
| D.E. Publicado em 11/04/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Nona Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo interno do MPF e, por unanimidade, negar-lhe provimento, bem como conhecer dos embargos de declaração do INSS e lhes dar provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 11DE18121240443F |
| Data e Hora: | 27/03/2019 18:31:05 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009992-09.2018.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS e agravo interno interposto pelo MPF em face da decisão monocrática que deu provimento à apelação do INSS, a fim de julgar improcedente o pedido de concessão do benefício assistencial, bem como cassar a tutela provisória de urgência.
O embargante aponta omissão no julgado quanto à fixação dos honorários advocatícios decorrentes da inversão da sucumbência.
Por sua vez, o Ministério Público Federal requer a reforma do julgado, de modo a ser a matéria reexaminada pela Turma, para o fim de reforma do julgado, porquanto a parte autora se subsume na condição de pessoa idosa e hipossuficiente. Aduz ausência de instrução adequada quanto ao requisito da miserabilidade.
Contraminutas não apresentadas.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias: Conheço dos recursos, em virtude da sua tempestividade.
O artigo 1.022 do NCPC admite embargos de declaração quando, na sentença ou no acórdão, houver obscuridade, contradição ou for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal. Também admite embargos de declaração para correção de erro material, em seu inciso III.
Segundo Cândido Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil. V. III. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 685/6), obscuridade é "a falta de clareza em um raciocínio, em um fundamento ou em uma conclusão constante da sentença"; contradição é "a colisão de dois pensamentos que se repelem"; e omissão é "a falta de exame de algum fundamento da demanda ou da defesa, ou de alguma prova, ou de algum pedido etc".
Razão assiste ao embargante.
De fato, muito embora o julgado embargado tenha provido a apelação autárquica para reformar a sentença e julgar improcedente o pedido, nada dispôs sobre a fixação da verba honorária decorrente da inversão da sucumbência.
Assim, para sanar a omissão constatada, condeno a parte autora a pagar honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º e 11, do Novo CPC. Porém, fica suspensa a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do referido código, por ser beneficiária da justiça gratuita.
Quanto ao agravo interno, no caso entendo que o Ministério Público não tem legitimidade para recorrer em favor da parte autora, capaz para os atos da vida civil e devidamente representada. O simples fato de se tratar de pessoa idosa não legitima a intervenção do Parquet Federal, na esteira de inúmeras manifestação de membros da própria carreira, que se recusam a se manifestar em processos de benefício assistencial.
Trata-se de direito disponível, falecendo, ao final das contas, legitimidade ao Parquet, quando age como "custos legis", para substituir a parte na insurgência recursal, em hipótese de legitimação extraordinária não admitida na lei processual e, principalmente, na Constituição Federal.
Nesse diapasão:
AGRAVO INTERNO. PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. RESCISÓRIA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE RECURSAL. RENÚNCIA A BENEFÍCIO PARA OBTENÇÃO DE OUTRO MAIS VANTAJOSO. JULGADO RESCINDIDO. INEXIGIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. BOA-FÉ. AGRAVO DO MPF. NÃO CONHECIDO. AGRAVO DO RÉU. PROVIDO. 1. Embora personalíssimo, o direito a benefício previdenciário é disponível. O segurado, embora pessoa idosa, é capaz e se encontra devidamente representado por advogado constituído, não se evidenciando interesse público, social ou individual indisponível a justificar a intervenção recursal do Ministério Público Federal. 2. Há orientação firmada por esta 3ª Seção no sentido de que, exceto comprovada má-fé, é indevida a devolução dos valores recebidos a maior pelo segurado em decorrência do cumprimento de provimento judicial transitado em julgado que venha a ser rescindido. 3. Agravo interno do Ministério Público Federal não conhecido. 4. Agravo interno do réu provido para, em reforma da monocrática exarada, julgar improcedente o pedido para devolução dos valores recebidos por força do julgado rescindido, restando revogada a autorização para desconto dos valores recebidos por força do julgado rescindido e determinada a devolução dos valores eventualmente já descontados do segurado, acrescidos de juros de mora, contados da data deste julgamento, e correção monetária, desde a data de cada vencimento, calculados de acordo com o Manual de Cálculos e Procedimentos da Justiça Federal, naquilo em que não conflitar com o decidido pelo Plenário do e. Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n.º 870.947/SE (AR 00068598520154030000, AR - AÇÃO RESCISÓRIA - 10332, Relator(a), DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/12/2017 ..FONTE_REPUBLICACAO). |
