
| D.E. Publicado em 21/06/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000773-02.2014.4.03.6122/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação da parte autora tirada de sentença que, em autos de concessão de aposentadoria por idade, com aproveitamento de tempos de trabalho rural e urbano, julgou improcedente o pedido inicial (fls. 44/45, verso).
Em seu recurso, pugna, a promovente, pela reforma da decisão combatida, ao argumento de existência de início de prova material da atividade rurícola, corroborada por prova testemunhal harmônica, a ensejar o reconhecimento do labor rural que, aliado ao trabalho urbano desempenhado, leva à concessão do almejado beneplácito (fls. 51/55).
Não foram apresentadas contrarrazões (fl. 57).
VOTO
Inicialmente, destaque-se que, a ausência de prévio requerimento administrativo, como ocorre na espécie, não impede a concessão da benesse pleiteada, pois o c. STF, no julgamento do RE 631.240, concluído em 03/09/2014, com repercussão geral reconhecida, decidiu que, nos processos judiciais em tramitação envolvendo pedidos de concessão de benefícios frente ao INSS, não precedidos de solicitação administrativa, havendo contestação autárquica de mérito (caso dos autos), resta caracterizado o interesse de agir, ante a resistência ao pedido formulado.
A modalidade de jubilamento postulado pela autoria vem consagrado no § 3º do artigo 48 da Lei nº 8.213/91, na dicção da Lei nº 11.718/2008, e é, tradicionalmente, denominado híbrido ou misto, haja vista a permissão legislativa quanto à contagem de tempo desempenhado em mister rural, em consórcio a outros interstícios contributivos atinentes a categorias de segurado diversas, de sorte a adimplir, com referido somatório, o lapso de carência, delimitado a partir da aplicação da tabela progressiva constante do artigo 142 da Lei nº 8.213/91. Quanto ao quesito etário, remanesce assinalado em 65 anos (homem) e 60 anos (mulher).
Ao prever tal espécie de aposentação, teve o legislador ordinário por fito salvaguardar os interesses dos exercentes de ofício rural que, em sua jornada profissional, de forma transitória ou permanente, vieram a galgar ocupações distintas, notadamente de natureza urbana, circunstância que, eventualmente, empecer-lhes-ia a outorga de aposentadoria por idade de trabalhador rural, relegando-os a verdadeiro limbo jurídico, à constatação de que desempenharam labor urbano por expressivo lapso temporal ou bem teriam abandonado a atividade campestre antes do atingimento etário ou da vindicação da benesse. É-lhes propiciada, nessa medida, a contabilização do tempo laboral desenvolvido no campo, ainda que de forma descontínua, conjugando-o ao afazer urbano, na busca do atendimento à carência legal. Desimporta, aqui, investigar-se do predomínio de atividades rurais no histórico laboral do requerente do benefício; tampouco, apurar-se se, quando da dedução do requerimento, o solicitante ainda estava a labutar no campo.
Vale ponderar, ainda, que, ao contrário do que sucede na aposentadoria por idade de trabalhador rural, na modalidade híbrida encontra aplicabilidade o artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003, mercê do qual a perda da qualidade de segurado, anteriormente ao atingimento da idade exigida, não é de molde a obstar a outorga do benefício, contanto que seja alcançada a carência exigida. Precedente deste Tribunal nesse diapasão: AC 00038436520164039999, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, TRF3, SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 23/06/2016.
Quanto à demonstração do labor rural, há de se operar à luz dos contornos arraigados na jurisprudência, tais os seguintes:
- é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC);
- são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014);
- possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).
- indisputável a existência de início de prova material contemporâneo a, quando menos, quinhão do período rural por testificar-se (v. Súmula TNU 34; cf., também, RESP 201200891007, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE 19/12/2012, apreciado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, donde se colhe ser dispensável que o princípio de prova documental diga respeito a todo o interregno a comprovar, admitindo-se que aluda, apenas, à parcela deste);
- tratando-se de aposentadoria híbrida, despiciendo quer o recolhimento de contribuições previdenciárias relativamente ao tempo rural invocado pela autoria, à moda do que sucede em sede de aposentadoria por idade de trabalhador rural (RESP nº1497086/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 06/04/2015), quer a demonstração do exercício da labuta campesina ao tempo da oferta do requerimento administrativo do benefício (AgRg no RESP 1.497.086/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, STJ - Segunda Turma, DJe 06/04/2015; RESP 201300429921, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, STJ - Segunda Turma, DJe 10/09/2014).
Ao caso dos autos, pois.
A parte autora, nascida em 20/11/1948, adimpliu o requisito etário em 20/11/2008, incumbindo-lhe demonstrar o exercício de atividades rurícola e urbana por, no mínimo, 162 meses.
