Processo
AR - AÇÃO RESCISÓRIA / SP
5021144-27.2017.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES
Órgão Julgador
3ª Seção
Data do Julgamento
09/03/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/03/2020
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO: PRELIMINAR REJEITADA. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA.
ERRO DE FATO. PROVA NOVA. HIPÓTESES NÃO CONFIGURADAS.
I - A apreciação da presente ação rescisória dar-se-á em conformidade com as disposições do
atual Código de Processo Civil, porquanto ajuizada sob sua égide.
II - Segundo a jurisprudência da C. 3ª Seção desta Corte, na análise da ação rescisória, aplica-se
a legislação vigente à época em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão rescindenda. E
diferentemente não poderia ser, pois, como o direito à rescisão surge com o trânsito em julgado,
na análise da rescisória deve-se considerar o ordenamento jurídico então vigente.
III - O julgado rescindendo transitou em julgado em 29/04/2016 e a presente ação foi ajuizada em
02/11/2017, ou seja, dentro do prazo previsto no artigo 975 do CPC/2015.
IV - Se o autor realmente pretende apenas rediscutir o cenário fático-probatório do feito
subjacente, tal circunstância enseja a improcedência do pedido de rescisão do julgado, por não
se configurar uma das hipóteses legais de rescindibilidade, e não falta de interesse de agir, o que
envolve o mérito da ação. Preliminar rejeitada.
V - A violação à norma jurídica precisa ser manifesta, ou seja, evidente, clara e não depender de
prova a ser produzida no bojo da rescisória. Caberá rescisória quando a decisão rescindenda
conferir uma interpretação sem qualquer razoabilidade a texto normativo. Nessa linha, a Súmula
343 do STF estabelece que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei,
quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
tribunais". No entanto, o STF e o STJ têm admitido rescisórias para desconstituir decisões
contrárias ao entendimento pacificado posteriormente pelo STF, afastando a incidência da
Súmula.
VI - O julgado rescindendo concluiu que o início de prova material não foi corroborado por idônea
e robusta prova testemunhal e que os documentos trazidos são insuficientes à comprovação do
alegado labor rural pelo autor em todo o período pleiteado, ficando comprovado, apenas, o
exercício de atividade campesina no período de 01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a
31/12/1984.
VII - Com efeito, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática
de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova
admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser
complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
VIII - Consoante jurisprudência do C. STJ, é desnecessária a apresentação de prova documental
de todo o período pretendido, desde que o início de prova material seja corroborado por robusta
prova testemunhal, estendendo sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores à
data do documento apresentado.
IX - Ainda, o C. STJ firmou o entendimento de que a apresentação de prova material somente
sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação
é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova
testemunhal (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima,
Primeira Seção, DJe 5/12/2014).
X - No caso concreto, o julgado rescindendo expressamente considerou que a prova testemunhal
não possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, por se
revelar inidônea.
XI - Importante destacar, ainda, quanto ao período de labor rural reconhecido por esta Corte
Regional, que não pode ser utilizado para fins de carência, sob pena de afronta aoart. 55, da Lei
8.213/91.
XII - Forçoso concluir que, no caso dos autos, a violação a disposição de lei não restou
configurada, resultando a insurgência da parte autora de mero inconformismo com a valoração
das provas perpetrada no julgado rescindendo, que lhe foi desfavorável, insuficiente para justificar
o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui o artigo 966, inciso V, CPC/2015, que
exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma, hipótese ausente, in casu.
XIII - Há erro de fato quando o julgador chega a uma conclusão partindo de uma premissa fática
falsa; quando há uma incongruência entre a representação fática do magistrado, o que ele supõe
existir, e realidade fática. Por isso, a lei diz que há o erro de fato quando "a sentença admitir um
fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido". O erro de fato
enseja uma decisão putativa, operando-se no plano da suposição. Além disso, a legislação exige,
para a configuração do erro de fato, que "não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento
judicial sobre o fato". E assim o faz porque, quando se estabelece uma controvérsia sobre a
premissa fática adotada pela decisão rescindenda e o magistrado sobre ela emite um juízo, um
eventual equívoco nesse particular não se dá no plano da suposição e sim no da valoração, caso
em que não se estará diante de um erro de fato, mas sim de um possível erro de interpretação, o
qual não autoriza a rescisão do julgado, na forma do artigo 485, IX, do CPC, ou do artigo 966,
VIII, do CPC/2015. Exige-se, ainda, que (a) a sentença tenha se fundado no erro de fato - sem ele
a decisão seria outra -; e que (b) o erro seja identificável com o simples exame dos documentos
processuais, não sendo possível a produção de novas provas no âmbito da rescisória a fim de
demonstrá-lo.
XIV -No caso dos autos, o julgado rescindendo manifestou-se sobre o fato sobre o qual
supostamente recairia o alegado erro de fato - labor rural do autor, estando referido decisum
fundamentado nos documentos juntados aos autos subjacentes e na prova testemunhal
produzida em juízo, que não se revelou robusta e idônea.
XV - Logo, não há como acolher o pedido de rescisão do julgado fundado em erro de fato, em
função do quanto estabelecido no artigo 966, VII, do CPC, o qual, como visto, exige a inexistência
de pronunciamento judicial sobre o fato.
XVI - Em verdade, a pretexto se sanar um alegado erro de fato, o autor busca o reexame dos
fatos, documentos e provas já devidamente apreciados no decisum rescindendo, o que é inviável
em sede de rescisória.
XVII - Entende-se por documento novo aquele que a parte só teve acesso após o julgamento, não
se considerando novos os documentos que não existiam no momento do julgamento, já que o art.
485, VII, do CPC/73, aludia a documento "cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer
uso". Isso significa que tal documento já existia ao tempo da decisão rescindenda, mas que o
autor não teve acesso a ele. O documento (ou prova) deve, ainda, (a) comprovar um fato que
tenha sido objeto de controvérsia na ação em que proferida a decisão rescindenda; e (b) ser, por
si só, capaz de assegurar um resultado favorável na ação originária ao autor da ação rescisória.
O STJ tem elastecido tal hipótese de rescindibilidade nas rescisórias propostas por trabalhadores
rurais, com base no princípio in dubio pro misero, admitindo documentos já existentes antes da
propositura da ação originária. A ratio decidendi de tal entendimento é a condição social do
trabalhador rural (grau de instrução e, consequente, dificuldade em compreender a importância
da documentação, sendo a sua ignorância - e não a negligência ou desídia a causa da não
apresentação da documentação) - o que legitima a mitigação dessa exigência.