|
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS OPOSTOS EM FACE DE EMBARGOS INFRINGENTES. OMISSÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. ILEGITIMIDADE RECURSAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS REJEITADOS. I - A parte embargante alega omissão no tocante à apreciação de artigos da Constituição Federal e da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). II - O v. acórdão embargado proferido por esta C. 3ª Seção de Julgamentos, à unanimidade, não conheceu de embargos de declaração anteriormente opostos pelo Ministério Público Federal, sob fundamento de carecer o órgão ministerial de legitimidade para interpor referido recurso. III - No caso em tela, o Parquet Federal não é parte no processo e a discussão em foco envolve direito patrimonial disponível, não se verificando quaisquer das situações elencadas no artigo 82 do CPC e na Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), de modo que configurada sua ilegitimidade recursal. IV - Embargos declaratórios rejeitados (EI 00057476420124036183, EI - EMBARGOS INFRINGENTES - 1833095, Relator(a) JUIZ CONVOCADO VALDECI DOS SANTOS, TRF3, TERCEIRA SEÇÃO, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/06/2015). |
|
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEGITIMIDADE RECURSAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. FALECIMENTO DO AUTOR APÓS O JULGAMENTO DA AÇÃO. INCORPORAÇÃO DE DIREITOS AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DA PARTE AUTORA. PRETENSÃO DOS SUCESSORES DE RECEBEREM OS VALORES DEVIDOS. DECRETO 6.214/2007, ART. 23, PARÁGRAFO ÚNICO. HABILITAÇÃO DE HERDEIROS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. - Ilegitimidade do Ministério Público para agir em nome da herdeira, pleiteando sua habilitação e pagamento dos valores devidos ao falecido. - Legitimidade do Ministério Público, tão somente, para requerer a regularização processual. - Prejudicial de conhecimento do recurso afastada. - Inconteste na hipótese dos autos o direito dos herdeiros em receber os valores devidos ao de cujus, por força da decisão transitada em julgado. - Nos termos do art. 23, do Decreto nº 6.214/2007, o benefício de prestação continuada é intransferível, não gerando direito à pensão por morte aos herdeiros ou sucessores. - Porém, permanece a pretensão dos sucessores de receberem os valores eventualmente devidos, a teor do que dispõe o parágrafo único, do art. 23, do Decreto nº 6.214/2007. Precedentes. - Quanto à regularização processual, com a morte do beneficiário representado cessa a legitimidade do Ministério Público, devendo ser aplicado extensivamente à hipótese o disposto no art. 43 e 265, I, do Código de Processo Civil. - Nos termos dos arts. 1056, I, e 1060, I, do Código de Processo Civil, a habilitação pode ser requerida pela parte, em relação aos sucessores do falecido, procedendo-se nos autos da causa principal e independente de sentença quando promovida por herdeiros necessários. - Preliminar rejeitada. Apelação parcialmente provida (AC 00010831320014036106, AC - APELAÇÃO CÍVEL - 1029315, Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL DIVA MALERBI, TRF3, DÉCIMA TURMA, Fonte e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/11/2010 PÁGINA: 1533 ..FONTE_REPUBLICACAO). |
|
Contudo, esta Egrégia Nona Turma, em sua maioria, prestigia a legitimidade do Parquet no caso, de modo que ressalvo entendimento pessoal.
No mérito, discute-se o preenchimento dos requisitos necessários à concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 20 da Lei n. 8.742/93, regulamentado, atualmente, pelos Decretos n. 6.214/2007 e 7.617/2011.
Essa lei deu eficácia ao inciso V do artigo 203 da Constituição Federal, ao estabelecer, em seu artigo 20, as condições para a concessão do benefício da assistência social, a saber: ser o postulante portador de deficiência ou idoso e, em ambas as hipóteses, comprovar a miserabilidade ou a hipossuficiência, ou seja, não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
1.DA HIPOSSUFICIÊNCIA OU MISERABILIDADE
A respeito do requisito objetivo, o tema foi levado à apreciação do Pretório Excelso por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, movida pelo Procurador Geral da República, quando, em meio a apreciações sobre outros temas, decidiu que o benefício do art. 203, inciso V, da CF só pode ser exigido a partir da edição da Lei n.° 8.742/93.
Trata-se da ADIN 1.232-2, de 27/08/98, publicada no DJU de 1/6/2001, Pleno, Relator Ministro Maurício Correa, RTJ 154/818, ocasião em que o STF reputou constitucional a restrição conformada no § 3o do art. 20 da Lei n.° 8.742/93, conforme a ementa a seguir transcrita:
Posteriormente, em controle difuso de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento (vide RE 213.736-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, informativo STF n.° 179; RE 256.594-6, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 28/4/2000, Informativo STF n.° 186; RE n.° 280.663-3, São Paulo, j. 06/09/2001, relator Maurício Corrêa).
