Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0035389-07.2017.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO
Órgão Julgador
10ª Turma
Data do Julgamento
29/06/2021
Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 02/07/2021
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. COBRANÇA DE VALORES
SUPOSTAMENTE RECEBIDOS DE FORMA INDEVIDA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ERRO
EXCLUSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. TEMA 979 DO STJ. BOA-FÉ DA BENEFICIÁRIA.
PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
I - Nos termos do art. 1.022, do CPC, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão
judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou questão
sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; corrigir erro material.
II – O Superior Tribunal de Justiça afetou ao rito dos recursos especiais repetitivos a questão
atinente à devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário,
por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração Previdenciária
Social (tema 979, REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro Benedito Gonçalves), estabelecendo que
“na análise dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a presença da boa fé do
segurado concernente à sua aptidão para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do
pagamento”, ressaltando a necessidade de existir, além do caráter alimentar da verba e do
princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquela que recebe
parcelas tidas por indevidas pela administração.
III – No caso em tela, no momento do requerimento administrativo a parte autora preencheu o
formulário apontando a renda proveniente do benefício recebido pelo marido; entretanto, a própria
Autarquia, nos autos do procedimento administrativo de apuração de irregularidades, informou
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
acreditar que, por falta de atenção do servidor responsável pela análise, ainda, assim tal benefício
acabou por ser concedido indevidamente.
IV - Patente a boa-fé da autora, já que jamais omitiu a renda proveniente da aposentadoria
recebida por seu cônjuge, informação, ademais, acessível à Autarquia por meio de seus
sistemas, inclusive em razão da presunção de legitimidade que milita a favor do ato administrativo
de concessão do benefício.
V - Os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem
respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores
jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis
ao caso em tela.
VI - Embargos de Declaração do INSS rejeitados.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0035389-07.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA LUIZA DOMICIANO
Advogado do(a) APELADO: JULIANA ANTONIA MENEZES PEREIRA - SP280011-N
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0035389-07.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
EMBARGANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMBARGADO: ACÓRDÃO ID Num. 117432152 - Pág. 49/53
INTERESSADO: MARIA LUIZA DOMICIANO
Advogado do(a) INTERESSADO: JULIANA ANTONIA MENEZES PEREIRA - SP280011-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sérgio Nascimento (Relator): Trata-se de embargos
declaratórios tempestivamente opostos pelo INSS em face acórdão proferido por esta Décima
Turma que, à unanimidade, negou provimento à sua apelação.
Alega o embargante que o entendimento consignado no julgado desta Turma não pode
prevalecer, ante a omissão existente quanto à necessidade de devolução pelo beneficiário de
quantias recebidas indevidamente, independentemente da boa-fé. Aduz, outrossim, a existência
de omissão também diante dos artigos 876, 884 e 885, do Código Civil, bem como do artigo 115
da Lei n. 8.213/91. Defende o não cabimento da alegação de irrepetibilidade da verba alimentar
e a ineficácia da alegação de boa fé no recebimento da prestação assistencial. Argumenta, por
fim, que para ter acesso aos Tribunais Superiores, via recurso constitucional, é necessário o
prévio prequestionamento da matéria.
Intimada a parte autora, não foi apresentada manifestação ao recurso.
É o relatório.
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região10ª Turma
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0035389-07.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 35 - DES. FED. SÉRGIO NASCIMENTO
EMBARGANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMBARGADO: ACÓRDÃO ID Num. 117432152 - Pág. 49/53
INTERESSADO: MARIA LUIZA DOMICIANO
Advogado do(a) INTERESSADO: JULIANA ANTONIA MENEZES PEREIRA - SP280011-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
Nos termos do art. 1.022, do CPC, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão
judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou
questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, corrigir erro
material.
Não é o caso dos presentes autos.
Relembre-se que busca a parte autora eximir-se de cobrança atinente às quantias que o INSS
entende terem sido pagas indevidamente a título de benefício assistencial de prestação
continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição da República.
A Autarquia argumenta que, em face de programa permanente de revisão de benefícios, foi
identificada irregularidade no referido amparo social, consistente na concessão manutenção da
benesse apesar da renda familiar da autora ser superior a ¼ do salário mínimo, consoante
determina do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993. Isso porque foi constatado que o marido da
demandante é detentor de aposentadoria, com renda mensal bruta, em junho de 2015,
equivalente a R$ 1.823,67.
Quanto ao tema ora em debate, destaco que o Superior Tribunal de Justiça afetou ao rito dos
recursos especiais repetitivos a questão atinente à devolução ou não de valores recebidos de
boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da
lei ou erro da Administração Previdenciária Social (tema 979, REsp 1.381.734/RN, Relator
Ministro Benedito Gonçalves), estabelecendo que “na análise dos casos de erro material ou
operacional, deve-se averiguar a presença da boa fé do segurado concernente à sua aptidão
para compreender, de forma inequívoca, a irregularidade do pagamento”, ressaltando a
necessidade de existir, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do
benefício, a presença da boa-fé objetiva daquela que recebe parcelas tidas por indevidas pela
administração.
A hipótese em apreço enquadra-se perfeitamente à questão examinada nos precedentes
citados e afetada ao rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 979). Vejamos.
A autora obteve administrativamente a concessão do benefício de amparo social ao idoso, a
partir de 25.03.2015.
Consoante expressamente consignado no julgado recorrido, no momento do requerimento
administrativo a parte autora preencheu o formulário apontando a renda proveniente do
benefício recebido pelo marido; entretanto, a própria Autarquia, nos autos do procedimento
administrativo de apuração de irregularidades, informou acreditar que, por falta de atenção do
servidor responsável pela análise, ainda, assim tal benefício acabou por ser concedido
indevidamente.
