
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5175669-98.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO DENILSON BRANCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO SERGIO GOBETI
Advogado do(a) APELADO: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
OUTROS PARTICIPANTES:
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5175669-98.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO DENILSON BRANCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO SERGIO GOBETI
Advogado do(a) APELADO: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Senhor Juiz Federal Convocado DENILSON BRANCO: Trata-se de embargos de declaração opostos pelo INSS, com fulcro no art. 1022 do Código de Processo Civil, em face de v. Acórdão julgado à unanimidade pela 9ª Turma desta Corte Regional.
Alega o ente autárquico, em síntese, omissão do acórdão que reconhece a atividade especial da parte autora na lavoura de cana-de-açúcar sem a comprovação da exposição de agente nocivo à saúde, argumentando ser incabível o enquadramento da atividade por categoria profissional fundamentado na presunção de nocividade ou penosidade.
Contrarrazões da parte autora.
É o relatório.
9ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5175669-98.2021.4.03.9999
RELATOR: Gab. 32 - JUIZ CONVOCADO DENILSON BRANCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: PAULO SERGIO GOBETI
Advogado do(a) APELADO: VAGNER ALEXANDRE CORREA - SP240429-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Senhor Juiz Federal Convocado DENILSON BRANCO (Relator): Conheço dos embargos de declaração, haja vista que tempestivos.
Nos termos do art. 1022 do CPC, os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, bem como para sanar a ocorrência de erro material.
Omissão é a inércia do julgador em analisar ou pronunciar juízo de valor acerca de ponto essencial ao desate da controvérsia.
A contradição ocorre quando na decisão se incluem proposições entre si inconciliáveis. Conforme o magistério de Barbosa Moreira: "Pode haver contradição entre proposições contidas na motivação (exemplo: a mesma prova ora é dita convincente, ora inconvincente), ou entre proposições da parte decisória, isto é, incompatibilidade entre capítulos do acórdão: v.g. anula-se, por vício insanável, quando logicamente se deveria determinar a restituição ao órgão inferior, para sentenciar de novo; ou declara-se inexistente a relação jurídica prejudicial (deduzida em reconvenção ou em ação declaratória incidental), mas condena-se o réu a cumprir a obrigação que dela necessariamente dependia; e assim por diante. Também pode ocorrer contradição entre alguma proposição enunciada nas razões de decidir e o dispositivo: por exemplo, se na motivação se reconhece como fundada alguma defesa bastante para tolher a pretensão do autor, e no entanto se julga procedente o pedido". (Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 556-557).
Por fim, também é clássico o conceito de obscuridade que, segundo Cândido Rangel Dinamarco, é "a falta de clareza em um raciocínio, em um fundamento ou em uma conclusão constante da sentença".
Nesse passo, o v. acórdão embargado não contém obscuridade, contradição ou omissão.
Ao contrário das alegações do ente autárquico, o reconhecimento da atividade especial está embasado nos laudos periciais juntados aos autos, quando interposto o recurso de agravo interno, relativos a trabalhadores que laboraram nas mesmas atividades, períodos e empresas da parte autora, sendo hábeis à comprovação da exposição aos agentes nocivos hidrocarbonetos aromáticos decorrentes da queima da cana-de-açúcar.
A propósito, transcrevo trecho do voto ora embargado:
“Em relação aos períodos objeto do recurso (30/05/1988 a 04/05/1992, 06/05/1992 a 12/12/1992, 01/02/1993 a 30/10/1993 e 17/01/1994 a 22/04/1994), em que o autor laborou como trabalhador rural no cultivo da cana-de-açúcar, para Aurélio Nardini e Usina Catanduva S/A Açúcar e Álcool, no Município de Ariranha/SP, os Perfis Profissiográficos Previdenciários descrevem a profissiografia do autor de modo a evidenciar o labor na lavoura canavieira, porém, não especificam quaisquer agentes nocivos (Id 220564258, páginas 10/26).
Realizada perícia judicial nestes autos (Id 220564589), restou demonstrada a exposição do autor ao agente nocivo calor decorrente da exposição ao sol, sem a explicitação de quaisquer outros riscos para os intervalos compreendidos entre 1988 e 1994 na lavoura canavieira, o que ensejou a reforma da sentença recorrida, conforme entendimento supramencionado.
Contudo, no caso específico dos autos, os laudos periciais anexados pela parte autora neste agravo (Id 271556250 e Id 271556254), relativos a outros trabalhadores rurais nas mesmas atividades, empresas e períodos em que o autor laborou, explicitam a exposição dos lavradores aos agentes químicos tóxicos orgânicos, HPA – hidrocarbonetos policíclicos aromáticos provenientes da queima da cana, os quais ensejam o reconhecimento do labor especial quanto aos períodos requeridos, conforme código 1.2.11 do Decreto nº 53.831/64 e código 1.2.10 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79.
Embora os laudos periciais tenham sido produzidos em relação a outros empregados, aproveitam ao autor para o reconhecimento de sua atividade especial, considerando o desempenho das mesmas funções na cultura canavieira, para as mesmas empregadoras. Nesse sentido, já decidiu esta Corte Regional:
PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. COMPROVADA EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE AOS AGENTES HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS E QUÍMICOS ORGANOCLORADOS E ORGANOFOSFORADOS. TEMA 1124.
(...)
- Nos períodos requeridos como especiais, foi comprovada, por meio de provas emprestadas, a exposição habitual e permanente a agentes nocivos organofosforados e organoclorados, com enquadramento nos Itens 1.2.6 e 1.2.11, do Quadro do Decreto n. 53.831/1964; e 1.2.6 e 1.2.10, do Anexo I do Decreto n. 83.080/1979; e a agentes químicos hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HPA), decorrentes da fuligem da cana-de-açúcar - itens 1.2.11 do Decreto n. 53.831/1964 e 1.2.10 do Anexo I do Decreto n. 83.080/1979.
- Não é possível o enquadramento especial dos períodos em razão da exposição ao agente calor, pois decorrente de fontes naturais, bem como em razão da atividade rurícola da cana, não admitida como especial no item 2.2.1 do Decreto n. 53.831/1964, como assevera a ratio decidendi do entendimento cristalizada no PUIL 452/PE do C. STJ.
- Comprovada a atividade de vigia antes de 28/04/1995, é possível o enquadramento especial do trabalho, nos termos do item 2.5.7 do Decreto n. t53.831/1964.
- Por sua vez, os laudos periciais realizados perante a 3ª Vara Cível de Lençóis Paulista, em demandas ajuizadas por terceiros, mas cuja função, empregador e períodos de trabalho são os mesmos da parte autora, são admitidos como provas emprestadas, comprovando o labor em condições especiais.
- Saliente-se que no que tange à prova emprestada, é assente o entendimento quanto à sua admissibilidade para fins de comprovação do labor especial, notadamente quando submetida ao contraditório e à ampla defesa. Precedentes desta E. Corte Regional.
- Cumpre esclarecer que a apresentação de documentos extemporâneos não tem o condão de invalidar as informações sobre atividade especial, notadamente porque a constatação contemporânea da presença dos agentes nocivos somente reforça que, mesmo com as inovações tecnológicas e a intensa fiscalização trabalhista, não foi possível minimizar a nocividade da exposição. Precedentes.
- No que tange à prova emprestada, ressalte-se, ainda, que o artigo 372 do CPC prevê que "o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório". Nessa diapasão, in casu, a prova emprestada se revela admissível porquanto realizada na mesma empresa e com base nas atividades da parte autora, relativas aos mesmos períodos, reproduzindo as reais condições em que se dava o labor do segurado e foi observado o contraditório, uma vez que o INSS pôde refutá-la, mas não o fez.
- No que concerne às anotações sobre a utilização de Equipamento de Proteção Individual (EPI) eficaz, não há dados sobre a real eficácia do EPI, nem tampouco provas de que o tipo de equipamento utilizado foi realmente suficiente para eliminar ou mitigar a nocividade dos agentes nocivos descritos. Ademais, como assentado pelo C. STF no Tema 555/STF, na hipótese de dúvida ou divergência é de rigor o reconhecimento da especialidade do trabalho.
- Diante dos períodos especiais reconhecidos, convertidos para tempo comum pelo fator de conversão 1,40, somados aos períodos de trabalho comum já reconhecidos pelo INSS em sede administrativa, quando da concessão do benefício, a parte autora faz jus à revisão da renda mensal inicial do seu benefício de aposentadoria por tempo de contribuição.
(...)
- Remessa oficial não conhecida. Apelação autárquica não provida. Recurso adesivo da parte autora parcialmente providos.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA - 5369754-21.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 10/05/2023, DJEN DATA: 12/05/2023)
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. PRELIMINAR REJEITADA. APELAÇÃO DO INSS IMPROVIDA.
A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de contribuição, está condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 52 e 53 da Lei nº 8.213/91.
No presente caso, para comprovar que suas atividades exercidas nos períodos de 12/07/1989 a 15/05/1997 e de 23/03/1998 a 21/09/1998 foram exercidas em condições especiais, a parte autora anexou aos autos laudos técnicos periciais (prova emprestada) os quais informam que laborou desempenhando a função de “trabalhador rural”, na qual executava o plantio e o corte da cana de açúcar, dentre outras atividades ali elencadas.
De fato, analisando a prova emprestada, observo que se trata da mesma empresa, tendo o autor e o periciado trabalhado no mesmo período, mesmo local e exercido as mesmas funções (trabalhador rural), sendo possível aceitar a prova pericial produzida, nos termos do art. 372 do CPC.