Não obstante, o Superior Tribunal de Justiça, em vários precedentes, considerou que a presunção objetiva absoluta de miserabilidade, da qual fala a Lei, não afasta a possibilidade de comprovação da condição de miserabilidade por outros meios de prova (REsp n. 435.871, 5ª Turma Rel. Min. Felix Fischer, j. 19/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 61, REsp n. 222.764, STJ, 5ªT., Rel. Min. Gilson Dipp, j. 13/2/2001, DJ 12/3/2001, p. 512; REsp n. 223.603/SP, STJ, 5ª T., Rel. Min. Edson Vidigal, DJU 21/2/2000, p. 163).
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal reviu seu posicionamento ao reconhecer que o requisito do artigo 20, §3º, da Lei n. 8.742/93 não pode ser considerado taxativo, acórdão produzido com repercussão geral (STF, RE n. 580963, Tribunal Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe n. 225, 14/11/2013).
A decisão concluiu que a mera interpretação gramatical do preceito, por si só, pode resultar no indeferimento da prestação assistencial em casos que, embora o limite legal de renda per capita seja ultrapassado, evidenciam um quadro de notória hipossuficiência econômica.
Essa insuficiência da regra decorre não só das modificações fáticas (políticas, econômicas e sociais), mas principalmente das alterações legislativas que ocorreram no País desde a edição da Lei Orgânica da Assistência Social, em 1993.
A legislação federal recente, por exemplo, reiterada pela adoção de vários programas assistenciais voltados a famílias carentes, considera pobres aqueles com renda mensal per capita de até meio salário-mínimo (nesse sentido, a Lei n. 9.533, de 10/12/97 - regulamentada pelos Decretos n. 2.609/98 e 2.728/99; as Portarias n. 458 e 879, de 3/12/2001, da Secretaria da Assistência Social; o Decreto n. 4.102/2002; a Lei n. 10.689/2003, criadora do Programa Nacional de Acesso à Alimentação).
Assim, não há como considerar o critério previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93 como absoluto e único para a aferição da situação de miserabilidade, até porque o próprio Estado Brasileiro elegeu outros parâmetros, como os defluentes da legislação acima citada.
Deve-se verificar, na questão in concreto, a ocorrência de situação de pobreza - entendida como a de falta de recursos e de acesso ao mínimo existencial -, a fim de se concluir por devida a prestação pecuniária da assistência social constitucionalmente prevista.
Sendo assim, ao menos desde 14/11/2013 (RE 580963), o critério da miserabilidade do § 3º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93 não impede o julgador de levar em conta outros dados, a fim de identificar a situação de vida do idoso ou do deficiente, principalmente quando estiverem presentes peculiaridades, a exemplo de necessidades especiais com medicamentos ou com educação.
Nesse diapasão, apresento alguns parâmetros razoáveis, norteadores da análise individual de cada caso:
a) todos os que recebem renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo são miseráveis; |
b) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ¼ e inferior a ½ salário mínimo são miseráveis; |
c) nem todos que percebem renda familiar per capita superior a ½ salário mínimo deixam de ser miseráveis; |
d) todos que perceberem renda mensal familiar superior a um salário mínimo (artigo 7º, IV, da Constituição Federal) não são miseráveis. |
|
No mais, a mim me parece que, em todos os casos, outras circunstâncias diversas da renda devem ser levadas em conta, mormente se o patrimônio do requerente também se subsume à noção de hipossuficiência. Vale dizer, é de ser apurado se o interessado possui poupança, se vive em casa própria, com ou sem ar condicionado, se possui veículo, telefones celulares, plano de saúde, auxílio permanente de parentes ou terceiros etc.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
2. CONCEITO DE FAMÍLIA
Para se apurar se a renda per capita do requerente atinge, ou não, o âmbito da hipossuficiência, faz-se mister abordar o conceito de família.
O artigo 20 da Lei n. 8.742/93 estabelecia, ainda, para efeitos da concessão do benefício, os conceitos de família (conjunto de pessoas do art. 16 da Lei n. 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto - § 1º), de pessoa portadora de deficiência (aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho - § 2º) e de família incapacitada de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa (aquela com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - § 3º).
