Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0037398-73.2016.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
25/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 07/06/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO
RECONHECIDAS. REAPRECIAÇÃO DO APELO AUTÁRQUICO. PREVIDENCIÁRIO.
SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. FUNGIBILIDADE DAS AÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. PRECEDENTE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL.
INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. REABILITAÇÃO. POSSIBILIDADE. LAUDO
MÉDICO. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS
CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE
JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO.
VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-
DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DA ALTA MÉDICA ADMINISTRATIVA. PERMANÊNCIA NO
TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA.
DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO. TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111,
STJ. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO APENAS QUANTO ÀS CUSTAS. ART.
8, §1º, LEI 8.620. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO INSS PROVIDOS. VÍCIOS SANADOS.
REANÁLISE DO APELO AUTÁRQUICO. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO A QUE SE DÁ
PARCIAL PROVIMENTO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
1 - O aresto recorrido padece, com efeito, de contradição e omissão, na medida em que, por um
equívoco, faz referência a outro caso, distinto da causa de pedir e pedidos aqui deduzidos.
Constatada a existência dos vícios, passa-se a saná-los nesta oportunidade, com a prolação de
nova decisão.
2 - É vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
3 - O INSS alega que a autora deduziu apenas pleito concessivo de aposentadoria por invalidez e
a sentença, ao lhe deferir auxílio-doença, julgou pedido diverso, estando acoimada de nulidade. A
preliminar não prospera.
4 - Isso porque, à luz do princípio da fungibilidade das ações previdenciárias, que decorre do fato
de ser inexigível do segurado o conhecimento acerca da extensão da sua incapacidade, torna-se
possível a concessão de benefício distinto do efetivamente pleiteado, desde que da mesma
natureza (auxílio-doença por aposentadoria por invalidez e vice-versa). Precedente.
5 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
6 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
7 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
8 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
9 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
10 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
11 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
12 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 30 de
abril de 2015, quando a demandante possuía 31 (trinta e um) anos, consignou o seguinte:
“Paciente submetida a tratamento de hérnia de disco lombar, que evoluiu para instabilidade
mecânica da coluna com retrolistese. Foi feito artrodese de coluna lombar (fixação com parafusos
e hastes) para instabilidade mecânica. Evoluiu com dores e incapacidade parcial e definitiva”. Por
fim, fixou a DII em 2005, ano em que passou por procedimento cirúrgico em sua coluna.
13 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames ou
quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal aptidão,
salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso concreto. Por ser
o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
14 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente, a
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de histórico
da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando demais análises
que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório, referida prova técnica
merece confiança e credibilidade.
15 - O cumprimento dos requisitos qualidade de segurado e carência são incontroversos na DII,
na medida em que a requerente manteve vínculo empregatício, de 01.02.2000 a 05.12.2011.
16 - Haja vista que sua incapacidade é de caráter parcial, notadamente para a atividade
costumeira de “balconista”, sendo possível sua reabilitação para outras funções, se mostra de
rigor a concessão de auxílio-doença, nos exatos termos do art. 59 da Lei 8.213/91.
17 - Frisa-se que existem grandes chances, após procedimento reabilitatório, de a demandante
realizar outras atividades laborais: é jovem, contando, hoje, com 37 (trinta e sete) anos de idade.
18 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do
auxílio-doença (NB: 514.118.974-7), de rigor a fixação da DIB na data do seu cancelamento
indevido, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua cessação
(05.04.2007), a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema da Seguridade Social,
percebendo benefício previdenciário.
19 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
20 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
21 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente".
22 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
23 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
24 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou
perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento) estabelecido na sentença,
devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sua prolação,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
25 - No que toca ao pagamento de custas e despesas processuais, registro, quanto às primeiras,
que o decisum expressamente declarou a isenção da autarquia. De outro lado, nas despesas,
nelas incluídas os honorários advocatícios e periciais, o ente autárquico foi condenado a seu
pagamento com razão, a contrario sensu do disposto no art. 8º, §1º, da Lei 8.620/93.
