Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1979172 / SP
0018396-88.2014.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
26/08/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:06/09/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO. SENTENÇA
CONDICIONAL. NULIDADE. CONDIÇÕES DE JULGAMENTO IMEDIATO PELO TRIBUNAL.
ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. CANA-DE-AÇÚCAR. ENQUADRAMENTO PROFISSIONAL.
AGROPECUÁRIA. IMPOSSIBILIDADE DEFINIDA PELO STJ. CARACTERIZAÇÃO PARCIAL.
BENEFÍCIO INDEVIDO. AVERBAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. REMESSA
NECESSÁRIA, TIDA POR INTERPOSTA, PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. AÇÃO
PARCIALMENTE PROCEDENTE. APELAÇÕES, DO INSS E DO AUTOR, PREJUDICADAS.
1 - O INSS foi condenado a averbar tempo de serviço especial e implantar aposentadoria em
nome da parte autora. E não havendo como se apurar, nesta fase processual, com exatidão, o
valor condenatório, considera-se a sentença ilíquida e sujeita ao reexame necessário, nos
termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do STJ.
2 - A d. Juíza a quo condicionou a providência concessória à presença de requisitos a serem
averiguados pelo próprio INSS. Está-se diante de sentença condicional, eis que, deveras, não
foi analisado o pedido formulado na inicial, restando violado o princípio da congruência,
insculpido no art. 460 do CPC/73, atual art. 492 do CPC/2015.
3 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. Considerando que a causa encontra-se madura para julgamento - presentes os
elementos necessários ao seu deslinde - e que o contraditório e a ampla defesa restaram
assegurados - com a citação válida do ente autárquico - e, ainda, amparado pela legislação
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
processual aplicável, passa-se ao exame do mérito da demanda.
4 - Descreve o autor seu ciclo laborativo composto por atividades de natureza especial,
objetivando o acolhimento quanto aos períodos de 22/04/1981 a 23/09/1981, 01/10/1981 a
15/04/1982, 03/05/1982 a 23/10/1982, 03/11/1982 a 31/03/1983, 18/04/1983 a 30/11/1983,
01/12/1983 a 31/03/1984, 23/04/1984 a 14/11/1984, 19/11/1984 a 13/04/1985, 02/05/1985 a
31/10/1985, 11/11/1985 a 15/05/1986, 27/05/1986 a 29/11/1986, 01/12/1986 a 15/04/1987 e
03/12/1998 a 24/02/2010, assim pugnando a concessão de "aposentadoria especial" postulada
em 24/02/2010, sob NB 149.072.862-4. Destaque-se o irrefragável acolhimento administrativo
quanto ao intervalo especial de 22/04/1987 a 02/12/1998.
5 - A aposentadoria especial foi instituída pelo artigo 31 da Lei n. 3.807, de 26.08.1960 (Lei
Orgânica da Previdência Social, LOPS). Sobreveio a Lei n. 5.890, de 08.06.1973, que revogou
o artigo 31 da LOPS, e cujo artigo 9º passou regrar esse benefício. A benesse era devida ao
segurado que contasse 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade
profissional, de serviços para esse efeito considerados penosos, insalubres ou perigosos, por
decreto do Poder Executivo.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais.
7 - Atualmente, a aposentadoria especial encontra previsão no art. 57 da Lei nº 8.213/91, com
redação dada pela Lei nº 9.032/95.
8 - Até a edição da Lei nº 9.032/95, era possível o reconhecimento da atividade especial: (a)
com base no enquadramento na categoria profissional, desde que a atividade fosse indicada
como perigosa, insalubre ou penosa nos anexos dos Decretos nº 53.831/64 ou 83.080/79
(presunção legal); ou (b) mediante comprovação da submissão do trabalhador,
independentemente da atividade ou profissão, a algum dos agentes nocivos, por qualquer meio
de prova, exceto para ruído e calor.
9 - A apresentação de laudo pericial, Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP ou outro
formulário equivalente para fins de comprovação de tempo de serviço especial, somente passou
a ser exigida a partir de 06.03.1997 (Decreto nº. 2.172/97), exceto para os casos de ruído e
calor, em que sempre houve exigência de laudo técnico para verificação do nível de exposição
do trabalhador às condições especiais.
10 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
11 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
12 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
13 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
14 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
15 - A apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o reconhecimento
da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução da tecnologia
tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível de ruído acima
do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso concluir que, nos
anos anteriores, referido nível era superior.
16 - Os autos contêm a íntegra do procedimento administrativo de benefício, além de
documentos, dentre os quais importam as cópias de CTPS - cujas anotações de emprego são
passíveis de conferência junto ao banco de dados CNIS e às tabelas confeccionadas pelo
INSS.
17 - Exsurge documentação específica - consubstanciada nos PPP e laudo técnico fornecidos
pela empresa Usina São Martinho S/A - cujo exame percuciente comprova o labor excepcional
do postulante, de 03/12/1998 a 24/02/2010, sob ruídos de 93,9 a 94,6 dB(A), de modo "habitual
e permanente", possibilitando o reconhecimento da especialidade à luz dos itens 1.1.6 do
Decreto nº 53.831/64, 1.1.5 do Decreto nº 83.080/79, 2.0.1 do Decreto nº 2.172/97, e 2.0.1 do
Decreto nº 3.048/99.
18 - Quanto aos lapsos remanescentes, infere-se o desempenho de tarefas como trabalhador
na lavoura canavieira, nos cortes e carpa de cana de açúcar.
19 - A 1ª Seção do c. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Pedido de Uniformização
de Interpretação de Lei autuado sob n.º 452/PE, firmou entendimento no sentido de não ser
possível equiparar a categoria profissional de agropecuária, constante no item 2.2.1 do Anexo
ao Decreto n.º 53.831/1964, à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura da cana-de-
açúcar. Assim, com ressalva de entendimento deste Relator, não se reconhece a natureza
especial do labor exercido na lavoura de cana-de-açúcar.
20 - Computando-se todos os intervalos laborativos da parte autora, de índole unicamente
especial, constata-se que, na data do pleito administrativo, aos 24/02/2010, totalizava 22 anos,
10 meses e 03 dias de tempo de serviço, notadamente aquém do número de anos necessário à
consecução da "aposentadoria especial", restando, pois, improcedente a demanda, neste ponto
específico.
21 - O pedido formulado na inicial merece parcial acolhida, no sentido de compelir a autarquia
previdenciária a reconhecer e averbar tempo laborativo especial correspondente a 03/12/1998 a
24/02/2010.
22 - Ante a sucumbência recíproca, deixa-se de condenar as partes em honorários
advocatícios, conforme prescrito no art. 21 do CPC/73, e em custas processuais, dada a
gratuidade da justiça conferida ao autor e por ser o INSS delas isento.
23 - Remessa necessária, tida por interposta, provida. Sentença condicional anulada. Julgada
parcialmente procedente a ação. Apelações, do autor e do INSS, prejudicadas.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à remessa
necessária, tida por interposta, para anular a r. sentença de 1º grau, por se tratar de sentença
condicional e, com supedâneo no art. 1.013, §3º, II, do Código de Processo Civil, julgar
parcialmente procedente a ação, reconhecendo labor especial no intervalo de 03/12/1998 a
24/02/2010, determinando a respectiva averbação, com a conversão, de especial para comum,
estabelecendo a sucumbência recíproca entre as partes autora e ré, restando prejudicado o
exame das apelações, do autor e do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