A Lei n. 12.435, vigente desde 7/7/2011, alterou os §§ 1º e 2º do artigo 20 da Lei n. 8.742/93, estabelecendo que a família, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ser aquela composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Ao mesmo tempo, o dever de sustento familiar (dos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles) não pode ser substituído pela intervenção Estatal, pois o próprio artigo 203, V, da Constituição Federal estabelece que o benefício é devido quando o sustento não puder ser provido pela família. Essa conclusão tem arrimo no próprio princípio da solidariedade social, conformado no artigo 3º, I, do Texto Magno.
O que quero dizer é que, à guisa de regra mínima de coexistência entre as pessoas em sociedade, a técnica de proteção social prioritária é a família, em cumprimento ao disposto no artigo 229 da Constituição Federal, in verbis: " Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
A propósito, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), ao analisar um pedido de uniformização do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fixou a tese que "o benefício assistencial de prestação continuada pode ser indeferido se ficar demonstrado que os devedores legais podem prestar alimentos civis sem prejuízo de sua manutenção". A decisão aconteceu durante sessão realizada em 23/2/17, em Brasília. Quanto ao mérito, o relator afirmou em seu voto que a interpretação do art. 20, §1º, da Lei n. 8.742/93, conforme as normas veiculadas pelos arts. 203, V, 229 e 230, da Constituição da República de 1988, deve ser no sentido de que "a assistência social estatal não deve afastar a obrigação de prestar alimentos devidos pelos parentes da pessoa em condição de miserabilidade socioeconômica (arts. 1694 e 1697, do Código Civil), em obediência ao princípio da subsidiariedade".
3. SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
Por conseguinte, à vista da preponderância do dever familiar de sustento, hospedado no artigo 229 da Constituição da República, a Assistência Social, tal como regulada na Lei nº 8.742/93, terá caráter subsidiário em relação às demais técnicas de proteção social (previdência social, previdência privada, caridade, família, poupança etc), dada a gratuidade de suas prestações.
Com efeito, levando-se em conta o alto custo do pretendido "Estado de bem-estar social", forjado no Brasil pela Constituição Federal de 1988 quando a grande maioria dos países europeus já haviam reconhecido sua inviabilidade financeira, forçoso é reconhecer que a assistência social, a par da dimensão social do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, do CF), só deve ser prestada em casos de real necessidade, sob pena de comprometer - dada a crescente dificuldade de custeio - a proteção social da coletividade, não apenas das futuras gerações, mas também da atual.
De fato, o benefício previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal tem o valor de 1 (um) salário mínimo, ou seja, a mesma quantia paga a milhões de brasileiros que se aposentaram no Regime Geral de Previdência Social mediante o pagamento de contribuições, durante vários anos.
De modo que a assistência social deve ser fornecida com critério, pois do contrário se gerarão privilégios e desigualdades, em oposição à própria natureza dos direitos sociais que é a de propiciar igualdade, isonomia de condições a todos, observados os fins sociais (não individuais) da norma, à luz do artigo 5º da LINDB.
Diga-se de passagem que a concessão indiscriminada do benefício assistencial, mediante interpretação extensiva ou ampliativa dos requisitos constitucionais, geraria não apenas injustiça aos contribuintes da previdência social, mas incentivo para que estes parem de contribuir, ou mesmo não se filiem ou não contribuam ao seguro social, o que constituiria situação anômala e gravíssima do ponto de vista atuarial, apta a comprometer o custeio de todo o sitema.
Pertinente, in casu, o ensinamento do professor de direito previdenciário Wagner Balera, quando pondera a respeito da dimensão do princípio da subsidiariedade: "O Estado é, sobretudo, o guardião dos direitos e garantias dos indivíduos. Cumpre-lhe, assinala Leão XIII, agir em favor dos fracos e dos indigentes exigindo que sejam, por todos respeitados os direitos dos pequenos. Mas, segundo o princípio da subsidiariedade - que é noção fundamental para a compreensão do conteúdo da doutrina social cristã - o Estado não deve sobrepor-se aos indivíduos e aos grupos sociais na condução do interesse coletivo. Há de se configurar uma permanente simbiose entre o Estado e a sociedade, de tal sorte que ao primeiro não cabe destruir, nem muito menos exaurir a dinâmica da vida social I (é o magistério de Pio XI, na Encíclica comemorativa dos quarenta anos da 'Rerum Novarum', a 'Quadragésimo Anno', pontos 79-80)." (Centenárias Situações e Novidade da 'Rerum Novarum', p. 545).
