
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002209-75.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ADELIA DOS SANTOS BERTOLDI
Advogado do(a) APELANTE: JORGE TALMO DE ARAUJO MORAES - MS8896-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002209-75.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ADELIA DOS SANTOS BERTOLDI
Advogado do(a) APELANTE: JORGE TALMO DE ARAUJO MORAES - MS8896-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pela parte autora em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
A r. sentença julgou extinto o processo sem resolução de mérito, verbis:
“Tendo em vista a existência de coisa julgada, é de rigor a extinção do feito, sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, V, do Código de Processo Civil. Deixo de aplicar a multa por litigância de má-fé em razão de não estar comprovado nos autos que a autora – pessoa idosa e de pouca instrução – agiu com deliberada má fé ao ajuizar a presente ação judicial mesmo já havendo a formação de coisa julgada nos autos 0803568-76.2013.8.12.0017. Atento ao principio da sucumbência, condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios em favor do Instituto Nacional do Seguro Social, em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, conforme dispõe o art. 85, §3º, I do Código de Processo Civil, ficando sua exigibilidade suspensa em razão dos benefícios da justiça gratuita. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se. Oportunamente, arquive-se com a devida baixa.”
Em suas razões recursais, a parte autora sustenta, em síntese, a inocorrência de coisa julgada, porquanto a presente ação foi ajuizada com documentos novos e novo período de labor; não há de se falar em coisa julgada material no âmbito do Direito Previdenciário, quando há novas provas aos autos ou até mesmo novo fato constitutivo do direito ao benefício previdenciário, é inconteste que o Estado-juiz deve assegurar o direito de ação constitucionalmente concedido a todo cidadão brasileiro., sendo de rigor a desconstituição da sentença e concessão do benefício.
Regularmente processado o feito, os autos subiram a este Eg. Tribunal.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002209-75.2018.4.03.9999
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: ADELIA DOS SANTOS BERTOLDI
Advogado do(a) APELANTE: JORGE TALMO DE ARAUJO MORAES - MS8896-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015, e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Código de Processo Civil.
Nas ações objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, esta Eg. Corte tem entendido que, caso a parte autora apresente novos documentos na segunda ação (que não foram utilizados na primeira ação), considera-se que houve inovação na causa de pedir, a afastar o reconhecimento da coisa julgada.
Confira-se, nesse sentido, o seguinte julgado:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COISA JULGADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. TRABALHO RURAL NÃO EXERCIDO NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO CUMPRIMENTO DO REQUISITO ETÁRIO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Nas ações em que se pleiteia o benefício de aposentadoria por idade rural, esta Corte tem entendido que, caso a parte autora apresente novos documentos na segunda ação (que não foram utilizados na primeira ação), considera-se que houve inovação na causa de pedir, a afastar o reconhecimento da coisa julgada. Por outro lado, verifica-se que o feito se encontra em condições de imediato julgamento, nos termos do artigo 1.013, §3º, do CPC.
2. A aposentadoria por idade de rurícola reclama idade mínima de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher (§ 1º do art. 48 da Lei nº 8.213/91), além da demonstração do exercício de atividade rural, bem como o cumprimento da carência mínima exigida no art. 142 da referida lei. De acordo com a jurisprudência, é suficiente a tal demonstração o início de prova material corroborado por prova testemunhal.
3. Permite-se a extensão dessa qualidade do marido à esposa, ou até mesmo dos pais aos filhos, ou seja, são extensíveis os documentos em que os genitores, os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado sob o regime de economia familiar.
4. Em face do caráter protetivo social de que se reveste a Previdência Social, não se pode exigir dos trabalhadores campesinos o recolhimento de contribuições previdenciárias, quando é de notório conhecimento a informalidade em que suas atividades são desenvolvidas, cumprindo aqui dizer que, sob tal informalidade, verifica-se a existência de uma subordinação, haja vista que a contratação acontece diretamente pelo produtor rural ou pelos chamados "gatos". Semelhante exigência equivaleria a retirar dessa classe de trabalhadores qualquer possibilidade de auferir o benefício conferido, em razão de sua atividade.
5. O Superior Tribunal de Justiça considera prescindível a abrangência de todo o período de carência previsto no art. 142 da Lei de Benefícios pela prova material, desde que a prova testemunhal demonstre sua solidez, permitindo sua vinculação ao tempo de carência. Tal solução, conhecida como "pro misero", se dá em virtude da precariedade dos registros de vínculos trabalhistas nas áreas rurais, prática ainda comum em tempos recentes e bastante disseminada em outras épocas.
6. Segundo o recente entendimento adotado pelo STJ no julgamento do REsp 1354908, em sede de recurso repetitivo, o segurado especial deve estar trabalhando no campo no momento em que completar a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural por idade, a fim de atender ao segundo requisito exigido pela Lei de Benefícios: "período imediatamente anterior ao requerimento do benefício", ressalvada a hipótese de direito adquirido, na qual o segurado especial, embora não tenha ainda requerido sua aposentadoria por idade rural, já tenha preenchido concomitantemente, no passado, ambos os requisitos - carência e idade.