Portanto, à luz do decidido pelo STJ no julgamento do tema 979, deve ser averiguada a
presença da boa-fé da requerente para decidir sobre a necessidade ou não de restituição ao
erário dos valores indevidamente recebidos.
Sobre a definição do que seria a boa-fé na situação em que o benefício previdenciário é pago
indevidamente, em decorrência de erro administrativo da própria autarquia previdenciária, assim
esclarece o Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti, em seu artigo intitulado A restituição de
benefícios previdenciários pagos indevidamente e seus requisitos (in Revista do Tribunal
Regional Federal da 4ª Região, nº 78, p. 111/115):
(...)
Como se sabe, existem duas boas-fés no âmbito do Direito, sendo uma objetiva, a boa-fé
princípio ou boa-fé como regra de conduta, aplicável principalmente na esfera dos contratos, e
outra subjetiva, a boa-fé estado, que respeita a elementos internos, principalmente psicológicos.
A segunda, apropriada ao tema em estudo, comporta duas concepções, a psicológica e a ética.
Por aquela, a pessoa ignora os fatos reais, ainda que culposamente (sem que se cogite de
culpa grave, equiparável ao dolo), e está de boa-fé, ou não ignora, e está de má-fé. Por esta,
para haver boa-fé a ignorância dos fatos deve ser desculpável, por ter a pessoa respeitado os
deveres de cuidado; se puder ser-lhe atribuído um desconhecimento ainda que meramente
culposo, estará a pessoa de má-fé. Entre nós, assim como nos demais sistemas jurídicos,
predomina a concepção ética da boa-fé, que aliás melhor corresponde à justiça.
“O mais poderoso argumento em favor da concepção ética está na afirmação de que o
negligente e o impulsivo não podem ficar em situação mais vantajosa ou mesmo igual à do
avisado e do prudente: quem erra indesculpavelmente não poderá ficar na mesma situação
jurídica de quem erra sem culpa.”
Adotada a concepção ética da boa-fé, predominante no nosso direito, caberá então a restituição
de valores indevidamente pagos pela Previdência Social, em decorrência de erro administrativo,
sempre que a ignorância do erro pelo beneficiário não for desculpável.
Nesse passo, patente a boa-fé da autora, já que jamais omitiu a renda proveniente da
aposentadoria recebida por seu cônjuge, informação, ademais, acessível à Autarquia por meio
de seus sistemas, inclusive em razão da presunção de legitimidade que milita a favor do ato
administrativo de concessão do benefício.
Nos termos do explicitamente afirmado na decisão recorrida, os interesses da autarquia
previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem respeito a toda a sociedade,
mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores jurídicos, como os que se
referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na aplicação das normas, bem
como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis ao caso em tela.
Saliento que se o resultado não favoreceu a tese do embargante, deve ser interposto o recurso
adequado, não se concebendo a reabertura da discussão da lide em sede de embargos
declaratórios para se emprestar efeitos modificativos, que somente em situações excepcionais
são admissíveis no âmbito deste recurso.
De outro turno, o julgador não está obrigado a se pronunciar sobre cada um dos dispositivos a
que se pede prequestionamento isoladamente, desde que já tenha encontrado motivos
suficientes para fundar o seu convencimento. Tampouco está obrigado a se ater aos
fundamentos indicados pelas partes e a responder um a um todos os seus argumentos.
Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração opostos pelo INSS.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO. COBRANÇA DE VALORES
SUPOSTAMENTE RECEBIDOS DE FORMA INDEVIDA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ERRO
EXCLUSIVO DA ADMINISTRAÇÃO. TEMA 979 DO STJ. BOA-FÉ DA BENEFICIÁRIA.
PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS.
I - Nos termos do art. 1.022, do CPC, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão
judicial para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou
questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; corrigir erro
material.
II – O Superior Tribunal de Justiça afetou ao rito dos recursos especiais repetitivos a questão
atinente à devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário
, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração
Previdenciária Social (tema 979, REsp 1.381.734/RN, Relator Ministro Benedito Gonçalves),
estabelecendo que “na análise dos casos de erro material ou operacional, deve-se averiguar a
presença da boa fé do segurado concernente à sua aptidão para compreender, de forma
inequívoca, a irregularidade do pagamento”, ressaltando a necessidade de existir, além do
caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé
objetiva daquela que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração.
III – No caso em tela, no momento do requerimento administrativo a parte autora preencheu o
formulário apontando a renda proveniente do benefício recebido pelo marido; entretanto, a
própria Autarquia, nos autos do procedimento administrativo de apuração de irregularidades,
informou acreditar que, por falta de atenção do servidor responsável pela análise, ainda, assim
tal benefício acabou por ser concedido indevidamente.
IV - Patente a boa-fé da autora, já que jamais omitiu a renda proveniente da aposentadoria
recebida por seu cônjuge, informação, ademais, acessível à Autarquia por meio de seus
sistemas, inclusive em razão da presunção de legitimidade que milita a favor do ato
administrativo de concessão do benefício.
V - Os interesses da autarquia previdenciária com certeza merecem proteção, pois que dizem
respeito a toda a sociedade, mas devem ser sopesados à vista de outros importantes valores
jurídicos, como os que se referem à segurança jurídica, proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação das normas, bem como da proteção ao idoso, critérios de relevância social, aplicáveis
ao caso em tela.
VI - Embargos de Declaração do INSS rejeitados. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos de
declaração opostos pelo INSS, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA