Processo
AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO / SP
5033724-84.2020.4.03.0000
Relator(a)
Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO
Órgão Julgador
2ª Turma
Data do Julgamento
20/05/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/05/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS POR MEIO
DO SISTEMA BACENJUD E SISBAJUD. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEPOSITADO EM
CONTA-CORRENTE. IMPENHORABILIDADE. SOBRAS. RECURSO PROVIDO.
- Meios eletrônicos para localizar recursos financeiros (em conta corrente, aplicações em bancos
etc.), tais como BACENJUD e o SISBAJUD, são instrumentos legítimos destinados à constrição
dos mesmos objetos indicados na ordem de penhora do art. 11 da Lei nº 6.830/1980 e do art. 835
da lei processual civil (cujas listas devem dialogar entre si, não obstante o critério da
especialidade). O art. 837 do Código de Processo Civil e art. 185-A do Código Tributário Nacional
permitem a imediata utilização desses meios eletrônicos, inexistindo mácula à menor onerosidade
porque essa é a determinação legal para equilibrar os interesses legítimos do credor com os ônus
possíveis do devedor.
- Na vigência do art. 649, IV e X, e §2º do CPC/1973, e agora em face do art. 833, IV e X,e §2º do
CPC/2015, a jurisprudência admite que o magistrado faça ponderações sobre casos e limites
quantitativos da impenhorabilidade, procurando o ponto de convergência desse regramento com
primados, direitos, garantias e deveres fundamentais do sistema jurídico (notadamente a boa-fé,
a valorização do trabalho e da livre iniciativa e a subsistência familiar) visando à efetividade dos
legítimos interesses do credor e às proteções elementares do devedor.
- Para fins do art. 833, IV,e §2º do CPC/2015, salários, demais ganhos do trabalho e benefícios
previdenciários não se confundem com as correspondentes sobras, assim entendido o montante
remanescente após pagamento das despesas necessárias mensais do devedor e de sua família.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
Cabe ao devedor o ônus de provar que o último ganho (periódico e regular, ou inconstante,
variável e incerto) está comprometido com despesas indispensáveis à sua subsistência e de sua
família, para que seja garantida a impenhorabilidade nos termos do art. 833, IV,e §2º do
CPC/2015. O magistrado deve analisar o caso concreto para aferir as receitas sucessivas do
devedor (assalariado, autônomo, comissionado ou beneficiário da previdência) e os
correspondentes gastos pessoais necessários, e, ainda, eventual abuso, má-fé, ou fraude.
- Uma vez caracterizada a sobra, o montante perde a impenhorabilidade até 50 salários mínimos
e se converte em reserva de capital ou economia, razão pela qual a penhora somente pode recair
sobre o que exceder a 40 salários mínimos, dada a proteção legal conferida às cadernetas de
poupança, extensível à conta corrente e outras aplicações (art. 833, X,e §2º do CPC/2015, antes,
art. 649, X, e §2º do CPC/1973).
- No caso dos autos, parte do valor bloqueado na conta corrente do executado refere-se à
benefício previdenciário percebido, sendo dotado, portanto, da impenhorabilidade estatuída no
art. 833, IV, do CPC. No que tange ao montante restante, caracterizada a sobra (sendo
irrelevante o tempo na qual foi formada), a constrição deve ser levantada, uma vez que tal quantia
não excede 40 salários mínimos.
- Agravo de instrumento provido.Agravo interno prejudicado.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5033724-84.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: RAUL GUSTAVO COHN
Advogados do(a) AGRAVANTE: MARCELO FERNANDES LOPES - SP201442-A, RAFAEL DE
MOURA CAMPOS - SP185942-A, CAROLINA DE MOURA CAMPOS - SP158637
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5033724-84.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: RAUL GUSTAVO COHN
Advogados do(a) AGRAVANTE: RAFAEL DE MOURA CAMPOS - SP185942-A, CAROLINA DE
MOURA CAMPOS - SP158637
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de agravo de
instrumento interposto por RAUL GUSTAVO COHN em face de decisão que, em sede de
execução fiscal, indeferiu o pedido de levantamento dos valores bloqueados pelo Sistema
BACENJUD.
A decisão agravada foi assim proferida:
“RAUL GUSTAVO COHN, com a peça posta como folha 124, pediu a liberação de valor
alcançado por meio do sistema Bacen Jud, sustentando tratar-se de valor correspondente a
benefício previdenciário.
Ocorre que, a partir das cópias de extratos apresentadas (folhas 131/142), não se identifica
nenhum bloqueio judicial. Segundo informado pelo sistema Bacen Jud, o bloqueio ocorreu no
dia 29/01/2020 (folha 123). No entanto, no extrato da folha 142 não consta nenhuma ocorrência
nesta data. Por fim, infere-se que, à época da constrição, a conta bancária apresentada estava
com o saldo negativo, o que impossibilitaria um bloqueio de R$ 40.978,10.
Portanto, como não houve comprovação quanto à natureza previdenciária dos valores
penhorados, indefiro o pedido de liberação de valores da parte executada.
Além disso, indefiro o pedido de prioridade de tramitação, já que a parte não trouxe documento
que pudesse comprovar sua idade.
Intime-se o coexecutado, inclusive sobre o início do prazo de 30 (trinta) dias para que, caso
queira, ofereça embargos à execução.
Havendo oposição de embargos, nos autos correspondentes será deliberado acerca de
eventual suspensão do curso executivo e, inexistindo embargos, estes autos deverão ser
encaminhados à parte exequente, com prazo de 30 (trinta) dias, para requerer o que entender
conveniente.”
Sustenta o agravante, em síntese, que os valores bloqueados são dotados da
impenhorabilidade prevista no art. 833 do CPC/2015.
O pedido de concessão do efeito suspensivo ao recurso foi deferido (ID. 152027728).
A parte agravada deixou de apresentar contrarrazões, interpondo, contudo agravo interno (ID.
152465017).
É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº5033724-84.2020.4.03.0000
RELATOR:Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: RAUL GUSTAVO COHN
Advogados do(a) AGRAVANTE: RAFAEL DE MOURA CAMPOS - SP185942-A, CAROLINA DE
MOURA CAMPOS - SP158637
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): De se ressaltar, inicialmente, que
nenhuma das partes trouxe aos autos qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já
manifestado quando da apreciação do pedido de efeito suspensivo, nos termos da decisão por
mim lavrada, que transcrevo:
“Dispondo sobre a cobrança judicial da dívida ativa da administração pública direta e indireta, a
Lei nº 6.830/1980 se assenta em vários objetivos legítimos que forçam o cumprimento de
obrigações pecuniárias pelo devedor, dentre eles as finalidades fiscais e extrafiscais de tributos,
a observância de regramentos de administrativos e a imperatividade da legislação vigente em
áreas de interesse socioeconômico.
O objeto da ação de execução fiscal é o montante em dinheiro não pago pelo devedor a tempo
e modo (art. 2º da Lei nº 6.830/1980), compreendendo tanto dívidas ativas tributárias (e
respectivas multas) e quanto a dívidas ativas não tributárias (demais créditos da Fazenda
Pública, tais como multa de qualquer origem ou natureza, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas
de ocupação, FGTS, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, etc.).
Essas dívidas fiscais estão devidamente anotadas em registros públicos, e são dotadas de
liquidez e certeza nos moldes constantes do título executivo extrajudicial manuseado, motivo
pelo qual o executado não é surpreendido pela execução fiscal. Há sempre medidas
antecedentes à propositura da ação executiva, à disposição do conhecimento do devedor,
começando pelo surgimento da própria obrigação e de suas inerentes responsabilidades (do
credor e do devedor), passando por medidas de formalização de quantitativos (p. ex., DCTFs,
GFIPs, e obrigações tributárias acessórias atribuídas pela lei a contribuintes, e autos de
infração lavrados pela administração pública), chegando à inscrição nos registros de dívida
ativa.
Mesmo tendo como finalidade a satisfação do direito do credor-exequente, as medidas forçadas
não podem ser adotadas a qualquer custo, devendo respeitar o modo menos gravoso para o
devedor-executado. Porém, a menor onerosidade quanto ao devedor-executado deve ser
também contextualizada com a efetividade da medida alternativa àquela mais gravosa, sob
pena de serem relegados os válidos interesses do credor-exequente.
Assim, a compreensão jurídica da menor onerosidade deve ser construída na área de
convergência entre os interesses legítimos do credor e a excessiva privação do patrimônio e
das atividades do devedor, daí significando que, havendo diversos meios executivos igualmente
eficientes, deve-se trilhar aquele que implique em menor sacrifício para o devedor.
No âmbito da menor onerosidade é também imprescindível considerar as determinações legais,
sobre o que emerge a ordem de preferência de bens penhoráveis e os instrumentos para as
correspondentes efetivações.
