D.E. Publicado em 27/09/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal
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Data e Hora: | 15/09/2016 12:36:21 |
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0000984-70.2011.4.03.6113/SP
RELATÓRIO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (RELATORA): Ação ajuizada contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando o reconhecimento da natureza especial das atividades indicadas na inicial e a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, a partir do requerimento administrativo (04/01/2002).
A inicial juntou documentos (fls. 15/34).
O INSS apresentou contestação, pugnando pela improcedência do pedido (fls.41/50).
Laudo Técnico Pericial juntado às fls. 96/110 e 134/138.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido, com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, CPC-1973, para reconhecer como especial os períodos de 13/10/1969 a 31/12/1971, de 03/01/1972 a 02/04/1979, de 05/04/1979 a 01/02/1999 e de 01/03/1999 a 047/01/2002 e condenar o INSS a revisar o benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição em nome da parte autora transformando-o em aposentadoria especial com DIB fixada em 04/01/2002 (DER), com efeitos financeiros a partir de 16/05/2006, devendo ser observada a prescrição quinquenal. Condenou a autarquia nos consectários.
A sentença, proferida em 23/10/2013, foi submetida ao reexame necessário.
O INSS interpôs recurso de apelação, sustentando a inviabilidade de conversão da natureza especial dos períodos indicados na sentença ante a impossibilidade do enquadramento pela atividade. Sustenta, ainda, a falta de prova documental hábil a respaldar o pedido inicial, bem como a eficácia na utilização do EPI. Pugnou pelo provimento do recurso a fim de ser julgado totalmente improcedente o pedido. Requer, em sede subsidiária, a alteração dos juros de mora e da data do termo inicial do benefício.
Com as contrarrazões, subiram os autos.
Autos conclusos em 29/04/2016.
É o relatório.
VOTO
A Desembargadora Federal MARISA SANTOS (RELATORA): Conheço da Remessa Oficial porque a sentença foi proferida na vigência do antigo CPC, não se aplicando as regras previstas no art. 496 do CPC/2015.
A legislação aplicável ao reconhecimento da natureza da atividade exercida pelo segurado - se comum ou especial -, bem como à forma de sua demonstração, é aquela vigente à época do exercício da atividade respectiva; tal entendimento visa não só amparar o próprio segurado contra eventuais alterações desfavoráveis, mas tem também por meta, induvidosamente, o princípio da segurança jurídica, representando uma garantia, ao órgão segurador, de que lei nova mais benéfica ao segurado não atingirá situação consolidada sob o império da legislação anterior, a não ser que expressamente prevista.
A atividade especial pode ser assim considerada mesmo que não conste em regulamento, bastando a comprovação da exposição a agentes agressivos por prova pericial, conforme já de há muito pacificado pelo extinto TFR na Súmula nº 198:
Ao caso.
Até o advento da Lei nº 9.032, de 29.04.1995, a comprovação do exercício de atividade especial era realizada através do cotejo da categoria profissional em que inserido o segurado, observada a classificação inserta nos Anexos I e II do citado Decreto nº 83.080/79 e Anexo do Decreto nº 53.831, de 25.03.1964, os quais foram ratificados expressamente pelo art. 295 do Decreto nº 357, de 07.12.1991, que "Aprova o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social" e pelo art. 292 do Decreto nº 611, de 21.07.1992, que "Dá nova redação ao Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 357, de 7.12.1991, e incorpora as alterações da legislação posterior".
Com a edição da Lei nº 9.032/95, passou-se a exigir a efetiva demonstração da exposição do segurado a agente prejudicial à saúde, conforme a nova redação então atribuída ao § 4º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.
Nesse sentido a jurisprudência do STJ:
Foi, então, editada a controversa Ordem de Serviço nº 600/98, alterada pela Ordem de Serviço nº 612/98, estabelecendo certas exigências para a conversão do período especial em comum:
a) que o segurado tenha direito adquirido ao benefício até 28.05.1998, véspera da edição da Medida Provisória 1.663-10, de 28.05.1998;
b) se o segurado tinha direito adquirido ao benefício até 28.04.1995 - Lei nº 9.032/95 -, seu tempo de serviço seria computado segundo a legislação anterior;
c) se o segurado obteve direito ao benefício entre 29.04.1995 - Lei nº 9.032/95 - e 05.03.1997 - Decreto nº 2.172/97 -, ou mesmo após esta última data, seu tempo de serviço somente poderia ser considerado especial se atendidos dois requisitos: 1º) enquadramento da atividade na nova relação de agentes agressivos; e 2º) exigência de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes agressivos para todo o período, inclusive o anterior a 29.04.1995.
As ordens de serviço impugnadas estabeleceram o termo inicial para as exigências da nova legislação relativa ao tempo de serviço especial. E com fundamento nessa norma infralegal é que o INSS passou a negar o direito de conversão dos períodos de trabalho em condições especiais.
Porém, com a edição do Decreto nº 4.827, de 03.09.2003, que deu nova redação ao art. 70 do Decreto nº 3.048 - Regulamento da Previdência Social -, de 06.05.1999, verificou-se substancial alteração do quadro legal, não mais subsistindo, a partir de então, o entendimento posto nas ordens de serviço em referência.
A jurisprudência do STJ firmou orientação no sentido da viabilidade da conversão de tempo de serviço especial para comum, em relação à atividade exercida após 28.05.1998:
O Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, modificou o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999, restando alterado o conceito de "trabalho permanente", com o abrandamento do rigor excessivo antes previsto para a hipótese, conforme a nova redação do art. 65 do Decreto nº 3.048/99:
O perfil profissiográfico previdenciário pode ser aceito a partir de 05.03.1997 para comprovar a exposição aos agentes nocivos. A natureza especial das atividades exercidas em períodos anteriores deverá ser comprovada nos termos da legislação vigente à época, ou seja, por meio de formulário específico e laudo técnico.
O INSS abrandou a exigência relativa à apresentação de laudo técnico para atividades exercidas anteriormente a 1997, se apresentado PPP que abranja o período. O art. 258 da IN 77/2015 dispõe que a apresentação de PPP supre a necessidade de laudo técnico para aferição das condições especiais de trabalho nos períodos em que vigorava tal exigência.
Quanto ao EPC - Equipamento de Proteção Coletiva ou EPI - Equipamento de Proteção Individual, cujo uso poderia afastar a presença do agente nocivo, há que se ressaltar que essa interpretação só está autorizada a partir da edição da Lei 9.732, de 14.12.1998.
Há controvérsia acerca de ser ou não o seu fornecimento fator de afastamento da natureza especial da atividade.
Penso que a utilização do EPI - Equipamento de Proteção Individual é fator que confirma as condições especiais de trabalho. Quando o empregado necessita utilizar equipamentos de proteção na atividade que desenvolve é porque essa atividade é submetida a condições especiais. Não importa se o EPI utilizado é eficaz ou não. O que deve ser analisado é a natureza da atividade, se submetida ou não a condições especiais.
Na jurisprudência do STJ prevalece o entendimento de que o fornecimento e utilização do EPC ou EPI não descaracteriza a atividade especial (Cf. REsp 200500142380, DJ 10/04/2006).
Também nesse sentido a Súmula 9 da TNU - Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: "O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso de exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado".
O STF concluiu, em 04/12/2014, o julgamento do ARE 664335 (Dje 12/02/2015), com repercussão geral reconhecida, que fixa duas teses, por maioria de votos:
1 - o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional da aposentadoria especial:
2 - na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria.
O anexo IV do RPS estabelece o tempo de serviço de 15 (quinze), 20 (vinte), ou 25 (vinte e cinco) anos exigido para a aposentadoria especial, levando em conta o grau de exposição do segurado aos agentes nocivos.
Quanto ao agente ruído, o Decreto 53.831/64 previu o limite mínimo de 80 decibéis para ser tido por agente agressivo - código 1.1.6 - e, assim, possibilitar o reconhecimento da atividade como especial, orientação que encontra amparo no que dispôs o art. 292 do Decreto 611/92 (RGPS). Tal norma é de ser aplicada até a edição do Decreto 2.172, de 05/03/1997, a partir de quando se passou a exigir o nível de ruído superior a 90 decibéis. Posteriormente, o Decreto 4.882, de 18.11.2003, alterou o limite vigente para 85 decibéis.
Lembro, por oportuno, o disposto na PET 9059, do Superior Tribunal de Justiça, cuja interpretação prática é:
Até 05-03-1997 = 80 dB(A)
De 06-03-1997 a 18-11-2003 = 90 dB(A)
A partir de 19-11-2003 = 85 dB(A)
No REsp 1398260 (Rel. Min. Herman Benjamin), em sede de recurso repetitivo, o STJ reconheceu, por maioria, a impossibilidade de aplicação retroativa do decreto que reduziu de 90 para 85 dB o limite de ruído no ambiente de trabalho para configuração do tempo de serviço especial (DJe 05/12/2014).
Passo à análise dos períodos controversos.
O reconhecimento do tempo especial depende da comprovação do trabalho exercido em condições especiais que, de alguma forma, prejudiquem a saúde e a integridade física da parte autora.
A atividade de "torneiro mecânico" não está enquadrada na legislação especial, sendo indispensável a apresentação do laudo técnico confeccionado por profissional habilitado Médico do Trabalho ou Engenheiro de Segurança do Trabalho para comprovação da efetiva exposição a agente agressivo.