XVIII - No caso vertente, o requerente traz como prova nova a certidão expedida pela Justiça
Eleitoral, em 21/07/2017, onde ele está qualificado como lavrador (Id 1321740). É certo que,
diante das peculiaridades que envolvem as demandas previdenciárias ajuizadas pelos
trabalhadores rurais, deve-se mitigar o formalismo das normas processuais, reconhecendo-se a
possibilidade do “ajuizamento de nova ação pelaseguradasem que se possa falar em ofensa à
coisa julgada material”.
XIX - Nesse sentido, tem-se flexibilizado a exigência de demonstração de que o autor da
rescisória ignorava a existência dos documentos novos, ou de que deles não pode fazer uso no
momento oportuno, adotando a solução pro misero em favor daqueles que se encontram em
situação desigual à situação de outros trabalhadores, pessoas simples que desconhecem seus
direitos fundamentais, conforme precedentes oriundos desta Corte e do Eg. Superior Tribunal de
Justiça
XX - Contudo,é imperioso que a nova prova seja reputada idônea, capaz de configurar início de
prova material do labor rural, o que não é o caso dos autos. Em primeiro lugar, porque a certidão
está lastreada em informações produzidas unilateralmente pela parte, carecendo de valor
probatório. Em segundo lugar, como visto à saciedade, o início de prova material deve ser
complementado por idônea e robusta prova testemunhal, hipótese diversa dos autos onde restou
assentada a sua fragilidade.
XXI - Julgados improcedentes os pedidos de rescisão do julgado, fica prejudicada a análise do
pedido rescisório.
XXII - Vencida a parte autora, condeno-a ao pagamento da verba honorária, a qual fixo em R$
1.000,00 (mil reais), considerando que não se trata de causa de grande complexidade, o que
facilita o trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço. A
exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência
de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto no artigo 12, da Lei 1.060/50, e no artigo 98, § 3º, do CPC/15.
XXIII - Ação rescisória improcedente.
Acórdao
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº5021144-27.2017.4.03.0000
RELATOR:Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
AUTOR: VICENTE MATOZO
Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA -
SP139855-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021144-27.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
AUTOR: VICENTE MATOZO
Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA -
SP139855-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de ação
rescisória ajuizada em 02/11/2017,por Vicente Matozo, em face do julgado proferido nos autos do
processo nº 0023655-11.2007.403.9999 (Id 1321760), pela Eg. Oitava Turma, da relatoria da e.
Desembargadora Federal Tânia Marangoni, cujo trânsito em julgado se deu em 29/04/2016 (Id
1321784).
Nos autos da ação subjacente o ora autor pleiteou a concessão de aposentadoria por tempo de
serviço, com o reconhecimento de trabalho prestado pelo autor em atividade rural, no período
especificado na inicial de 01/09/1949 a 31/12/1978 e 01/04/1980 a 20/02/1989, para somados aos
vínculos empregatícios com registro em CTPS, propiciar o seu afastamento.
A sentença de primeiro grau julgou procedente o pedido para reconhecer o tempo de serviço rural
de 01/09/1949 a 31/12/1978 e de 01/04/1980 a 20/02/1989 e conceder a aposentadoria por
tempo de contribuição, nos termos do artigo 53, II, da Lei nº 8.213/91, com renda mensal de
100% (cem por cento) do salário-de-benefício. A decisão foi submetida ao reexame necessário e
o INSS recorreu.
Sobreveio decisão monocrática, de lavra da e. Desembargadora Federal Marianina Galante, que
deu parcial provimento ao reexame necessário e à apelação do INSS para para julgar
improcedente o pedido de aposentadoria por tempo de serviço e restringir o reconhecimento da
atividade campesina ao período de 01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a 31/12/1984, com
a ressalva de que os referidos interstícios não poderão ser computados para efeito de carência,
nos termos do §2º do art. 55, da Lei nº 8.213/91 ( Id 1321760).
Em face dessa decisão que restringiu o reconhecimento da atividade campesina ao período de
01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a 31/12/1984, julgando improcedente o pedido de
concessão de aposentadoria por tempo de serviço, o autor interpôs agravo, com fundamento no
artigo 557, §1º, do CPC, cujo julgado porta a seguinte ementa: Id 1321765
"PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO LEGAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE SERVIÇO. TEMPO RURAL. RECONHECIDO EM PARTE. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DECISÃO MANTIDA. RECURSO
IMPROVIDO.
I - Agravo legal interposto da decisão monocrática que restringiu o reconhecimento da atividade
campesina aos períodos de 01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a 31/12/1984, julgando
improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de serviço.
II - Sustenta o requerente que não se faz necessário, para a comprovação da atividade
campesina, que os documentos abarquem todo o período questionado, fazendo jus, assim, à
aposentadoria pleiteada. Pede, em juízo de retratação, que a decisão proferida seja reavaliada,
para dar provimento ao recurso e que, caso não seja esse o entendimento, requer que o presente
agravo seja apresentado em mesa.
III - Embora o agravante alegue a prestação de serviços rurais nos interstícios de 01/09/1949 a
31/12/1978 e de 01/04/1980 a 20/02/1989, os únicos documentos carreados são: a) certidão de
casamento realizado em 05/09/1970, atestando a sua profissão de lavrador (fls. 10); b) certidão
de nascimento de filho de 22/04/1971, indicando que a família reside no Bairro do Patrimônio (fls.
11); c) certidões de nascimento de filhos de 23/06/1972, 03/05/1975, 17/11/1977 e 14/05/1979,
todas apontando a sua profissão de lavrador (fls. 12/15); d) certificado de dispensa de
incorporação de 25/03/1974, informando que foi dispensado do serviço militar em 27/02/1974 e a
sua profissão de lavrador (fls. 19); e carteira de filiação junto ao Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Itaberá de 06/07/1984 (fls. 19), não restando demonstrado através de prova material, o
labor campesino durante toda aquela época, sendo inadmissível a prova exclusivamente
testemunhal para esse fim.
IV - A decisão monocrática com fundamento no art. 557, caput e § 1º-A, do C.P.C., que confere
poderes ao relator para decidir recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto,
intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal
Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê-lo ao órgão colegiado, não importa em infringência
ao CPC ou aos princípios do direito.
V - É assente a orientação pretoriana no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a
decisão do Relator, salvo na hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente
fundamentada, ou padecer dos vícios da ilegalidade e abuso de poder, e for passível de resultar
lesão irreparável ou de difícil reparação à parte.
VI - In casu, a decisão está solidamente fundamentada e traduz de forma lógica o entendimento
do Relator, juiz natural do processo, não estando eivada de qualquer vício formal, razão pela qual
merece ser mantida.
VII - Agravo improvido."
O autor opôs embargos de declaração (id 1321765), que foram rejeitados (Id 1321769 e
1321767).