26 - Embargos de declaração do INSS providos. Vícios sanados. Reanálise do apelo autárquico.
Preliminar rejeitada. Apelação a que se dá parcial provimento. Sentença reformada em parte.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0037398-73.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PATRICIA BIGOTTO GASPARINO FASSI
Advogado do(a) APELADO: ARMANDO DA SILVA - SP122965-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0037398-73.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PATRICIA BIGOTTO GASPARINO FASSI
Advogado do(a) APELADO: ARMANDO DA SILVA - SP122965-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO
SOCIAL - INSS, contra o v. acórdão, proferido pela 7ª Turma, que, por unanimidade, deu parcial
provimento à sua apelação (ID 143385922).
Razões recursais, oportunidade em que o embargante sustenta a ocorrência de omissão e
contradição no julgado, na medida em que a fundamentação encontra-se dissociada do caso
dos autos (ID 144741014).
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0037398-73.2016.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PATRICIA BIGOTTO GASPARINO FASSI
Advogado do(a) APELADO: ARMANDO DA SILVA - SP122965-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Pela dicção do art. 1.022, I, II e III do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são
o recurso próprio para esclarecer obscuridade, contradição, omissão de ponto que o magistrado
ou o Tribunal deveria se manifestar, ou ainda para sanar erro material constante do julgado.
O aresto recorrido padece, com efeito, de contradição e omissão, na medida em que, por um
equívoco, faz referência a outro caso, distinto da causa de pedir e pedidos aqui deduzidos.
Constatada a existência dos vícios, passo a saná-los nesta oportunidade, com a prolação de
novo decisum nos seguintes termos:
Por primeiro, saliento que é vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra
petita) ou diversamente do pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
Pois bem, o INSS alega que a autora deduziu apenas pleito concessivo de aposentadoria por
invalidez e a sentença, ao lhe deferir auxílio-doença, julgou pedido diverso, estando acoimada
de nulidade.
A preliminar não merece prosperar.
Isso porque, à luz do princípio da fungibilidade das ações previdenciárias, que decorre do fato
de ser inexigível do segurado o conhecimento acerca da extensão da sua incapacidade, torna-
se possível a concessão de benefício distinto do efetivamente pleiteado, desde que da mesma
natureza (auxílio-doença por aposentadoria por invalidez e vice-versa).
Não é outro o entendimento desta Egrégia Turma:
"PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS
COMPROVADOS.INCAPACIDADE TOTAL E PERMANENTE. FUNGIBILIDADE DA
CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
AGRAVO LEGAL IMPROVIDO. - (...) - Por oportuno, importa salientar que o artigo 436 do
Código de Processo Civil dispõe que o julgador não se acha adstrito ao laudo, podendo,
segundo sua livre convicção, decidir de maneira diversa. No caso dos autos, o conjunto
probatório é consonante com a conclusão exarada no laudo pericial. - Preenchidos os requisitos
legais e com fundamento no princípio da fungibilidade da concessão dos benefícios
previdenciários, impõe-se o reconhecimento do direito à percepção do benefício de
aposentadoria por invalidez, nos termos do artigo 42 da Lei 8.213/91. - No que tange ao
prequestionamento de matéria federal e constitucional, o recurso foi apreciado em todos os
seus termos, pelo que atende a pretensão ora formulada neste mister. -Agravo legal improvido"
(APELREEX 00025973920134039999, DESEMBARGADORA FEDERAL MÔNICA NOBRE,
TRF3 - SÉTIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:26/08/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
(grifos nossos).
Passo à análise do mérito.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no
Regime não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão
ou agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses
o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte)
meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar,
a partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-
doença e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
De início, registro que a primeira perícia realizada no caso deve ser desconsiderada, posto que
o responsável por sua elaboração foi destituído do seu mister, em sede de exceção de
suspeição (ID 102412102, p. 29-30 e 35).
