
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010896-78.2021.4.03.6105
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: IZAIRA CEZARINO DE SOUZA MARANGONI
Advogado do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO ROVARON - SP309847-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010896-78.2021.4.03.6105
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: IZAIRA CEZARINO DE SOUZA MARANGONI
Advogado do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO ROVARON - SP309847-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Cuida-se de embargos de declaração opostos pela parte autora em face do v. acórdão prolatado pela Eg. Sétima Turma desta Corte Regional que, em julgamento realizado em 24/10/2023, por unanimidade, decidiu de ofício, julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural e julgar prejudicado o seu apelo.
O julgado porta a seguinte ementa:
“PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL DO LABOR RURAL INSUFICIENTE. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RESP REPETITIVO 1352721/SP. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. A ausência de conteúdo probatório eficaz do labor rural no período indicado a instruir a inicial implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem resolução do mérito e a consequente possibilidade de a parte autora intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários a tal iniciativa.
2. Mantida a condenação da parte autora no pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, observados os benefícios da assistência judiciária gratuita (arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC), já que deu causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
3. De ofício, processo extinto sem resolução de mérito. Apelação da parte autora prejudicada.”
A autora sustenta, em apertada síntese, que o acórdão embargado padece de obscuridade decorrente da apreciação concisa do conjunto probatório dos autos, o qual é inequívoco no sentido de que a ora embargante de fato desempenhou atividades laborais rurais, a partir de seus doze anos de idade (02/07/1968) até o início do labor urbano, em 2002,
Nessa esteira, argumenta, ainda, que o acórdão encerra obscuridade porque não enfrentou questão assente na jurisprudência no sentido de que o labor urbano exercido nos períodos de entressafra não constitui óbice ao reconhecimento da atividade rural desempenhada de forma preponderante, fazendo jus à aposentadoria por idade na modalidade híbrida..
Com lentes no expendido, a embargante pede o acolhimento dos presentes embargos, com efeitos infringentes, reformando-se o acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.
Instado a se manifestar, o INSS deixou transcorrer in albis o prazo.
É O RELATÓRIO.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5010896-78.2021.4.03.6105
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: IZAIRA CEZARINO DE SOUZA MARANGONI
Advogado do(a) APELANTE: LUIS GUSTAVO ROVARON - SP309847-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Inicialmente, conheço dos embargos de declaração, já que tempestivamente opostos, mas os rejeito, eis que não configurados os alegados vícios.
Com efeito, a oposição de embargos declaratórios só se faz cabível em caso de omissão, obscuridade ou contradição (art. 1.022, CPC/15).
A ora embargante fundamentou seus embargos na ocorrência de obscuridade no acórdão embargado.
A obscuridade se verifica quando há evidente dificuldade na compreensão do julgado decorrente da falta de clareza do decisum,.
Em última análise, ocorre a obscuridade quando a decisão, no que concerne a alguma questão importante, soluciona-a de modo incompreensível.
Sobre a questão, Vicente Greco Filho leciona :
"A obscuridade é o defeito consistente na difícil compreensão do texto da sentença e pode decorrer de simples defeito redacional ou mesmo de má formulação de conceitos. Há obscuridade quando a sentença está incompreensível no comando que impõe e na manifestação de conhecimento e vontade do juiz. A obscuridade da sentença como os demais defeitos corrigíveis por meio de embargos de declaração prejudicando a intelecção da sentença prejudicará a sua futura execução. A dúvida é o estado de incerteza que resulta da obscuridade. A sentença claramente redigida não pode gerar dúvida" (in Direito Processual Civil Brasileiro, vol. 2, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 241)
Portanto, de acordo com a doutrina , há obscuridade quando a redação da decisão não é suficientemente clara, dificultando sua compreensão ou interpretação .
Feitas tais ponderações, os embargos devem ser acolhidos, com efeitos infringentes.
A parte autora , ora embargante, busca a concessão da aposentadoria por idade na modalidade híbrida mediante o reconhecimento do exercício de atividade rural de 02/07/1968 (doze anos de idade) a 2002 .
O acórdão embargado assentou o entendimento de que no período anterior ao seu casamento, celebrado em 11/04/1983, a autora não trouxe início de prova material do labor rural, valendo-se, apenas da prova oral, o que culminou com a extinção, de ofício, do processo, sem resolução do mérito, com fulcro no art. 485, IV do CPC/2015, ficando prejudicado o apelo da parte autora.
Contudo, ainda que o conjunto probatório dos autos seja insuficiente para comprovar o labor rural antes do casamento, a autora apresentou início razoável de prova material concernente ao período posterior ao seu casamento e este deve ser analisado à luz dos autos. Vejamos.
A parte autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade, na forma híbrida (ou mista), prevista no artigo 48, §§3º e 4º, da Lei nº 8.213/91, verbis:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher. (...)
§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)
§ 4o Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)"
O artigo 48 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 11.718/2008, corrigiu distorção até então existente e passou a contemplar os trabalhadores rurais que, em decorrência do fenômeno social da urbanização do trabalho, passaram a exercer temporária ou permanentemente, atividade urbana assegurando-lhes o direito à contagem mista do tempo de labor rural e urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, adotando-se o requisito etário mínimo de 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher, além do cumprimento da carência exigida.
Do comando normativo legal haure-se que a lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo.
Por ocasião do julgamento do RESP nº 1.407.613, sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Eg. STJ adotou o entendimento de que pouco importa se o segurado era rural ou urbano quando do requerimento, podendo somar ou mesclar os tempos para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por idade (híbrida) aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.
Logo, para fins de somatória dos períodos de labor urbano e rural, é irrelevante se a atividade agrícola foi ou não exercida por último.
Quanto ao trabalho rural remoto exercido antes de 1991, em julgamento realizado em 14/08/2019, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007).
A questão foi julgada pelo rito dos recursos repetitivos. Isso significa dizer que a mesma terá de ser seguida por todas as instâncias judiciária do país, consoante previsão do art. 927, III do CPC, que estabelece que os juízes e tribunais observem os acórdãos proferidos em recursos extraordinário e especial repetitivos.
O C. Supremo Tribunal Federal concluiu, no dia 25/9/2020 (Plenário Virtual), o julgamento do Tema 1104 (RE 1.281.909), que discutia a questão dos requisitos para concessão da aposentadoria híbrida, tendo firmado a seguinte tese:
“É infraconstitucional, a ela se aplicando os efeitos da ausência de repercussão geral, a controvérsia relativa à definição e ao preenchimento dos requisitos legais necessários para a concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3º da Lei nº 8.213/91.”
Ausente a repercussão geral da matéria, afigura-se impossível o cabimento de recursos extraordinários a respeito desse tema, de sorte que, prevalecerá o entendimento adotado pelo Eg. STJ, ao julgar o Tema 1007.
Portanto, segundo o entendimento firmado pelo Eg. o STJ para concessão de aposentadoria por idade híbrida, o tempo rural anterior a 1991 pode ser utilizado para fins de carência, aproveitando-se o tempo de trabalho rural remoto e descontínuo.
Assim, comprovada a natureza mista do labor exercido no período de carência, o regime será o do artigo 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991, conforme entendimento consolidado quando do julgamento do RESP nº. 1.407.613, segundo o qual o segurado pode somar ou mesclar os tempos para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por idade (híbrida) aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher, não importando se o segurado era rural ou urbano à época do requerimento do benefício (RESP nº. 1.407.613, julgamento em 14.10.2014, Rel. Ministro Herman Benjamin).
No que tange à carência, para os segurados inscritos na Previdência Social até 24/07/1991, há que se observar a regra de transição estabelecida no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, de acordo com o ano em que houve o implemento dos requisitos para a aposentadoria por idade e, aos que ingressaram no sistema após essa data, aplica-se a regra prevista no art. 25, inc. II, da Lei de Benefícios que exige a comprovação de 180 contribuições mensais.
Insta dizer, ainda, que, em se tratando de aposentadoria por idade híbrida não se exige a simultaneidade entre o implemento do requisito etário e o exercício da atividade laborativa, seja esta urbana ou rural.
Colho dos autos que a idade mínima exigida para a obtenção do benefício restou comprovada pela documentação pessoal da parte autora, tendo ela nascido em 02/07/1956.
Considerando o implemento do requisito etário em 2016 , a parte autora deve comprovar a carência de 180 meses.
COMPROVAÇÃO DO LABOR RURAL
A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do C. STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
Dentro desse contexto, considerando as precárias condições em que se desenvolve o trabalho do lavrador e as dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
Dentre os documentos admitidos pelo Eg. STJ estão aqueles que atestam a condição de rurícola do cônjuge, cuja qualificação pode estender-se a esposa, desde que a continuação da atividade rural seja comprovada por robusta prova testemunhal (AgRg no AREsp nº 272.248/MG, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 12/04/2013; AgRg no REsp nº 1342162/CE, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 27/09/2013).
