Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6173402-10.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal JOAO BATISTA GONCALVES
Órgão Julgador
9ª Turma
Data do Julgamento
18/06/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 23/06/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO
OCORRÊNCIA. ARTIGO 48, §§ 3.º E 4.º DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI
11.718/2008. OBSERVÂNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. COMPROVAÇÃO DA
ATIVIDADE DE RURÍCOLA E DO LABOR URBANO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- No caso do não preenchimento dos requisitos normativos para obtenção do benefício de
aposentadoria por idade rural, o § 3.º do artigo 48 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada
pela Lei n.º 11.718/2008, permite que, aos 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, o segurado
mescle o período de labor urbano ao tempo rural e vice-versa, para implementar a carência
mínima necessária e obter o benefício etário híbrido, calculado de acordo com o § 4.º do artigo
48.
- A atividade rural deve ser demonstrada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente a ensejar o reconhecimento do tempo de serviço na condição
de rurícola, circunstância que, somada ao período de trabalho urbano anotado em CTPS, autoriza
a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado. Apelações a que se nega provimento.
Acórdao
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6173402-10.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TEREZINHA DE MORAES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: FLAVIA VAZ RABELLO - SP262057-N, JEAN FERNANDO VIEIRA
- SP250761-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, TEREZINHA DE MORAES
Advogados do(a) APELADO: FLAVIA VAZ RABELLO - SP262057-N, JEAN FERNANDO VIEIRA -
SP250761-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6173402-10.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TEREZINHA DE MORAES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: FLAVIA VAZ RABELLO - SP262057-N, JEAN FERNANDO VIEIRA
- SP250761-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, TEREZINHA DE MORAES
Advogados do(a) APELADO: FLAVIA VAZ RABELLO - SP262057-N, JEAN FERNANDO VIEIRA -
SP250761-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a concessão de aposentadoria por idade a trabalhadora rural,
prevista no art. 143 da Lei n.º 8.213/91.
O juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido formulado, condenando o INSS a
reconhecer o labor rural de 01/01/1963 a 31/12/1982, bem assim para conceder à autora o
benefício de aposentadoria por idade híbrida, a partir 19/08/2017 (data em que autora completou
o requisito etário).
Foram opostos embargos de declaração pela parte autora, os quais foram rejeitados.
O INSS apela, requerendo, preliminarmente que “o Tribunal conheça da matéria referente ao
presente feito, em sede de remessa necessária.” No mérito, pleiteia a reforma da sentença,
sustentando, em síntese, o não cumprimento dos requisitos legaisnecessáriosà concessão em
questão.
A parte autora apresentou contrarrazões e recurso de apelação, requerendo a reforma parcial da
sentença, "apenas para ajustar a data de início do benefício para 10/11/2013 (data do
indeferimento administrativo)".
Sem contrarrazões do INSS, subiram os autos.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6173402-10.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 30 - DES. FED. BATISTA GONÇALVES
APELANTE: TEREZINHA DE MORAES, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) APELANTE: FLAVIA VAZ RABELLO - SP262057-N, JEAN FERNANDO VIEIRA
- SP250761-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, TEREZINHA DE MORAES
Advogados do(a) APELADO: FLAVIA VAZ RABELLO - SP262057-N, JEAN FERNANDO VIEIRA -
SP250761-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
No caso em apreço, o INSS, nas razões de apelação, requer, preliminarmente, que “o Tribunal
conheça da matéria referente ao presente feito, em sede de remessa necessária.”
Esclareça-senão ser caso de se ter submetida a decisão de 1.º grau ao reexame
necessário,considerando o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que
afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for
inferior a 1.000 salários mínimos.
Tempestivos os recursos e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao
exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
APOSENTADORIA POR IDADE (RURAL)
O benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural encontra-se disciplinado nos arts. 39,
inciso I; 48, §§ 1.º e 2.º; e 143 da Lei n.º 8.213/91.