No que se refere à atividade exercida pelo trabalhador rural na cultura canavieira, vinha entendendo ser possível o seu reconhecimento como especial, com fundamento no item 2.2.1 do Anexo do Decreto nº 53.831/64 (Trabalhadores na agropecuária).
No entanto, a 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei autuado sob nº 452/PE, firmou posicionamento no sentido de não poder equiparar a categoria profissional de agropecuária à atividade exercida pelo empregado rural na lavoura de cana-de-açúcar.
Isso fez com que este Relator, a despeito do seu entendimento pessoal, passasse a observar a orientação advinda daquela Corte Superior.
Novamente refletindo sobre o tema, no entanto, de acordo com premissa fundada nas máximas de experiência, subministradas pela observação do que ordinariamente acontece, a atividade exercida pelos trabalhadores no corte e cultivo de cana-de-açúcar pode ser enquadrada no código 1.2.11 do Anexo do Decreto n.º 53.831/64 (Tóxicos Orgânicos), no Item 12 do Anexo II do Decreto nº 2.172/97, bem como no Item XII do Anexo II do Decreto nº 3.048/99, uma vez que o trabalho, tido como insalubre, envolve desgaste físico excessivo, com horas de exposição ao sol e a produtos químicos, tais como, pesticidas, inseticidas e herbicidas, além do contato direto com os malefícios da fuligem, exigindo-se, ainda, alta produtividade, em lamentáveis condições antiergonômicas de trabalho.
Assim, deve o INSS computar como atividade especial os períodos acima, convertendo-os em atividade comum.
(...)
Preliminar rejeitada. Apelação do INSS improvida.
(TRF 3ª Região, 8ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5052700-13.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 26/07/2023, DJEN DATA: 31/07/2023)
(...)
Desse modo, restou devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora nos períodos indicados, conforme a legislação aplicável à espécie, em virtude da exposição aos agentes nocivos supra.
Saliente-se que, na esfera administrativa, a autarquia previdenciária reconheceu a atividade especial no período de 02/05/1994 a 28/04/1995 (Id 220564258, página 33), que resta incontroverso. Igualmente, em Juízo, o INSS reconheceu o exercício de atividade especial no intervalo de 29/04/1995 a 31/03/2011.
Desta forma, considerados os períodos de atividade especial reconhecidos na via administrativa e nesta via judicial, de 30/05/1988 a 04/05/1992, 06/05/1992 a 12/12/1992, 01/02/1993 a 30/10/1993 e 17/01/1994 a 22/04/1994 e 02/05/1994 a 19/10/2017, a parte autora alcançou mais de 25 (vinte e cinco) anos de atividade especial, na data do requerimento administrativo (20/10/2017), sendo, portanto, devida a aposentadoria especial, conforme o artigo 57 da Lei nº 8.213/91.” (Id 279857499)
Como se observa, foram decididas, de forma coerente, sem os alegados vícios, todas as questões jurídicas, legais ou constitucionais invocadas e essenciais à resolução da causa, ainda que não em plena conformidade com a pretensão deduzida, fato que não viabiliza, porém, o acolhimento de embargos de declaração.
Verifica-se que, na realidade, pretende o embargante o reexame da causa, o que não é possível em sede de embargos de declaração, a não ser em casos excepcionais, como o de omissão, contradição ou obscuridade, o que não é o caso dos presentes autos.
Outrossim, ainda que se pretenda a análise da matéria destacada para fins de prequestionamento, in casu, não restou demonstrada a existência de quaisquer dos vícios elencados no art. 1.022, incisos I, II e III do CPC, de modo que se impõe a rejeição dos presentes embargos de declaração.
Diante do exposto, REJEITO OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, na forma da fundamentação.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS.
- São cabíveis embargos de declaração quando o provimento jurisdicional padece de omissão, contradição ou obscuridade, bem como quando há erro material a ser sanado. Não servem os embargos de declaração para a rediscussão da causa.
- Foram decididas, de forma coerente, sem os alegados vícios, todas as questões jurídicas, legais ou constitucionais invocadas e essenciais à resolução da causa, ainda que não em plena conformidade com a pretensão deduzida, fato que não viabiliza, porém, o acolhimento de embargos de declaração.
- Ainda que se pretenda a análise da matéria destacada para fins de prequestionamento, in casu, não restou demonstrada a existência de quaisquer dos vícios elencados no art. 1.022, incisos I, II e III do CPC, de modo que se impõe a rejeição dos presentes embargos de declaração.
- Pretende o embargante o reexame da causa, o que não é possível em sede de embargos de declaração, a não ser em casos excepcionais, como o de omissão, contradição ou obscuridade, o que não é o caso dos presentes autos.
- Embargos de declaração rejeitados.