Interpostos Recursos Extraordinário (Id 1321767) e Especial (id's 1321771/1321776), o primeiro
não foi admitido, tendo decorrido o prazo para interposição de agravo (Id 1321777) e o segundo
foi suspenso, com fulcro no artigo 543-C, do CPC/73 (Id 1321777).
Considerando o quanto decidido pelo Eg. STJ no REsp nº 1.348.633, com fundamento no artigo
543-C, §7º, inciso II, do CPC/73, os autos retornaram à Turma julgadora para verificação da
pertinência de se proceder a um juízo de retratação (Id 1321778).
A Eg. Oitava Turma, por unanimidade, em juízo de retratação, em julgado da relatoria da
Desembargadora Federal Tânia Marangoni, negou provimento ao agravo legal, mantendo o
acórdão por fundamento diverso, considerando a fragilidade da prova testemunhal, verbis:Id
1321779
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPETITIVO Nº 1.348.633/SP. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART.
543-C, § 7º, INC. II, DO CPC. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO.
TRABALHADOR RURAL. PROVA TESTEMUNHAL FRÁGIL. AGRAVO IMPROVIDO.
- No Recurso Especial nº 1.348.633/SP, o C. Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no
sentido de que é possível o reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento
mais antigo juntado como início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea.
- Reexaminados estes autos, tem-se que, a prova oral produzida é frágil e não autoriza a
conclusão de que o autor trabalhou como rurícola no período indicado na inicial, dado que as
testemunhas não são coesas, conforme se verifica da leitura dos depoimentos.
- Acórdão mantido por fundamento diverso.
- Agravo legal improvido."
O autor opôs embargos de declaração, os quais foram rejeitados (Id 1321783).
O Recurso Especial não foi admitido e, em 29/04/2016, o acórdão transitou em julgado (Id
1321784).
Vicente Matozo, ora autor, ingressou com a presente ação rescisória, sob o fundamento de que:
a) “o V. Acórdão proferido pela OITAVA TURMA DO EGRÉGIO Tribunal Regional Federal
Terceira Região de São Paulo acabou EM PARTE por ADMITIR FATO INEXISTENTE NOS
AUTOS, fundado em erro de fato, vez que considerou existir nos autos documentos esparsos os
quais não demostraram todo o labor pelo período questionado, quando na realidade existem nos
autos FARTA E ROBUSTA PROVA MATERIAL, hábil a caracterizar o trabalho rural efetivamente
exercido pelo autor para fins de concessão da APOSENTADORIA POR CONTRIBUIÇÃO”; b)
“que a R. DECISÃO acabou por violar literal disposição de lei, qual seja; os artigos ARTIGO 11,
INCISO I e 55 §3º DA LEI 8.213/91, BEM COMO ARTIGO 30, INCISO XIII DA LEI 8.212/91, UMA
VEZ QUE TENDO O AUTOR COMPROVADO o EFETIVO exercício de atividade rural QUE
SOMADO AO PERÍODO DE ATIVIDADE URBANA, implementou assim OS REQUISITOS para a
percepção do benefício DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO”; c) que deve
ser considerada prova nova apresentada nestes autos, a certidão expedida em 21/07/2016, onde
está qualificado como agricultor.
Forte nas razões expendidas, pede a desconstituição parcial do julgado com o reconhecimento do
labor rural exercido pelo autor também nos períodos de a) 13/09/1956 até 31/12/1969, b)
01/04/1980 até 31/12/1983; c) 01/01/1985 até 20/02/1989, com a consequente concessão do
benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
A decisão de Id 7420851 concedeu os benefícios da justiça gratuita e determinou a citação do
INSS.
O réu apresentou contestação (Id 12677710) e o autor apresentou sua réplica (Id 38555192).
Encerrada a instrução processual, as partes foram intimadas para apresentarem razões finais,
tendo o autor as apresentado (Id 95123174) e oINSS se quedado inerte.
O MPF - Ministério Público Federal manifestou-se pela improcedência da rescisória (Id
107526047).
É o breve relatório.
AÇÃO RESCISÓRIA (47) Nº 5021144-27.2017.4.03.0000
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
AUTOR: VICENTE MATOZO
Advogado do(a) AUTOR: JOSE CARLOS GOMES PEREIRA MARQUES CARVALHEIRA -
SP139855-N
RÉU: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA):Primeiramente,
insta dizer que a apreciação da presente ação rescisória dar-se-á em conformidade com as
disposições do atual Código de Processo Civil, porquanto ajuizada sob sua égide.
Friso que, segundo a jurisprudência da C. 3ª Seção desta Corte, na análise da ação rescisória,
aplica-se a legislação vigente à época em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão
rescindenda(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 11342 - 0015682-
14.2016.4.03.0000, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado por unanimidade
em 10/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/05/2018).
E diferentemente não poderia ser, pois, como o direito à rescisão surge com o trânsito em
julgado, na análise da rescisória deve-se considerar o ordenamento jurídico então vigente.
DA OBSERVÂNCIA DO PRAZO DECADENCIAL
Conforme relatado, o julgado rescindendo transitou em julgado em 29/04/2016 e a presente ação
foi ajuizada em 02/11/2017, ou seja, dentro do prazo previsto no artigo 975 do CPC/2015.
DA PRELIMINAR SUSCITADA PELO INSS
Sustenta a autarquia que o processo deve ser extinto sem julgamento do mérito, eis que a parte
autora pretende, apenas, a rediscussão do quadro fático-probatório do feito subjacente, o que
caracterizaria a sua falta de interesse de agir e violação ao enunciado 343 da Súmula do STF.
A preliminar não merece acolhimento.
Sucede que se o autor realmente pretende apenas rediscutir o cenário fático-probatório do feito
subjacente, tal circunstância enseja a improcedência do pedido de rescisão do julgado, por não
se configurar uma das hipóteses legais de rescindibilidade, e não falta de interesse de agir.
Por tais razões, rejeito a preliminar suscitada pelo INSS .
DA PRETENSÃO RESCISÓRIA
A requerente pleiteia, com base no artigo 966, incisos V, VII e VIII, todos do CPC/2015, a
desconstituição parcial do julgado rescindendo.
DO JUÍZO RESCINDENTE - VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 11, INCISO I E 55, §3º DA LEI 8.213/91
E 30, INCISO XIII, DA LEI 8.212/91. NÃO CONFIGURAÇÃO
Previa o art. 485, inciso V, do CPC/73, que "A sentença de mérito, transitada em julgado, pode
ser rescindida quando: [...] violar literal disposição de lei".
A melhor exegese de referido dispositivo revela que "O vocábulo "literal" inserto no inciso V do
artigo 485 revela a exigência de que a afronta deve ser tamanha que contrarie a lei em sua
literalidade. Já quando o texto legal dá ensejo a mais de uma exegese, não é possível
desconstituir o julgado proferido à luz de qualquer das interpretações plausíveis" (SOUZA,
Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília Jurídica.
