
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014996-02.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: DORACI FREITAS FRANCESCHIN
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE HIROYUKI ISHIGAKI - SP220987-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014996-02.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: DORACI FREITAS FRANCESCHIN
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE HIROYUKI ISHIGAKI - SP220987-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A EXMA SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (Relatora): Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, declarando prescritas as parcelas anteriores ao quinquênio iniciado com a intimação da requerente sobre a irregularidade na concessão do benefício assistencial NB 88/560.276.980-0, ocorrida em 06/11/2018, e condenou o INSS e a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixou em R$ 1.000,00, para cada um, com fundamento no artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil, cuja execução, no caso da parte autora, fica suspensa em razão da gratuidade processual outrora concedida.
Em suas razões de apelação a parte autora alega, em síntese:
- que foi requerida a aplicação das disposições dos artigos 341, 411, 430 e 436, todos do CPC, visto que a falta de impugnação dos documentos por ela apresentados, traz, como consequência, a elevação à condição de verdade processual e aceitação dos mesmos, como presunção de veracidade;
- que ficou demonstrado que o protocolo de procedimento para a concessão do BPC era a consulta do cônjuge, de forma que era dever do servidor do INSS de constatar no CNIS ou no PESNOM a existência de renda do cônjuge, conforme declarou no processos disciplinar;
- que a concessão do benefício foi por erro do servidor, que não desempenhou o seu papel em analisar a declaração e os documentos (certidão de casamento), totalmente contrário ao que declarou nos processos disciplinares;
- que ela não concorreu e não participou para a ocorrência de qualquer fraude ou eventual irregularidade do benefício concedido, muito menos revelando sua má-fé;
- que apesar de ela não ter nenhum rendimento próprio, assinalou no formulário que era casada, assim como forneceu a certidão de casamento;
- que o Juízo se pauta no registro da escritura no Cartório de Registro de Imóveis, mas a aquisição do bem, no caso dos autos, se deu com a escritura lavrada em 19 de dezembro de 1994, o que demonstra que ela não residia na cidade de São Paulo, e pela escritura lavrada pelo 2º Tabelião de Notas da Comarca de Bragança Paulista demonstra claramente que ela morava na cidade de Bragança Paulista;
- que não detém discernimento de seus direitos, tanto que entendia que após os 65 (sessenta e cinco) anos poderia receber um benefício por ter contribuído para o RGPS e, inclusive, por não possuir qualquer conhecimento técnico e legal, foi convencida por terceiro, que se dizia especialista, a requerer o seu benefício previdenciário;
- que a todo momento agiu de boa-fé em todos os seus atos, que, quando requerimento do benefício, contava com 73 anos e 9 meses de idade, que os valores recebidos são de natureza alimentar, que tinha o condão de garantir sua sobrevivência digna e de sua família, não sendo admitida sua devolução, eis que são verbas irrenunciáveis, incompensáveis e impenhoráveis;
- que, diversamente do entendimento do Juízo, a boa-fé é presumida, ao passo que a má-fé deve ser comprovado, e em todo escorço processual não se acha sua má-fé;
- que é possível estimar o valor da causa para efeito de honorários advocatícios, uma vez que foi declarada a prescrição das parcelas anteriores ao quinquênio iniciado com sua intimação sobre a irregularidade na concessão do benefício assistencial NB 88/560.276.980-0, ocorrida em 6.11.2018; que basta somar as parcelas prescritas consoante o relatório simplificado acostado aos autos (ID 267091040 - PG 43 a 48); que não se trata de quantia irrisória, visto que há um proveito econômico cerca de ao menos metade do valor dado à causa, considerando que foram declaradas prescritas as parcelas anteriores a 11/2013, isto é, de 05/10/2006 (DIB) a 11/2013 - cerca de 7 anos contra 6 anos que subsiste a cobrança (11/13 a 05/19); e que o valor fixado de honorários não representa o resultado do percentual mínimo (10%), mas tão somente ínfimos 1,5% (um vírgula cinco cento) do valor do proveito econômico, calculado pela metade do valor dada à causa;
- que, em consonância com o artigo 85, § 2º, do CPC, deverá ser reformada a r. sentença com relação aos honorários de sucumbência.
Sem contrarrazões, subiram os autos a este Eg. Tribunal.
O órgão do Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso.
É O RELATÓRIO.
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5014996-02.2022.4.03.6183
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: DORACI FREITAS FRANCESCHIN
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE HIROYUKI ISHIGAKI - SP220987-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A EXMA SRA. JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LUCIANA ORTIZ (Relatora): Em razão de sua regularidade formal, recebo o(s) recurso(s), nos termos do artigo 1.011 do CPC/2015.
A presente ação foi proposta em outubro de 2022 visando a declaração de inexistência do débito de R$ 159.606,06, relativamente ao benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, que a parte autora teria recebido de forma irregular pelo período de 05/10/2006 a 31/05/2019.