O segundo profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 30
de abril de 2015 (ID 102408227, p. 71-75), quando a demandante possuía 31 (trinta e um) anos,
consignou o seguinte:
“Paciente submetida a tratamento de hérnia de disco lombar, que evoluiu para instabilidade
mecânica da coluna com retrolistese. Foi feito artrodese de coluna lombar (fixação com
parafusos e hastes) para instabilidade mecânica. Evoluiu com dores e incapacidade parcial e
definitiva”.
Por fim, fixou a DII em 2005, ano em que passou por procedimento cirúrgico em sua coluna.
Assevero que da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu
do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre
convencimento motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou
científica que refoge à controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos
robustos nos autos em sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto.
Atestados médicos, exames ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas
partes não possuem tal aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se
vislumbra no caso concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração
do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000,
Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo
Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente, a
qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
O cumprimento dos requisitos qualidade de segurado e carência são incontroversos na DII, na
medida em que a requerente manteve vínculo empregatício, de 01.02.2000 a 05.12.2011 (ID
102408226, p. 14-25).
Pois bem, haja vista que sua incapacidade é de caráter parcial, notadamente para a atividade
costumeira de “balconista”, sendo possível sua reabilitação para outras funções, se mostra de
rigor a concessão de auxílio-doença, nos exatos termos do art. 59 da Lei 8.213/91.
Frisa-se que existem grandes chances, após procedimento reabilitatório, de a demandante
realizar outras atividades laborais: é jovem, contando, hoje, com 37 (trinta e sete) anos de
idade.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do auxílio-doença (NB:
514.118.974-7), de rigor a fixação da DIB na data do seu cancelamento indevido, já que desde
a data de entrada do requerimento (DER) até a sua cessação (05.04.2007 - ID 102408227, p.
48), a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo
benefício previdenciário.
Passo à análise da questão envolvendo o trabalho da demandante no período em que
reconhecida a incapacidade laborativa, com o desdobramento no pagamento das parcelas em
atraso.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue
exercer suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou
definitiva. Assim como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada,
após a implantação de tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que
dão sustentação ao raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da
coibição de má-fé do segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da
Lei nº 8.213/91, em relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em manter benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo
pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento
da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura
má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade
e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser
humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o
sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o
incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela
responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela
jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de
suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade
de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até
porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de
trabalho, absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que
completamente à margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao
erário e ao custeio do regime.
Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO
MONETÁRIA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou
voltado a trabalhar, por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma
vez que pode tê-lo feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se
tratando de empregada doméstica, não obstante incapacitada para tal. 2. A autora, que deveria
ter sido aposentada por invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em
função de indevida negativa do benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto
dos salários-de-contribuição sobre os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade
remunerada, por falta de alternativa, para o próprio sustento, em que pese a incapacidade
laborativa, no período em que a autarquia opôs-se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS
tirar proveito de sua própria conduta. 3. No que tange à correção monetária, devem ser
aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a partir da vigência da Lei 11.960/09. 4.
Agravo parcialmente provido." (AC 0036499-51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed.
Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/02/2013)".
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. MATÉRIA PRELIMINAR.
ESPERA PELA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO À ATIVIDADE
LABORATIVA. POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CONJUNTA DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE E SALÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA.
VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ACOSTADOS AOS AUTOS SUBJACENTES. ERRO
FATO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A matéria preliminar confunde-se com o mérito e com ele será examinada.
II - Há que prevalecer o entendimento já adotado na 10ª Turma, no sentido de que comprovada
a incapacidade laborativa e não tendo sido concedida tutela para implantação do benefício, não
se justifica a exclusão do período em que o segurado, mesmo tendo direito ao benefício, teve
que trabalhar para garantir a sua subsistência, já que não é razoável que se exija que o
segurado tenha recursos para se manter até que o seu feito seja julgado.
