Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5031258-88.2018.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
30/11/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 03/12/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC.
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS NA DER. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. ART. 240, DO CPC. DATA DA
CITAÇÃO VÁLIDA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA.
1. No período contemporâneo ao requerimento administrativo, a autora havia desempenhado
atividades urbanas por quase cinco anos, de modo que, naquele momento, ainda não havia
preenchido os requisitos necessários à aposentadoria por idade rural.
2. Ao julgar procedente o pedido de concessão do benefício, a sentença rescindenda levou em
consideração a documentação comprobatória posterior à DER, razão pela qual não se mostrava
possível definir o seu marco inicial na data de entrada do requerimento.
3. Não obstante, restou caracterizada a ofensa ao Art. 240, CPC, que determina que a citação
válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa
e constitui em mora o devedor. Com efeito, diante de tal regra, indevido o deferimento da
aposentadoria somente a partir da publicação da sentença.
4. A interpretação jurisprudencial pacificada sobre a matéria orienta que, na hipótese de
impossibilidade de concessão do benefício desde a DER, seu termo inicial deve coincidir com a
data da citação válida da autarquia previdenciária.
5. Julgado procedente o pedido para rescindir em parte o julgado, a fim de fixar o termo inicial da
aposentadoria da autora na data da citação do INSS nos autos originários.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5031258-88.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ELI BELLOTTO
Advogado do(a) AUTOR: MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO - PR15263-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5031258-88.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ELI BELLOTTO
Advogado do(a) AUTOR: MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO - PR15263-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Trata-se de ação rescisória proposta com fundamento no Art. 966, V, do Código de Processo
Civil, em que se objetiva a desconstituição da sentença proferida nos autos da ação ordinária nº
0002776-43.2010.8.26.0415, que julgou procedente o pedido de concessão de aposentadoria por
idade, no valor de um salário mínimo mensal, a contar da data de sua publicação.
A decisão rescindenda foi proferida nos seguintes termos:
“VISTOS.
MARIA ELI BELLOTTO, qualificada nos autos, ajuizou “Ação de Benefício Previdenciário -
Aposentadoria por Idade” contra o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS,
aduzindo, em síntese, que nasceu em 18 de agosto de 1946, possuindo mais de 55 anos de
idade.
Alegou que o benefício já foi concedido após recurso administrativo interposto pela autora junto
ao INSS, porém de tal decisão houve novo recurso que foi aceito, reformando a decisão que tinha
sido favorável à autora pelo fato de que a requerente possuir vinculo urbano junto ao CNIS de
01/11/2000 a 05/02/2005 como costureira.
Afirmou que, em razão de ter trabalhado como rurícola ao longo de toda a vida, preenche os
requisitos para a concessão do benefício de aposentadoria por idade, que já foi reconhecido pelo
INSS que depois reformou sua decisão injustamente, requerendo procedência do pedido, com a
condenação do Instituto-Réu a conceder-lhe tal benefício, além das verbas da sucumbência.
Juntou procuração e documentos (fls. 16/64).
Citado, o Instituto-Réu apresentou contestação (fls. 70/89), com juntada de documentos (fls.
90/97). Alegou que a parte autora não fez prova de que é segurada da previdência social e de
que tenha exercido atividade rural em relação aos meses imediatamente anteriores ao
requerimento do benefício, de forma a não atender aos requisitos exigidos pela Lei 8.213/91, uma
vez ser inadmitida prova exclusivamente testemunhal. Assim, pugnou pela improcedência do
pedido por não estarem presentes os requisitos para a concessão do benefício pleiteado pela
autora.
Houve réplica (fls. 101/105).
Durante a instrução, foram colhidos os depoimentos de três testemunhas arroladas pela autora
(fls. 122/124), tendo a parte autora, em sede de alegações finais, reiterado os termos da inicial,
requerendo a procedência total da ação (fls. 121).
É o relatório.
Passo a fundamentar.
O pedido formulado na inicial deve ser julgado procedente.