CASO CONCRETO
Segundo a inicial, a autora iniciou sua vida laboral no campo quando criança, aos 12 anos de idade, assim permanecendo após o seu casamento, em 1983, pois seu marido também trabalhava na lavoura. Deixou o trabalho no campo no ano de 2002, quando passou a exercer atividade urbana.
Para comprovar o labor rural, a autora, nascida em 02/07/1956, apresentou os seguintes documentos:
a) certificado de dispensa de incorporação de seu marido, expedido em 1980, onde ele está qualificado como operário rural (fl. 131/132);
b) certidão de casamento, ocorrido em 11/04/1983, onde seu marido está qualificado como trabalhador rural (fl. 128);
c) suas CTPS’s com registros urbanos de 01/10/1980 a 04/06/1981; de 01/07/1988 a 30/07/1991; de 29/04/2002 a 31/07/2002; de 10/04/2013 a 27/08/2014; de 04/05/2016 sem data de saída e vínculos rurais de 02/01/1992 a 29/02/1992; de 02/05/1992 a 31/01/1993; de 01/05/1993 a 31/08/1993; de 09/11/93 a 30/05/95; de 01/08/98 a 28/02/99 (fl.243/ 272) ;
d) CTPS de seu marido com vínculos rurais de 01/11/1981 a 15/03/1982; de 01/06/1983 a 04/12/1983; de 19/11/1984 a 24/03/1985; ; de 01/08/1985 a 29/02/1988; 02/01/1992 a 30/04/ 1994; de 01/06/ 1994 a 26/06/1994; de 01/06/95 a 09/02/2002; de 09/10/2003 a 24/10/2003; de 02/02/2004 a 30/11/2005; de 01/10/2006 a 18/05/2009; de 03/09/2010 a 03/01/2011; de 01/01/2011 a 02/11/2012; e vínculos urbanos de 12/04/1984 a 15/09/1984; de 14/03/1988 a 12/05/1988; de 01/07/1988 a 30/07/1991; de 01/08/1994 a 30/05/ 1995 (fl. 273/285);
e) carteira de vacinação da autora, onde consta seu endereço na Fazenda Palmar, Jaguariúna (fl. 286/287) ;
f) certidão de óbito do seu pai, falecido em 1985, onde consta a profissão como lavrador (fl. 129) e
g) certidão de nascimento da sua filha, em 08/04/1986 onde seu cônjuge está qualificado como lavrador e o endereço residencial de ambos é na Fazenda Palmar, bairro Roseira, Jaguariúna/SP (fl. 130).
Pois bem.
Quanto ao período anterior ao seu casamento, ocorrido em 1983, a autora não trouxe início de prova material do labor rural, valendo-se, apenas da prova oral, o que não se admite, com fulcro no enunciado 149 da Súmula do Eg. STJ.
Dentro desse contexto, entendo que o documento em nome do seu pai é datado de 1985, ocasião em que a parte autora já era casada e integrava núcleo familiar diverso, razão pela qual esse documento não estende a ela a qualificação de rurícola do seu pai.
O mesmo se dá em relação ao certificado de dispensa de incorporação de seu marido, onde ele está qualificado como operário rural, pois foi expedido em 1980 quando ela ainda era solteira e integrava o núcleo familiar de seu pai..
Remanescem, contudo, os demais documentos, a saber, sua CTPS, CTPS de seu marido, certidão de casamento, certidão de nascimento da sua filha e a carteira de vacinação.
Uma das controvérsias gira em torno da possibilidade de extensão da qualificação de lavrador de um cônjuge ao outro constante de documento apresentado, para fins de comprovação da atividade campesina, que indique, por exemplo, o marido como trabalhador rural nos casos em que ambos são trabalhadores volantes/boias–frias.
Comungo do entendimento de que para a aferição do labor rural da mulher, em razão da maior informalidade a que estão historicamente sujeitas no mercado de trabalho, especialmente no meio rural, quando não houver documentos em seu nome que atestem sua condição de rurícola, é possível estender a elas os documentos dos cônjuges ou companheiros que servem como início de prova documental do seu labor rural, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado em regime de economia familiar.
Isso porque, no caso das mulheres, é comum depararmos, por exemplo, com uma certidão de casamento em que conste sua profissão como sendo “ do lar” ou “prendas domésticas”, quando, na verdade, na época ela trabalhava no campo, situação idêntica ao que ocorre nos documentos produzidos pelas escolas, instituições bancarias, hospitais, etc., em que dificilmente consta a profissão correta que é lavradora.
Ademais, em seu nome a autora trouxe a sua CTPS com vários vínculos rurais ( a partir de 1992) e trouxe a CTPS do seu marido , com inúmeras anotações de trabalho no meio rural , o que constitui prova plena do labor rural do período anotado.
Destaco que, embora a anotação da CTPS do marido ou companheiro seja pessoal e intransferível, fazendo prova plena do labor rural dele, tal circunstância não impede – pelo contrário - o seu uso como início de prova material para a esposa ou companheira porquanto as mulheres, em razão da maior informalidade a que estão historicamente sujeitas no mercado de trabalho, sobretudo no meio rural, não costumam ser registradas.
Nesse ponto, entendo que os documentos dos cônjuges servem como início de prova documental do seu labor rural e são extensíveis , como é o caso dos autos.
Por sua vez, a prova testemunhal produzida nos autos e não impugnada pelas partes, evidenciou de forma segura e induvidosa o labor rural da parte autora, todavia, o fez em parte do período. Vejamos.
A autora alega que passou a exercer atividade urbana, tendo abandonado o labor rural, por ocasião de seu vínculo urbano iniciado em 29/04/2002.
A testemunha Antônio Laerte Dias disse que trabalhou com a autora, aproximadamente entre 1974/1975. Ele tinha uma Kombi e levava os trabalhadores para prestarem serviço no Jockey Club, limpando pasto, cocheira , carpindo, fazendo cerca. O trabalho era diário. A autora ficou lá até aproximadamente 1978/1979. O depoente levava normalmente 15 pessoas para o trabalho. A autora ia sozinha. Na época ela era solteira. Ele pegava os trabalhadores no ponto às 6h30 e retornava às 17h. O sistema era diária. A autora possuía por volta de 16/17 anos de idade e trabalhou até seus 23 a 24 anos. Depois o depoente perdeu contato.
A testemunha Sonia Regina de Barros dos Santos trabalhou com a autora no período de 1978 a 1980/1981 na Fazenda São Gabriel. Disse que quando se mudou para a Fazenda São Gabriel a autora já morava lá e trabalhava junto a sua família (pais e irmãos), que na época a autora ainda era solteira e que toda a família trabalhava no campo. Esclareceu que morou na Fazenda São Gabriel até 1980/1981, mas que a autora permaneceu na Fazenda trabalhando com sua família. Afirmou também que as atividades desempenhadas na fazenda eram ligadas ao cultivo de café e laranja.
A testemunha Maria das Graças Ferreira Bernardino disse que conheceu a autora em 1993 quando ela veio de Minas Gerais e foi para Fazenda Palmar em 1994. A depoente morava na cidade e a autora na fazenda. A autora trabalhava na lavoura. A depoente não sabe dizer até quando a autora ficou na fazenda, mas sabe dizer que ficou pelo menos de 6 a 7 anos na Fazenda Palmar (Agro Industrial Campay).
As duas primeiras testemunhas conheceram a autora quando ela era solteira discorrendo portanto, sobre um período em que como visto, não há início de prova material.
A testemunha Maria das Graças conheceu a autora no ano de 1993 de sorte que apenas a partir de então é possível ampliar a capacidade probatória do início de prova material apresentado.
Anoto que seu depoimento foi harmônico e preciso, permitindo concluir que a atividade campesina era sua principal fonte de renda e que nos intervalos de trabalho formal continuava exercendo a mesmo atividade, de maneira informal, como é comum na zona rural.
Conforme entendimento jurisprudencial sedimentado, a prova testemunhal possui aptidão para ampliar a eficácia probatória da prova material trazida aos autos, sendo desnecessária a sua contemporaneidade para todo o período de carência que se pretende comprovar (Recurso Especial Repetitivo 1.348.633/SP, (Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, DJe 5/12/2014) e Súmula 577 do Eg. STJ.
Limito, assim, o reconhecimento do trabalho rural de 02/01/1992 (CTPS) a 28/04/2002.
Por ocasião da DER, em 13/02/2019, o INSS apurou um total de 167 contribuições ( fls. 234, 239/241)
No caso concreto, a soma dos períodos de trabalho rural e do período reconhecido administrativamente constante no CNIS, resulta no cumprimento do tempo de carência exigido, nos termos dos artigos 48, § 3º c.c. 142 c/c 25, II, da Lei n. 8.213/91.