III - Malgrado o ora réu tenha exercido atividade remunerada desde o termo inicial do benefício
de auxílio-doença fixado pela r. decisão rescindenda (05.02.2006) até agosto de 2011,
conforme extrato do CNIS acostado aos autos, cabe ponderar que este havia sido contemplado
com benefício de auxílio-doença nos períodos de 25.06.2004 a 04.07.2005, de 16.10.2005 a
30.11.2005 e de 25.01.2006 a 05.02.2006, havendo, ainda, documentos médicos apontando a
ocorrência da mesma enfermidade constatada pela perícia oficial (epicondilite lateral do
cotovelo direito) desde agosto de 2004. Assim sendo, é razoável inferir que o ora réu teve que
buscar o mercado de trabalho mesmo sem plenas condições físicas para tal.
IV - A r. decisão rescindenda apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, segundo o
princípio da livre convicção motivada, tendo concluído pela existência de incapacidade parcial e
temporária do réu para o trabalho, a ensejar a concessão do benefício de auxílio-doença.
V - Não se admitiu um fato inexistente ou se considerou inexistente um fato efetivamente
ocorrido, pois foram consideradas as provas acostadas aos autos originários, com
pronunciamento judicial sobre o tema, mesmo porque não constava das peças que
compuseram os aludidos autos o extrato de CNIS indicando a manutenção de atividade
laborativa após a cessação do benefício de auxílio-doença concedido na esfera administrativa.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais) a serem suportados
pelo INSS.
VII - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(AR nº 0019784-55.2011.4.03.0000, Rel. Des. Federal Sérgio Nascimento, 3ª Seção, e-DJF3
18/11/2013)”.
A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente”.
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por
imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou
perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento) estabelecido na sentença,
devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sua prolação,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
No que toca ao pagamento de custas e despesas processuais, registro, quanto às primeiras,
que o decisum expressamente declarou a isenção da autarquia. De outro lado, nas despesas,
nelas incluídas os honorários advocatícios e periciais, o ente autárquico foi condenado a seu
pagamento com razão, a contrario sensu do disposto no art. 8º, §1º, da Lei 8.620/93.
Ante o exposto, dou provimento aos embargos de declaração do INSS para reconhecer os
vícios apontados, e com isso aprecio novamente o seu apelo, para rejeitar a matéria
preliminarnele deduzida e dar-lhe parcial provimento a fim de que os juros de mora, incidentes
até a expedição do ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, e,
por fim, de ofício, determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de
quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO
RECONHECIDAS. REAPRECIAÇÃO DO APELO AUTÁRQUICO. PREVIDENCIÁRIO.
SENTENÇA EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. FUNGIBILIDADE DAS AÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. PRECEDENTE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ. QUALIDADE DE SEGURADO DEMONSTRADA. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA
LEGAL. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. REABILITAÇÃO. POSSIBILIDADE.
LAUDO MÉDICO. INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS
CONCLUSÕES PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE
JURÍDICA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO.
VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-
DOENÇA DEVIDO. DIB. DATA DA ALTA MÉDICA ADMINISTRATIVA. PERMANÊNCIA NO
TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA.
DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO. TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA
111, STJ. CUSTAS E DESPESAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO APENAS QUANTO ÀS
CUSTAS. ART. 8, §1º, LEI 8.620. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DO INSS PROVIDOS.
VÍCIOS SANADOS. REANÁLISE DO APELO AUTÁRQUICO. PRELIMINAR REJEITADA.
APELAÇÃO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.
1 - O aresto recorrido padece, com efeito, de contradição e omissão, na medida em que, por um
equívoco, faz referência a outro caso, distinto da causa de pedir e pedidos aqui deduzidos.
Constatada a existência dos vícios, passa-se a saná-los nesta oportunidade, com a prolação de
nova decisão.
2 - É vedado ao magistrado decidir além (ultra petita), aquém (citra petita) ou diversamente do
pedido (extra petita), consoante o art. 492 do CPC/2015.