Sobre a ordem de bens penhoráveis, tratando-se de execuções fiscais, o critério da
especialidade induz à aplicação preferencial da lista fixada pelo art. 11 da Lei nº 6.830/1980,
mas porque é necessário que fontes normativas dialoguem entre si, excepcionalmente, e
possível impor a ordem descrita no art. 835 do Código de Processo Civil (não obstante se trate
de diploma normativo geral, ainda que posterior à lei de execuções fiscais).
De todo modo, para o que importa a este feito, tanto o art. 11 da Lei nº 6.830/1980 quanto o art.
835 do Código de Processo Civil partem do dinheiro como o primeiro item a ser penhorado,
dada sua intrínseca liquidez. O termo “dinheiro” deve ser compreendido como moeda escritural
(saldos em instituições financeiras) ou manual (na espécie em papel ou metálica), alcançando
aplicações múltiplas (fundos de investimentos, p ex.).
Sobre os instrumentos para a efetivação da penhora, meios eletrônicos para localizar recursos
financeiros (em conta corrente, aplicações em bancos etc.) são, por certo, apenas formas ou
procedimentos destinados à constrição dos mesmos objetos indicado pelo art. 11 da Lei nº
6.830/1980 e pelo art. 835 da lei processual civil. A correta compreensão do contido no art. 837
do Código de Processo Civil e no art. 185-A do Código Tributário Nacional permite a imediata
utilização de meios eletrônicos para a penhora de bens nas ordens indicadas no art. 11 da Lei
nº 6.830/1980 e no art. 835 da lei processual civil notadamente o dinheiro (primeiro item das
listas legais de preferência), inexistindo mácula à menor onerosidade justamente porque essa é
a determinação legal para equilibrar os interesses legítimos do credor com os ônus possíveis do
devedor.
Por tudo isso, a compreensão jurídica da menor onerosidade não pode comprometer o
resultado útil do processo executivo, sendo viáveis meios eletrônicos para a efetivação de
penhoras (notadamente o BACEN-JUD, e agora o SISBAJUD, que o substituiu), em favor da
prestação jurisdicional célere e eficaz. Sobre o assunto, confira-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. RECUSA DE NOMEAÇÃO À PENHORA
DE SEGURO GARANTIA. INOBSERVÂNCIA DA GRADAÇÃO LEGAL PREVISTA NO ARTIGO
11 DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS. PLEITO DE PENHORA POR MEIO DO SISTEMA
BACENJUD. RECURSO PROVIDO. 1. Não obstante as alterações trazidas pela Lei nº
13.043/14, é uma realidade da vida que o dinheiro e seguro garantia ou fiança não são a
mesma coisa e por isso a aceitação destes no lugar daquele só é cabível em situações
excepcionais, o que não se verifica "in casu". 2. Do STJ colhe-se que "Esta Corte firmou
posicionamento, em recurso repetitivo, segundo o qual é legítima a recusa ou a substituição,
pela Fazenda Pública, de bem nomeado à penhora em desacordo com a gradação legal
prevista nos arts. 11 da Lei n. 6.830/80, e 655 do CPC, devendo a parte executada apresentar
elementos concretos que justifiquem a incidência do princípio da menor onerosidade para
afastar a ordem legal, não demonstrados na espécie" (AgInt no REsp 1605001/SC, Rel. Ministra
REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 25/10/2016). 3. Na
gradação do artigo 835 do CPC de 2015 o "dinheiro" figura em primeiro lugar, de modo que o
uso do meio eletrônico para localizá-lo é medida "preferencial", como soa o artigo 837 do
CPC/2015 inexistindo na lei qualquer condicionamento no sentido de que "outros bens" devem
ser perscrutados para fins de constrição "antes" do dinheiro. Precedente: (REsp 1184765/PA,
Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/11/2010, DJe 03/12/2010). 4. É
certo que a execução deve ser feita de modo menos gravoso para o executado; mas isso não
quer dizer - ao contrário de "interpretação" que os executados em geral dão ao artigo 805 do
CPC/2015 (artigo 620 do CPC/73) - que a execução deve ser "comandada" pelos interesses
particulares do devedor. O princípio da menor onerosidade não legitima que o executado "dite
as regras" do trâmite da execução. 5. Agravo de instrumento provido.” (TRF3. AI - AGRAVO DE
INSTRUMENTO / SP 5000311-17.2019.4.03.0000. Órgão Julgador: Sexta Turma. Relator:
Desembargador Federal Johonson di Salvo. Data do Julgamento: 20/09/2019. Data da
Publicação/Fonte: e - DJF3 Judicial 1, 25/09/2019).
