Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1920743 / SP
0004167-50.2009.4.03.6103
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
24/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/07/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO. EXPOSIÇÃO A HIDROCARBONETOS.
RECONHECIMENTO. AVERBAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO INSALUBRE PRESTADO NO
RGPS. SERVIDOR PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA DESPROVIDAS. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PROVIDA.
1 - Trata-se de pedido de expedição de certidão de tempo de contribuição concessão de
aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o cômputo de labor especial laborado no
regime celetista, para fins de contagem recíproca no regime próprio.
2 - A sentença submetida à apreciação desta Corte foi proferida em 16/02/2012, sob a égide,
portanto, do Código de Processo Civil de 1973. No caso, a r. sentença reconheceu, em favor da
parte autora, tempo de serviço especial. Assim, trata-se de sentença ilíquida e sujeita ao
reexame necessário, nos termos do inciso I, do artigo retro mencionado e da Súmula 490 do
STJ.
3 - Com relação ao reconhecimento da atividade exercida como especial e em obediência ao
aforismo tempus regit actum, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o
ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das
condições de trabalho na forma então exigida, não se aplicando retroativamente lei nova que
venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.
4 - Em período anterior à da edição da Lei nº 9.032/95, a aposentadoria especial e a conversão
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
do tempo trabalhado em atividades especiais eram concedidas em virtude da categoria
profissional, conforme a classificação inserta no Anexo do Decreto nº 53.831, de 25 de março
de 1964, e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ratificados pelo
art. 292 do Decreto nº 611, de 21 de julho de 1992, o qual regulamentou, inicialmente, a Lei de
Benefícios, preconizando a desnecessidade de laudo técnico da efetiva exposição aos agentes
agressivos, exceto para ruído e calor.
5 - A Lei nº 9.032, de 29 de abril de 1995, deu nova redação ao art. 57 da Lei de Benefícios,
alterando substancialmente o seu §4º, passando a exigir a demonstração da efetiva exposição
do segurado aos agentes nocivos, químicos, físicos e biológicos, de forma habitual e
permanente, sendo suficiente a apresentação de formulário-padrão fornecido pela empresa. A
partir de então, retirou-se do ordenamento jurídico a possibilidade do mero enquadramento da
atividade do segurado em categoria profissional considerada especial, mantendo, contudo, a
possibilidade de conversão do tempo de trabalho comum em especial. Precedentes do STJ.
6 - O Decreto nº 53.831/64 foi o primeiro a trazer a lista de atividades especiais para efeitos
previdenciários, tendo como base a atividade profissional ou a exposição do segurado a
agentes nocivos. Já o Decreto nº 83.080/79 estabeleceu nova lista de atividades profissionais,
agentes físicos, químicos e biológicos presumidamente nocivos à saúde, para fins de
aposentadoria especial, sendo que, o Anexo I classificava as atividades de acordo com os
agentes nocivos enquanto que o Anexo II trazia a classificação das atividades segundo os
grupos profissionais. Com o advento da Lei nº 6.887/1980, ficou claramente explicitado na
legislação a hipótese da conversão do tempo laborado em condições especiais em tempo
comum, de forma a harmonizar a adoção de dois sistemas de aposentadoria díspares, um
comum e outro especial, o que não significa que a atividade especial, antes disso, deva ser
desconsiderada para fins de conversão, eis que tal circunstância decorreria da própria lógica do
sistema.
7 - Posteriormente, a Medida Provisória nº 1.523, de 11/10/1996, sucessivamente reeditada até
a Medida Provisória nº 1.523-13, de 25/10/1997, convalidada e revogada pela Medida
Provisória nº 1.596-14, de 10/11/1997, e ao final convertida na Lei nº 9.528, de 10/12/1997,
modificou o artigo 58 e lhe acrescentou quatro parágrafos. A regulamentação dessas regras
veio com a edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, em vigor a partir de sua publicação, em
06/03/1997, que passou a exigir laudo técnico das condições ambientais de trabalho, expedido
por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
8 - Em suma: (a) até 28/04/1995, é possível a qualificação da atividade laboral pela categoria
profissional ou pela comprovação da exposição a agente nocivo, por qualquer modalidade de
prova; (b) a partir de 29/04/1995, é defeso reconhecer o tempo especial em razão de ocupação
profissional, sendo necessário comprovar a exposição efetiva a agente nocivo, habitual e
permanentemente, por meio de formulário-padrão fornecido pela empresa; (c) a partir de
10/12/1997, a aferição da exposição aos agentes pressupõe a existência de laudo técnico de
condições ambientais, elaborado por profissional apto ou por perfil profissiográfico
previdenciário (PPP), preenchido com informações extraídas de laudo técnico e com indicação
dos profissionais responsáveis pelos registros ambientais ou pela monitoração biológica, que
constitui instrumento hábil para a avaliação das condições laborais.
9 - Especificamente quanto ao reconhecimento da exposição ao agente nocivo ruído, por
demandar avaliação técnica, nunca prescindiu do laudo de condições ambientais.
10 - Considera-se insalubre a exposição ao agente ruído acima de 80dB, até 05/03/1997; acima
de 90dB, no período de 06/03/1997 a 18/11/2003; e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.
11 - O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), instituído pela Lei nº 9.528/97, emitido com
base nos registros ambientais e com referência ao responsável técnico por sua aferição,
substitui, para todos os efeitos, o laudo pericial técnico, quanto à comprovação de tempo
laborado em condições especiais.
12 - Saliente-se ser desnecessário que o laudo técnico seja contemporâneo ao período em que
exercida a atividade insalubre. Precedentes deste E. TRF 3º Região.