Antes mesmo do advento da Lei de Benefícios, a Lei Complementar n.º 11, de 25 de maio de
1971, que instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, em seu art. 4.º dispunha que
a aposentadoria seria devida quando se completassem 65 anos de idade, cabendo a concessão
do benefício apenas ao respectivo chefe ou arrimo de família (parágrafo único).
Por sua vez, de acordo com o art. 5.º da Lei Complementar n.º 16/73, o trabalhador rural deveria
comprovar a sua atividade pelo menos nos três últimos anos anteriores à data do pedido do
benefício.
Referidos dispositivos não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988, que passou
para 60 anos, para homens, e 55, para mulheres, a idade mínima exigida para a concessão do
benefício (art. 201, § 7.º, inciso II), excluindo a exigência da condição de chefe de família.
Além do requisito etário (60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher), o trabalhador rural deve
comprovar o exercício de atividade rural, mesmo que descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do benefício.
O dispositivo legal citado deve ser analisado em consonância com o art. 142 da Lei de Benefícios.
Não se exige do trabalhador rural o cumprimento de carência (art. 26, inciso III), como o dever de
verter contribuição por determinado número de meses, senão a comprovação do exercício laboral
durante o período respectivo.
Vale dizer: em relação às contribuições previdenciárias, é assente, desde sempre, o
entendimento de serem desnecessárias, sendo suficiente a comprovação do efetivo exercício de
atividade no meio rural (STJ, REsp n.º 207.425, 5.ª Turma, j. em 21/9/1999, v.u., DJ de
25/10/1999, p. 123, Rel. Ministro Jorge Scartezzini; e STJ, RESP n. 502.817, 5.ª Turma, j. em
14/10/2003, v.u., DJ de 17/11/2003, p. 361, Rel. Ministra Laurita Vaz).
Noutro passo, com relação ao art. 143 da Lei n.º 8.213/91, a regra transitória assegurou aos
rurícolas o direito de requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15
(quinze) anos, contados da vigência da referida Lei.
Assim, o referido prazo expiraria em 25/7/2006.
Entretanto, em relação ao trabalhador rural enquadrado como segurado empregado ou como
segurado contribuinte individual, que presta serviços de natureza rural, em caráter eventual, a
uma ou mais empresas, sem relação de emprego, o aludido prazo foi prorrogado por mais 2
(dois) anos, estendendo-se até 25/7/2008, em face do disposto na MP n.º 312/06, convertida na
Lei n.º 11.368/06.
Posteriormente, a Medida Provisória n.º 410/07, convertida na Lei n.º 11.718/08, estabeleceu
nova prorrogação para o prazo previsto no art. 143 da Lei n.º 8.213/91, ao determinar, em seu art.
2.º, que “Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 43 da Lei n.º 8.213/91, de
24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010” (art. 2.º) e, em seu art.
3.º, que “Na concessão de aposentadoria por idade do empregado rural , em valor equivalente ao
salário mínimo, serão contados para efeito de carência: I - até 31 de dezembro de 2010, a
atividade comprovada na forma do art. 143 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991; II - de janeiro
de 2011 a dezembro de 2015, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 3 (três),
limitado a 12 (doze) meses, dentro do respectivo ano civil; e III - de janeiro de 2016 a dezembro
de 2020, cada mês comprovado de emprego, multiplicado por 2 (dois), limitado a 12 (doze)
meses dentro do respectivo ano civil”.
É de observar-se que, para os empregados rurais e contribuintes individuais eventuais, a regra
permanente do art. 48 da Lei n.º 8.213/91 continua a exigir, para concessão de aposentadoria por
idade a rurícolas, apenas a comprovação do efetivo exercício de "atividade rural, ainda que de
forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo
igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido",
consoante §§ 1.º e 2.º do referido dispositivo.
Essa comprovação do labor rural, nos termos dos arts. 48 e 143 da Lei de Benefícios, dar-se-á
por meio de prova documental, ainda que incipiente, e, nos termos do art. 55, § 3.º, da retrocitada
Lei, corroborada por prova testemunhal.
