prova testemunhal.
- Reconhecimento da improcedência do pedido formulado.
