
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5080362-83.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
APELANTE: ADEJAIR POLICARPO DE BRITO
Advogado do(a) APELANTE: GLAUCIA CANIATO - SP329345-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5080362-83.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
APELANTE: ADEJAIR POLICARPO DE BRITO
Advogado do(a) APELANTE: GLAUCIA CANIATO - SP329345-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
R E L A T Ó R I O
Trata-se de embargos de declaração opostos pela parte autora, ADEJAIR POLICARPO DE BRITO, em face do acórdão (Id 288169249), mediante o qual restou negado provimento à apelação autoral, confirmando a sentença a quo pela qual foi julgado improcedente o pedido formulado em ação previdenciária, não reconhecendo o exercício de atividade especial de 07.06.1982 a 20.12.1982, 10.05.1984 a 18.12.1985, 08.10.1986 a 16.05.1987, 19.05.1987 a 26.02.1991, 14.03.1995 a 02.07.1995, 03.07.1995 a 14.12.1995, 03.01.1996 a 01.04.1996, e de 02.04.1996 a 14.01.1998.
A parte autora, ora embargante, sustenta, em síntese, que o acórdão embargado incorreu em omissão, requerendo o acolhimento com efeitos infringentes aos declaratórios, sob a alegação de não ter sido reconhecido “o enquadramento como tempo especial de período em que a parte autora laborou na lavoura de cana-de-açúcar, com comprovação da exposição ao agente nocivo à saúde, sem adentrar em tese acolhida majoritariamente por tribunais e turmas, acerca do enquadramento do trabalhador rural em corte de cana, com fundamento nos códigos 1.2.11 do decreto nº 53.831/64, 1.2.10 do decreto nº 83.080/79 e 1.0.17, anexo IV do decreto nº 3.048/99.” Prequestiona a matéria.
Intimada, a parte contrária não apresentou manifestação sobre os embargos de declaração.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5080362-83.2022.4.03.9999
RELATOR: Gab. 35 - DES. FED. JOÃO CONSOLIM
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APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
V O T O
O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO CONSOLIM (Relator):
Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são o instrumento processual adequado para a integração do julgado nas hipóteses de omissão, obscuridade ou contradição, podendo também ser utilizados para a correção de vício ou erro material.
Ausentes as hipóteses previstas no aludido dispositivo legal, compete à parte inconformada com o teor da decisão, lançar mão dos recursos cabíveis com o fim de obter a reforma do ato judicial, já que os embargos de declaração não se prestam à manifestação de inconformismo ou à rediscussão do julgado. Nesse sentido: STJ, ED no MS n. 17963/DF, Primeira Seção, Relator Ministro PAULO SERGIO DOMINGUES, DJe 14.3.2023.
Ainda que se pretenda a análise da matéria à finalidade de prequestionamento, para o conhecimento dos embargos de declaração é necessária a demonstração de um dos vícios enumerados na norma processual citada. Nesse sentido:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO E OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. PRETENSÃO DE REJULGAMENTO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
1. Os embargos de declaração poderão ser opostos com a finalidade de eliminar da decisão qualquer erro material, obscuridade, contradição ou suprir omissão sobre ponto acerca do qual se impunha pronunciamento, o que não é o caso dos autos.
2. Na esteira da uníssona jurisprudência desta Corte de Justiça, os embargos de declaração não constituem instrumento adequado ao prequestionamento, com vistas à futura interposição de recurso extraordinário, razão pela qual, para tal escopo, também não merecem prosperar.
3. Embargos de declaração rejeitados”.
(STJ - EDcl no AgInt nos EDcl no AREsp 1929948 SC 2021/0224604-0, Terceira Turma, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 7.4.2022)
No caso dos autos, verifico que assiste razão à parte embargante.
Com efeito, o acórdão embargado consignou que:
“(...) No caso dos autos, pretende a autora o reconhecimento da especialidade dos interregnos de 07.06.1982 a 20.12.1982, 10.05.1984 a 18.12.1985, 08.10.1986 a 16.05.1987, 19.05.1987 a 26.02.1991, 14.03.1995 a 02.07.1995, 03.07.1995 a 14.12.1995, 03.01.1996 a 01.04.1996, e de 02.04.1996 a 14.01.1998, em que laborou como cortador de cana, tendo apresentado formulários PPPs, bem como foi elaborado laudo pericial (id 267671414, p. 1/21), que concluiu pela exposição a calor e radiação ionizante.