Acrescente-se que a jurisprudência de longa data vem atentando para a necessidade dessa
conjunção de elementos probatórios (início de prova documental e colheita de prova
testemunhal), o que resultou até mesmo na edição do verbete n.º 149 da Súmula da
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:”
"A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito
de obtenção do benefício previdenciário".
DO CASO DOS AUTOS
O requisito etário restou satisfeito, pois a parte autora completou a idade mínima para obtenção
do benefício de aposentadoria por idade rural em 19/08/2012, devendo fazer prova do exercício
de atividade rural por 180 meses.
Para demonstrar as alegações, juntou documentos, entre os quais destacam-se:
- Certidão de Batizado da autora em 05/10/1957;
- Declaração Escolar da Secretaria de Cultura de Cianorte/PR de que a autora estudou na Escola
Rural Municipal Tiradentes de 1967 a 1970, além de atas de exames escolares do 1.º ao 4.º ano
letivo de seus três irmãos (Claudio de Moraes, Clóvis de Moraes e Maria Conceição de Moraes),
Boletim de Notas, Boletim de Informações c/assinatura dos pais, controle de faltas,
comparecimento escolar e certificado escolar;
- Certidão de Casamento, celebrado em 31/01/1976, com a qualificação do cônjuge da autora
(Nilson Vaz Rabello) como lavrador e a profissão da demandante como lavradora. Insta salientar
que consta averbação da separação do casal em outra certidão (expedida em 31/10/2007);
- Certidão de nascimento da filha do casal (Flávia Vaz Rabello) em 11/01/1979 e respectiva
Carteira de Vacinação, ambas qualificando o pai como lavrador.
- Declaração do Sindicato Rural de Exercício de Atividade Rural de Cianorte, atestando que a
autora esteve filiada, laborando no campo nos períodos de 19/08/1969 a 31/12/1976 e de
01/01/1977 a 31/12/1979, em regime de economia familiar;
- Declaração de proprietário do imóvel rural (sítio de café) no quais a autora laborou, a saber: Sr.
Gabriel Sousa de Abreu, herdeiro do Sr. João Evangelista de Abreu, afirmando que a autora teria
trabalhado como “porcenteira agrícola”, em regime de economia familiar, na propriedade rural de
seu falecido pai, no período compreendido entre janeiro de 1977 e agosto de 1982, cultivando
lavoura cafeeira;
- Declaração da Sra. Orides Rosa da Silva, herdeira do Sr. Arlindo Rosa da Silva, no sentido que
a autora teria trabalhado como "porcenteira" na propriedade rural de seu falecido pai, no período
compreendido entre o início de 1965 e o final de 1976.
Cumpre mencionar que a exordial relata que a demandante e sua família mudaram para a cidade
de Indaiatuba/SP no final de 1982, passando a exercer trabalho urbano.
Cabe ressaltar a existência de prova oral.
O Termo da Audiência realizada no dia 25/09/2018, perante o MM. Juízo da 2.ª Vara Cível da
Comarca de Indaiatuba, Estado de São Paulo, perante o Juízo revela que “pela patrona da
requerente foi requerida a retificação da inicial nos seguintes termos: Requeiro a retificação de
folhas 02 quarto parágrafo, vez a que a autora iniciou os trabalhos aos 5 anos de idade no ano de
1962, estudando na escola rural e trabalhando na lavoura até o final de 1982, conforme
documento do sindicato rural de folhas 68 que comprova a filiação até os 25 anos, em 1982.”
As testemunhas declaram que conhecem a parte autora há bastante tempo e confirmam o
alegado labor rural.
Saliente-se que a testemunha OLANIRO LONGO declarou “que a autora trabalhava no sitio de
Arlindo Rosa, no cultivo de café. Que trabalhava com a família: pais e irmãos. Que, em 1981, o
depoente veio para Indaiatuba e não teve mais contato com a autora. Que se tratava de cultivo de
café. Que, depois de casada, a autora continuou trabalhando como rural com o esposo em outra
propriedade. Que a primeira filha do casal nasceu quando ainda estavam no Paraná. Que, pelo
que tem conhecimento, a autora trabalhou como rural até 1982. Que não tinham maquinários e
não tinham empregados. Que a autora frequentava a escola rural.” (ID n.º 105040031 - Pág. 1 –
g.n.).