Para fazer jus à aposentadoria por idade rural, a autora precisa demonstrar o preenchimento dos
seguintes requisitos: (a) qualidade de segurada na data da propositura da demanda, ou quando
do implemento do requisito etário; (b) idade mínima de 55 anos na data da propositura da
demanda; (c) tempo de trabalho igual a 174 meses anteriores à data da propositura da demanda
(14/07/2010) ou 120 meses anteriores ao implemento do requisito etário (18/08/2001), nos termos
do art. 142 da Lei nº 8.213/91
A idade restou comprovada pela cópia do documento de identidade da autora (fls. 18), que
demonstra que ela nasceu em 18 de agosto de 1946, contando, portanto, com mais de 55 anos
quando do ingresso com a presente demanda, restando a análise da condição de segurada e da
prova do serviço rural no período de carência.
Com efeito, deveria a autora comprovar que efetivamente exerceu o trabalho rural, "ainda que
descontínuo" (art. 143, LBPS), no período de 14/07/1995 a 14/07/2010 (174 meses anteriores a
DER) ou de 18/08/1991 a 18/08/2001 (120 meses anteriores à idade mínima).
Com relação ao exercício da atividade rural, há início de prova documental, conforme exige a
Súmula 149 do STJ.
Nas notas fiscais de produtor (fls. 31/46) e na certidão de casamento de fls. 47, que ocorreu em
29 de setembro de 1966, consta que o marido da autora exercia a profissão de “lavrador”. Tal
documento, por si só, tem sido considerado como início de prova material a ser complementado
por testemunhal, para o fim de comprovação da atividade rurícola. Esse é o entendimento do
egrégio Tribunal Federal da Terceira Região, por 8ª Turma:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL BASEADO
EM CERTIDÕES DO REGISTRO CIVIL [...]. A Certidão de Casamento, em que consta a
qualificação do marido como rurícola, constitui início de prova material [...]” (Apelação Cível
880.496, rel. Márcia Hoffmann, j. 18.12.06, DJU 24.01.07, p. 217).
Esse documento constitui, portanto, início de prova documental e é contemporâneo ao período de
atividade rural cuja existência se pretende comprovar, ou seja, no período de 14/07/1995 a
14/07/2010 (174 meses anteriores a DER) ou de 18/08/1991 a 18/08/2001 (120 meses anteriores
à idade mínima).
Tal prova foi complementada pelos testemunhos, como exigido pelo art. 55, parágrafo 3º, da Lei
8213/91 e jurisprudência consolidada na Súmula 149 do STJ. Início de prova material não quer
dizer completude, mas sim mero princípio de prova, que permita o reconhecimento da situação
jurídica discutida, desde que associada a outros dados probatórios, o que de fato ocorreu.
Além do início de prova documental, a prova oral produzida confirmou que a autora sempre
trabalhou na lavoura.
A testemunha Milton Carlos de Jesus, ouvido às fls. 122, disse que conhece a autora desde
criança. Sabe que quando era moça, a autora ajudava sua família, trabalhando na propriedade
rural, dos pais dela. A autora trabalhava na propriedade rural que ficava na Água da Fartura. O
depoente a via trabalhando lá. Passados alguns anos o depoente se mudou para a Água do
Palmitalzinho. Um tempo depois, quando a autora se casou, ela também se mudou para lá e
continuou os trabalhos rurais. A autora trabalha na propriedade que fica na Água do Palmitalzinho
até hoje, juntamente com seu marido. O depoente sempre a vê na roça, carpindo, ajudando no
cultivo de mandioca, mamona e soja. O depoente acompanha o trabalho da autora por mais de
30 anos. Ele sempre passava no sítio dela pra ir à cidade. A propriedade que o depoente
trabalhava ficava mais para baixo. Faz 18 anos que o depoente saiu do sítio e veio morar na
cidade. Continuou passando sempre na propriedade da autora, porque os irmãos do depoente
continuam morando lá. Até hoje o depoente vê a autora trabalhando naquela propriedade. Não
sabe dizer se a autora trabalhou, em algum momento, como costureira.
