
| D.E. Publicado em 05/07/2018 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargadora Federal Relatora
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001269-79.2015.4.03.6127/SP
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação do INSS tirada de sentença, não submetida ao reexame necessário, que, em autos de concessão de aposentadoria por idade, com aproveitamento de tempos de trabalho rural e urbano, julgou procedente o pedido e condenou a autarquia previdenciária a conceder o benefício à parte autora, desde o requerimento administrativo (18/02/2015 - fl. 24). Foram discriminados os consectários, fixados os honorários advocatícios à ordem de 10% sobre o valor da condenação e antecipados os efeitos da tutela (fls. 130/134).
Alega que a demandante não implementou a carência necessária à concessão do benefício, pois sua primeira vinculação ao RGPS ocorreu em 2005, não se aplicando, portanto, a tabela de transição do art. 142 da Lei de Benefícios. Subsidiariamente, sustenta a aplicabilidade da Lei n. 11.960/2009 quanto aos juros de mora e correção monetária e requer a fixação dos honorários advocatícios no percentual mínimo e o afastamento das astreintes. Prequestiona a matéria para fins recursais (fls. 141/157).
A parte apelada apresentou contrarrazões, oportunidade em que requereu a majoração da verba honorária para 15% sobre o valor da condenação (fls. 159/170).
Subiram os autos ao Tribunal.
VOTO
Inicialmente, afigura-se correta a não submissão da r. sentença à remessa oficial.
De fato, o artigo 496, § 3º, inciso I, do NCPC, que entrou em vigor em 18 de março de 2016, dispõe que não está sujeita ao reexame necessário a sentença em ações movidas contra a União Federal e respectivas autarquias e fundações e cujo direito controvertido não exceda mil salários mínimos.
No caso dos autos, considerando as datas do termo inicial do benefício (18/02/2015) e da prolação da sentença, quando houve a antecipação dos efeitos da tutela (30/09/2016), bem como o valor da benesse (R$860,87), verifico que a hipótese em exame não excede os mil salários mínimos.
Não sendo, pois, o caso de submeter o decisum de primeiro grau à remessa oficial, passo à análise do recurso autárquico, uma vez cumpridos os requisitos de admissibilidade previstos no diploma processual.
A modalidade de jubilamento postulado pela autoria vem consagrado no § 3º do artigo 48 da Lei nº 8.213/91, na dicção da Lei nº 11.718/2008, e é, tradicionalmente, denominado híbrido ou misto, haja vista a permissão legislativa quanto à contagem de tempo desempenhado em mister rural, em consórcio a outros interstícios contributivos atinentes a categorias de segurado diversas, de sorte a adimplir, com referido somatório, o lapso de carência, delimitado a partir da aplicação da tabela progressiva constante do artigo 142 da Lei nº 8.213/91. Quanto ao quesito etário, remanesce assinalado em 65 anos (homem) e 60 anos (mulher).
Ao prever tal espécie de aposentação, teve o legislador ordinário por fito salvaguardar os interesses dos exercentes de ofício rural que, em sua jornada profissional, de forma transitória ou permanente, vieram a galgar ocupações distintas, notadamente de natureza urbana, circunstância que, eventualmente, empecer-lhes-ia a outorga de aposentadoria por idade de trabalhador rural, relegando-os a verdadeiro limbo jurídico, à constatação de que desempenharam labor urbano por expressivo lapso temporal ou bem teriam abandonado a atividade campestre antes do atingimento etário ou da vindicação da benesse. É-lhes propiciada, nessa medida, a contabilização do tempo laboral desenvolvido no campo, ainda que de forma descontínua, conjugando-o ao afazer urbano, na busca do atendimento à carência legal. Desimporta, aqui, investigar-se do predomínio de atividades rurais no histórico laboral do requerente do benefício; tampouco, apurar-se se, quando da dedução do requerimento, o solicitante ainda estava a labutar no campo.
Vale ponderar, ainda, que, ao contrário do que sucede na aposentadoria por idade de trabalhador rural, na modalidade híbrida encontra aplicabilidade o artigo 3º, § 1º, da Lei nº 10.666/2003, mercê do qual a perda da qualidade de segurado, anteriormente ao atingimento da idade exigida, não é de molde a obstar a outorga do benefício, contanto que seja alcançada a carência exigida. Precedente deste Tribunal nesse diapasão: AC 00038436520164039999, Relator DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, TRF3, SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 23/06/2016.
Quanto à demonstração do labor rural, há de se operar à luz dos contornos arraigados na jurisprudência, tais os seguintes:
- é suficiente à demonstração do labor rural início de prova material (v.g., documentos expedidos por órgãos públicos que contemplem a qualificação rurícola da parte autora, não sendo taxativo o rol de documentos previsto no art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborado por prova testemunhal coesa e harmônica, sendo inservível a tal finalidade prova exclusivamente testemunhal (Súmula STJ 149), inclusive para os chamados "boias-frias" (REsp nº 1.321.493/PR, apreciado na sistemática do art. 543-C do CPC);
- são extensíveis à mulher, a partir da celebração do matrimônio ou do limiar da união estável, os documentos em que os cônjuges, ou conviventes, aparecem qualificados como lavradores (v.g., STJ, AGARESP 201402280175, Relatora Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJE 11/12/2014);
- possível o reconhecimento de tempo de serviço rural antecedente ou ulterior ao princípio de prova documental apresentado, desde que ratificado por testemunhos idôneos (STJ, REsp nº 1.348.633/SP, Relator Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. 28/08/2013, DJE 05/12/2014).