Em regra, o trabalho rural não é considerado especial, vez que a exposição a poeiras, sol e intempéries não justifica a contagem especial para fins previdenciários, contudo, tratando-se de atividade em agropecuária, cuja contagem especial está prevista no código 2.2.1 do Decreto 53.831/64, presunção de prejudicialidade que vige até 10.12.1997, advento da Lei 9.528/97.
Todavia, a exposição a calor (fonte natural) - sol -, intempéries e radiação não ionizante não justificam a contagem especial para fins previdenciários. O Decreto 53.831/1964 e regulamentos ulteriores contemplam tão-somente as temperaturas excessivamente altas provenientes de fontes artificiais.
(...)
Especificamente sobre o reconhecimento de atividade especial de trabalhador rural em corte de cana-de-açúcar, por equiparação à categoria profissional prevista no código 2.2.1 do Decreto 53.831/1964, não se olvida da tese fixada pelo C.STJ, no julgamento referente ao Tema 694, Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 452-PE (2017/0260257-3), no sentido de não equiparar à categoria profissional de agropecuária a atividade exercida por empregado rural na lavoura de cana-de-açúcar, conforme ementa abaixo transcrita:
(...)
Em que pese o laudo pericial judicial constante dos autos tenha apurado que o autor trabalhou com o cultivo e corte de cana-de-açúcar, não foi identificado que o demandante esteve exposto habitualmente a substâncias nocivas. Apesar da afirmação da parte autora de ter desempenhado atividade de cortador de cana, no período de 02.04.1996 a 14.01.1998 foi registrado como fiscal, e o PPP (id 267671261, p. 15/16) não constatou a exposição a agente insalubre. (...)"
Não houve, portanto, análise da especialidade das condições de trabalho na lavoura de cana-de açúcar em razão da adequação da referida atividade aos termos do item 1.2.11 do Decreto n. 53.831/1964 e dos itens XII do Anexo II e 1.0.12 do Anexo IV, ambos do Decreto n. 3.048/1999. Destarte, passo à análise da questão que se impõe.
Anoto que não se desconhece o entendimento firmado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei n. 452/PE, no sentido de não haver possibilidade de equiparação do trabalho rural na lavoura da cana-de-açúcar com a atividade na agropecuária prevista no item 2.2.1 do Decreto n. 53.831/1964.
Entretanto, a exposição do rurícola que trabalha na lavoura da cana-de-açúcar a tóxicos orgânicos, em razão do contato com produtos químicos, permite o enquadramento da atividade no item 1.2.11 do Decreto n. 53.831/1964 e nos itens XII do Anexo II e 1.0.12 do Anexo IV, ambos do Decreto n. 3.048/1999. Nesse sentido: STJ, REsp n. 1.987.541/SP, Segunda Turma, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 24.6.2022; e TRF/3ª Região, ApCiv 0000425-53.2015.4.03.6120, Décima Turma, Relator Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, DJEN 19.3.2024.
Feitas essas considerações, verifico que, no caso dos autos, os documentos das p. 1-14 do Id 267671261 registram que, nos períodos de: 7.6.1982 a 20.12.1982, 10.5.1984 a 18.12.1985, 8.10.1986 a 16.5.1987, 19.5.1987 a 26.2.1991, 14.3.1995 a 2.7.1995, 3.7.1995 a 14.12.1995, e de 3.1.1996 a 1º.4.1996, o autor desenvolvia, de modo habitual e permanente e por processo manual, as atividades de corte e plantio da cana, serviço e apontamento (contagem) de broca, carpa e serviços gerais, utilizando facão, enxada, enxadão e outras ferramentas; e de corte de cana queimada e crua, com facão.
O documento das p. 5-6 do Id 267671261, que melhor descreve a atividade de corte de cana, registra que: o ocupante do cargo é responsável por cortar a cana queimada e crua com facão; ele faz o primeiro corte rente ao chão, corta as folhas superiores e vai amontando as canas cortadas em montes espaçados para serem colhidos; este trabalho é feito diariamente no período de safra e sempre na lavoura; e que a produção é medida em toneladas de cana cortada por dia.
Essa descrição evidencia que a atividade envolve desgaste físico excessivo, muito tempo de exposição ao sol e a produtos químicos (pesticidas, inseticidas e herbicidas), bem como o contato direto com os malefícios da fuligem. Verifica-se, ainda, a alta produtividade, em condições antiergonômicas de trabalho. A situação permite o enquadramento da atividade de corte de cana na hipótese prevista no item 1.2.11 do Decreto n. 53.831/1964, que considera tempo especial de trabalho a atividade exercida mediante contato com tóxicos orgânicos.