2000. P. 380/381).
A violação à norma jurídica precisa, portanto, ser manifesta, ou seja, evidente, clara e não
depender de prova a ser produzida no bojo da rescisória. Caberá rescisória quando a decisão
rescindenda conferir uma interpretação sem qualquer razoabilidade a texto normativo. Nessa
linha, a Súmula 343 do STF estabelece que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais". O inciso V, do art. 966 do CPC/2015 - violação manifesta à norma
jurídica - guarda correspondência ao revogado dispositivo legal previsto no art. 485, inc. V, do
CPC de 1973.
No entanto, o STF e o STJ têm admitido rescisórias para desconstituir decisões contrárias ao
entendimento pacificado posteriormente pelo STF, afastando a incidência da Súmula.
Na petição inicial, a autora deduziu o seguinte:
"Neste caso, quando a Respeitável Decisão que pretende-se seja rescindida, REFORMOU A R.
SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, ONDE CONCEDIA A APOSENTADORIA POR TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO Á PARTE AUTORA, destarte, R. DECISÃO acabou por NEGAR VIGÊNCIA
AO TEOR DO ARTIGO 11, INCISO I e 55 §3º DA LEI 8.213/91, BEM COMO ARTIGO 30, INCISO
XIII DA LEI 8.212/91, VEZ QUE A PARTE AUTORA COMPROVOU o EFETIVO exercício de
atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao
requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência DO BENFÍCIO
REQUERIDO, implementando assim as condições para a percepção do benefício DE
APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO, NEGAR O BENEFÍCIO AO AUTOR
SERIA O MESMO QUE NEGAR VIGÊNCIA AO TEOR DOS ARTIGOS ACIMA MENCIONADOS.
Logo, mostra-se absolutamente comprovado o labor no meio campesino nos períodos de labor
rural declinados na inicial, que, data venia, merecem ser efetivamente reconhecidos, em sua
integralidade, quais sejam: A) 13/09/1956 até 31/12/1969, B) 01/04/1980 até 31/12/1983; C)
01/01/1985 até 20/02/1989, períodos esses que totalizam o tempo de 21 (vinte e um) anos 02
(dois) meses e 10 (dez) dias, que acrescido ao tempo já reconhecido de 27 anos 2 meses e 2
dias; teríamos uma somatória de 48 anos 04 meses e 12 dias tempos esse suficiente para a
concessão do benefício pleiteado pelo autor.
Com efeito, quanto aos referidos períodos, as testemunhas foram unânimes em corroborar a
prova documental, de forma cristalina e inquestionável, já que conheciam O RECORRENTE de
longa data, NÃO DEIXANDO QUALQUER DÚVIDA NO QUE DIZ RESPEITO A PROFISSÃO DE
RURÍCOLA POR ELE EXERCIDA, notadamente nos períodos RETRO DECLINADOS, deixando
claro que o RECORRENTE era LAVRADOR.
Urge ressaltar ainda que as provas testemunhais colhidas são harmônicas e convincentes e
foram fartamente corroboradas com prova material contundente, haja vista que foram
apresentados os documentos supra mencionados.
Assim, ao contrário do afirmado, é de se ter por razoável início de prova material da condição de
rurícola da recorrente em todos os períodos declinados na inicial, a demonstrar que a
aposentadoria por tempo de contribuição lhe é efetivamente devida.
Ressalta ainda a recorrente, que “o artigo 106 da Lei nº 8.213/91, apresenta um rol de
documentos que não configura “numerus clausus”, já que o "sistema processual brasileiro adotou
o princípio do livre convencimento motivado" (AC nº 94.03.025723-7/SP, TRF 3ª Região, Rel. Juiz
Souza Pires, Segunda Turma, un., DJ 23.11.94, p. 67691), cabendo ao Juízo, portanto, a
prerrogativa de decidir sobre a sua validade e a sua aceitação” (Processo 2003.03.99.033866-
5/SP AC 909500, TRF 3ª Região, Rel. Juiz Nelson Bernardes, Nona Turma, un., DJ 24.02.05, p.
472).
(...)
E mais, repisa-se, o início de prova material, exigido pelo § 3° do art. 55 da Lei n° 8.213/91, tal
como retro descrito, não significa que o segurado deverá demonstrar mês a mês, ano a ano, por
intermédio de documentos, o exercício de atividade na condição de rurícola, pois isto importaria
em se exigir que todo o período de trabalho fosse comprovado documentalmente, sendo de
nenhuma utilidade a prova testemunhal para demonstração do labor rural. O raciocínio é diverso,
bastando para o reconhecimento do tempo de serviço que se produza alguma prova documental
de trabalho rural, contemporânea ao lapso temporal que se pretende comprovar, sem
interpolação com atividade urbana, aliada à prova oral que indique, com segurança, o exercício
da atividade rurícola em todo o período discutido pelas partes.
Início de prova material, conforme a própria expressão o diz, não indica completude, mas sim
começo de prova, princípio de prova, elemento indicativo que permita o reconhecimento da
situação jurídica questionada, desde que associada a outros dados probatórios.
Sobre a extensão significativa da expressão "início de prova material", essa C Corte de Justiça
bem enfrentou a questão, não limitando o aproveitamento da prova material ao ano ou à data em
que foi produzido, conforme se verifica da seguinte ementa de aresto:
(...)
Por fim, verifica-se que o autor sempre laborou em atividades rurícolas desde tenra idade, cujo
computo do período de atividade rurícola anteriormente mencionado somada ao período
reconhecido e de atividade urbana, é suficiente para concessão do beneficio ora pleiteado."
Não há que se falar em violação literal aos dispositivos legais invocados.
O julgado rescindendo expressamente se manifestou sobre os documentos que instruíram a ação
subjacente e concluiu que o acervo probatório era insuficiente à comprovação do labor rural em
todo lapso temporal pretendido, consoante excerto que transcrevo:
"Analisando a decisão recorrida, verifico não ser caso de retratação, nos termos que seguem:
O pedido inicial é de concessão de aposentadoria por tempo de serviço, com o reconhecimento
de trabalho prestado pelo autor em atividade rural de 01/09/1949 a 31/12/1978 e de 01/04/1980 a
20/02/1989, para, somado aos vínculos empregatícios com registro em CTPS e aos
recolhimentos como contribuinte individual, propiciar a aposentação.