3 - O INSS alega que a autora deduziu apenas pleito concessivo de aposentadoria por invalidez
e a sentença, ao lhe deferir auxílio-doença, julgou pedido diverso, estando acoimada de
nulidade. A preliminar não prospera.
4 - Isso porque, à luz do princípio da fungibilidade das ações previdenciárias, que decorre do
fato de ser inexigível do segurado o conhecimento acerca da extensão da sua incapacidade,
torna-se possível a concessão de benefício distinto do efetivamente pleiteado, desde que da
mesma natureza (auxílio-doença por aposentadoria por invalidez e vice-versa). Precedente.
5 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
6 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo
de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
7 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o
tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
8 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
9 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
10 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e
quatro) meses o lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120
(cento e vinte) meses, sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua
vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
11 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
12 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 30 de
abril de 2015, quando a demandante possuía 31 (trinta e um) anos, consignou o seguinte:
“Paciente submetida a tratamento de hérnia de disco lombar, que evoluiu para instabilidade
mecânica da coluna com retrolistese. Foi feito artrodese de coluna lombar (fixação com
parafusos e hastes) para instabilidade mecânica. Evoluiu com dores e incapacidade parcial e
definitiva”. Por fim, fixou a DII em 2005, ano em que passou por procedimento cirúrgico em sua
coluna.
13 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
14 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente,
a qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
15 - O cumprimento dos requisitos qualidade de segurado e carência são incontroversos na DII,
na medida em que a requerente manteve vínculo empregatício, de 01.02.2000 a 05.12.2011.
16 - Haja vista que sua incapacidade é de caráter parcial, notadamente para a atividade
costumeira de “balconista”, sendo possível sua reabilitação para outras funções, se mostra de
rigor a concessão de auxílio-doença, nos exatos termos do art. 59 da Lei 8.213/91.
17 - Frisa-se que existem grandes chances, após procedimento reabilitatório, de a demandante
realizar outras atividades laborais: é jovem, contando, hoje, com 37 (trinta e sete) anos de
idade.
18 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da
cessação do auxílio-doença (NB: 514.118.974-7), de rigor a fixação da DIB na data do seu
cancelamento indevido, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua
cessação (05.04.2007), a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema da Seguridade
Social, percebendo benefício previdenciário.
19 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que
outra alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de
agravamento da situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto
não configura má-fé e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado
de necessidade e nada mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e
dignidade do ser humano. Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica,
pretende que o sustento do segurado fosse provido de forma divina, transferindo
responsabilidade sua para o incapacitado ou, então, para alguma entidade que deve reputar
sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele que teve seu direito violado,
necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até
o fim e teve de suportar o calvário processual.
20 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
21 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença
ou de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito
ao recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente".
22 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
23 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
24 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal (art. 85, §§2º e 3º, CPC), ser fixada moderadamente, o que restou
perfeitamente atendido com o percentual de 10% (dez por cento) estabelecido na sentença,
devendo o mesmo incidir sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sua prolação,
consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
25 - No que toca ao pagamento de custas e despesas processuais, registro, quanto às
primeiras, que o decisum expressamente declarou a isenção da autarquia. De outro lado, nas
despesas, nelas incluídas os honorários advocatícios e periciais, o ente autárquico foi
condenado a seu pagamento com razão, a contrario sensu do disposto no art. 8º, §1º, da Lei
8.620/93.
26 - Embargos de declaração do INSS providos. Vícios sanados. Reanálise do apelo
autárquico. Preliminar rejeitada. Apelação a que se dá parcial provimento. Sentença reformada
em parte. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento aos embargos de declaração do INSS para reconhecer os
vícios apontados, e com isso apreciar novamente o seu apelo, para rejeitar a matéria preliminar
nele deduzida e dar-lhe parcial provimento a fim de que os juros de mora, incidentes até a
expedição do ofício requisitório, sejam fixados de acordo com o Manual de Orientação de
Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, e,
por fim, de ofício, determinar que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser
calculada de acordo com o mesmo Manual até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de
quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, nos termos do relatório e voto que
ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