13 - A desqualificação em decorrência do uso de EPI vincula-se à prova da efetiva
neutralização do agente, sendo que a mera redução de riscos e a dúvida sobre a eficácia do
equipamento não infirmam o cômputo diferenciado. Cabe ressaltar, também, que a tese
consagrada pelo C. STF excepcionou o tratamento conferido ao agente agressivo ruído, que,
ainda que integralmente neutralizado, evidencia o trabalho em condições especiais.
14 - Vale frisar que a apresentação de laudos técnicos de forma extemporânea não impede o
reconhecimento da especialidade, eis que de se supor que, com o passar do tempo, a evolução
da tecnologia tem aptidão de redução das condições agressivas. Portanto, se constatado nível
de ruído acima do permitido, em períodos posteriores ao laborado pela parte autora, forçoso
concluir que, nos anos anteriores, referido nível era superior.
15 - É possível a conversão do tempo especial em comum, independentemente da data do
exercício da atividade especial, consoante o disposto nos arts. 28 da Lei nº 9.711/98 e 57, § 5º,
da Lei nº 8.213/91.
16 - O fator de conversão a ser aplicado é o 1,40, nos termos do art. 70 do Decreto nº 3.048/99,
conforme orientação sedimentada no E. Superior Tribunal de Justiça.
17 - Quanto ao período laborado na empresa "V & M Florestal Ltda." de 09/10/1969 a
13/04/1970, consoante o formulário de fl. 23 e o laudo pericial de fl. 24, este assinado por
engenheiro de segurança do trabalho e embasado em laudo de insalubridade em poder do
INSS, o requerente estava exposto a ruído superior a 90dB.
18 - Durante as atividades realizadas no Município de São José dos Campos de 01/08/1979 a
11/07/1980 e 25/02/1985 a 31/08/1988, os Perfis Profissiográficos Previdenciários de fls. 26/27,
juntamente com os laudos periciais apresentados às fls. 28/35, indicam que o autor, no
exercício do cargo de lavador de carros e lubrificador de autos, executava as atividades de
"lavar, lubrificar e proceder a troca de óleo em veículos, máquinas e equipamentos, bem como
zelar pelas limpeza e manutenção do local de trabalho". Em razão do contato com óleo diesel e
solventes na limpeza de peças, estava exposto ao agente químico hidrocarboneto, portanto,
cabendo o seu enquadramento nos Decretos nº 53.831/64 (1.2.11) e nº 83.080/79 (anexo I,
1.2.10).
19 - Assim sendo, à vista do conjunto probatório, enquadrados como especiais os períodos de
09/10/1969 a 13/04/1970, 01/08/1979 a 11/07/1980 e 25/02/1985 a 31/08/1988.
20 - A controvérsia referente à possibilidade de reconhecimento de tempo de serviço prestado
em condições especiais sob o regime celetista, para fins de contagem recíproca com tempo de
serviço público, encontra-se pacificada na jurisprudência do colendo Supremo Tribunal Federal.
Precedentes.
21 - Consigne-se que a Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXIV, assevera ser direito
fundamental individual a obtenção de certidões perante o Poder Público, de modo que a
expedição de Certidão de Tempo de Serviço é manifestação de tal preceito, configurando
declaração do Poder Público acerca da existência (ou inexistência) de relação jurídica pré-
existente. Importante ser dito que o conteúdo de tal certidão não comporta qualquer tipo de
ressalva no tocante à extensão de sua utilidade no sentido de que ela não poderá ser utilizada
para fins de contagem recíproca.
22 - Dessa forma, diante de um legítimo interesse (qual seja, declaração judicial a respeito de
tempo de serviço exercido sob condições especiais nos termos da legislação aplicável),
somente é possível ao julgador, após reconhecer e asseverar a existência desse tal direito,
impor que se expeça a certidão (sob o pálio do direito fundamental individual anteriormente
descrito), o que não significa que, de posse dela, automaticamente seu detentor obtenha direito
à percepção de benefício previdenciário, sendo necessário, ainda, o adimplemento dos
requisitos legais a ser perquirido no momento em que pugnada a benesse (inclusive se a adição
de tempos de filiação em regimes diversos restou suficiente).
23 - Cabe ao Instituto Nacional do Seguro Social emitir a certidão de tempo de serviço -
mencionando os lapsos especiais reconhecidos ao segurado - e, ao órgão a que estiver
vinculado o servidor, a averbação do conteúdo certificado e a soma do tempo de labor para fins
de concessão da aposentadoria.
24 - O autor faz jus à expedição de certidão de tempo de serviço, para fins de contagem
recíproca, do período especial trabalhado de 09/10/1969 a 13/04/1970, 01/08/1979 a
11/07/1980 e 25/02/1985 a 31/08/1988, inclusive quanto à conversão em tempo comum, pelo
fator 1,40.
25 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da
autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba
deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente - conforme, aliás, preconizava o §4º, do
art. 20 do CPC/73, vigente à época do julgado recorrido - o que restará perfeitamente atendido
com o percentual de 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º).
26 - Apelação do INSS e remessa necessária desprovidas. Apelação da parte autora provida.
Concedida tutela específica.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação do INSS e à remessa necessária, tida por interposta, e dar provimento à apelação da
parte autora, para também admitir a especialidade de 09/10/1969 a 13/04/1970, condenar o
INSS no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados no montante de 10% (dez por
cento) do valor atualizado da causa (CPC/73, art. 20, §3º) e conceder a tutela específica, nos
termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