Para demonstrar o labor rural, a parte autora trouxe com a inicial:
- certidão de casamento realizado em 05/09/1970, atestando a sua profissão de lavrador (fls. 10);
- certidão de nascimento de filho de 22/04/1971, indicando que a família reside no Bairro do
Patrimônio (fls. 11);
- certidões de nascimento de filhos de 23/06/1972, 03/05/1975, 17/11/1977 e 14/05/1979, todas
apontando a sua profissão de lavrador (fls. 12/15);
- certificado de dispensa de incorporação de 25/03/1974, informando que foi dispensado do
serviço militar em 27/02/1974 e a sua profissão de lavrador (fls. 19); e - carteira de filiação junto
ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaberá de 06/07/1984 (fls. 19).
Foram ouvidas duas testemunhas a fls. 73 e 74. A primeira declara conhecer o autor há mais de
35 (trinta e cinco) anos e que trabalhava na lavoura. Informa que o requerente mudou-se para a
cidade em 1978 e que laborou por cerca de 02 (dois) anos na prefeitura e que, posteriormente
voltou a trabalhar no campo, citando, inclusive, algumas propriedades rurais. A segunda
testemunha aponta conhecer o autor há mais de 33 (trinta e três) anos e que trabalhava na
lavoura, como diarista, para vários proprietários rurais. Acrescenta que se mudou para a cidade e
passou a trabalhar na prefeitura em 1978 e que depois de 02 (dois) anos voltou a laborar como
boia-fria. Relata que prestou serviços campesinos até retornar para a prefeitura por 09 (nove)
anos.
A convicção de que ocorreu o efetivo exercício da atividade, com vínculo empregatício, de forma
avulsa ou em regime de economia familiar, durante determinado período, nesses casos, forma-se
através do exame minucioso do conjunto probatório, que se resume nos indícios de prova escrita,
em consonância com a oitiva de testemunhas.
In casu, a prova oral produzida é frágil e não autoriza a conclusão de que o autor trabalhou como
rurícola no período indicado na inicial, dado que as testemunhas não são coesas, conforme se
verifica da leitura dos depoimentos de fls. 73 e 74.
Assim é de ser mantido o acórdão de fls. 161/165."
O julgado rescindendo concluiu que o início de prova material não foi corroborado por idônea e
robusta prova testemunhal e que os documentos trazidos são insuficientes à comprovação do
alegado labor rural pelo autor em todo o período pleiteado, ficando comprovado, apenas, o
exercício de atividade campesina no período de 01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a
31/12/1984.
O entendimento suso está em consonância com o entendimento dos nossos tribunais.
Com efeito, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de
recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova
admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser
complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Logo, consoante jurisprudência do C. STJ, é desnecessária a apresentação de prova documental
de todo o período pretendido, desde que o início de prova material seja corroborado por robusta
prova testemunhal, estendendo sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores à
data do documento apresentado.
Ainda, o C. STJ firmou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre
parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é
mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal
(Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção,
DJe 5/12/2014).
No caso concreto, como visto, o julgado rescindendo expressamente considerou que a prova
testemunhal não possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos
autos, por se revelar inidônea.
Importante destacar, ainda, quanto ao período de labor rural reconhecido por esta Corte Regional,
que não pode ser utilizado para fins de carência, sob pena de afronta aoart. 55, 2°, da Lei
8.213/91:
"Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento,
compreendendo, além do correspondente àsatividades de qualquer das categorias de segurados
de que trata oart. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade desegurado:
§ 2° O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à datade início de vigência desta
Lei, será computado independentementedo recolhimento das contribuições a ele
correspondentes, exceto paraefeito de carência, conforme dispuser o Regulamento."
Evidente, assim, que o cômputo do labor rural, sem recolhimento das contribuições necessárias,
não pode ser utilizado para fins de carência quando se tratar do benefício de aposentadoria por
tempo de serviço/contribuição, como acertadamente destacado no julgado rescindendo.
Sendo assim, forçoso concluir que, no caso dos autos, a violação a disposição de lei não restou
configurada, resultando a insurgência da parte autora de mero inconformismo com a valoração
das provas perpetrada no julgado rescindendo, que lhe foi desfavorável, insuficiente para justificar
o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui o artigo 966, inciso V, CPC/2015, que
exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma, hipótese ausente, in casu.
DO JUÍZO RESCINDENTE: ERRO DE FATO. NÃO CARACTERIZAÇÃO
No que tange ao erro de fato, o requerente consignou que a decisão rescindenda não valorou
adequadamente o conjunto probatório dos autos porquanto, em verdade, os documentos que
instruíram a ação originária são suficientes à comprovação do labor rural nos períodos
declinados.
Sustenta que decisão rescindenda incorreu em erro de fato na valoração das provas, pois não
reconheceu que todo o período de labor campesino declarado na petição inicial foi provado.
Ora, aalegação do requerente não corresponde a um erro de fato.
Nos termos do artigo 485, IX, do CPC/1973, a decisão de mérito poderá ser rescindida nos casos
em que estiver "fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa".
O artigo 485, §1°, do CPC/73, esclarecia que há erro de fato "quando a sentença admitir um fato
inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido" e que "É
indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento
judicial sobre o fato" (CPC/73, art. 485, §2°).
Nesse mesma linha, o CPC/2015 dispõe, no artigo 966, VIII, que a "decisão de mérito, transitada
em julgado, pode ser rescindida quando: [...] for fundada em erro de fato verificável do exame dos
autos", esclarecendo o § 1o que "Há erro de fato quando a decisão rescindenda admitir fato
inexistente ou quando considerar inexistente fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em
ambos os casos, que o fato não represente ponto controvertido sobre o qual o juiz deveria ter se
pronunciado".
A interpretação de tais dispositivos revela que há erro de fato quando o julgador chega a uma
conclusão partindo de uma premissa fática falsa; quando há uma incongruência entre a
representação fática do magistrado, o que ele supõe existir, e realidade fática. Por isso, a lei diz
que há o erro de fato quando "a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar
inexistente um fato efetivamente ocorrido". O erro de fato enseja uma decisão putativa, operando-
se no plano da suposição.
Além disso, a legislação exige, para a configuração do erro de fato, que "não tenha havido
controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato". E assim o faz porque, quando se
estabelece uma controvérsia sobre a premissa fática adotada pela decisão rescindenda e o
magistrado sobre ela emite um juízo, um eventual equívoco nesse particular não se dá no plano
da suposição e sim no da valoração, caso em que não se estará diante de um erro de fato, mas
sim de um possível erro de interpretação, o qual não autoriza a rescisão do julgado, na forma do
artigo 485, IX, do CPC, ou do artigo 966, VIII, do CPC/2015.
E a distinção se justifica, pois o erro de fato é mais grave que o de interpretação. Quando o
magistrado incorre em erro de fato ele manifesta de forma viciada o seu convencimento (a
fundamentação da decisão judicial), o que não se verifica quando ele incorre em erro de
interpretação.
