
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008175-14.2021.4.03.6119
RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: SUPERMERCADO VALDEVINO ALVES DE MELO & CIA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELANTE: ALONSO SANTOS ALVARES - SP246387-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
2ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008175-14.2021.4.03.6119
RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: SUPERMERCADO VALDEVINO ALVES DE MELO & CIA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELANTE: ALONSO SANTOS ALVARES - SP246387-A
APELADO: GERENTE EXECUTIVO DO INSS EM GUARULHOS, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM GUARULHOS//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado por Supermercado Valdevino Alves de Melo & Cia. Ltda. contra ato do Delegado da Receita Federal do Brasil em Guarulhos e do Gerente Executivo do Instituto Nacional do Seguro Social em Guarulhos objetivando, em síntese, a concessão da medida liminar “inaudita altera pars” com o fim de garantir (i) o afastamento de suas empregadas gestantes das atividades laborais, em razão da impossibilidade de realização de seu trabalho a distância, aplicando-se tal prerrogativa inclusive em relação às gravidezes vindouras durante o período de emergência e pandêmico, (ii) enquadrar como salário maternidade os valores pagos às empregadas gestantes afastadas enquanto durar o afastamento; e (iii) compensar (deduzir) o valor dos salários maternidade quando do pagamento das contribuições sociais previdenciárias, nos termos do artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91, artigo 94 do Decreto nº 3.048/99 e artigo 86 da Instrução Normativa RFB n. 971/09. Afirma que para mitigar a proliferação do novo coronavírus entre gestantes, o governo federal sancionou em 13/05/2021 a Lei nº 14.151/2021 dispondo acerca da obrigatoriedade de afastamento das empregadas gestantes de suas atividades presenciais, as quais deverão exercer suas funções à distância durante todo o período de emergência de saúde pública decorrente da COVID-19, sem prejuízo de sua remuneração. Entretanto, aduz que a nova legislação é omissa em relação ao afastamento das empregadas gestantes que não puderem realizar suas atividades a distância, bem como quanto ao responsável pelo pagamento da remuneração das empregadas gestantes. Aduz que existem atividades laborais que, por sua natureza, não admitem a sua prestação de forma não presencial, como é o caso das atividades desenvolvidas pela Impetrante, sendo certo, portanto, que não há atividade que possam ser realizadas a distância, nos termos da Lei n. 14.151/21. Defende que atribuir a responsabilidade ao empregador pela remuneração das empregadas gestantes, durante todo o período de pandemia, sem que estejam à disposição para o trabalho, violaria, além do disposto nos artigos 196, 201, II, e 227 da CF e na Convenção n° 103 da OIT, que estabelecem que é responsabilidade do Estado a proteção à maternidade, o princípio da igualdade, estimulando tratamento discriminatório. Argumenta ainda que, em situação semelhante, a Receita Federal do Brasil, por meio da Solução de Consulta Cosit n. 287, de 14.10.2019, ratificada pela Solução de Consulta Disit n. 4.017, de 03.05.2021, concluiu, a despeito de inexistir previsão expressa na legislação previdenciária, pela transferência do ônus da remuneração ao Estado por meio da percepção do salário maternidade em favor da empregada gestante que estava impossibilitada de realizar suas atividades presenciais em razão da insalubridade do ambiente de trabalho.
Sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, na forma do artigo 485, VI, do Código de Processo Civil, em razão da ausência de interesse processual, com revogação da liminar concedida. O pagamento das custas é devido pela impetrante. Sem condenação em honorários advocatícios, nos moldes do artigo 25 da Lei n. 12.016/2009.
Apelação (Impetrante): REQUER a reforma da r. sentença a fim de reconhecer a existência de interesse processual e conceder integralmente a segurança para que a remuneração das funcionárias gestantes afastadas do serviço presencial em decorrência da Lei nº 14.151/2021 seja convertida em salário-maternidade a ser custeado pelo INSS, considerando o que dispõem os artigos 72 da Lei nº 8.213/91, o § 3º do Art. 394-A da CLT, bem como o entendimento exarado pela Suprema Corte nos autos do RE 576967/PR.
Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
Manifestação do Ministério Público Federal pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008175-14.2021.4.03.6119
RELATOR: Gab. 05 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: SUPERMERCADO VALDEVINO ALVES DE MELO & CIA LTDA - EPP
Advogado do(a) APELANTE: ALONSO SANTOS ALVARES - SP246387-A
APELADO: GERENTE EXECUTIVO DO INSS EM GUARULHOS, DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM GUARULHOS//SP, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal COTRIM GUIMARÃES (Relator): Do dispositivo da r. sentença, verifica-se que o processo foi extinto sem resolução do mérito com fundamento no artigo 485 inciso VI do CPC, diante da conclusão pela inexistência de interesse processual. Constata-se ainda, que partiu da premissa de que há previsão legal que impõe ao empregador o dever de afastamento das empregadas gestantes do serviço presencial.
Entendo que se trata de caso em que deve ocorrer a reforma da r. sentença, uma vez que esta não adentrou efetivamente às razões que ensejaram a impetração, isto é, não considerou as omissões deixadas pela Lei nº 14.151/2021.
Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que o que pretende a impetrante, ora apelante, com o presente mandamus é a concessão da ordem para que a remuneração das funcionárias gestantes afastadas do serviço presencial em decorrência da Lei nº 14.151/2021 seja convertida em salário-maternidade a ser custeado pelo INSS.
Isso porque a Lei nº 14.151/2021, ao determinar que as funcionárias gestantes devem ser afastadas do trabalho presencial durante o período de calamidade pública sem prejuízo de sua remuneração, não consignou que a remuneração deve ocorrer pelo Estado, gerando a transferência do encargo financeiro para o Apelante.
Assim, pretende que feita a análise da questão à luz do que dispõe o artigo 72 da Lei nº 8.213/91, o qual estabelece que é possível ao empregador realizar a dedução sobre as contribuições incidentes na folha de salário no caso de arcar com a remuneração da trabalhadora afastada.
Por outro lado, entende que deverá ser observado também o § 3º do Art. 394-A da CLT, que preconiza que o empregador deverá afastar a gestante caso esta não possa exercer suas funções de forma presencial, o que ensejará o direito desta a percepção ao salário maternidade a ser custeado pelo INSS.
Afastada a referida tese, resta analisar se este tribunal pode julgar desde logo a lide. É cediço que o artigo 1.013, §3º, I, do Novo Código de Processo Civil permite que o tribunal, no julgamento contra uma sentença terminativa, passe ao julgamento definitivo do mérito da ação, desde que preenchido os requisitos estabelecidos na lei adjetiva:
"Art. 1.013. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(...)
§ 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:
I – reformar sentença fundada no art. 485;”
No caso em apreço, os pontos levantados pelo impetrante já foram objeto de manifestação da parte contrária e a controvérsia instaurada se encontra em condições de imediato julgamento, de maneira que a forma adotada não trará nenhum prejuízo e privilegiará a celeridade processual.
DO MÉRITO
A concessão do salário maternidade deve observar os requisitos previstos em lei.
A Lei nº 14.151/21 dispôs sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, nos seguintes termos:
Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
A lei apenas determinou o afastamento da empregada gestante das atividades presenciais, durante o estado de emergência em saúde pública decorrente do novo coronavírus, sem prejuízo de sua remuneração e concedeu ao empregador a possibilidade de readequar as funções exercidas pela trabalhadora em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
A extensão do salário-maternidade para a hipótese abrangida pela lei em questão depende de lei específica, nos termos do art. 195, § 5º, da Constituição, sendo necessária a previsão da fonte de custeio total do benefício, visando preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema.
Ressalto que uma vez que o legislador não previu o salário maternidade para o caso em apreço, não se afigura recomendável a concessão do benefício pelo Poder Judiciário, mormente quando proposta de emenda tendente a considerar o afastamento como gravidez de alto risco para fins de recebimento de salário maternidade foi afastada pelo Poder Legislativo.
O afastamento com base no artigo 394-A da CLT também não é adequado à hipótese tratada nos autos.
O referido dispositivo assim dispõe:
Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)
III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)
§ 3o Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento
Nesse contexto, a empregada deverá ser afastada de atividades consideradas insalubres enquanto durar a gestação e caso não seja possível o exercício de suas atividades em local salubre na empresa, ensejará a concessão do salário maternidade durante o afastamento em virtude da gravidez de risco.
A previsão em comento é aplicável para locais insalubres apenas e o requerimento do salário maternidade ao INSS deve ser formulado com base nesse fundamento.
No caso dos autos, apesar do risco maior a que se sujeita a gestante exposta ao coronavírus, não se trata de insalubridade do ambiente de trabalho em si, mas de diminuir o risco de contágio em virtude do contato com outras pessoas nesse ambiente.
Por outro lado, a compatibilidade ou não do trabalho remoto com a atividade da gestante é matéria a ser dirimida na Justiça do Trabalho.
Assim, tendo em consideração os fundamentos jurídicos no sentido da possibilidade de ocorrência de AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA PRECEDÊNCIA DA FONTE DE CUSTEIO E DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL, bem como ao PRINCÍPIO DA SEPERAÇÃO DE PODERES, em virtude do acolhimento do pleito apelante para que um benefício previdenciário seja estendido, sem base legal alguma, para alcançar hipóteses não expressamente previstas, pelo Poder Judiciário, o qual não pode decidir com base em valores jurídicos abstratos (LINDB, art. 20) como o Princípio da Solidariedade, desconsiderando os efeitos práticos altamente deletérios para a Previdência Social de pretensões como a da apelante, é o caso de indeferimento da medida pleiteada.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação, para reformar a r. sentença, reconhecendo que há flagrante interesse processual da Apelante na demanda, seja por conta da vasta legislação/jurisprudência que corroboram com a tese exposta, seja pela manifestação expressa da Apelada nos autos pleiteando a denegação da segurança, em clara demonstração de que com a extinção do feito seguirá impondo aos empregadores o ônus de custeio da remuneração das empregadas gestantes afastadas do serviço presencial, mas denego a segurança quanto ao mérito, nos termos da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. AFASTAMENTO. CAUSA MADURA. JULGAMENTO NOS TERMOS DO ARTIGO 1.013, § 3º, INCISO III DO CPC. COVID-19. GESTANTES. AFASTAMENTO. LEI 14.151/21. EXTENSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DO SALÁRIO-MATERNIDADE SEM BASE LEGAL PARA ALCANÇAR HIPÓTESES NÃO EXPRESSAMENTE PREVISTAS. IMPOSSIBILIDADE.
1. Causa madura. Julgamento de mérito nos termos do art. 1.013, § 3º, inciso III, do CPC.
2. Tendo em consideração os fundamentos jurídicos no sentido da possibilidade de ocorrência de AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA PRECEDÊNCIA DA FONTE DE CUSTEIO E DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO E ATUARIAL, bem como ao PRINCÍPIO DA SEPERAÇÃO DE PODERES, em virtude do acolhimento do pleito apelante para que um benefício previdenciário (salário-maternidade) seja estendido, sem base legal alguma, para alcançar hipóteses não expressamente previstas, pelo Poder Judiciário, o qual não pode decidir com base em valores jurídicos abstratos (LINDB, art. 20) como o Princípio da Solidariedade, desconsiderando os efeitos práticos altamente deletérios para a Previdência Social de pretensões como a da apelante, não deve ser concedida a medida pleiteada.
2 - Apelação parcialmente provida.