Entretanto, curvo-me ao entendimento desta Turma no sentido de reconhecer como especiais as atividades exercidas como torneiro mecânico (empregado), por equiparação ao esmerilhador, nos períodos de 15/07/1969 a 12/10/1969, de 13/10/1969 a 31/12/1971 e de 03/01/1972 a 02/04/1979.
Quanto ao período de 03/04/1979 a 28/02/1999 cumpre registrar que nos termos do art. 64 do RPS, somente o segurado empregado, o trabalhador avulso e o contribuinte individual cooperado filiado à cooperativa de trabalho ou de produção fazem jus à concessão do benefício de aposentadoria especial, uma vez que apenas nessas hipóteses há a observância ao princípio da precedência da fonte de custeio.
Com relação ao período acima indicado, verifica-se dos autos que a parte autora se inscreveu como Mecânico/Autônomo (Oficina Mecânico de Manutenção) na data de abril/1979, conforme se verifica da certidão emitida pela Prefeitura Municipal de Franca/SP (fls.23), tendo alterado sua atividade a partir de 10/10/1985 para Com. Var. Máquinas Serv. Rep. Manut. Cons. Maq.
Por sua vez, a consulta atualizada do CNIS, que ora se junta, confirma a manutenção da condição de segurado autônomo da parte autora perante a Previdência Social até 28/02/1999.
Logo, os períodos em que foram vertidos os recolhimentos na condição de autônomo/contribuinte individual não podem ser reconhecidos como especiais, tendo em vista que os trabalhadores contribuintes individuais, antigos "autônomos", não são sujeitos ativos da aposentadoria especial sendo, por isso, impossível o reconhecimento da natureza especial da atividade exercida pela parte autora na presente ação.
E mesmo que se aceite a possibilidade de o contribuinte individual ter como reconhecido o caráter especial da atividade, cumpre ressaltar que a prova documental acostada aos autos não se mostra hábil o suficiente para comprovação dessa atividade, uma vez que a suposta exposição habitual e permanente, não ocasional, nem intermitente, aos agentes nocivos mencionados na inicial não restou efetivamente comprovada.
De fato, o laudo técnico juntado aos autos indica que a medição do agente nocivo ruído foi realizada em lugares diversos, por similaridade, fato que impede o reconhecimento da natureza especial das atividades, pois a perícia deve refletir as condições no efetivo local de trabalho.
As avaliações ali constantes foram feitas com informações do autor e por similaridade com outras empresas e funcionários, não sendo possível o reconhecimento da natureza especial apenas por comparação de atividades realizadas em empresas do mesmo ramo ou paradigma.
Para comprovar a exposição a agente agressivo no exercício de atividades não enquadradas na legislação especial é indispensável a apresentação do laudo técnico firmado por profissional especializado Médico do Trabalho ou Engenheiro de Segurança do Trabalho, resultante de perícia feita no local da atividade, documento não juntado aos autos, o que inviabiliza o reconhecimento da natureza especial das atividades exercidas após 05/03/1997.
E mesmo na hipótese de se admitir a prova indireta de fls. 96/110 e 134/138, verifica-se a ausência de nocividade quanto à exposição ao agente agressivo ruído, uma vez que a prova pericial indica a exposição ao agente nocivo em níveis inferiores aos permitidos pela legislação de regência.
Logo, quer seja pela condição de contribuinte individual (antigo autônomo) do autor, quer seja pela não comprovação da exposição aos agentes nocivos descritos na inicial, o período de 03/04/1979 a 28/02/1999 deve ser considerado tempo de serviço comum.
Pelos mesmos motivos (ausência de comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos), o intervalo entre 01/03/1999 e 04/01/2002 não pode ser reconhecido como especial.
Conforme tabela ora anexada, o autor não atingiu os 25 anos de atividade em condições especiais, com o que não é possível a conversão pleiteada. Porém, tem direito averbar os períodos de 15/07/1969 a 12/10/1969, de 13/10/1969 a 31/12/1971 e de 03/01/1972 a 02/04/1979 como submetidos a condições especiais, para fins de eventual e futuro pedido de aposentadoria.
Fixo a sucumbência recíproca nos termos do art. 86 do CPC/2015, suspendendo sua exigibilidade por ser o(a) autor(a) beneficiário(a) da justiça gratuita (art. 98, § 3º, do CPC/2015).
DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação e à Remessa Oficial, para excluir da condenação o reconhecimento das condições especiais de 03/04/1979 a 28/02/1999 e de 01/03/1999 e 04/01/2002, com o que não é possível a conversão pleiteada na inicial.
É o voto.
MARISA SANTOS
Desembargadora Federal
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Data e Hora: | 15/09/2016 12:36:24 |