Postas as balizas, passo a apreciar os bloqueios efetivamente realizados nos autos em
29/01/2020 (id. 149761680, fl. 62) e os argumentos do agravante.
Com efeito, os documentos apresentados indicam que foram bloqueados R$ 40.978,10, na
conta nº 14100, agência 1803, Banco do Brasil (id. 149761680, fl. 71).
A legislação e a jurisprudência procuram evitar imposições excessivas do credor em face do
devedor, mas a regra geral é a possibilidade de penhora de bens para o cumprimento de
obrigações válidas e legítimas, daí porque as hipóteses legais de impenhorabilidade
representam exceção e, por isso, devem ser interpretadas restritivamente.
É nesse contexto que emerge o art. 833, IV,e §2º do CPC/2015 (antes, do art. 649, IV, e §2º do
CPC/1973), pelo qual o objeto impenhorável é o ganho do trabalho (vencimentos, subsídios,
soldos, salários, remunerações, ganhos de trabalhador autônomo, e honorários de profissional
liberal), o benefício previdenciário (proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios)
e também quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e
de sua família:
“Art. 833. São impenhoráveis:
(...)
IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de
aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de
trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º ;
(...)
§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para
pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às
importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição
observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.”
Pela literalidade do art. 833, IV, e §2º do CPC/2015, todas as receitas do trabalho e de
benefícios previdenciários, auferidos pelo devedor, são penhoráveis para pagamento de suas
dívidas concernentes a “prestação alimentícia” (independentemente de sua origem), mas no
caso de obrigações de outra natureza, a penhora somente pode recair sobre o que exceder a
50 salários mínimos mensais.
A mera subsunção do fato ao conteúdo abstrato do art. 833, IV,e §2º do CPC/2015, poderia
levar à desproporcional proteção de ganhos do devedor até 50 salários mínimos mensais, em
detrimento do direito de credores de verbas trabalhistas ou alimentares (exceto de prestações
de alimentos), de empréstimos, de responsabilidade civil ou de qualquer outra natureza. Pela
mesma simples subsunção, a literalidade do art. 833, X,e §2º do CPC/2015 (antes, do art. 649,
X, e §2º do CPC/1973), levaria à impenhorabilidade apenas do saldo em conta poupança até 40
salários mínimos, desprotegendo o devedor apenas por manter o montante em conta corrente
ou em outro investimento.
Na vigência do art. 649, IV e X, e §2º do CPC/1973, e agora em face do art. 833, IV e X,e §2º
do CPC/2015, a jurisprudência admite que o magistrado faça ponderações sobre casos e limites
quantitativos da impenhorabilidade, procurando o ponto de convergência desse regramento
com primados, direitos, garantias e deveres fundamentais do sistema jurídico (notadamente a
boa-fé, a valorização do trabalho e da livre iniciativa e a subsistência familiar) visando à
efetividade dos legítimos interesses do credor e às proteções elementares do devedor.
Nesse passo, o extrato bancário colacionado (id. 149761680, fl. 71) indica que o agravante
percebeu, em 05/01/2020, a quantia de R$ 5.132,61 a título de benefício previdenciário. Desse
modo, diante das razões anteriormente expostas, entendo que tal montante não é passível de
penhora.
No que tange aos valores restantes (R$ 35.845,49), necessário tecer algumas considerações.
Para fins do art. 833, IV,e §2º do CPC/2015, salários, demais ganhos do trabalho e benefícios
previdenciários não se confundem com as correspondentes sobras, assim entendido o
montante remanescente após pagamento das despesas necessárias mensais do devedor e de
sua família. Cabe ao devedor o ônus de provar que o último ganho (periódico e regular, ou
inconstante, variável e incerto) está comprometido com despesas indispensáveis à sua
subsistência e de sua família, para que seja garantida a impenhorabilidade nos termos do art.
833, IV,e §2º do CPC/2015. O magistrado deve analisar o caso concreto para aferir as receitas
sucessivas do devedor (assalariado, autônomo, comissionado ou beneficiário da previdência) e
os correspondentes gastos pessoais necessários, e, ainda, eventual abuso, má-fé, ou fraude.
Uma vez caracterizada a sobra, o montante perde a impenhorabilidade até 50 salários mínimos
e se converte em reserva de capital ou economia, razão pela qual a penhora somente pode
recair sobre o que exceder a 40 salários mínimos, dada a proteção legal conferida às
cadernetas de poupança, extensível à conta corrente e outras aplicações (art. 833, X,e §2º do
CPC/2015, antes, art. 649, X, e §2º do CPC/1973).