Não se pode olvidar, pois, que o dever de fundamentação ostenta status constitucional (art. 93,
IX, da CF/88). Daí porque o legislador considera nula a decisão judicial em que o convencimento
fundamentado for manifestado de forma viciada (erro de fato) e anulável o decisum em que a
fundamentação apresentada, embora juridicamente equivocada, tenha sido manifestada de forma
livre de vícios de vontade (erro de interpretação).
Por ser o erro de fato mais grave que o erro de interpretação é que se admite que o primeiro seja
sanado em sede de ação rescisória e o segundo apenas no âmbito de recurso.
Por fim, exige-se que (a) a sentença tenha se fundado no erro de fato - sem ele a decisão seria
outra -; e que (b) o erro seja identificável com o simples exame dos documentos processuais, não
sendo possível a produção de novas provas no âmbito da rescisória a fim de demonstrá-lo.
Sobre o tema, precisa a lição de Bernardo Pimentel Souza, a qual, embora erigida na vigência do
CPC/1973, permanece atual, considerando que o CPC/2015 manteve, em larga medida, a
sistemática anterior no particular:
Com efeito, além das limitações gerais insertas no caput do artigo 485, o inciso IX indica que só o
erro de fato perceptível à luz dos autos do processo anterior pode ser sanado em ação rescisória.
Daí a conclusão: é inadmissível ação rescisória por erro de fato, cuja constatação depende da
produção de provas que não figuram nos autos do processo primitivo.
A teor do § 2º do artigo 485, apenas o erro relacionado a fato que não foi alvo de discussão pode
ser corrigido em ação rescisória. A existência de controvérsia entre as partes acerca do fato
impede a desconstituição do julgado.
A expressão erro de fato" tem significado técnico-processual que consta do § 1 - do artigo 485:
"Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um
fato efetivamente ocorrido". Assim, o erro que pode ser corrigido na ação rescisória é o de
percepção do julgador, não o proveniente da interpretação das provas. Exemplo típico de erro de
fato é o ocorrido em sentença de procedência proferida tendo em conta prova pericial que não foi
produzida na ação de investigação de paternidade. Já a equivocada interpretação da prova não
configura erro de fato à luz do § 1- do artigo 485, não dando ensejo à desconstituição do julgado.
Apenas o erro de fato relevante permite a rescisão do decisum. É necessária a existência de nexo
de causalidade entre o erro de fato e a conclusão do juiz prolator do decisum rescindendo. Erro
de fato irrelevante não dá ensejo à desconstituição do julgado. (SOUZA, Bernardo Pimentel.
Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. Brasília: Brasília Jurídica. 2000. P. 386/387).
Oportuna, também, as lições da e. Desembargadora Federal Marisa Santos que, além de
sintetizar os pressupostos para a configuração do erro de fato, anota que, no mais das vezes, as
ações rescisórias fundadas em erro de fato pretendem, em verdade, a reanálise da prova:
Barbosa Moreira interpreta o dispositivo e dá os pressupostos para a configuração do erro de fato
"a) que a sentença nele seja fundada, isto é, que sem ele a conclusão do juiz houvesse de ser
diferente; b) que o erro seja apurável mediante o simples exame dos documentos e mais peças
dos autos, não se admitindo de modo algum, na rescisória, a produção de quaisquer outras
provas tendentes a demonstrar que não existia o fato admitido pelo juiz, ou que ocorrera o fato
por ele considerado inexistente; c) que "não tenha havido controvérsia" sobre o fato (§2º); d) que
sobre ele tampouco tenha havido "pronunciamento judicial" (§2°)".
[...]
São comuns ações rescisórias em matéria previdenciária fundamentadas em erro de fato. O que
normalmente acontece é que o fundamento é equivocado, com intuito de dar conotação de erro
de fato à apreciação das provas que não foi favorável ao autor. Como não há enquadramento
possível para pedir na rescisória a reanálise das provas, por não se tratar de recurso, tenta-se
convencer o Tribunal de que o juiz incorreu em erro de fato. (SANTOS, Marisa Ferreira dos.
Direito Previdenciário esquematizado - 8. ed - São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p. 800-801)
No caso dos autos, o julgado rescindendo manifestou-se sobre o fato sobre o qual supostamente
recairia o alegado erro de fato - labor rural do autor, estando referido decisum fundamentado nos
documentos juntados aos autos subjacentes e na prova testemunhal produzida em juízo, que não
se revelou robusta e idônea.
Logo, não há como acolher o pedido de rescisão do julgado fundado em erro de fato, em função
do quanto estabelecido no artigo 966, VII, do CPC, o qual, como visto, exige a inexistência de
pronunciamento judicial sobre o fato.
Nesse sentido tem se manifestado a jurisprudência da E. 3ª Seção desta C. Corte:
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSITIVO
DE LEI (ART. 59, LEI 8.213/91). ERRO DE FATO . VALORAÇÃO DE PROVA. CONTROVÉRSIA
ENTRE AS PARTES. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL SOBRE O FATO. LIVRE
CONVENCIMENTO MOTIVADO. RAZOABILIDADE. SOLUÇÃO JURÍDICA ADMISSÍVEL.
PARÂMETROS LEGAIS E JURISPRUDENCIAIS DE ÉPOCA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE LABORATIVA. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES
PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. IUDICIUM
RESCINDENS. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. VERBA HONORÁRIA. CONDENAÇÃO.
[...]
3. Para que seja reconhecido erro de fato , hábil à rescisão da coisa julgada, pressupõe-se que,
sem que tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato, o julgado tenha
admitido um fato inexistente ou considerado inexistente um fato efetivamente ocorrido, que tenha
influído de forma definitiva para a conclusão do decidido.
4. O erro de fato, necessariamente decorrente de atos ou documentos da causa, deve ser aferível
pelo exame do quanto constante dos autos da ação subjacente, sendo inadmissível a produção
de provas na demanda rescisória a fim de demonstrá-lo.
5. Tem-se por inexistente o alegado erro de fato , seja em decorrência da controvérsia entre as
partes quanto à suposta incapacidade laborativa do autor, seja porque houve pronunciamento
judicial expresso sobre o fato, não tendo sido reconhecido o direito ao benefício uma vez que o
perito médico judicial afirmou a inexistência de incapacidade laborativa, independentemente de
ter anotado a profissão de pedreiro do autor, tendo reconhecido apenas a existência de limitação
para "tarefas onde seja necessário manter o ombro elevado acima da linha média por longos
períodos". Anota-se que, em perícia médica realizada no âmbito desta ação rescisória, veio a ser
constatada incapacidade laborativa total e temporária cujo termo inicial foi fixado após a data da
realização do exame médico-pericial realizado na demanda subjacente.
