Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0036568-10.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
25/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/06/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL RECONHECIDO.
REAPRECIAÇÃO DOS APELOS DAS PARTES. EXTINÇÃO PARCIAL DO PROCESSO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO. DANO MORAL DECORRENTE DE NEGATIVA DE BENEFÍCIO JUNTO AO INSS.
MATÉRIAS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. PRECEDENTE DESTA CORTE. NULIDADE
PARCIAL. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICABILIDADE. ART. 515, §3º, CPC/1973.
SENTENÇA SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 475, §3º, CPC/1973.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DIB. DATA DA ALTA MÉDICA ADMINISTRATIVA.
CONTINUIDADE DO QUADRO INCAPACITANTE. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. ART. 335,
CPC/1973. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO.
TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDOS. VÍCIO SANADO.
REANÁLISE DOS RECURSOS DAS PARTES E DA REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO DA
PARTE AUTORA E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS. APELO DO INSS
DESPROVIDO.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
1 - O aresto recorrido padece, com efeito, de erro material, na medida em que, por um equívoco,
faz referência a outro caso, distinto da causa de pedir e pedidos aqui deduzidos. Constatada a
existência do vício, passa-se a saná-lo nesta oportunidade, com a prolação de nova decisão.
2 - Reconhecida a nulidade parcial da sentença, no que toca ao pedido de indenização por danos
morais, posto que já resta decidido, in casu, a competência do Justiça Estadual para o julgamento
da integralidade da demanda.
3 - Tendo o magistrado a quo declarado a sua incompetência para julgar o feito no todo, a parte
autora interpôs agravo de instrumento, e este foi provido para afastar tal decisão. Irresignado, o
Juízo a quo suscitou conflito perante o C. STJ, o qual não conheceu da medida.
4 - Na decisão monocrática proferida pelo antigo Relator, restou assentado que o Juízo Estadual
da Comarca de Suzano/SP era o competente para “o processamento e julgamento da lide”, sem
qualquer ressalva.
5 - De mais a mais, registre-se ser possível se cumular, em uma mesma ação, pedido de
concessão/restabelecimento de benefício previdenciário e de indenização por danos morais, em
razão de seu indeferimento administrativo.
6 - Nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da propositura
da demanda, permitia-se a cumulação de pedidos num único processo, independentemente de
serem ou não conexos, desde que compatíveis entre si, observadas a competência do mesmo
juízo para conhecer de todas as pretensões formuladas e a adequação do tipo de procedimento,
neste caso admitido o ordinário se diversos os seus modos de processamento (incisos I, II, e III).
7 - A concessão ou restabelecimento de benefícios previdenciários, embasada na negativa
administrativa, é de competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), eis que deduzida a
respectiva ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ressalvadas a
competência do Juízo Estadual nas comarcas onde não exista Vara Federal (§3º do mesmo
dispositivo). Por sua vez, a reparação por dano moral funda-se no suposto ato ilícito praticado
pela Administração Pública, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, surgindo daí o
nexo causal entre a lesão suportada pelo segurado e seu direito à concessão do benefício
previdenciário pretendido junto ao INSS que o indeferiu. Precedente.
8 - A despeito da nulidade parcial da sentença, é certo, todavia, que em situações como a
presente, na qual há plena condição de ser julgada a demanda por inteiro e, por se tratar inclusive
de autos nos quais já foi realizada toda a dilação probatória necessária (perícia médica) e que se
perdura por mais de 10 (dez) anos, demonstra-se cabível a aplicação da teoria da causa madura,
nos termos do artigo 515, §3º, do CPC/1973, vigente à época.
9 - Cabimento da remessa necessária in casu. A sentença submetida à apreciação desta Corte foi
proferida em 21.10.2015, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso,
houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de aposentadoria por
invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, que se deu em 24.11.2008.
10 - Informações extraídas dos autos noticiam que naquele ano o seu salário de benefício era de
R$1.208,15, sendo certo que este é o mesmo valor da renda mensal inicial da aposentadoria. Nos
exatos termos do art. 44 da Lei 8.213/91, o montante da benesse corresponde a 100% (cem por
cento) do salário de benefício.
11 - Constata-se, portanto, que desde o termo inicial (24.11.2008) até a data da prolação da
sentença - 21.10.2015 - passaram-se 82 (oitenta e dois) meses, totalizando assim 82 (oitenta e
duas) prestações no valor supra, as quais, com acréscimo de correção monetária e com
incidência dos juros de mora e verba honorária, contabilizam montante superior ao limite de
alçada estabelecido na lei processual.
12 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do
auxílio-doença pretérito (NB: 532.269.299-7), acertada a fixação da DIB da aposentadoria na data
do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a
sua cessação (24.11.2008), o autor efetivamente estava protegido pelo Sistema da Seguridade
Social, percebendo benefício previdenciário.
13 - Embora o expert não tenha estabelecido uma data de início para a incapacidade, se afigura
pouco crível, à luz do conjunto probatório formado nos autos, e das máximas da experiência,
subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973 reproduzido
no art. 375, do CPC/2015), que o impedimento, total e definitivo, já não estava presente em fins
de 2008.
14 - Isso porque exames médicos confirmam que sofria com as moléstias, tidas como
incapacitantes pelo vistor oficial, nesta época, senão vejamos: (i) ultrassonografia do ombro
direito, de 01.02.2007, identificou “tendinite do supra-espinhal”; (ii) ressonância magnética de sua
coluna lombar, datada de 01.11.2008, constatou “desidratação do anel discal L5/S1 e prolapso
discal protéro-lateral esquerdo L5/S1 comprimindo o saco dural e raiz nervosa homolateral”; (iii) e,
por fim, exame de sangue, de 08.04.2009, revelou que o requerente apresentava resultado de
155.3 ul/ml para fator reumatoide, quando o valor de referência é menor que 20 ul/ml.
15 - Em suma, inequívoco o preenchimento do requisito incapacidade total e definitiva, na data da
alta médica administrativa de 23.11.2008, fazendo jus à aposentadoria por invalidez desde então.
16 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
17 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
18 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente".
19 - O pedido de indenização por danos morais não merece prosperar, eis que a reparação em
questão pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente lesão de caráter
não patrimonial a outrem, inocorrente nos casos de indeferimento ou cassação de benefício,
tendo a Autarquia Previdenciária agido nos limites de seu poder discricionário e da legalidade,
mediante regular procedimento administrativo, o que, por si só, não estabelece qualquer nexo
causal entre o ato e os supostos prejuízos sofridos pelo segurado. Precedentes desta Corte:
TRF3: 7ª Turma, AGr na AC nº 2014.03.99.023017-7, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E
28/03/2016; AC nº 0002807-79.2011.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, D.E 28/10/2014.
20 - No que concerne aos honorários advocatícios, ressalvado o entendimento pessoal do relator
acerca da admissibilidade do recurso da parte autora neste tocante, é inegável que as
condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão
pela qual a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que resta
atendido com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a
data da prolação da sentença de 1º grau (Súmula 111, STJ), devendo o decisum ser mantido no
particular.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Embargos de declaração da parte autora providos. Vício sanado. Reanálise dos recursos das
partes e da remessa necessária. Apelação da parte autora e remessa necessária parcialmente
providas. Apelo do INSS desprovido.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0036568-10.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: SIDINEI GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS MOLTENI JUNIOR - SP15155-N
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CURSINO DOS SANTOS JUNIOR - SP198573-N
APELADO: SIDINEI GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS MOLTENI JUNIOR - SP15155-N
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CURSINO DOS SANTOS JUNIOR - SP198573-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0036568-10.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: SIDINEI GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS MOLTENI JUNIOR - SP15155-N
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CURSINO DOS SANTOS JUNIOR - SP198573-N
APELADO: SIDINEI GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS MOLTENI JUNIOR - SP15155-N
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CURSINO DOS SANTOS JUNIOR - SP198573-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de embargos de declaração opostos por SIDINEI GOMES DA SILVA, contra o v.
acórdão, proferido pela 7ª Turma, que, por unanimidade, deu parcial provimento aos apelos das
partes (ID 143386626).
Razões recursais, oportunidade em que o embargante sustenta a ocorrência de erro material no
julgado, na medida em que a fundamentação encontra-se dissociada do caso dos autos (ID
144524832).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0036568-10.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: SIDINEI GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL -
INSS
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS MOLTENI JUNIOR - SP15155-N
Advogado do(a) APELANTE: ROBERTO CURSINO DOS SANTOS JUNIOR - SP198573-N
APELADO: SIDINEI GOMES DA SILVA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELADO: CARLOS MOLTENI JUNIOR - SP15155-N
Advogado do(a) APELADO: ROBERTO CURSINO DOS SANTOS JUNIOR - SP198573-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Pela dicção do art. 1.022, I, II e III do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são
o recurso próprio para esclarecer obscuridade, contradição, omissão de ponto que o magistrado
ou o Tribunal deveria se manifestar, ou ainda para sanar erro material constante do julgado.
O aresto recorrido padece, com efeito, de erro material, na medida em que, por um equívoco,
faz referência a outro caso, distinto da causa de pedir e pedidos aqui deduzidos.
Constatada a existência do vício, passo a saná-los nesta oportunidade, com a prolação de novo
decisum nos seguintes termos:
Por primeiro, reconheço a nulidade parcial da sentença, no que toca ao pedido de indenização
por danos morais, posto que já resta decidido, in casu, a competência do Justiça Estadual para
o julgamento da integralidade da demanda.
Tendo o magistrado a quo declarado a sua incompetência para julgar o feito no todo, a parte
autora interpôs agravo de instrumento, e este foi provido para afastar tal decisão (ID
102768186, p. 04-10 e 16-17 e ID 102764423, p. 141-143). Irresignado, o Juízo a quo suscitou
conflito perante o C. STJ, o qual não conheceu da medida (ID 102764423, p. 162-165 e 182, ID
102764424, p. 01-02).
Na decisão monocrática proferida pelo Excelentíssimo Relator a quem sucedi, restou assentado
que o Juízo Estadual da Comarca de Suzano/SP era o competente para “o processamento e
julgamento da lide”, sem qualquer ressalva (ID 102766406, p. 18-19).
De mais a mais, registro ser possível se cumular, em uma mesma ação, pedido de
concessão/restabelecimento de benefício previdenciário e de indenização por danos morais, em
razão de seu indeferimento administrativo.
Nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da propositura da
demanda, permitia-se a cumulação de pedidos num único processo, independentemente de
serem ou não conexos, desde que compatíveis entre si, observadas a competência do mesmo
juízo para conhecer de todas as pretensões formuladas e a adequação do tipo de
procedimento, neste caso admitido o ordinário se diversos os seus modos de processamento
(incisos I, II, e III).
A concessão ou restabelecimento de benefícios previdenciários, embasada na negativa
administrativa, é de competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), eis que deduzida a
respectiva ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ressalvadas a
competência do Juízo Estadual nas comarcas onde não exista Vara Federal (§3º do mesmo
dispositivo).
Por sua vez, a reparação por dano moral funda-se no suposto ato ilícito praticado pela
Administração Pública, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, surgindo daí o nexo
causal entre a lesão suportada pelo segurado e seu direito à concessão do benefício
previdenciário pretendido junto ao INSS que o indeferiu.
Em caso semelhante, assim decidiu a 3ª Seção desta Corte:
"Se a lide tem por objeto não só a concessão de benefício previdenciário, mas também a
indenização por danos morais, cuja causa de pedir reside na falha do serviço, é de se admitir a
cumulação dos pedidos, perante a Justiça Estadual, pois se cuida de causa em que são partes
o INSS e o segurado, na forma do art. 109, § 3º da Constituição de 1988." (CC nº
2007.03.00.084572-7, Rel. Des. Fed. Castro Guerra, j. 13/12/2007, DJU 25/02/2008, p. 1130).
A despeito da nulidade parcial da sentença, é certo, todavia, que em situações como a
presente, na qual há plena condição de ser julgada a demanda por inteiro e, por se tratar
inclusive de autos nos quais já foi realizada toda a dilação probatória necessária (perícia
médica) e que se perdura por mais de 10 (dez) anos, demonstra-se cabível a aplicação da
teoria da causa madura, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC/1973, vigente à época.
Por fim, ainda em sede preliminar, destaco o cabimento da remessa necessária in casu.
A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 21.10.2015, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973.
De acordo com o artigo 475, §2º, do CPC/1973:
"Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de
confirmada pelo tribunal, a sentença:
I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas
autarquias e fundações de direito público;
II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da
Fazenda Pública (art. 585, VI).
§1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou
não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.
§2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido,
for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de
procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.
§3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em
jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do
tribunal superior competente".
No caso, houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, que se deu
em 24.11.2008 (ID 102768187, p. 08).
Informações extraídas dos autos noticiam que naquele ano o seu salário de benefício era de
R$1.208,15 (ID 102764423, p. 44), sendo certo que este é o mesmo valor da renda mensal
inicial da aposentadoria. Nos exatos termos do art. 44 da Lei 8.213/91, o montante da benesse
corresponde a 100% (cem por cento) do salário de benefício.
Constata-se, portanto, que desde o termo inicial (24.11.2008) até a data da prolação da
sentença - 21.10.2015 - passaram-se 82 (oitenta e dois) meses, totalizando assim 82 (oitenta e
duas) prestações no valor supra, as quais, com acréscimo de correção monetária e com
incidência dos juros de mora e verba honorária, contabilizam montante superior ao limite de
alçada estabelecido na lei processual.
Do mérito dos apelos e da remessa necessária.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do auxílio-doença pretérito
(NB: 532.269.299-7), acertada a fixação da DIB da aposentadoria na data do cancelamento
indevido daquele, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua cessação
(24.11.2008 - ID 102768187, p. 08), o autor efetivamente estava protegido pelo Sistema da
Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
Embora o expert não tenha estabelecido uma data de início para a incapacidade (ID
102764423, p. 131-140), se me afigura pouco crível, à luz do conjunto probatório formado nos
autos, e das máximas da experiência, subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia
a dia (art. 335 do CPC/1973 reproduzido no art. 375, do CPC/2015), que o impedimento, total e
definitivo, já não estava presente em fins de 2008.
Isso porque exames médicos confirmam que sofria com as moléstias, tidas como incapacitantes
pelo vistor oficial, nesta época, senão vejamos: (i) ultrassonografia do ombro direito, de
01.02.2007, identificou “tendinite do supra-espinhal” (ID 102764423, p. 62); (ii) ressonância
magnética de sua coluna lombar, datada de 01.11.2008, constatou “desidratação do anel discal
L5/S1 e prolapso discal protéro-lateral esquerdo L5/S1 comprimindo o saco dural e raiz nervosa
homolateral” (ID 102764423, p. 63); (iii) e, por fim, exame de sangue, de 08.04.2009, revelou
que o requerente apresentava resultado de 155.3 ul/ml para fator reumatoide, quando o valor de
referência é menor que 20 ul/ml (ID 102764423, p. 64).
Em suma, inequívoco o preenchimento do requisito incapacidade total e definitiva, na data da
alta médica administrativa de 23.11.2008, fazendo jus à aposentadoria por invalidez desde
então.
Passo à análise da questão envolvendo o trabalho da parte autora no período em que
reconhecida a incapacidade laborativa, com o desdobramento no pagamento das parcelas em
atraso.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue
exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou
definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada,
após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que
dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da
coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da
Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em manter benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo
pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento
da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura
má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade
e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser
humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o
sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o
incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela
responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela
jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de
suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade
de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até
porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de
trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que
completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao
erário e ao custeio do regime.
Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO
MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou
voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma
vez que pode tê-lo feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se
tratando de empregada doméstica, não obstante incapacitada para tal. 2. A autora, que deveria
ter sido aposentada por invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em
função de indevida negativa do benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto
dos salários-de-contribuição sobre os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade
remunerada, por falta de alternativa, para o próprio sustento, em que pese a incapacidade
laborativa, no período em que a autarquia opôs-se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS
tirar proveito de sua própria conduta. 3. No que tange à correção monetária, devem ser
aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a partir da vigência da Lei 11.960/09. 4.
Agravo parcialmente provido." (AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed.
Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013)".
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. MATÉRIA PRELIMINAR.
ESPERA PELA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO À ATIVIDADE
LABORATIVA. POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CONJUNTA DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE E SALÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA.
VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ACOSTADOS AOS AUTOS SUBJACENTES. ERRO
FATO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A matéria preliminar confunde-se com o mérito e com ele será examinada.
II - Há que prevalecer o entendimento já adotado na 10ª Turma, no sentido de que comprovada
a incapacidade laborativa e não tendo sido concedida tutela para implantação do benefício, não
se justifica a exclusão do período em que o segurado, mesmo tendo direito ao benefício, teve
que trabalhar para garantir a sua subsistência, já que não é razoável que se exija que o
segurado tenha recursos para se manter até que o seu feito seja julgado.
III - Malgrado o ora réu tenha exercido atividade remunerada desde o termo inicial do benefício
de auxílio-doença fixado pela r. decisão rescindenda (05.02.2006) até agosto de 2011,
conforme extrato do CNIS acostado aos autos, cabe ponderar que este havia sido contemplado
com benefício de auxílio-doença nos períodos de 25.06.2004 a 04.07.2005, de 16.10.2005 a
30.11.2005 e de 25.01.2006 a 05.02.2006, havendo, ainda, documentos médicos apontando a
ocorrência da mesma enfermidade constatada pela perícia oficial (epicondilite lateral do
cotovelo direito) desde agosto de 2004. Assim sendo, é razoável inferir que o ora réu teve que
buscar o mercado de trabalho mesmo sem plenas condições físicas para tal.
IV - A r. decisão rescindenda apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, segundo o
princípio da livre convicção motivada, tendo concluído pela existência de incapacidade parcial e
temporária do réu para o trabalho, a ensejar a concessão do benefício de auxílio-doença.
V - Não se admitiu um fato inexistente ou se considerou inexistente um fato efetivamente
ocorrido, pois foram consideradas as provas acostadas aos autos originários, com
pronunciamento judicial sobre o tema, mesmo porque não constava das peças que
compuseram os aludidos autos o extrato de CNIS indicando a manutenção de atividade
laborativa após a cessação do benefício de auxílio-doença concedido na esfera administrativa.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais) a serem suportados
pelo INSS.
VII - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(AR nº 0019784-55.2011.4.03.0000, Rel. Des. Federal Sérgio Nascimento, 3ª Seção, e-DJF3
18/11/2013)”.
A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
Lado outro, o pedido de indenização por danos morais não merece prosperar, eis que a
reparação em questão pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente
lesão de caráter não patrimonial a outrem, inocorrente nos casos de indeferimento ou cassação
de benefício, tendo a Autarquia Previdenciária agido nos limites de seu poder discricionário e da
legalidade, mediante regular procedimento administrativo, o que, por si só, não estabelece
qualquer nexo causal entre o ato e os supostos prejuízos sofridos pelo segurado. Precedentes
desta Corte: TRF3: 7ª Turma, AGr na AC nº 2014.03.99.023017-7, Rel. Des. Fed. Fausto de
Sanctis, D.E 28/03/2016; AC nº 0002807-79.2011.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto,
D.E 28/10/2014.
No que concerne aos honorários advocatícios, ressalvado o entendimento pessoal acerca da
admissibilidade do recurso da parte autora neste tocante, é inegável que as condenações
pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a
verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que resta atendido
com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas até a data da
prolação da sentença de 1º grau (Súmula 111, STJ), devendo o decisum ser mantido no
particular.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Ante o exposto, dou provimento aos embargos de declaração da parte autora para reconhecer o
vício apontado, e com isso aprecio novamente os apelos das partes, para (i) dar parcial
provimento ao apelo da parte autora para anular em parte a r. sentença, quanto ao
reconhecimento da incompetência do Juízo estadual para apreciar a pretensão indenizatória e,
adentrar no mérito desta, consoante o disposto no art. 515, §3º, do CPC/1973, para julgá-la
improcedente; (ii) negar provimento ao apelo autárquico; (iii) e, por fim, conhecer da remessa
necessária para dar-lhe parcial provimento a fim de estabelecer que a correção monetária dos
valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ERRO MATERIAL RECONHECIDO.
REAPRECIAÇÃO DOS APELOS DAS PARTES. EXTINÇÃO PARCIAL DO PROCESSO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE DE
CUMULAÇÃO. DANO MORAL DECORRENTE DE NEGATIVA DE BENEFÍCIO JUNTO AO
INSS. MATÉRIAS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. PRECEDENTE DESTA CORTE.