Por sua vez, a testemunha APARECIDA TERARDI LONGO declarou que: “conheceu a autora em
1963, que ambas exerciam trabalho rural em municípios diferentes em Cianorte, no Paraná. Que
a autora trabalhava com os pais e morava no local. Que, em 1982, a autora veio para Indaiatuba.
A depoente veio no começo de 1981. Que a autora se casou no Paraná e continuou trabalhando
como rural com o esposo. Que estudava em escola rural. Que em Cianorte havia o sindicado
rural. Que como eram propriedades muito pequenas não trabalhavam com maquinários. Sem
reperguntas do INSS.” (ID n.º 105040032 - Pág. 1 - g.n.).
Por fim, a testemunha MARIA NEUSA BIASOTTO LONGO afirmou que “morava próximo ao sitio
onde trabalhava a autora na colheita de café, em Cianorte/PR. Que a autora trabalhava na
colheita de café junto com os pais. Que a autora frequentava a escola rural. Que a depoente saiu
de Cianorte e veio para Indaiatuba. Que a autora continuou como rural. Que Nilson era esposo da
depoente e também era rural. Que em Cianorte havia sindicado de trabalhador rural. Que a
autora também trabalhava com seus irmãos. Que a autora continuou trabalhando como rural
depois de casada. Que o primeiro filho do casal nasceu no Paraná. Que trabalhou como rural até
vir para Indaiatuba.” (ID n.º 105040033 - Pág. 1 - g.n.).
É inconteste o valor probatório dos documentos de qualificação civil, dos quais é possível inferir a
profissão exercida pela parte autora, à época dos fatos que se pretende comprovar.
E os documentos juntados constituem início de prova material, o que foi corroborado pela prova
testemunhal, confirmando a atividade campesina da parte autora até 1982.
Não se pode perder de vista que, de acordo com a CTPS juntada aos autos, a autora laborou em
atividades urbanas nos períodos de 03/01/1983 a 15/05/1984, de 08/02/1990 a 21/02/1996, de
01/04/1997 a 18/11/1998, de 18/10/1999 a 10/09/2003 e de 01/02/2007 até a ocasião da prolação
da sentença.
A anotação em CTPS da requerente, indicando que começou a trabalhar em atividade urbana em
03/01/1983, está em harmonia com os depoimentos das testemunhas, que declararam que a
autora trabalhou na lavoura até 1982.
Dessa forma, até o requerimento administrativo (10/11/2013), a autora não demonstrou o
exercício do labor rural no período de carência para a concessão do benefício vindicado (
aposentadoria rural por idade - artigo 48, § 1.º da Lei n.º 8.213/91).
Inviabilizada a concessão da aposentadoria por idade rural, MM. Juízo a quo analisou se a
demandante teria direito à aposentadoria por idade, na modalidade híbrida, prevista no art. 48, §§
3.º e 4.º, da Lei n.º 8.213/91, tendo em vista as peculiaridades do caso concreto.
Tenha-se presente que a possibilidade de flexibilização dos pedidos formulados nas exordiais
está em consonância com o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Veja-se:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR
IDADE HÍBRIDA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. ARTIGO 48, §§ 3º E 4º DA LEI
8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.718/2008. OBSERVÂNCIA. RECURSO
ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. A Lei 11.718/2008 introduziu no sistema previdenciário brasileiro uma nova modalidade de
aposentadoria por idade denominada aposentadoria por idade híbrida.
2. Neste caso, permite-se ao segurado mesclar o período urbano ao período rural e vice-versa,
para implementar a carência mínima necessária e obter o benefício etário híbrido.
3. Não atendendo o segurado rural à regra básica para aposentadoria rural por idade com
comprovação de atividade rural, segundo a regra de transição prevista no artigo 142 da Lei
8.213/1991, o § 3º do artigo 48 da Lei 8.213/1991, introduzido pela Lei 11.718/2008, permite que
aos 65 anos, se homem e 60 anos, mulher, o segurado preencha o período de carência faltante
com períodos de contribuição de outra qualidade de segurado, calculando-se o benefício de
acordo com o § 4º do artigo 48.
