
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5319672-83.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: EVANIR BIFFE
Advogado do(a) APELANTE: DANILO BERNARDES MATHIAS - SP281589-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5319672-83.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: EVANIR BIFFE
Advogado do(a) APELANTE: DANILO BERNARDES MATHIAS - SP281589-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora):
Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS, com fulcro no art. 1022 do novo CPC, em face de acórdão de minha relatoria (ID 146488725 - Págs. 1/6), proferido à unanimidade pela 10ª Turma desta Corte Regional.
Argumenta o embargante a existência de omissão, contradição e obscuridade no julgado, sob o fundamento de que o auxílio-doença é um benefício de caráter temporário e que deve ser pago enquanto perdurar a incapacidade laborativa, não havendo falar em reabilitação profissional. Alega que o art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91 prevê que passados 120 dias da implantação do benefício o segurado deve manifestar interesse para a reavaliação médica para a comprovação da continuidade de sua incapacidade, sendo que a alta programada está prevista legalmente, não necessitando de autorização do judiciário para cessar o benefício. Afirma que o julgado contraria dispositivos legais e constitucionais, inclusive a cláusula de reserva de plenário e o princípio da tripartição de poderes. Aduz a necessidade de prequestionar pontos do processo para fins de interposição futura de recursos para as instâncias superiores.
Vista à parte contrária, nos termos do art. 1.023, § 2º, do NCPC, que não apresentou impugnação.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5319672-83.2020.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. LUCIA URSAIA
APELANTE: EVANIR BIFFE
Advogado do(a) APELANTE: DANILO BERNARDES MATHIAS - SP281589-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
A Senhora Desembargadora Federal LUCIA URSAIA (Relatora):
Conheço dos embargos de declaração, haja vista que tempestivos.
Nos termos do art. 1022 do NCPC, os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, bem como para sanar a ocorrência de erro material.
Omissão é a inércia do julgador em analisar ou pronunciar juízo de valor acerca de ponto essencial ao desate da controvérsia.
A contradição ocorre quando na decisão se incluem proposições entre si inconciliáveis. Conforme o magistério de Barbosa Moreira:
Pode haver contradição entre proposições contidas na motivação (exemplo: a mesma prova ora é dita convincente, ora inconvincente), ou entre proposições da parte decisória, isto é, incompatibilidade entre capítulos do acórdão: v.g. anula-se, por vício insanável, quando logicamente se deveria determinar a restituição ao órgão inferior, para sentenciar de novo; ou declara-se inexistente a relação jurídica prejudicial (deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental), mas condena-se o réu a cumprir a obrigação que dela necessariamente dependia; e assim por diante. Também pode ocorrer contradição entre alguma proposição enunciada nas razões de decidir e o dispositivo: por exemplo, se na motivação se reconhece como fundada alguma defesa bastante para tolher a pretensão do autor, e no entanto se julga procedente o pedido. (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 556-557).
Por fim, também é clássico o conceito de obscuridade que, segundo Cândido Rangel Dinamarco, é "a falta de clareza em um raciocínio, em um fundamento ou em uma conclusão constante da sentença".
Nestes termos, anote-se que o acórdão embargado não contém qualquer omissão, contradição ou obscuridade.
No presente caso, diferentemente do alegado, a questão sobre o caráter temporário do benefício foi devidamente abordada no acórdão embargado, ainda que com solução diversa da pretendida pelo embargante. Ressalte-se que decorre de texto expresso de lei a manutenção do benefício de auxílio-doença até que o segurado recupere sua capacidade laborativa, até que seja reabilitado profissionalmente ou até que seja aposentado por invalidez.
Contudo, a fim de se evitar futura alegação de nulidade do julgado, os presentes embargos devem ser acolhidos para acrescentar novos fundamentos ao acórdão embargado.
Com efeito, nos termos dos artigos 101 da Lei n. 8.213/1991 e 71 da Lei 8.212/91, o benefício de auxílio-doença tem caráter temporário, de modo que a autarquia previdenciária não está impedida de reavaliar em exame médico as condições laborais do segurado.
No tocante à fixação do período de pagamento, em que pesem as recentes alterações legislativas no art. 60, §§ 8º e 9º, da Lei nº 8.213/91, incluídas pela Lei nº 13.457, de 2017, que possibilitam ao Poder Judiciário, sempre que possível, estabelecer o limite temporal para o gozo do benefício de auxílio-doença, somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação médica periódica.
Outrossim, entendo que a "alta programada", inserida pela Lei 13.457/17, conflita com o disposto no artigo 62 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pelas Leis ns. 13.457/17 e 13.846/19, que dispõe:
"Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade.
§ 1º. O benefício a que se refere o caput deste artigo será mantido até que o segurado seja considerado reabilitado para o desempenho de atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não recuperável, seja aposentado por invalidez."
O dispositivo legal supramencionado determina que o benefício somente poderá ser cessado no momento em que for constatada a recuperação do segurado, assim, o benefício somente poderá ser cessado com a realização de nova perícia que constate a recuperação da capacidade laborativa do segurado.