7. No caso dos autos, a autora, nascida em 07/12/1956, comprovou o cumprimento do requisito etário no ano de 2011. Entretanto, apresenta como nova prova documental, justificando inovação na causa de pedir a afastar o reconhecimento da coisa julgada, um registro de apenas um mês, em maio de 2016 (fls. 40). Embora trate de nova prova material, ela não cumpre os requisitos exigidos pelo art. 3º, da Lei nº 11.718/2008, de forma que não restam atendidos os pressupostos legais para a concessão do benefício pleiteado. É exigida a apresentação de pelo menos três meses, a cada ano, de efetiva prova material de labor campesino entre os anos de 2011 e 2015 e, a partir de 2016, ao menos seis meses por ano.
8. Apelação provida em parte para afastar a coisa julgada. Pedido julgado improcedente." (AC
0009984-32.2018.4.03.9999, Rel: Des. Fed. Toru Yamamoto, julgamento em 08/04/2019)
Exatamente essa a hipótese dos autos.
O acórdão prolatado no feito anterior transitou em julgado em 14/04/2016 (fl. 28).
No caso concreto, buscando comprovar o labor rural, a parte autora colacionou, além da sua certidão de casamento - 1962, onde seu marido está qualificado como lavrador (fl. 66), certidão de óbito dele, ocorrido no ano de 2003 onde consta que ele está aposentado, sendo sua aposentadoria é oriunda da atividade rural (fl. 67) e apresentou novo pedido administrativo, formulado em 09/08/2016 (fl. 75).
Portanto, afasto a hipótese de extinção do feito, sem resolução do mérito com fundamento na coisa julgada e, estando o processo em condições de imediato julgamento, aplico a regra do artigo 1.013 da norma processual.
A parte autora ajuizou a presente ação pretendendo a concessão da aposentadoria por idade rural, prevista no artigo 48, §§1º e 2º, da Lei nº 8.213/91,
in verbis
:"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinquenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea "a" do inciso I, na alínea "g" do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)"
Para a obtenção da aposentadoria por idade, deve o requerente comprovar o preenchimento dos seguintes requisitos: (i) idade mínima e (ii) efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao da carência exigida para a sua concessão, sendo imperioso observar o disposto nos artigos 142 e 143, ambos da Lei nº 8.213/91.
Feitas essas considerações, no caso concreto, a idade mínima exigida para a obtenção do benefício restou comprovada pela documentação trazida aos autos, onde consta que a parte autora nasceu em 09/11/45, implementando o requisito etário em 2000.
Para a comprovação do exercício da atividade rural, a parte autora apresentou os seguintes documentos: sua certidão de casamento - 1962, onde seu marido está qualificado como lavrador (fl. 66) e a certidão de óbito dele, ocorrido no ano de 2003 onde consta que ele está aposentado sendo sua aposentadoria oriunda da atividade rural (fl. 67).
Contudo, os documentos colacionados não servem para comprovar o labor rural no período de carência por não estarem nele inseridos.
Assim, a certidão de casamento remonta ao ano de 1962, anterior, portanto, ao período de carência que se quer comprovar.
Ainda que assim não fosse, o benefício de aposentadoria por idade rural titularizado pelo seu falecido marido, teve início em 23/09/92. Ora, com a alteração da situação fática do seu cônjuge, a parte autora deveria apresentar, novo elemento de prova material para a comprovação do labor rural no período subsequente à modificação da situação do esposo, o que não ocorreu..
Considerando que o conjunto probatório foi insuficiente à comprovação da atividade rural pelo período previsto em lei, seria o caso de se julgar improcedente a ação, não tendo a parte autora se desincumbido do ônus probatório que lhe cabe, ex vi do art. 373, I, do CPC/2015.
Entretanto, o entendimento consolidado pelo C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973 é no sentido de que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito propiciando a parte autora intentar novamente a ação caso reúna os elementos necessários.
Por oportuno, transcrevo:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna, a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido". (REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Mantida a condenação da parte autora no pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso para desconstituir a sentença afastando a hipótese de extinção com fundamento na coisa julgada e, nos termos do artigo 1.013 do CPC, julgo extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural.
É COMO VOTO.
***/gabiv/.soliveir..
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. DOCUMENTOS NOVOS E NOVO PEDIDO ADMINISTRATIVO.INÍCIO DE PROVA MATERIAL INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. ARTIGO 1013 DO CPC.
1. Nas ações que versam sobre o benefício de aposentadoria por idade rural, esta Corte tem entendido que, caso a parte autora apresente novos documentos na segunda ação (que não foram utilizados na primeira ação), considera-se que houve inovação na causa de pedir, a afastar o reconhecimento da coisa julgada.
2. A parte autora promoveu novo pedido administrativo que deu ensejo ao ajuizamento de nova ação, instruída com novo documento, não havendo repetição de demanda já proposta anteriormente,
aplicando-se no caso sub examen o disposto no artigo 1.013 do CPC.3. A insuficiência de prova material apta a comprovar o exercício da atividade rural no período de carência caracteriza carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo a ensejar a sua
extinção
sem exame do mérito.4. Recurso provido para desconstituir a sentença e, com fulcro no artigo 1013 do CPC, julgar processo extinto sem resolução de mérito com fundamento no art. 485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso para desconstituir a sentença e, com fulcro no artigo 1013 do CPC, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