Dessa sorte, presentes os dois requisitos indispensáveis à concessão do benefício, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria por idade híbrida.
Relativamente ao termo inicial do benefício, o artigo 49 da Lei 8.213/91 dispõe:
"Art. 49. A aposentadoria por idade será devida:
I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir: a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea "a";
II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento."
Portanto, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo – em 13/02/2019.
Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, revendo posicionamento adotado anteriormente, devem ser aplicados os índices e critérios adotados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vigente na data da execução, o qual
foi instituído pelo Conselho da Justiça Federal com o objetivo de unificar os critérios de cálculo a serem aplicados a todos os processos sob sua jurisdição, na fase de execução, e seus parâmetros são estabelecidos com base na legislação vigente e na jurisprudência dominante, por meio de Resolução, devendo ser observado, sem ofensa à coisa julgada, a versão mais atualizada do manual.
Revendo meu posicionamento anterior, e em consonância com o entendimento dominante esposado pelas Turmas componentes da 3ª Seção deste E. Tribunal - no sentido de que, nos casos em que o benefício previdenciário não é concedido em sentença, mas apenas em sede recursal, a base de cálculos da verba honorária compreende as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício -, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data do presente julgado.
Em consulta ao CNIS da autora, verifico que ela recebe aposentadoria por idade desde 28/10/2021.
Portanto, considerando a vedação à cumulação benefícios, a teor do disposto no artigo 124 da Lei nº 8.231/91; deve ser ressalvado o direito à opção da parte autora pelo mais vantajoso, realizando-se a devida compensação, se for o caso, na fase de cumprimento da sentença.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração da parte autora, com efeitos infringentes, para declarar o acórdão dando parcial provimento ao seu apelo para reconhecer a atividade rural no período de 02/01/1992 a 28/04/2002 e conceder aposentadoria por idade na modalidade híbrida, nos termos do expendido.
É COMO VOTO.
***/gabiv/.soliveir..
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OBSCURIDADE. EMBARGOS DA AUTORA ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR IDADE NA MODALIDADE HÍBRIDA. REQUISITOS SATISFEITOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A oposição de embargos declaratórios só se faz cabível em caso de omissão, obscuridade ou contradição (art. 1.022, CPC/15).
2. A obscuridade se verifica quando há evidente dificuldade na compreensão do julgado decorrente da falta de clareza do decisum,.
3.. Dispõe o artigo 48, §§3º e 4º da Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei nº. 11.718/2008, que o (a) segurado(a) terá direito a se aposentar por idade, na forma híbrida, isto é, como trabalhador(a) rural e urbano(a), quando atingir 65 (homens) ou 60 (mulheres) anos, não importando qual a atividade exercida à época do requerimento do benefício, desde que tenha cumprido a carência exigida, devendo ser considerados ambos os períodos (urbano e rural) para esse fim. (Precedente do STJ, Segunda Turma, Recurso Especial - 1407613, Julg. 14.10.2014, Rel. Herman Benjamin, DJE Data:28.11.2014).
4. A lei não faz distinção acerca de qual seria a atividade a ser exercida pelo segurado no momento imediatamente anterior ao implemento do requisito etário ou requerimento administrativo (REsp nº 1.407.613, sob a sistemática dos recursos repetitivos, o Eg. STJ).
5. Comprovada a natureza mista do labor exercido no período de carência, o regime será o do artigo 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991, conforme entendimento consolidado quando do julgamento do REsp nº. 1.407.613, segundo o qual o segurado pode somar ou mesclar os tempos para fins de obtenção do benefício de aposentadoria por idade (híbrida) aos 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher, não importando se o segurado era rural ou urbano à época do requerimento do benefício (REsp nº. 1.407.613, julgamento em 14.10.2014, Rel. Ministro Herman Benjamin).
6. Quanto ao trabalho rural remoto exercido antes de 1991, em julgamento realizado em 14/08/2019, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou a seguinte tese: "O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo" (Tema 1.007).
7. A questão foi julgada pelo rito dos recursos repetitivos. Isso significa dizer que a mesma terá de ser seguida por todas as instâncias judiciária do país, consoante previsão do art. 927, III do CPC, que estabelece que os juízes e tribunais observem os acórdãos proferidos em recursos extraordinário e especial repetitivos.