Nesse sentido jurisprudência do E. STJ:
"PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. ALTERAÇÃO DO REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL PELO DECRETO 5.844/2006. CRIAÇÃO DA DENOMINADA "ALTA PROGRAMADA". ILEGALIDADE. CONTRARIEDADE AO ART. 62 DA LEI 8.213/1991. 1. O acórdão recorrido está no mesmo sentido da compreensão do STJ de que a inserção da chamada "alta programada" para auxílio-doença concedido pelo INSS pelo art. 78, §§ 1º a 3º, do Decreto 3.048/1999 (mediante modificação operada pelo Decreto 5.844/2006) é ilegal, pois contraria o art. 62 da Lei 8.213/1991. A propósito: REsp 1.717.405/PB, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 17.12.2018; AgInt no AREsp 968.191/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20.10.2017; AgInt no REsp 1.546.769/MT, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 3.10.2017; AgInt no AREsp 1.049.440/MT, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30.6.2017. 2. Recurso Especial não provido" (RESP - 1597725. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. J. 25/06/2019. DJE DATA:01/07/2019.) Destaquei.
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. CESSAÇÃO DO PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ tem-se firmado no sentido de que é incompatível com a lei previdenciária a adoção, em casos desse jaez, do procedimento da "alta programada", uma vez que fere o direito subjetivo do segurado de ver sua capacidade laborativa aferida através do meio idôneo a tal fim, que é a perícia médica. 2. De fato, revela-se incabível que o Instituto preveja, por mero prognóstico, em que data o segurado está apto para retornar ao trabalho, sem avaliar efetivamente o estado de saúde em que se encontra, tendo em vista que tal prognóstico pode não corresponder à evolução da doença, o que não é difícil de acontecer em casos mais complexos, como é o versado nos autos. Precedentes: REsp 1.291.075/CE, Relatora Ministra Regina Helena Costa, DJe 18/2/2014; REsp 1.544.417/MT, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 19/8/2015; REsp 1.563.601-MG, Relator Ministro Humberto Martins, DJe 30/6/2016. 3. Recurso Especial não provido (RESP - 1737688. Relator Ministro HERMAN BENJAMIN. J. 23/11/2018. DJE DATA:23/11/2018.) Destaquei.
Outrossim, ainda que se pretenda a análise da matéria destacada para fins de prequestionamento, in casu, não restou demonstrada a existência de quaisquer dos vícios elencados no art. 1.022, incisos I, II e III do NCPC, de modo que se impõe a rejeição dos presentes embargos de declaração.
Ademais, não há falar em violação ao princípio da separação de poderes, considerando que a perícia médica para a verificação da recuperação da capacidade laborativa pelo segurado deverá ser realizada administrativamente, não dependendo de autorização judicial para eventual cessação do benefício. Pelas mesmas razões, descabidas as alegações de violação aos princípios da isonomia, seletividade ou equilíbrio econômico e financeiro.
Por fim, considerando que não houve declaração de inconstitucionalidade de nenhum dos dispositivos legais suscitados, mas tão somente a interpretação do direito infraconstitucional aplicável à espécie, não há falar em violação à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97 da Constituição Federal.
Como se observa, foram decididas, de forma coerente, sem qualquer omissão, contradição ou obscuridade, todas as questões jurídicas, legais ou constitucionais invocadas e essenciais à resolução da causa, ainda que não em plena conformidade com a pretensão deduzida, fato que não viabiliza, porém, a concessão de efeitos infringentes aos presentes embargos de declaração.
Diante do exposto,
ACOLHO PARCIALMENTE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
para acrescentar novos fundamentos ao acórdão embargado, sem efeitos infringentes, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO DA CAUSA. AUXÍLIO-DOENÇA. CARÁTER TEMPORÁRIO. CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. PERÍCIA MÉDICA. IMPOSSIBILIDADE.
- São cabíveis embargos de declaração quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, bem como quando há erro material a ser sanado. Não servem os embargos de declaração para a rediscussão da causa.
- O benefício de auxílio-doença poderá ser cessado no momento em que for constatada a recuperação do segurado, sendo imprescindível a realização de nova perícia administrativa posteriormente à decisão, cabendo ao INSS notificar a parte autora para realizar a reavaliação médica periódica. Precedentes.
- A "alta programada", inserida pela Lei 13.457/17, conflita com o disposto no artigo 62 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pelas Leis 13.457/17 e 13.846/19.
- Afastada a alegação de violação aos princípios da separação de podres, isonomia, seletividade e distributividade do equilíbrio econômico e financeiro, considerando que cabe à autarquia a realização de perícia médica administrativa para a verificação da recuperação da capacidade laborativa pelo segurado, não dependendo de autorização judicial para eventual cessação do benefício.
- Não há falar em violação a cláusula de reserva de plenário, vez que não houve declaração de inconstitucionalidade de lei, mas somente a interpretação à luz do direito infraconstitucional aplicável à espécie.
- Embargos de declaração acolhidos em parte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu acolher parcialmente os embargos de declaração, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