4. Considerando que a intenção do legislador foi a de permitir aos trabalhadores rurais, que se
enquadrem nas categorias de segurado empregado, contribuinte individual, trabalhador avulso e
segurado especial, o aproveitamento do tempo rural mesclado ao tempo urbano, preenchendo
inclusive carência, o direito à aposentadoria por idade híbrida deve ser reconhecido.
5. Recurso especial conhecido e não provido.
(RESP n.º 201300429921 e RESP n.º 1367479, ambos da 2.ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, DJE 10.09.2014).
No mesmo sentido, precedente desta Corte: “é de rigor que se aquilate a factibilidade de
aposentadoria por idade, com aproveitamento de tempos de labor rural e urbano. Possibilidade de
flexibilização na apropriação dos pedidos deduzidos nas exordiais, em razão da própria
hipossuficiência denotada pela parte autora, a mitigar-se o rigorismo próprio da legislação
processual, permitindo-se certa fungibilidade na valoração da prestação pleiteada.” (AC n.º
0028804-36.2017.4.03.9999/SP, 9.ª Turma, Rel. Des. Fed. Ana Pezarini, D.E. 15/08/2018).
Oportuno ainda mencionar: AC n.º 0031792-35.2014.4.03.9999/SP, 9.ª Turma, Rel. Des. Fed.
Marisa Santos - D.E. 28/02/2020.
APOSENTADORIA POR IDADE (HÍBRIDA)
É relevante destacar que, no presente caso, o Magistrado sentenciante concedeu à autora o
benefício de aposentadoria por idade híbrida (artigo 48, § 3.º da Lei n.º 8.213/91), reconhecendo
o período de trabalho rural de 01/01/1963 a 31/12/1982 (20 anos), aliado às referidas anotações
da seara urbana em CTPS.
Vale registrar que o Colendo Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a possibilidade de
cômputo do período laborado em atividade rural antes dos 14 anos de idade, por entender que “o
art. 7º, XXXIII, da Constituição não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou do
adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a
proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos”
(RE n.º 537.040, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 09/08/2011). E ainda: RE n.º 597.930, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, DJe de 25/05/2011; RE n.º 600.616, Rel. Min. Roberto Barroso, DJ de
10/09/2014; RE n.º 455.241.
Ainda que não fosse considerado o lapso temporal do labor campesino antes dos 14 anos de
idade na hipótese vertente, a autora faria jus à aposentadoria por idade híbrida, tendo em vista
que preenche os requisitos estabelecidos pelo artigo 48, § 3.º da Lei n.º 8.213/91, quais sejam:
idade (60 anos – em 19/08/2017) + 180 meses, compostos pela soma dos períodos de atividade
rural com os registros em CTPS de atividade urbana, que, por si só, já perfazem 19 anos, 08
meses e 01 dia, conforme bem ressaltou o Juiz a quo.
De rigor, portanto, a manutenção da sentença de deferimento do benefício de aposentadoria por
idade híbrida, porquanto comprovados os requisitos exigidos a tanto.
Cabe lembrar que a apelação da parte autora se restringe a requer a reforma sentença para
ajustar a data de início do benefício para 10/11/2013 (data do indeferimento administrativo), não
lhe assistindo razão, eis que a aposentadoria por idade híbrida só é possível após completar 60
anos, o que ocorreu em 2017.
O benefício etário híbrido será calculado de acordo com o § 4.º do artigo 48 da Lei n.º 8.213/91.
Devida a gratificação natalina, nos termos preconizados no art. 7.º, inciso VIII, da Constituição da
República.
A correção monetária das parcelas vencidas se dará nos termos da normatização de regência
(Lei n.º 6.899/1981 e legislação superveniente), bem como do Manual de Orientação de
Procedimentos para os cálculos na Justiça Federal, observado o decidido, sob a sistemática da
repercussão geral, no Recurso Extraordinário n.º 870.947, de 20/9/2017, sob relatoria do Ministro
Luiz Fux.