Por fim, quanto a esse tópico, lícito é inferir que quem está coberto pela previdência social está, em regra, fora da abrangência da assistência social. Nesse sentido, prelecionou Celso Bastos, in verbis: "A assistência Social tem como propósito satisfazer as necessidades de pessoas que não podem gozar dos benefícios previdenciários, mas o faz de uma maneira comedida, para não incentivar seus assistidos à ociosidade. Concluímos, portanto, que os beneficiários da previdência social estão automaticamente excluídos da assistência social. O benefício da assistência social, frise-se, não pode ser cumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o de assistência médica" (Celso Bastos e Ives Gandra Martins, in Comentários à Constituição do Brasil, 8o Vol., Saraiva, 2000, p. 429).
4. IDOSOS E PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
Na hipótese de postulante idoso, a idade mínima de 70 (setenta) anos foi reduzida para 67 (sessenta e sete) anos pela Lei n. 9.720/98, a partir de 1º de janeiro de 1998, e, mais recentemente, para 65 (sessenta e cinco) anos, com a entrada em vigor do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03).
No que se refere ao conceito de pessoa portadora de deficiência - previsto no § 2º da Lei n. 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 13.146/2015 -, passou a ser considerada aquela com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
5. CASO CONCRETO
Primeiramente, analiso o requisito (subjetivo) da idade avançada qualificada.
Nos termos dos documentos constantes dos autos, a parte autora possui idade superior a 65 (sessenta e cinco) anos.
Todavia, não está patenteada a miserabilidade jurídica para fins assistenciais.
O estudo social apontou que a autora vive com o marido aposentado em um sítio cedido.
Residência em condições modestas de estrutura e conservação, com mobília e equipamentos domésticos existentes satisfatórios para o uso e acomodação de ambos.
A aposentadoria do marido é de um salário mínimo, a ser desconsiderada na forma do artigo 34, § único, do Estatuto do Idoso.
Possuem 2 filhos que não teriam condições de auxiliá-los (o que não está, a rigor, comprovado).
Possuem um imóvel locado por R$ 500,00, quantia usufruída em parte para pagar prestação do imóvel de R$ 112,00.
Vide, no mais, o capítulo anterior deste julgado, sob a rubrica "SUBSIDIARIEDADE DA ASSISTÊNCIA SOCIAL".
Nos termos do RE n. 580963, não se pode simplesmente analisar a miserabilidade pelo critério matemático. Ao final das contas, se o critério não é taxativo para fins de concessão, igualmente não pode ser taxativo para fins de negação do benefício, quando apurada ausência de vulnerabilidade social.
De tomo modo, o fato de possuir renda extra (R$ 500,00 a título de aluguel), aposentadoria do marido e viver em imóvel cedido indica ausência de penúria.
Percebe-se, assim, que a parte autora, pobre embora, tem acesso aos mínimos sociais, não se encontrando em situação de vulnerabilidade social.
Cumpre salientar que o benefício de prestação continuada foi previsto, na impossibilidade de atender a um público maior, para socorrer os desamparados (artigo 6º, caput, da CF), ou seja, àquelas pessoas que sequer teriam possibilidade de equacionar um orçamento doméstico, pelo fato de não terem renda ou de ser essa insignificante.
A propósito, decidiu este e. TRF 3.ª Região: "O benefício de prestação continuada não tem por fim a complementação da renda familiar ou proporcionar maior conforto ao beneficiário, mas sim, destina-se ao idoso ou deficiente em estado de penúria" (AC 876500. 9.ª Turma. Rel. Des. Fed. Marisa Santos. DJU, 04.09.2003).
Numa sociedade sedenta de prestações sociais do Estado, mas sem mínima vontade de contribuir para o custeio do sistema de seguridade social, é preciso realmente discriminar quais são os casos que configuram "necessidades sociais".
Pois a assunção desmedida, pelo Estado, de atribuições cabíveis à própria sociedade, vai de encontro ao objetivo de garantir o desenvolvimento nacional (artigo 3º, II, da Constituição Federal), à medida que ocorre o extravasamento dos limites das possibilidades financeiras do sistema de seguridade social, gerando variada gama de distorções sociais e econômicas.
Diante do exposto, conheço dos embargos de declaração do INSS e lhes dou provimento, para dispor sobre a verba honorária. No mais, conheço do agravo interno e lhe nego provimento.
É o voto.
Juiz Federal Convocado
| Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
| Signatário (a): | RODRIGO ZACHARIAS:10173 |
| Nº de Série do Certificado: | 11DE18121240443F |
| Data e Hora: | 27/03/2019 18:31:03 |