A esse respeito, trago à colação os seguintes julgados do E.STJ: AgInt no AgInt no AREsp
935.156/MS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/10/2019,
DJe 30/10/2019; REsp 1766876/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 23/10/2018, DJe 19/11/2018; AgRg nos EDcl no REsp 1537626/DF, Rel. Ministro
MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017; REsp
1452204/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/12/2016,
DJe 13/12/2016; REsp 1230060/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 13/08/2014, DJe 29/08/2014; e REsp 1330567/RS, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 27/05/2013.
No caso dos autos, diante do conjunto probatório produzido nos autos, entendo que restou
configurada a sobra mensal em relação ao montante de R$ 35.845,49, devendo a constrição
ser levantada, uma vez que tal quantia não excede 40 salários mínimos.
Ante o exposto,defiro o efeito suspensivo pleiteado, para determinar o levantamento do
bloqueio realizado sobre o montante depositado na conta nº 14100, agência 1803, Banco do
Brasil.”
Ante o exposto,dou provimento ao agravo de instrumento, para determinar o levantamento do
bloqueio realizado sobre o montante depositado na conta nº 14100, agência 1803, Banco do
Brasil, prejudicado o agravo interno.
É o voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS POR
MEIO DO SISTEMA BACENJUD E SISBAJUD. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DEPOSITADO
EM CONTA-CORRENTE. IMPENHORABILIDADE. SOBRAS. RECURSO PROVIDO.
- Meios eletrônicos para localizar recursos financeiros (em conta corrente, aplicações em
bancos etc.), tais como BACENJUD e o SISBAJUD, são instrumentos legítimos destinados à
constrição dos mesmos objetos indicados na ordem de penhora do art. 11 da Lei nº 6.830/1980
e do art. 835 da lei processual civil (cujas listas devem dialogar entre si, não obstante o critério
da especialidade). O art. 837 do Código de Processo Civil e art. 185-A do Código Tributário
Nacional permitem a imediata utilização desses meios eletrônicos, inexistindo mácula à menor
onerosidade porque essa é a determinação legal para equilibrar os interesses legítimos do
credor com os ônus possíveis do devedor.
- Na vigência do art. 649, IV e X, e §2º do CPC/1973, e agora em face do art. 833, IV e X,e §2º
do CPC/2015, a jurisprudência admite que o magistrado faça ponderações sobre casos e limites
quantitativos da impenhorabilidade, procurando o ponto de convergência desse regramento
com primados, direitos, garantias e deveres fundamentais do sistema jurídico (notadamente a
boa-fé, a valorização do trabalho e da livre iniciativa e a subsistência familiar) visando à
efetividade dos legítimos interesses do credor e às proteções elementares do devedor.
- Para fins do art. 833, IV,e §2º do CPC/2015, salários, demais ganhos do trabalho e benefícios
previdenciários não se confundem com as correspondentes sobras, assim entendido o
montante remanescente após pagamento das despesas necessárias mensais do devedor e de
sua família. Cabe ao devedor o ônus de provar que o último ganho (periódico e regular, ou
inconstante, variável e incerto) está comprometido com despesas indispensáveis à sua
subsistência e de sua família, para que seja garantida a impenhorabilidade nos termos do art.
833, IV,e §2º do CPC/2015. O magistrado deve analisar o caso concreto para aferir as receitas
sucessivas do devedor (assalariado, autônomo, comissionado ou beneficiário da previdência) e
os correspondentes gastos pessoais necessários, e, ainda, eventual abuso, má-fé, ou fraude.
- Uma vez caracterizada a sobra, o montante perde a impenhorabilidade até 50 salários
mínimos e se converte em reserva de capital ou economia, razão pela qual a penhora somente
pode recair sobre o que exceder a 40 salários mínimos, dada a proteção legal conferida às
cadernetas de poupança, extensível à conta corrente e outras aplicações (art. 833, X,e §2º do
CPC/2015, antes, art. 649, X, e §2º do CPC/1973).
- No caso dos autos, parte do valor bloqueado na conta corrente do executado refere-se à
benefício previdenciário percebido, sendo dotado, portanto, da impenhorabilidade estatuída no
art. 833, IV, do CPC. No que tange ao montante restante, caracterizada a sobra (sendo
irrelevante o tempo na qual foi formada), a constrição deve ser levantada, uma vez que tal
quantia não excede 40 salários mínimos.
- Agravo de instrumento provido.Agravo interno prejudicado. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma
decidiu, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento e julgar prejudicado o
agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