Fica afastada a incidência da Taxa Referencial (TR) na condenação, pois o Supremo Tribunal
Federal, ao apreciar embargos declaratórios no recurso extraordinário em questão, decidiu pela
não modulação dos efeitos.
Os juros moratórios são devidos à razão de 0,5% (meio por cento) ao mês, a contar da citação,
nos termos dos arts. 1.062 do Código Civil de 1916 e 240 do Código de Processo Civil. A partir da
vigência do novo Código Civil (Lei n.º 10.406/2002), deverão ser computados nos termos do
art.406 deste diploma, em 1% (um por cento) ao mês,nesse caso até 30/6/2009. A partir de 1.º de
julho de 2009, incidirão, uma única vez, até a conta final que servir de base para a expedição do
precatório, para fins de atualização monetária e de juros, os índices oficiais de remuneração
básica e de juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos do art. 1.º-F da Lei n.º
9.494/97, com a redação dada pela Lei n.º 11.960/2009(Repercussão Geral no RE n.º 870.947),
observada, quanto ao termo final da incidência, a tese firmada em Repercussão Geral no RE n.º
579.431, de 19/4/2017, Rel. Ministro Marco Aurélio.
Nos termos do art. 4.º, inciso I, da Lei Federal n.º 9.289/1996, o INSS está isento do pagamento
de custas processuais nas ações de natureza previdenciária ajuizadas nesta Justiça Federal,
assim como o está naquelas aforadas na Justiça do estado de São Paulo, por força do art. 6.º da
Lei Estadual n.º 11.608/2003, c. c. o art. 1.º, § 1.º, da mesma Lei n.º 9.289/1996, circunstância
que não o exime, porém, de arcar com as custas e as despesas processuais em restituição à
parte autora, em decorrência da sucumbência, na hipótese de pagamento prévio.
Já no que diz respeito às ações propostas perante a Justiça do estado de Mato Grosso do Sul, as
normativas que tratavam da aludida isenção (Leis Estaduais n.º 1.135/91 e n.º 1.936/98) restaram
revogadas a partir da edição da Lei Estadual n.º 3.779/09 (art. 24, §§ 1.º e 2.º), pelo que, nos
feitos advindos daquela Justiça Estadual, de rigor a imposição à autarquia previdenciária do
pagamento das custas processuais, exigindo-se o recolhimento apenas ao final da demanda,
caso caracterizada a sucumbência.
À vista do quanto previsto no art. 85 do Código de Processo Civil, sendo o caso de sentença
ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado na liquidação do julgado, com
observância ao disposto no inciso II do § 4.º, c. c. o § 11, ambos do art. 85 do CPC, bem como no
art. 86 do mesmo diploma legal.
Os honorários advocatícios incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência
(STJ, Súmula 111). Na hipótese em que a pretensão do segurado somente seja deferida em sede
recursal, a verba honorária incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão ou acórdão,
em atenção ao disposto no § 11 do art. 85 do CPC.
Posto isso, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento às apelações, fixando os
critérios dos consectários e determinando a incidência de verba honorária nos termos da
fundamentação, supra.
É o voto.
DECLARAÇÃO DE VOTO
A Exma. Sra. Desembargadora Federal Daldice Santana: O Desembargador Federal Batista
Gonçalves rejeitou a matéria preliminar e, no mérito, negou provimento às apelações, apenas
ajustando os critérios dos consectários e os honorários advocatícios.
Não obstante os judiciosos fundamentos expostos no voto, ouso apresentar divergência apenas
quanto à concessão de aposentadoria por idade híbrida, já que a aposentadoria por idade rural já
foi corretamente rejeitada pelo relator.
De fato, consoante se verifica da redação dos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8.213/91, a Lei n.
11.718/2008 introduziu nova modalidade de aposentadoria por idade, a qual permite ao segurado
somar períodos de trabalho rural e urbano para completar o tempo correspondente à carência
exigida, desde que alcançado o requisito etário de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se
homem, e 60 (sessenta), se mulher. É a denominadaaposentadoria por idade híbrida.