No intuito de denotar a labuta campesina desenvolvida, consoante aduz, entre 22/05/1987 a 14/08/1987, 01/03/1990 a 30/11/1990, 1991 a 2003 e 2005 a 2008, a demandante trouxe à baila cópia da CTPS de fls. 14/17, com registro de trabalhos rurais no período de 22/05/1987 a 14/08/1987 e 10/03/1989 a 08/04/1989.
Quanto à prova oral, realizada audiência em 23/07/2015, a testemunha Emília Ferreira da Rocha, que conhece a autora desde 1980, narrou que trabalharam juntas no trabalho de fiação (Fiação Bratac) e, a partir de 1986, exerceram o labor rural, citando as propriedades de Toioshima (laranja), Yamanaca (tomate), Fazenda Conquista (quebrando milho) e Akira (laranja); esclareceu que a vindicante trabalhou como doméstica, somente quando não havia serviço na lavoura; finalmente, aduziu que a autora parou de trabalhar há 5 anos e o último trabalho foi em uma lavoura de café, em Oswaldo Cruz.
Maurina dos Santos, que conhece a autora há 40 anos, afirmou que trabalharam juntas na roça, nas propriedades de Yamanaka, Okuda e Maria Osaka; a autora trabalhou na fiação, como rurícola e doméstica e retornou para a roça; seu último trabalho foi na colheita de café, em Oswaldo Cruz, há 5 anos e, após, parou trabalhar para cuidar da nora, que ficou doente.
Em seu depoimento pessoal, a autora afirmou que sempre trabalhou como rurícola, desde os oito anos de idade, em propriedades arrendadas por seu genitor, onde cultivavam amendoim; após seu casamento, em 1965, residiu em São Paulo por dois anos, onde o marido era pedreiro e mecânico; retornaram para Bastos, em 1967, e passou a trabalhar como bóia-fria, para vários proprietários da região, tais como Torochima, Akira, Okuda e Yamanaka, até 5 anos atrás. Trabalhou como doméstica na cidade, e também na "Bratac", mas retornou ao serviço rural, sendo que o último sitio em que trabalhou, por 2 anos, era próximo a Oswaldo Cruz, na cultura de café.
Efim, os testemunhos são coesos e harmônicos quanto à prestação de trabalho rural pela requerente, permitem concluir pelo desempenho dessa atividade entre 22/05/1987 a 14/08/1987, 1991 a 2003 e 2005 a 2008.
Nesse sentido, há, nos autos, cópia da CTPS em nome da autoria, com vínculos empregatícios urbanos nos interregnos de 07/08/1980 a 28/09/1986 (auxiliar de fiadeira), 01/03/1990 a 30/11/1990 (empregada doméstica) e 17/11/2004 a 17/01/2005 (doméstica), bem como registros de trabalho de natureza rural de 22/05/1987 a 14/08/1987 (serviços gerais em avicultura) e 10/03/1989 a 08/04/1989 (trabalhadora rural) (fls. 14/17).
No que tange ao período de 01/03/1990 a 30/11/1990, observa-se que a autora relata, na inicial, que trabalhou tanto como doméstica para Maria Kimiko Shida, quanto em atividade rural para Kiyofumi Kuwabara (fl. 04).
Portanto, diante a prova documental de atividade urbana nesse interregno (CTPS), deve tal lapso ser excluído do cômputo de tempo rural.
Mesmo assim, agregando-se os lapsos de labor rural ora reconhecidos aos demais interregnos de serviço que ecoam dos elementos carreados aos autos, ressai que a suplicante reúne tempo superior ao legalmente reclamado, sendo de rigor a acolhida do pleito inicial.
De acordo com o entendimento esposado pela jurisprudência dominante, ausente requerimento administrativo, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir da citação (Nesse sentido: AC 00250164820164039999, Nona Turma, Relator Juiz Convocado Rodrigo Zacharias, e-DJF3 judicial 10/10/2016; AC 00413601720104039999, Nona Turma, Relator, Desembargador Federal Gilberto Jordan, e-DJF3 judicial 11/07/2016).
Quanto aos consectários, cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE 870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n. 11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e à correção monetária (ou só juros ou só correção monetária), não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso, incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Deve o INSS arcar com os honorários advocatícios em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11 desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício (Súmula n. 111 do STJ).
Quanto às custas processuais, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, nos termos das Leis Federais n. 6.032/74, 8.620/93 e 9.289/96, bem como nas Leis Estaduais n. 4.952/85 e 11.608/03 (Estado de São Paulo). Contudo, tal isenção não exime a Autarquia Previdenciária do pagamento das custas e despesas processuais em restituição à parte autora, por força da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Os valores já pagos, seja na via administrativa ou por força de decisão judicial, deverão ser integralmente abatidos do débito.
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO para julgar procedente o pedido, nos termos da fundamentação.
É como voto.
ANA PEZARINI
Desembargadora Federal Relatora
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| Data e Hora: | 07/06/2018 15:05:26 |