NULIDADE PARCIAL. TEORIA DA CAUSA MADURA. APLICABILIDADE. ART. 515, §3º,
CPC/1973. SENTENÇA SUJEITA À REMESSA NECESSÁRIA. ART. 475, §3º, CPC/1973.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DIB. DATA DA ALTA MÉDICA ADMINISTRATIVA.
CONTINUIDADE DO QUADRO INCAPACITANTE. VALORAÇÃO DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. MÁXIMAS DA EXPERIÊNCIA. ART. 335,
CPC/1973. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO.
TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111, STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDOS. VÍCIO SANADO.
REANÁLISE DOS RECURSOS DAS PARTES E DA REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO DA
PARTE AUTORA E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS. APELO DO INSS
DESPROVIDO.
1 - O aresto recorrido padece, com efeito, de erro material, na medida em que, por um
equívoco, faz referência a outro caso, distinto da causa de pedir e pedidos aqui deduzidos.
Constatada a existência do vício, passa-se a saná-lo nesta oportunidade, com a prolação de
nova decisão.
2 - Reconhecida a nulidade parcial da sentença, no que toca ao pedido de indenização por
danos morais, posto que já resta decidido, in casu, a competência do Justiça Estadual para o
julgamento da integralidade da demanda.
3 - Tendo o magistrado a quo declarado a sua incompetência para julgar o feito no todo, a parte
autora interpôs agravo de instrumento, e este foi provido para afastar tal decisão. Irresignado, o
Juízo a quo suscitou conflito perante o C. STJ, o qual não conheceu da medida.
4 - Na decisão monocrática proferida pelo antigo Relator, restou assentado que o Juízo
Estadual da Comarca de Suzano/SP era o competente para “o processamento e julgamento da
lide”, sem qualquer ressalva.
5 - De mais a mais, registre-se ser possível se cumular, em uma mesma ação, pedido de
concessão/restabelecimento de benefício previdenciário e de indenização por danos morais, em
razão de seu indeferimento administrativo.
6 - Nos termos do art. 292 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da propositura
da demanda, permitia-se a cumulação de pedidos num único processo, independentemente de
serem ou não conexos, desde que compatíveis entre si, observadas a competência do mesmo
juízo para conhecer de todas as pretensões formuladas e a adequação do tipo de
procedimento, neste caso admitido o ordinário se diversos os seus modos de processamento
(incisos I, II, e III).
7 - A concessão ou restabelecimento de benefícios previdenciários, embasada na negativa
administrativa, é de competência da Justiça Federal (art. 109, I, da CF), eis que deduzida a
respectiva ação em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ressalvadas a
competência do Juízo Estadual nas comarcas onde não exista Vara Federal (§3º do mesmo
dispositivo). Por sua vez, a reparação por dano moral funda-se no suposto ato ilícito praticado
pela Administração Pública, nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal, surgindo daí o
nexo causal entre a lesão suportada pelo segurado e seu direito à concessão do benefício
previdenciário pretendido junto ao INSS que o indeferiu. Precedente.
8 - A despeito da nulidade parcial da sentença, é certo, todavia, que em situações como a
presente, na qual há plena condição de ser julgada a demanda por inteiro e, por se tratar
inclusive de autos nos quais já foi realizada toda a dilação probatória necessária (perícia
médica) e que se perdura por mais de 10 (dez) anos, demonstra-se cabível a aplicação da
teoria da causa madura, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC/1973, vigente à época.
9 - Cabimento da remessa necessária in casu. A sentença submetida à apreciação desta Corte
foi proferida em 21.10.2015, sob a égide, portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No
caso, houve condenação do INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, que se deu
em 24.11.2008.
10 - Informações extraídas dos autos noticiam que naquele ano o seu salário de benefício era
de R$1.208,15, sendo certo que este é o mesmo valor da renda mensal inicial da aposentadoria
. Nos exatos termos do art. 44 da Lei 8.213/91, o montante da benesse corresponde a 100%
(cem por cento) do salário de benefício.