A testemunha Sebastião José Monteiro, ouvido às fls. 123, disse que conhece a autora desde
quando ela se casou, isso há mais de 43 anos. Desde então, a autora e seu marido vieram
trabalhar na Água do Palmitalzinho. O depoente morava na Água dos Monteiros, em frente. Sabe
dizer que a autora trabalhou na roça a vida inteira. Até hoje ela trabalha lá. A propriedade rural
que ela está se chama Sítio Bela Vista. Faz uns 15 anos que o depoente se mudou de lá, mas
passa sempre por lá até hoje, porque tem criação de gado próximo dali, na Água dos Américos. O
depoente foi criado junto com o marido dela. A autora cultiva milho, mandioca, soja, carpi. etc. Ela
ajuda o marido. O depoente não sabe dizer se a autora trabalhou como costureira em algum
momento de sua vida. Até hoje a autora está trabalhando na roça.
A testemunha João Ferreira Neto, ouvido às fls. 124, disse que conhece a autora desde criança.
Ela foi criada na Água da Fartura e já começou a trabalhar na propriedade dos pais, cultivando
café, mandioca, mamona e milho. O depoente morava na divisa entre a Água da Fartura e a Água
dos Aranhas. Acompanhava de perto o trabalho da autora. Quando ela se casou, ela se mudou
para Água dos Monteiros, continuou trabalhando em propriedade rural, chamada Sítio Nossa
Senhora Aparecida, juntamente com o marido. Faz 34 anos que o depoente se mudou de onde
ele cresceu para a Água dos Andrades, que é vizinha da Água dos Monteiros. Por isso o
depoente sempre viu e continua vendo a autora trabalhando na roça. Atualmente ela cultiva soja.
A autora está, hoje, em dia, cuidando mais do esposo e do filho. O depoente acompanhou toda a
trajetória de vida da autora e pode afirmar que ela sempre trabalhou na roça. Acredita que a
autora nunca tenha trabalhado como costureira.
Percebe-se, portanto, que a prova oral foi idônea a complementar o início de prova material, no
sentido de demonstrar que a autora preencheu os requisitos para a obtenção do benefício
pleiteado.
Assim, pelas provas produzidas restou demonstrado que a autora, ao longo de toda a sua vida,
exerceu trabalho rural. É o caso, consequentemente, de se reconhecer o direito à aposentadoria
pleiteada na inicial.
Decido.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e CONDENO o INSTITUTO NACIONAL DO
SEGURO SOCIAL – INSS a conceder à autora MARIA ELI BELLOTTO o benefício da
aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo mensal, a contar da data da publicação
desta decisão.
Em razão da sucumbência, condeno o réu ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em
10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas a partir desta
data, e despesas processuais. A Autarquia ré é isenta de custas, nos termos do art. 6º, da lei
estadual 11.608/03".
Remetidos os autos a esta Corte, não foi conhecido o reexame necessário.
A r. sentença transitou em julgado em 02/05/2017. Esta ação foi ajuizada aos 12/12/2018.
A parte autora sustenta que, embora tenha pleiteado a concessão de aposentadoria por idade
desde a data de entrada do requerimento administrativo (DER), formulado em 31/05/2005, época
em que já havia preenchido os requisitos legais, o MM. Juízo a quo, ao julgar procedente o
pedido, fixou o termo inicial do benefício na data de publicação da decisão, sem apresentar
nenhum fundamento para tanto, haja vista ter reconhecido que a demandante sempre exerceu
atividade rural. Argumenta que houve violação ao Art. 49, II, da Lei 8.213/91, que prevê
expressamente ser a aposentadoria devida desde a data de entrada do requerimento, e que isso
impediu o recebimento dos valores atrasados a que fazia jus, bem como prejudicou o seu
procurador, diante da ausência de base de cálculo para a condenação em honorários
advocatícios.Pugna pela procedência da ação para rescindir parcialmente o julgado, para que, em
nova decisão, seja-lhe concedida a aposentadoria por idade desde a DER, em 31/05/2005, com o
consequente pagamento dos valores devidos desde aquela data, incluindo-se tais valores na
base de cálculo dos honorários advocatícios.
Foram concedidos à parte autora os benefícios da gratuidade da justiça.