[...] (TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 8523 - 0000801-
71.2012.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado por
unanimidade em 24/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/06/2018)
Em verdade, a pretexto se sanar um alegado erro de fato, o autor busca o reexame dos fatos,
documentos e provas já devidamente apreciados no decisum rescindendo, o que é inviável em
sede de rescisória.
Como visto, os fundamentos de fato e de direito trazidos pelo Autor quando do ajuizamento da
ação originária, foram objeto de controvérsia e pronunciamento judicial, impedindo a alegação de
ocorrência de erro de fato em juízo rescisório.
Não verificada a ocorrência de erro de fato, nos termos do artigo 966, VIII, do CPC, impõe-se a
improcedência do pedido de rescisão deduzido com esse fundamento.
DO JUÍZO RESCINDENTE: PROVA NOVA - ARTIGO 966, INCISO VIII, DO CPC/2015
O artigo 485, VII, do CPC/73 autorizava a rescisão do julgado quando "depois da sentença, o
autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por
si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável".
Na mesma linha, porém de forma mais ampla, o CPC/2015, autoriza a rescisão do julgado
quando "VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência
ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento
favorável". Qualquer prova nova (testemunhal, inspeção judicial, perícia, documento etc.) autoriza
a rescisória nesse caso.
Entende-se por documento novo aquele que a parte só teve acesso após o julgamento, não se
considerando novos os documentos que não existiam no momento do julgamento, já que o art.
485, VII, do CPC/73, aludia a documento "cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer
uso". Isso significa que tal documento já existia ao tempo da decisão rescindenda, mas que o
autor não teve acesso a ele.
A exigência da existência prévia da prova e a impossibilidade de a parte dele fazer uso por motivo
alheio à sua vontade é um freio ou contrapeso ao uso abusivo da prova nova, evitando-se, com
isso, uma reabertura, em sede de rescisória, da instrução processual. A novidade não diz
respeito, portanto, ao momento da formação da prova, mas sim ao acesso da parte a ela. Logo, a
prova inexistente quando da prolação da decisão rescindenda ou que não poderia ser produzida
no curso da ação originária não autoriza a rescisão do julgado.
Por isso, é preciso que o autor da rescisória comprove o momento da descoberta da prova nova.
Deve demonstrar que desconhecia a prova nova ou que não tinha acesso a ela.
O documento (ou prova) deve, ainda, (a) comprovar um fato que tenha sido objeto de
controvérsia na ação em que proferida a decisão rescindenda; e (b) ser, por si só, capaz de
assegurar um resultado favorável na ação originária ao autor da ação rescisória.
No caso vertente, o requerente traz como prova nova a certidão expedida pela Justiça Eleitoral,
em 21/07/2017, onde ele está qualificado como lavrador (Id 1321740).
É certo que, diante das peculiaridades que envolvem as demandas previdenciárias ajuizadas
pelos trabalhadores rurais, deve-se mitigar o formalismo das normas processuais, reconhecendo-
se a possibilidade do “ajuizamento de nova ação pelaseguradasem que se possa falar em ofensa
à coisa julgada material”.
Nesse sentido, tem-se flexibilizado a exigência de demonstração de que o autor da rescisória
ignorava a existência dos documentos novos, ou de que deles não pode fazer uso no momento
oportuno, adotando a solução pro misero em favor daqueles que se encontram em situação
desigual à situação de outros trabalhadores, pessoas simples que desconhecem seus direitos
fundamentais, conforme precedentes oriundos desta Corte e do Eg. Superior Tribunal de Justiça
Contudo,é imperioso que a nova prova seja reputada idônea, capaz de configurar início de prova
material do labor rural, o que não é o caso dos autos.
Em primeiro lugar, porque a certidão está lastreada em informações produzidas unilateralmente
pela parte, carecendo de valor probatório.
Em segundo lugar, como visto à saciedade,o início de prova material deve ser complementado
por idônea e robusta prova testemunhal,hipótese diversa dos autos onde restou assentada a sua
fragilidade.
DO JUÍZO RESCISÓRIO.
Julgados improcedentes os pedidos de rescisão do julgado, fica prejudicada a análise do pedido
rescisório.
DA SUCUMBÊNCIA
Vencida a parte autora, condeno-a ao pagamento da verba honorária, a qual fixo em R$ 1.000,00
(mil reais), considerando que não se trata de causa de grande complexidade, o que facilita o
trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço.
A exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto no artigo 12, da Lei 1.060/50, e no artigo 98, § 3º, do CPC/15.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, condenando a parte autora a arcar com o
pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, suspensa a sua cobrança, nos
termos do artigo 12 da Lei nº 1.060/50 e artigo 98, §5º, do CPC/2015.
É COMO VOTO.
/gabiv/...
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO: PRELIMINAR REJEITADA. APOSENTADORIA POR
TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA.
ERRO DE FATO. PROVA NOVA. HIPÓTESES NÃO CONFIGURADAS.
I - A apreciação da presente ação rescisória dar-se-á em conformidade com as disposições do
atual Código de Processo Civil, porquanto ajuizada sob sua égide.
II - Segundo a jurisprudência da C. 3ª Seção desta Corte, na análise da ação rescisória, aplica-se
a legislação vigente à época em que ocorreu o trânsito em julgado da decisão rescindenda. E
diferentemente não poderia ser, pois, como o direito à rescisão surge com o trânsito em julgado,
na análise da rescisória deve-se considerar o ordenamento jurídico então vigente.
III - O julgado rescindendo transitou em julgado em 29/04/2016 e a presente ação foi ajuizada em
02/11/2017, ou seja, dentro do prazo previsto no artigo 975 do CPC/2015.
IV - Se o autor realmente pretende apenas rediscutir o cenário fático-probatório do feito
subjacente, tal circunstância enseja a improcedência do pedido de rescisão do julgado, por não
se configurar uma das hipóteses legais de rescindibilidade, e não falta de interesse de agir, o que
envolve o mérito da ação. Preliminar rejeitada.
V - A violação à norma jurídica precisa ser manifesta, ou seja, evidente, clara e não depender de
prova a ser produzida no bojo da rescisória. Caberá rescisória quando a decisão rescindenda
conferir uma interpretação sem qualquer razoabilidade a texto normativo. Nessa linha, a Súmula
343 do STF estabelece que "Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei,
quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos
tribunais". No entanto, o STF e o STJ têm admitido rescisórias para desconstituir decisões
contrárias ao entendimento pacificado posteriormente pelo STF, afastando a incidência da
Súmula.
VI - O julgado rescindendo concluiu que o início de prova material não foi corroborado por idônea
e robusta prova testemunhal e que os documentos trazidos são insuficientes à comprovação do
alegado labor rural pelo autor em todo o período pleiteado, ficando comprovado, apenas, o
exercício de atividade campesina no período de 01/01/1970 a 31/12/1977 e de 01/01/1984 a
31/12/1984.