11 - Constata-se, portanto, que desde o termo inicial (24.11.2008) até a data da prolação da
sentença - 21.10.2015 - passaram-se 82 (oitenta e dois) meses, totalizando assim 82 (oitenta e
duas) prestações no valor supra, as quais, com acréscimo de correção monetária e com
incidência dos juros de mora e verba honorária, contabilizam montante superior ao limite de
alçada estabelecido na lei processual.
12 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da
cessação do auxílio-doença pretérito (NB: 532.269.299-7), acertada a fixação da DIB da
aposentadoria na data do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do
requerimento (DER) até a sua cessação (24.11.2008), o autor efetivamente estava protegido
pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
13 - Embora o expert não tenha estabelecido uma data de início para a incapacidade, se afigura
pouco crível, à luz do conjunto probatório formado nos autos, e das máximas da experiência,
subministradas pelo que ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973
reproduzido no art. 375, do CPC/2015), que o impedimento, total e definitivo, já não estava
presente em fins de 2008.
14 - Isso porque exames médicos confirmam que sofria com as moléstias, tidas como
incapacitantes pelo vistor oficial, nesta época, senão vejamos: (i) ultrassonografia do ombro
direito, de 01.02.2007, identificou “tendinite do supra-espinhal”; (ii) ressonância magnética de
sua coluna lombar, datada de 01.11.2008, constatou “desidratação do anel discal L5/S1 e
prolapso discal protéro-lateral esquerdo L5/S1 comprimindo o saco dural e raiz nervosa
homolateral”; (iii) e, por fim, exame de sangue, de 08.04.2009, revelou que o requerente
apresentava resultado de 155.3 ul/ml para fator reumatoide, quando o valor de referência é
menor que 20 ul/ml.
15 - Em suma, inequívoco o preenchimento do requisito incapacidade total e definitiva, na data
da alta médica administrativa de 23.11.2008, fazendo jus à aposentadoria por invalidez desde
então.
16 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que
outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de
agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto
não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado
de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e
dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica,
pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo
responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar
sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado,
necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até
o fim e teve de suportar o calvário processual.
17 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
18 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença
ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito
ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente".
19 - O pedido de indenização por danos morais não merece prosperar, eis que a reparação em
questão pressupõe a prática inequívoca de ato ilícito que implique diretamente lesão de caráter
não patrimonial a outrem, inocorrente nos casos de indeferimento ou cassação de benefício,
tendo a Autarquia Previdenciária agido nos limites de seu poder discricionário e da legalidade,
mediante regular procedimento administrativo, o que, por si só, não estabelece qualquer nexo
causal entre o ato e os supostos prejuízos sofridos pelo segurado. Precedentes desta Corte:
TRF3: 7ª Turma, AGr na AC nº 2014.03.99.023017-7, Rel. Des. Fed. Fausto de Sanctis, D.E
28/03/2016; AC nº 0002807-79.2011.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Toru Yamamoto, D.E
28/10/2014.
20 - No que concerne aos honorários advocatícios, ressalvado o entendimento pessoal do
relator acerca da admissibilidade do recurso da parte autora neste tocante, é inegável que as
condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade,
razão pela qual a verba honorária deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que
resta atendido com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações devidas
até a data da prolação da sentença de 1º grau (Súmula 111, STJ), devendo o decisum ser
mantido no particular.
21 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
22 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
23 - Embargos de declaração da parte autora providos. Vício sanado. Reanálise dos recursos
das partes e da remessa necessária. Apelação da parte autora e remessa necessária
parcialmente providas. Apelo do INSS desprovido. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento aos embargos de declaração da parte autora para
reconhecer o vício apontado, e com isso apreciar novamente os apelos das partes, para (i) dar
parcial provimento ao apelo da parte autora para anular em parte a r. sentença, quanto ao
reconhecimento da incompetência do Juízo estadual para apreciar a pretensão indenizatória e,
adentrar no mérito desta, consoante o disposto no art. 515, §3º, do CPC/1973, para julgá-la
improcedente; (ii) negar provimento ao apelo autárquico; (iii) e, por fim, conhecer da remessa
necessária para dar-lhe parcial provimento a fim de estabelecer que a correção monetária dos
valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora,
incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