Regularmente citado, o réu arguiu, em sede depreliminar, a falta de pressuposto processual, por
não ter havido a juntada de procuração atualizada com outorga de poderes específicos à
propositura da ação rescisória. Alegou, ainda, a carência de ação, por ausência do interesse de
agir, com base no argumento de que a parte autora pretende apenas a rediscussão do quadro
fático-probatório produzido na lide subjacente. Acrescentou, também como matéria preliminar, a
incidência dos termos da Súmula nº 343/STF, por ter a decisão rescindenda adotado uma dentre
as interpretações possíveis, bem como a prescrição das parcelas vencidas antes do quinquênio
anterior à propositura da ação, em conformidade com o disposto no Art. 103, Parágrafo único, da
Lei 8.213/91, e com a Súmula nº 85/STJ. No mérito, sustenta a inexistência de violação manifesta
de norma jurídica no julgado, uma vez que, como a decisão rescindenda reconheceu o labor rural
exercido pela parte autora até o ano de 2010, não poderia ter fixado o termo inicial do benefício
em momento anterior a essa data. Aduz que a ação originária foi instruída com documentos
emitidos após a DER, no ano de 2005; que, no período de 01/11/2000 a 05/02/2005, a autora
exerceu atividade laborativa de cunho urbano, e que, no intervalo de 03/2005 a 09/2005, verteu
contribuições ao Regime Geral de Previdência Social na condição de segurada facultativa
("portanto sem atividade profissional". Argumenta, por fim que, além disso, ao ajuizar a lide
primitiva, a autora requereu fosse reconhecido o labor rural por ela desenvolvido no período de
01/10/2005 a 01/07/2009, de modo que, inclusive em respeito aos limites do pedido, não se
poderia fixar o marco inicial do benefício em 31/10/2005. Subsidiariamente, na hipótese de
procedência do pedido, requer que a não incidência de juros de mora antes da citação promovida
nestes autos, e que os juros e a correção monetária obedeçam aos critérios estabelecidos nos
Art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09.
A parte autora apresentou réplica à contestação.
Foi dispensada a produção de novas provas.
Ambas as partes apresentaram razões finais.
Em seu parecer, o Ministério Público Federal opinou pela improcedência do pedido formulado na
inicial.
O julgamento foi convertido em diligência, a fim de se determinar a intimação da parte autora para
que providenciasse a juntada de procuração com outorga de poderes específicos à propositura da
ação rescisória, decisão que posteriormente foi reconsiderada, por haver nos autos instrumento
de procuração contemporâneo ao ajuizamento da demanda.
Diante da decisão de reconsideração o réu opôs embargos de declaração, os quais foram
rejeitados. Não houve recurso contra essa última decisão.
É o relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5031258-88.2018.4.03.0000
RELATOR:Gab. 34 - DES. FED. BAPTISTA PEREIRA
AUTOR: MARIA ELI BELLOTTO
Advogado do(a) AUTOR: MARCOS DE QUEIROZ RAMALHO - PR15263-N
REU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A questão sobre a preliminar de ausência de pressuposto processual já foi afastada no curso dos
autos, por decisão não mais sujeita a recurso.
Quanto às preliminares de carência da ação, por ausência do interesse de agir e de incidência do
óbice da Súmula nº 343/STF, bem como de prescrição quinquenal das parcelas vencidas,
confundem-se com o mérito, âmbito em que serão analisadas.
Passo a examinar a questão de fundo.
A controvérsia nos autos cinge-se à questão sobre eventual violação do Art. 49, II, da Lei
8.213/91, por ter o julgado rescindendo fixado o termo inicial do benefício de aposentadoria por
idade da autora na data de publicação da sentença, e não na data do requerimento
administrativo, formulado em 31/10/2005 (e não 31/05/2005, como sustentado pela parte autora).
Para que se configure a hipótese prevista no Art. 966, V, do CPC, impõe-se que a violação à
norma seja frontal e direta. Sobre o tema, leciona a doutrina de Humberto Theodoro Júnior, ainda
que sobre o conceito de "violação a literal disposição de lei", expresso no Código Processual Civil
revogado, que:
"O conceito de violação "literal de disposição de lei" vem sendo motivo de largas controvérsias
desde o Código anterior. Não obstante, o novo estatuto deliberou conservar a mesma expressão.