8. O C. Supremo Tribunal Federal concluiu, no dia 25/9/2020 (Plenário Virtual), o julgamento do Tema 1104 (RE 1.281.909), que discutia a questão dos requisitos para concessão da aposentadoria híbrida, tendo firmado a tese de que ausente a repercussão geral da matéria, afigura-se impossível o cabimento de recursos extraordinários a respeito desse tema, de sorte que, prevalecerá o entendimento adotado pelo Eg. STJ, ao julgar o Tema 1007.
9. Segundo o entendimento firmado pelo Eg. o STJ para concessão de aposentadoria por idade híbrida, o tempo rural anterior a 1991 pode ser utilizado para fins de carência, aproveitando-se o tempo de trabalho rural remoto e descontínuo
10. A comprovação do tempo de serviço em atividade rural, seja para fins de concessão de benefício previdenciário ou para averbação de tempo de serviço, deve ser feita mediante a apresentação de início de prova material, conforme preceitua o artigo 55, § 3º, da Lei de Benefícios, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, entendimento cristalizado na Súmula nº 149, do C. STJ: "A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção do benefício previdenciário".
11. Considerando as precárias condições em que se desenvolve o trabalho do lavrador e as dificuldades na obtenção de prova material do seu labor, quando do julgamento do REsp. 1.321.493/PR, realizado segundo a sistemática de recurso representativo da controvérsia (CPC, art. 543-C), abrandou-se a exigência da prova admitindo-se início de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido, a ser complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
12. Dentre os documentos admitidos pelo Eg. STJ estão aqueles que atestam a condição de rurícola do cônjuge, cuja qualificação pode estender-se a esposa, desde que a continuação da atividade rural seja comprovada por robusta prova testemunhal (AgRg no AREsp nº 272.248/MG, 2ª Turma, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 12/04/2013; AgRg no REsp nº 1342162/CE, 1ª Turma, Relator Ministro Sérgio Kukina, DJe 27/09/2013).
13.Em período anterior ao seu casamento, ocorrido em 1983, a autora não trouxe início de prova material do labor rural, valendo-se, apenas da prova oral, o que não se admite.
14. Para a aferição do labor rural da mulher, em razão da maior informalidade a que estão historicamente sujeitas no mercado de trabalho, especialmente no meio rural, quando não houver documentos em seu nome que atestem sua condição de rurícola, é possível estender a elas os documentos dos cônjuges ou companheiros que servem como início de prova documental do seu labor rural, ainda que o desempenho da atividade campesina não tenha se dado em regime de economia familiar.
15. Os documentos dos cônjuges servem como início de prova documental do seu labor rural e são extensíveis , como é o caso dos autos.
16. A prova testemunhal produzida nos autos e não impugnada pelas partes, evidenciou de forma segura e induvidosa o labor rural da parte autora, todavia, o fez em parte do período.
16. A soma dos períodos de trabalho rural e do período reconhecido administrativamente constante no CNIS, resulta no cumprimento do tempo de carência exigido, nos termos dos artigos 48, § 3º c.c. 142 c/c 25, II, da Lei n. 8.213/91.
17. Presentes os dois requisitos indispensáveis à concessão do benefício, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria por idade híbrida.
18. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, devem ser aplicados os índices previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, (i) à exceção da correção monetária a partir de julho de 2009, período em que deve ser observado o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-e, critério estabelecido pelo Pleno do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, realizado em 20/09/2017, na sistemática de Repercussão Geral, e confirmado em 03/10/2019, com a rejeição dos embargos de declaração opostos pelo INSS, observada, quanto ao termo final, a tese firmada em Repercussão Geral no RE 579.431, e, (ii) a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 113, de 08/12/2021, será aplicada a Taxa SELIC, “para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, uma única vez, até o efetivo pagamento, acumulado mensalmente.”
19. O termo inicial do benefício deve ser mantido a partir do requerimento administrativo – em 13/02/2019.
20. Em consonância com o entendimento dominante esposado pelas Turmas componentes da 3ª Seção deste E. Tribunal - no sentido de que, nos casos em que o benefício previdenciário não é concedido em sentença, mas apenas em sede recursal, a base de cálculos da verba honorária compreende as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício -, fica o INSS condenado ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data do presente julgado.
21. . Embargos de declaração da parte autora acolhidos, com efeitos infringentes, para declarar o acórdão . Recurso parcialmente provido.