- indisputável a existência de início de prova material contemporâneo a, quando menos, quinhão do período rural por testificar-se (v. Súmula TNU 34; cf., também, RESP 201200891007, Relator Min. HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE 19/12/2012, apreciado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, donde se colhe ser dispensável que o princípio de prova documental diga respeito a todo o interregno a comprovar, admitindo-se que aluda, apenas, à parcela deste);
- tratando-se de aposentadoria híbrida, despiciendo quer o recolhimento de contribuições previdenciárias relativamente ao tempo rural invocado pela autoria, à moda do que sucede em sede de aposentadoria por idade de trabalhador rural (RESP nº1497086/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 06/04/2015), quer a demonstração do exercício da labuta campesina ao tempo da oferta do requerimento administrativo do benefício (AgRg no RESP 1.497.086/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, STJ - Segunda Turma, DJe 06/04/2015; RESP 201300429921, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, STJ - Segunda Turma, DJe 10/09/2014).
Ao caso dos autos, pois.
A requerente nasceu em 23/08/1941 (fl. 28), tendo, de conseguinte, ultimado o pressuposto idade em 2001, incumbindo-lhe demonstrar o exercício de atividades rurícola e urbana por, no mínimo, 120 meses.
No intuito de denotar a labuta campesina, sem registro em carteira, desenvolvida, consoante aduz, entre 09/1953 e 06/1974, a demandante trouxe à baila, entre outros, os seguintes documentos:
a) Certidão de Nascimento da filha Raquel Aparecida de Assis, ocorrido em 18/07/1963, em que o seu cônjuge exsurge qualificado como "lavrador" (fl. 54);
b) Certidão de Nascimento do filho Ribamar de Assis, ocorrido em 28/02/1965, em que seu cônjuge exsurge qualificado como "lavrador" (fl. 56);
c) Registro de Empregado do cônjuge da autora como "trabalhador rural" no período de 21/08/1972 a 30/06/1974 (fl. 49).
Nesse cenário, ressalto compreender extensível à esposa a qualificação de lavrador do marido, pelas especificidades da vida campesina, em que, usualmente, a mulher também se dedica ao ofício rural, quando este é desempenhado pelo cônjuge.
A testemunha Antenor Galdino da Silva informou que conhece a autora há cerca de 60 anos, da Fazenda Santa Teolinda, onde esta laborava desde, aproximadamente, os 10 anos de idade; que, após se casar, a requerente mudou-se para a Fazenda Santa Cecília e, posteriormente, para Mococa/SP; que a demandante trabalhava como serviços gerais (carpia café, apanhava café, carpia algodão); que a autora morava na fazenda com os pais e dois irmãos e que, além de trabalhar, frequentava a escola, localizada dentro da fazenda; que não sabe informar se a autora exerceu ofícios de natureza urbana.
Zélia da Silva declarou que conhece a requerente da Fazenda Teolinda; que a depoente residia próxima à referida propriedade e via a demandante indo trabalhar; que, nas safras, iam trabalhar no cafezal juntamente com os pais.
Por aí se vê que os testigos são coesos e harmônicos quanto à prestação de trabalho rural pela requerente, permitem concluir pelo desempenho dessa atividade entre 1953 e 1974.
Ademais, há, nos autos, cópia do Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição expedido pelo INSS, em nome da autoria (fl. 25), com registro de contrato de natureza urbana no período de 01/03/2005 a 18/02/2015, totalizando 120 contribuições.
Agregando-se o lapso de labor rural ora reconhecido ao interregno de serviço urbano que ecoa dos elementos carreados aos autos, ressai que a suplicante reúne tempo superior ao legalmente reclamado, sendo de rigor a acolhida do pleito inicial.
A título de esclarecimento, insta consignar que não procede, in casu, o argumento da autarquia previdenciária no sentido de que a autora precisaria cumprir um período de carência equivalente a 180 contribuições, nos termos do disposto pelo art. 25, II, da Lei de Benefícios. Isso porque, como visto, a autora já laborava como rurícola em período anterior à edição do referido diploma normativo, aplicando-se a ela, portanto, a norma transitória do art. 142.
Passo à análise dos consectários.
Cumpre esclarecer que, em 20 de setembro de 2017, o STF concluiu o julgamento do RE 870.947, definindo as seguintes teses de repercussão geral sobre a incidência da Lei n. 11.960/2009: "1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."
Assim, a questão relativa à aplicação da Lei n. 11.960/2009, no que se refere aos juros de mora e à correção monetária, não comporta mais discussão, cabendo apenas o cumprimento da decisão exarada pelo STF em sede de repercussão geral.
Nesse cenário, sobre os valores em atraso incidirão juros e correção monetária em conformidade com os critérios legais compendiados no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, observadas as teses fixadas no julgamento final do RE 870.947, de relatoria do Ministro Luiz Fux.
Conquanto imperiosa a mantença da condenação da autarquia em honorários advocatícios, esta deve ser fixada em percentual mínimo a ser definido na fase de liquidação, nos termos do inciso II do § 4º do artigo 85 do NCPC, observando-se o disposto nos §§ 3º, 5º e 11 desse mesmo dispositivo legal e considerando-se as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício (Súmula n. 111 do STJ).
No tocante à cominação de multa diária na sentença, para o caso de descumprimento da ordem direcionada à implantação do benefício no do prazo estipulado, entendo não haver óbice à sua cominação.
Isso porque o magistrado dispõe da faculdade de fixar as denominadas astreintes, a fim de compelir o réu ao cumprimento da decisão judicial, de conteúdo mandamental, sendo que referido instrumento deixa de operar assim que a ordem é acatada.
Há precedentes sobre o tema:
Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação federal ou a dispositivos constitucionais.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO para fixar os juros de mora e os honorários advocatícios nos termos da fundamentação, explicitando os critérios de correção monetária.
É como voto.
ANA PEZARINI
Desembargadora Federal Relatora
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