O melhor entendimento, a nosso modo de ver, é o de Amaral dos Santos, para quem sentença
proferida contra literal disposição de lei não é apenas a que ofende a letra escrita de um diploma
legal; "é aquela que ofende flagrantemente a lei, tanto quando a decisão é repulsiva à lei (error in
judicando), como quando é proferida com absoluto menosprezo ao modo e forma estabelecidos
em lei para a sua prolação (error in procedendo).
Não se cogita de justiça ou injustiça no modo de interpretar a lei. Nem se pode pretender rescindir
a sentença sob invocação de melhor interpretação da norma jurídica aplicada pelo órgão
julgador".
(THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual. Vol. I. 50 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, pp. 701-702).
A respeito do estatuto processual em vigor, acrescenta:
Violação manifesta, referida pelo art. 966, V, do atual Código exprime bem a que se apresenta
frontal e evidente à norma, e não a que decorre apenas de sua interpretação diante da incidência,
sobre determinado quadro fático. Reconhece-se que toda norma tem um núcleo mínimo ou
específico de compreensão, mesmo quando esteja formulada em termos vagos ou imprecisos. É
esse núcleo que não pode ser ignorado ou ultrapassado pelo intérprete e aplicador da norma. Ir
contra seu conteúdo implica, segundo Sérgio Bermudes, proferir sentença “inequivocamente
contrária à norma”, justificando-se a rescisória por sua manifesta violação".
(THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. III. 53 ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Forense, p. 826).
Ao substituir o termo "violação a literal disposição de lei" por "violação manifesta de norma
jurídica", o novo Código pacificou a controvérsia doutrinária e jurisprudencial em torno do
cabimento dessa hipótese de rescindibilidade não só para os casos em que há ofensa a texto de
dispositivo de Lei, em sua literalidade, como também quando se viola princípios e regras
integrantes do ordenamento jurídico. Por sua vez, a Lei nº 13.256/16, ao introduzir os §§ 5º e 6º,
do Art. 966, do CPC, passou a prever sua aplicação contra decisão baseada em enunciado de
súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos que não tenha considerado a
existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu
fundamento.
O dispositivo tido por violado assim prevê:
"Art. 49. A aposentadoria por idade será devida:
I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir:
a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias
depois dela; ou
b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for
requerida após o prazo previsto na alínea "a";
II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento" (grifo nosso).
Pelo que ficou evidenciado nos autos, o reconhecimento da atividade rural da autora teve por
lastro a juntada de início de prova material, corroborado pela prova testemunhal produzida em
juízo.
Como expressamente indicado pela sentença rescindenda, os documentos que serviram ao
convencimento do MM. Juízo a quo, ao proferir sua decisão, foram as notas fiscais de produtor e
a certidão de casamento colacionadas aos autos.
Sobre a análise de tais provas pelo julgado, bem destacou o ilustre representante do Ministério
Público Federal, em seu parecer, que:
"O Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Palmital/SP, ao julgar a ação, ponderou que, para
fazer jus ao benefício, a autora deveria comprovar “(c) tempo de trabalho igual a 174 meses
anteriores à data da propositura da demanda (14/07/2010) ou 120 meses anteriores ao
implemento do requisito etário (18/08/2001), nos termos do art. 142 da Lei n° 8.213/91” eque
“com efeito, deveria a autora comprovar que efetivamente exerceu o trabalho rural, "ainda que
descontínuo" (art. 143, LBPS), no período de14/07/1995 a 14/07/2010 (174 meses anteriores a
DER) ou de 18/08/1991 a18/08/2001 (120 meses anteriores à idade mínima)”.
O Juízo recorrido entendeu que as notas fiscais de produtor e a certidão de casamento
comprovam a qualidade de lavrador do marido da autora, e que tais documentos são suficientes
comoinício de prova documental, corroborado que foi pela prova testemunhal.
As notas fiscais de produtor a que o Juízo se refere são datadas da década de 1990 e dos anos
2005, 2006, 2007 e 2008. Ou seja,para reconhecer a qualidade de segurada especial da autora,o
Juízo levou em conta documentos posteriores ao primeiro pedido administrativo do
benefício(2005),que comprovaram a atividade rural da autora no período imediatamente anterior
ao requerimento (judicial).