Compulsando os autos, verifica-se que a suspensão do benefício e a consequente cobrança administrativa dos valores pagos pelo INSS se deu a partir da verificação de que a renda per capta do grupo familiar da parte autora seria superior ao limite legal, uma vez constatada a ausência de declaração sobre a composição da renda familiar. Confira-se (ID 290387887):
"Após as devidas análises, entendemos que houve concessão e manutenção irregular do benefício, tendo a mesma omitido a renda do cônjuge/companheiro na declaração de composição e renda familiar, o que criou uma falsa percepção da realidade e possibilitou a concessão fraudulenta do benefício aqui tratado, vez que se a mesma tivesse declarado a verdade, ou seja, que vivia sob o mesmo teto do cônjuge, o INSS teria verificado que a aposentadoria por ele recebida era impeditiva para a concessão do benefício, vez que a renda per capita familiar era superior ao limite de 1/4 do salário mínimo, motivo pelo qual devem os valores recebidos indevidamente serem devolvidos de acordo com os artigos 47, 48 e 49 do Decreto n.º 6.214/2007 , podendo o débito, inclusive, ser objeto de consignação na folha de pagamento do novo benefício."
Conforme entendimento da Corte Superior, objeto do Tema 979, a restituição dos valores recebidos de forma indevida seria legítima somente se o segurado, diante do caso concreto, não conseguisse comprovar sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, o que, como se viu, a parte autora logrou comprovar.
Cumpre considerar que o C. STJ distinguiu as situações em que o pagamento indevido decorre de interpretação errônea e/ou má aplicação da lei daquelas em que o pagamento equivocado deflui de erro (material ou operacional) da autarquia. No particular, merece especial destaque o seguinte trecho do voto da lavra do e. Ministro Benedito Gonçalves:
"Diferentemente das hipóteses anteriores (interpretação errônea e má aplicação da lei), onde o elemento objetivo é, por si, suficiente para levar à conclusão de que o segurado recebeu o benefício de boa-fé, assegurando-lhe o direito da não devolução do valor recebido indevidamente, a hipótese de erro material ou operacional deve ser analisado caso a caso, de modo a averiguar se o beneficiário/segurado tinha condições de compreender a respeito do não pertencimento dos valores recebidos, de modo a se lhe exigir comportamento diverso, diante do seu dever de lealdade para com a Administração Previdenciária."
Ou seja, em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição. Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de "despertar no beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento", conditio sinequa non para que a restituição seja devida.
A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
Como ensina Almiro do Couto e Silva, "A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (...). A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação" (COUTO E SILVA, Almiro. O Princípio da Segurança Jurídica (Proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus Próprios Atos Administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9784/99). Revista Eletrônica de Direito do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº2, abril/maio/junho, 2005, p. 3/4. Disponível em http://www.direitodoestado.com.br/artigo/almiro-do-couto-e-silva/o-principio-da-seguranca-juridica-protecao-a-confianca-no-direito-publico-brasileiro-e-o-direito-da-administracao-publica-de-anular-seus-proprios-at)
Convém mais uma vez citar o voto do e. Ministro Benedito Gonçalves, no qual Sua Excelência bem explica e exemplifica o que vem a ser um caso de erro administrativo que dá ensejo à repetição do indébito:
"Nesse contexto, é possível afirmar que há erros materiais ou operacionais que se mostram incompatíveis com a indispensável boa-fé objetiva, dando ensejo ao ressarcimento do indébito, situação que foi muito bem retratada no MS n. 19.260/DF, da relatoria do Ministro Herman Benjamin, DJe 3/9/2014, ao exemplificar uma situação hipotética de um servidor que não possui filhos e recebeu, por erro da Administração, auxílio natalidade."
Mencionado precedente obrigatório, em deferência ao princípio da segurança jurídica e com esteio no artigo 927, § 3°, do CPC, cuidou, ainda, de modular os efeitos da tese adotada, estabelecendo que, no que tange aos processos em curso no momento do mencionado julgamento, deve ser adotada a jurisprudência até então predominante.
Assim, a simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários. Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário.
No caso dos autos, ao julgar parcialmente procedente o pedido da autora, o juízo de primeiro grau considerou, em síntese, que a inserção de informações inverídicas no formulário de requerimento, associada à ausência de indícios mínimos de que os atos foram praticados por terceiro, sem o seu conhecimento, teria evidenciado má-fé da parte requerente, o que afastaria a decadência do direito de revisão do ato administrativo, nos termos do artigo 103-A da Lei 8.213/91, mas estariam prescritas as parcelas anteriores ao quinquênio iniciado com a intimação da parte requerente sobre a irregularidade na concessão do benefício assistencial, NB 88/560.276.980-0, ocorrida em 6.11.2018.
De fato, compulsando autos, vê-se que não restou caracterizado mero erro administrativo e nem a boa-fé objetiva da parte ré, considerando que a autora percebeu o benefício assistencial de forma indevida, apresentando documentação não comprobatória de suas alegações.