De outra parte, observo que, no período de 2.4.1996 a 14.1.1998, o autor possui registro de vínculo de emprego no cargo de “fiscal” (Id 267671252, p. 26); e que o respectivo PPP corrobora o mencionado registro, descrevendo atividades de trabalho que não o expõem a qualquer tipo de insalubridade (Id 267671261, p. 15-16). Não há fundamento, portanto, para que esse período seja reconhecido como tempo especial de trabalho.
Assim, considerando-se os períodos de trabalho reconhecidos como especiais, convertendo-os em tempo comum e somando-os aos demais períodos comuns de trabalho, tem-se que, na DER (27.5.2019, Id 267671252, p. 1), o autor contabilizava 34 anos, 10 meses e 3 dias de tempo de contribuição, o que não é suficiente para a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. No presente caso, no entanto, o autor pleiteou o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER (27.5.2019), podendo esta data ser reafirmada, caso seja necessário (Id 267671233, p. 10, item “b”).
O colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.727.063 (23.10.2019), em sede de recursos repetitivos, fixou a tese jurídica, segundo a qual "É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir".
O documento Id 267671347 consigna que o autor continuou a trabalhar após a DER. Assim, em 24.7.2019, ele contabilizou os 35 (trinta e cinco) anos de tempo de contribuição, preenchendo os requisitos necessários para a obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, conforme planilha que segue:
Configurada, portanto, uma hipótese excepcional que justifica a atribuição de efeitos modificativos aos embargos de declaração.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração interpostos pela parte autora, para, atribuindo-lhes efeitos infringentes, suprimir do acórdão embargado vício apontado, dando parcial provimento à apelação (Id 267671445), à finalidade de reconhecer como tempo especial de trabalho os períodos de 7.6.1982 a 20.12.1982, 10.5.1984 a 18.12.1985, 8.10.1986 a 16.5.1987, 19.5.1987 a 26.2.1991, 14.3.1995 a 2.7.1995, 3.7.1995 a 14.12.1995, e de 3.1.1996 a 1º.4.1996, bem como para determinar que o INSS conceda o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, em favor do autor, a partir da data em que preencheu os requisitos para a sua concessão (24.7.2019).
Condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios em percentual a ser fixado na fase de liquidação do julgado, observando-se o que dispõe o § 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. LAVOURA. CANA-DE-AÇÚCAR. CONDIÇÕES ESPECIAIS. ENQUADRAMENTO. DECRETO N. 53.831/1964. REAFIRMAÇÃO DA DER. HIPÓTESE EXCEPCIONAL. EFEITOS INFRINGENTES.
1. Nos termos do artigo 1.022 do Código de Processo Civil, os embargos de declaração são o instrumento processual adequado para a integração do julgado nas hipóteses de omissão, obscuridade ou contradição, podendo também ser utilizados para a correção de vício ou erro material.
2. Não houve análise da especialidade das condições de trabalho na lavoura de cana-de açúcar em razão da adequação da referida atividade aos termos do item 1.2.11 do Decreto n. 53.831/1964 e dos itens XII do Anexo II e 1.0.12 do Anexo IV, ambos do Decreto n. 3.048/1999.
3. A exposição do rurícola, que trabalha na lavoura da cana-de-açúcar, a tóxicos orgânicos, em razão do contato com produtos químicos, permite o enquadramento da atividade no item 1.2.11 do Decreto n. 53.831/1964 e nos itens XII do Anexo II e 1.0.12 do Anexo IV, ambos do Decreto n. 3.048/1999. Precedentes.
4. A descrição da atividade de corte de cana evidencia desgaste físico excessivo e exposição a produtos químicos (pesticidas, inseticidas e herbicidas), bem como o contato direto com os malefícios da fuligem e condições antiergonômicas de trabalho.
5. O colendo Superior Tribunal de Justiça fixou a tese jurídica, segundo a qual "É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir".
6. Configurada hipótese excepcional que justifica a atribuição de efeitos modificativos aos embargos de declaração.
7. Embargos de declaração acolhidos, com atribuição de efeitos infringentes. Parcial provimento à apelação interposta pela parte autora.