Logo, não há que se falar que o termo de início do benefício deveria ter sido fixado na data do
primeiro requerimento administrativo (2005), tendo em vista que, para a concessão da
aposentadoria rural por idade, foram considerados documentos posteriores a essa data.
Ressalte-se, ainda, que demonstrou-se na lide originária que, no período de 01.11.00 a 05.02.05,
a autora exerceu atividade laborativa de cunho urbano (laborando como costureira com vínculo
empregatício) e, no período de 03.05 a 09.05, verteu contribuições ao Regime Geral de
Previdência Social na condição de segurada facultativa (portanto sem atividade profissional).
Assim, inexistindo prova de que a autora exercia atividade rural no período imediatamente
anterior ao primeiro requerimento administrativo, sequer seria possível a concessão do benefício
a partir dessa data".
Releva salientar que, diante da constatação da existência de atividades urbanas pela parte
autora, por quase cinco anos, no período próximo ao requerimento administrativo, formulado em
31/10/2005, foi necessária a utilização documentos que comprovassem o seu labor rural após
aquele intervalo de tempo, no período imediatamente anterior à propositura da demanda
subjacente. Desse modo, inviável a pretensão de concessão do benefício desde a DER, quando
ainda não haviam sido preenchidos os requisitos exigidos.
Não obstante, é possível identificar nos autos, com base no postulado da mihi facto dabo tibi jus,
a ofensa ao Art. 240, do Código de Processo Civil, que determina que a citação válida, ainda
quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui
em mora o devedor. Com efeito, diante de tal regra, indevido o deferimento da aposentadoria
somente a partir da publicação da sentença.
Ademais, a interpretação jurisprudencial pacificada sobre a matéria orienta que, na hipótese de
impossibilidade de concessão do benefício desde a DER, seu termo inicial deve coincidir com a
data da citação válida da autarquia previdenciária.
Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA.
ART. 543-C DO CPC. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL PARA A
IMPLEMENTAÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO NA VIA JUDICIAL. AUSÊNCIA DE PEDIDO
ADMINISTRATIVO. ART. 219, CAPUT, DO CPC. CITAÇÃO VÁLIDA DA AUTARQUIA
PREVIDENCIÁRIA.
1. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: A citação válida informa o litígio, constitui em mora a
autarquia previdenciária federal e deve ser considerada como termo inicial para a implantação da
aposentadoria por invalidez concedida na via judicial quando ausente a prévia postulação
administrativa.
2. Recurso especial do INSS não provido.
(REsp 1369165/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
26/02/2014, DJe 07/03/2014);
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. TERMO INICIAL DA APOSENTADORIA RURAL
POR IDADE. AUSENTE O PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. MORA DA
AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA EVIDENCIADA COM A CITAÇÃO VÁLIDA.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO, DIVERGINDO DO E. RELATOR.
1. Na ausência de prévia interpelação da autarquia previdenciária federal, a implementação da
aposentadoria por idade rural deve ser feita a partir da citação válida do INSS.
2. Recurso especial provido.
(REsp 1450119/MT, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Rel. p/ Acórdão Ministro
BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 01/07/2015);
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. LABOR RURAL. TERMO INICIAL DO
BENEFÍCIO. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. O termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo. Na
ausência de requerimento administrativo, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da
citação.
2. Recurso Especial provido.
(REsp 1568343/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
03/12/2015, DJe 05/02/2016);
ADMINISTRATIVO. PENSÃO ESPECIAL DE EX-COMBATENTE. TERMO INICIAL NA
HIPÓTESE DE AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. DATA DA CITAÇÃO
VÁLIDA.
1. O termo inicial para o pagamento de pensão especial de ex-combatente quando ausente o
prévio requerimento administrativo é a data da citação, pois, antes desta, não se formou vínculo
entre a administração e o beneficiário. Precedentes.
2. Nos julgamentos pela Corte Especial do STJ dos EREsps 1.128.059/PE e 1.141.037/SC,
apesar de serem hipóteses diversas, ficou consignado que o termo inicial para o pagamento de
pensão especial de ex-combatente quando ausente o prévio requerimento administrativo é a data
da citação.