Não obstante, o fato é que a apreciação dos requisitos exigidos à concessão da aposentadoria
por idade híbrida configuraria julgamentoextra petita,consoante os termos dos artigos 141 e 492
do CPC.
Ao final das contas, tais artigos, que conformam o princípio da congruência, servem para proteger
um direito constitucionalmente protegido, que é o docontraditório e ampla defesa, haja vista que
decisõesultra petitaouextra petitaincorrem em violação das garantias constantes do artigo 5º, LIV
e LV, da Constituição Federal:
"LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"
"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;"
Com efeito, a autora requereu expressamenteaposentadoria por idade rural (segurado especial),
aduzindo tão-somente o exercício de trabalhos rurais e o implemento da idade reduzida de 55
(cinquenta e cinco) anos.
Nesse sentido, verifica-se que o pedido não poderia mesmo ser diferente, haja vista que no
requerimento administrativo de aposentadoria por tempo de contribuição (22/10/2013), a autora
não contava a idade mínima de 60 (sessenta) anos exigida dos segurados do sexo feminino à
concessão da aposentadoria híbrida.
Em verdade, a autora, nascida em 19/8/1957, só alcançou essa idade em19/8/2017, apenas 7
(sete) dias antes do ajuizamento da ação.
É impossível ignorar que a autora não requereu administrativamente o benefício de aposentadoria
por idade.
Nunca é demais lembrar que o pedido não poderia ser alterado depois do saneamento do
processo, sem o consentimento do réu, nos termos do art. 329, I e II, do CPC.
Em suma, a aposentadoria híbrida é benefício diverso que não pode ser apreciado, sobretudo
porque o INSS não pode se defender desse pleito, exsurgindo ofensa ao contraditório e à ampla
defesa.
Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de
advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados
em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do CPC,
suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo estatuto processual, por
tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.
Diante do exposto, anulo, de ofício, a sentença, no tocante à concessão de aposentadoria por
idade híbrida, por se tratar de julgamento extra petita, mantendo-se, no mais, a improcedência do
pedido de aposentadoria por idade rural, nos moldes da fundamentação do relator. Prejudicadas
as apelações.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO
OCORRÊNCIA. ARTIGO 48, §§ 3.º E 4.º DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI
11.718/2008. OBSERVÂNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. COMPROVAÇÃO DA
ATIVIDADE DE RURÍCOLA E DO LABOR URBANO. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS
PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
- No caso do não preenchimento dos requisitos normativos para obtenção do benefício de
aposentadoria por idade rural, o § 3.º do artigo 48 da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada
pela Lei n.º 11.718/2008, permite que, aos 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, o segurado
mescle o período de labor urbano ao tempo rural e vice-versa, para implementar a carência
mínima necessária e obter o benefício etário híbrido, calculado de acordo com o § 4.º do artigo
48.
- A atividade rural deve ser demonstrada por meio de início de prova material, aliada à prova
testemunhal.
- O conjunto probatório é suficiente a ensejar o reconhecimento do tempo de serviço na condição
de rurícola, circunstância que, somada ao período de trabalho urbano anotado em CTPS, autoriza
a concessão do benefício de aposentadoria por idade híbrida.
- Reconhecimento da procedência do pedido formulado. Apelações a que se nega provimento.
ACÓRDÃOVistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Nona Turma,
por maioria, decidiu rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento às apelações, nos
termos do voto do Relator, que foi acompanhado pela Juíza Federal Convocada Leila Paiva e
pela Desembargadora Federal Inês Virgínia (5º voto). Vencida a Desembargadora Federal
Daldice Santana, que anulava, de ofício, a sentença, no tocante à concessão de aposentadoria
por idade híbrida, por se tratar de julgamento extra petita, mantendo-se, no mais, a improcedência
do pedido de aposentadoria por idade rural, e julgava prejudicadas as apelações, no que foi
acompanhada pelo Desembargador Federal Gilberto Jordan (4º voto). Julgamento nos termos do
disposto no art. 942, caput e § 1º, do CPC , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