E nem se diga que a intermediação de terceiros para a concessão do benefício se traduza em presunção de boa-fé, vez que a fraude na referida concessão beneficiou diretamente a autora.
De outra forma, as alegações da parte autora sobre o dever de fiscalização do servidor do INSS ao CNIS, de que não concorreu para a fraude, de que tinha residência em Bragança Paulista, e não em São Paulo, e de que não tinha discernimento de seus direitos, também não são suficientes à comprovação de sua boa-fé. Ao contrário, comprovou-se pela apuração administrativa que ela vivia com seu esposo, que recebia valores superiores ao teto legal exigido para a concessão do benefício assistencial. Nesses autos, não foram apresentados documentos hábeis a rebater a conclusão de fraude e a autora se limita a sustentar o seu desconhecimento a respeito.
Desse modo, a devolução dos valores recebidos de forma indevida é medida que se impõe, não podendo ser aplicada aqui a tese firmada pelo STJ.
De outra forma, relativamente aos honorários advocatícios, com razão a parte autora em sua argumentação.
Tendo em conta que o INSS sucumbiu em parte do pedido, ele é o responsável pelo pagamento da verba referente ao período sucumbido, ou seja, o período prescrito. Nesse ponto, os honorários advocatícios a cargo do INSS deverão ser fixados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido, após o cálculo dos valores atingidos pela prescrição quinquenal, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC, mantendo-se o quanto fixado em desfavor da parte autora, no entanto, à míngua de recurso do INSS.
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para fixar os honorários advocatícios devidos à parte autora em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido.
É O VOTO.
/gabiv/jb
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL - DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS IRREGULARMENTE - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Conforme entendimento da Corte Superior, objeto do Tema 979, a restituição dos valores recebidos de forma indevida seria legítima somente se o segurado, diante do caso concreto, não conseguisse comprovar sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido, o que, como se viu, a parte autora logrou comprovar.
2. Cumpre considerar que o C. STJ distinguiu as situações em que o pagamento indevido decorre de interpretação errônea e/ou má aplicação da lei daquelas em que o pagamento equivocado deflui de erro (material ou operacional) da autarquia. Em casos de má aplicação ou interpretação errônea da lei, em regra, não cabe a restituição. Já nos casos em que o recebimento indevido decorre de erro material ou operacional autárquico, é preciso verificar se tal equívoco era capaz de "despertar no beneficiário inequívoca compreensão da irregularidade do pagamento", conditio sine qua non para que a restituição seja devida. A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
3. A simples má aplicação ou a interpretação equivocada da lei e o erro da Administração não autorizam, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários. Em casos tais, é imprescindível que seja comprovada a má-fé do beneficiário ou que seja ilidida a boa-fé da pessoa que recebeu de forma indevida o benefício previdenciário, a fim de obrigar o ressarcimento ao erário. A distinção entre os casos de cabimento (ou não) da restituição pelos segurados está de acordo com o princípio da segurança jurídica em suas duas dimensões: a objetiva, que é a segurança jurídica stricto sensu; e outra subjetiva, que é a proteção à confiança legítima.
4. Ao julgar parcialmente procedente o pedido da autora, o juízo de primeiro grau considerou, em síntese, que a inserção de informações inverídicas no formulário de requerimento, associada à ausência de indícios mínimos de que os atos foram praticados por terceiro, sem o seu conhecimento, teria evidenciado má-fé da parte requerente, o que afastaria a decadência do direito de revisão do ato administrativo, nos termos do artigo 103-A da Lei 8.213/91, mas estariam prescritas as parcelas anteriores ao quinquênio iniciado com a intimação da parte requerente sobre a irregularidade na concessão do benefício assistencial, NB 88/560.276.980-0, ocorrida em 6.11.2018. De fato, compulsando autos, vê-se que não restou caracterizado mero erro administrativo e nem a boa-fé objetiva da parte ré, considerando que a autora percebeu o benefício assistencial de forma indevida, apresentando documentação não comprobatória de suas alegações. E nem se diga que a intermediação de terceiros para a concessão do benefício se traduza em presunção de boa-fé, vez que a fraude na referida concessão beneficiou diretamente a autora. A devolução dos valores recebidos de forma indevida é medida que se impõe, não podendo ser aplicada aqui a tese firmada pelo STJ.
5. Tendo em conta que o INSS sucumbiu em parte do pedido, ele é o responsável pelo pagamento da verba referente ao período sucumbido, ou seja, o período prescrito. Nesse ponto, os honorários advocatícios a cargo do INSS deverão ser fixados em 10% sobre o valor do proveito econômico obtido, após o cálculo dos valores atingidos pela prescrição quinquenal, nos termos do artigo 85, § 2º, do CPC, mantendo-se o quanto fixado em desfavor da parte autora, no entanto, à míngua de recurso do INSS.
6. Recurso parcialmente provido.