3. Embargos de divergência acolhidos.
(EREsp 1451685/RN, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em
22/02/2018, DJe 01/03/2018); e
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DA CITAÇÃO NA
AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM
CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Conforme a jurisprudência pacífica do STJ, o termo inicial para a concessão de benefício
previdenciário é a data do requerimento administrativo e, na ausência deste, a partir da
citação.Precedentes : AgInt no AREsp 839.820/MS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, DJe 19/12/2018 e REsp 1.791.587/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda
Turma, DJe 8/3/2019.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp 1861714/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 24/08/2020, DJe 27/08/2020)".
Por conseguinte, configurada a hipótese prevista no Art. 966, V, do CPC, o julgado deve ser
parcialmente rescindido.
Em novo julgamento da causa, pelos motivos adrede expostos, impõe-se a fixação do termo
inicial da aposentadoria por idade da autora na data da citação do INSS nos autos originários,
ocorrida aos 17/08/2010.
Destarte, deverá o réu conceder à autora o benefício de aposentadoria por idade a partir de
17/08/2010, e pagar as prestações vencidas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de
mora
Por não haver prestações em atraso anteriores à propositura da demanda subjacente, não há que
se falar em prescrição quinquenal.
A correção monetária, que incide sobre as prestações em atraso desde as respectivas
competências, e os juros de mora devem ser aplicados de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal.
Os juros de mora incidirão até a data da expedição do precatório/RPV, conforme decidido em
19.04.2017 pelo Pleno do e. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE 579431,
com repercussão geral reconhecida. A partir de então deve ser observada a Súmula Vinculante nº
17.
Convém alertar que das prestações vencidas devem ser descontadas aquelas pagas
administrativamente ou por força de liminar, e insuscetíveis de cumulação com o benefício
concedido, na forma do Art. 124, da Lei nº 8.213/91.
Tendo a autoria decaído de parte do pedido, vez que não reconhecido o seu direito ao benefício
desde o requerimento administrativo, é de se aplicar a regra contida no Art. 86, do CPC.A
autarquia previdenciária está isenta das custas e emolumentos, nos termos do Art. 4º, I, da Lei
9.289/96, do Art. 24-A da Lei 9.028/95, com a redação dada pelo Art. 3º da MP 2.180-35/01, e do
Art. 8º, § 1º, da Lei 8.620/93 e a parte autora, por ser beneficiária da assistência judiciária integral
e gratuita, está isenta de custas, emolumentos e despesas processuais.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para rescindir em parte o julgado e, em
novo julgamento da causa, fixo o termo inicial do benefício de aposentadoria por idade da autora
na data da citação do INSS nos autos originários.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, DO CPC.
APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
NECESSÁRIOS NA DER. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. ART. 240, DO CPC. DATA DA
CITAÇÃO VÁLIDA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA.
1. No período contemporâneo ao requerimento administrativo, a autora havia desempenhado
atividades urbanas por quase cinco anos, de modo que, naquele momento, ainda não havia
preenchido os requisitos necessários à aposentadoria por idade rural.
2. Ao julgar procedente o pedido de concessão do benefício, a sentença rescindenda levou em
consideração a documentação comprobatória posterior à DER, razão pela qual não se mostrava
possível definir o seu marco inicial na data de entrada do requerimento.
3. Não obstante, restou caracterizada a ofensa ao Art. 240, CPC, que determina que a citação
válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa
e constitui em mora o devedor. Com efeito, diante de tal regra, indevido o deferimento da
aposentadoria somente a partir da publicação da sentença.
4. A interpretação jurisprudencial pacificada sobre a matéria orienta que, na hipótese de
impossibilidade de concessão do benefício desde a DER, seu termo inicial deve coincidir com a
data da citação válida da autarquia previdenciária.
5. Julgado procedente o pedido para rescindir em parte o julgado, a fim de fixar o termo inicial da
aposentadoria da autora na data da citação do INSS nos autos originários.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
maioria, decidiu julgar parcialmente procedente o pedido para rescindir em parte o julgado e, em
novo julgamento da causa, fixar o termo inicial do benefício de aposentadoria por idade da autora
na data da citação do INSS nos autos originários, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