VII - Com efeito, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática
de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova
admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser
complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
VIII - Consoante jurisprudência do C. STJ, é desnecessária a apresentação de prova documental
de todo o período pretendido, desde que o início de prova material seja corroborado por robusta
prova testemunhal, estendendo sua eficácia tanto para períodos anteriores como posteriores à
data do documento apresentado.
IX - Ainda, o C. STJ firmou o entendimento de que a apresentação de prova material somente
sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação
é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova
testemunhal (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima,
Primeira Seção, DJe 5/12/2014).
X - No caso concreto, o julgado rescindendo expressamente considerou que a prova testemunhal
não possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, por se
revelar inidônea.
XI - Importante destacar, ainda, quanto ao período de labor rural reconhecido por esta Corte
Regional, que não pode ser utilizado para fins de carência, sob pena de afronta aoart. 55, da Lei
8.213/91.
XII - Forçoso concluir que, no caso dos autos, a violação a disposição de lei não restou
configurada, resultando a insurgência da parte autora de mero inconformismo com a valoração
das provas perpetrada no julgado rescindendo, que lhe foi desfavorável, insuficiente para justificar
o desfazimento da coisa julgada, a teor do que estatui o artigo 966, inciso V, CPC/2015, que
exige, para tanto, ofensa à própria literalidade da norma, hipótese ausente, in casu.
XIII - Há erro de fato quando o julgador chega a uma conclusão partindo de uma premissa fática
falsa; quando há uma incongruência entre a representação fática do magistrado, o que ele supõe
existir, e realidade fática. Por isso, a lei diz que há o erro de fato quando "a sentença admitir um
fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido". O erro de fato
enseja uma decisão putativa, operando-se no plano da suposição. Além disso, a legislação exige,
para a configuração do erro de fato, que "não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento
judicial sobre o fato". E assim o faz porque, quando se estabelece uma controvérsia sobre a
premissa fática adotada pela decisão rescindenda e o magistrado sobre ela emite um juízo, um
eventual equívoco nesse particular não se dá no plano da suposição e sim no da valoração, caso
em que não se estará diante de um erro de fato, mas sim de um possível erro de interpretação, o
qual não autoriza a rescisão do julgado, na forma do artigo 485, IX, do CPC, ou do artigo 966,
VIII, do CPC/2015. Exige-se, ainda, que (a) a sentença tenha se fundado no erro de fato - sem ele
a decisão seria outra -; e que (b) o erro seja identificável com o simples exame dos documentos
processuais, não sendo possível a produção de novas provas no âmbito da rescisória a fim de
demonstrá-lo.
XIV -No caso dos autos, o julgado rescindendo manifestou-se sobre o fato sobre o qual
supostamente recairia o alegado erro de fato - labor rural do autor, estando referido decisum
fundamentado nos documentos juntados aos autos subjacentes e na prova testemunhal
produzida em juízo, que não se revelou robusta e idônea.
XV - Logo, não há como acolher o pedido de rescisão do julgado fundado em erro de fato, em
função do quanto estabelecido no artigo 966, VII, do CPC, o qual, como visto, exige a inexistência
de pronunciamento judicial sobre o fato.
XVI - Em verdade, a pretexto se sanar um alegado erro de fato, o autor busca o reexame dos
fatos, documentos e provas já devidamente apreciados no decisum rescindendo, o que é inviável
em sede de rescisória.
XVII - Entende-se por documento novo aquele que a parte só teve acesso após o julgamento, não
se considerando novos os documentos que não existiam no momento do julgamento, já que o art.
485, VII, do CPC/73, aludia a documento "cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer
uso". Isso significa que tal documento já existia ao tempo da decisão rescindenda, mas que o
autor não teve acesso a ele. O documento (ou prova) deve, ainda, (a) comprovar um fato que
tenha sido objeto de controvérsia na ação em que proferida a decisão rescindenda; e (b) ser, por
si só, capaz de assegurar um resultado favorável na ação originária ao autor da ação rescisória.
O STJ tem elastecido tal hipótese de rescindibilidade nas rescisórias propostas por trabalhadores
rurais, com base no princípio in dubio pro misero, admitindo documentos já existentes antes da
propositura da ação originária. A ratio decidendi de tal entendimento é a condição social do
trabalhador rural (grau de instrução e, consequente, dificuldade em compreender a importância
da documentação, sendo a sua ignorância - e não a negligência ou desídia a causa da não
apresentação da documentação) - o que legitima a mitigação dessa exigência.
XVIII - No caso vertente, o requerente traz como prova nova a certidão expedida pela Justiça
Eleitoral, em 21/07/2017, onde ele está qualificado como lavrador (Id 1321740). É certo que,
diante das peculiaridades que envolvem as demandas previdenciárias ajuizadas pelos
trabalhadores rurais, deve-se mitigar o formalismo das normas processuais, reconhecendo-se a
possibilidade do “ajuizamento de nova ação pelaseguradasem que se possa falar em ofensa à
coisa julgada material”.
XIX - Nesse sentido, tem-se flexibilizado a exigência de demonstração de que o autor da
rescisória ignorava a existência dos documentos novos, ou de que deles não pode fazer uso no
momento oportuno, adotando a solução pro misero em favor daqueles que se encontram em
situação desigual à situação de outros trabalhadores, pessoas simples que desconhecem seus
direitos fundamentais, conforme precedentes oriundos desta Corte e do Eg. Superior Tribunal de
Justiça
XX - Contudo,é imperioso que a nova prova seja reputada idônea, capaz de configurar início de
prova material do labor rural, o que não é o caso dos autos. Em primeiro lugar, porque a certidão
está lastreada em informações produzidas unilateralmente pela parte, carecendo de valor
probatório. Em segundo lugar, como visto à saciedade, o início de prova material deve ser
complementado por idônea e robusta prova testemunhal, hipótese diversa dos autos onde restou
assentada a sua fragilidade.
XXI - Julgados improcedentes os pedidos de rescisão do julgado, fica prejudicada a análise do
pedido rescisório.
XXII - Vencida a parte autora, condeno-a ao pagamento da verba honorária, a qual fixo em R$
1.000,00 (mil reais), considerando que não se trata de causa de grande complexidade, o que
facilita o trabalho realizado pelo advogado, diminuindo o tempo exigido para o seu serviço. A
exigibilidade ficará suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência
de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto no artigo 12, da Lei 1.060/50, e no artigo 98, § 3º, do CPC/15.
XXIII - Ação rescisória improcedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Seção, por
unanimidade, decidiu julgar improcedente o pedido , nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
