Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 2029258 / SP
0001076-88.2015.4.03.9999
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
29/07/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/08/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. HIPOSSUFICIÊNCIA. PRESUNÇÃO
RELATIVA NÃO AFASTADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ART. 17, CPC/1973. HIPÓTESES
LEGAIS. NÃO ENQUADRAMENTO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
AUXÍLIO-DOENÇA. PREEXISTÊNCIA DA INCAPACIDADE. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL.
PRIMEIRO RECOLHIMENTO AOS 71 (SETENTA E UM) ANOS DE IDADE. MALES
DEGENERATIVOS ORTOPÉDICOS, TÍPICOS DE PESSOA COM IDADE AVANÇADA.
CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA POUCO TEMPO ANTES DO AJUIZAMENTO DA DEMANDA.
ELEMENTOS SUFICIENTES QUE ATESTAM O INÍCIO DO IMPEDIMENTO EM ÉPOCA
PREGRESSA AO INGRESSO NO RGPS. FILIAÇÃO OPORTUNISTA. INTELIGÊNCIA DOS
ARTS. 42, §2º E 59, PARÁGRAFO ÚNICO, AMBOS DA LEI Nº 8.213/91. VEDAÇÃO.
APOSENTADORIA POR INVALIDEZ E AUXÍLIO-DOENÇA INDEVIDOS. APELAÇÃO DA
PARTE AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA. GRATUIDADE DA JUSTIÇA DEFERIDA.
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ AFASTADA. IMPROCEDÊNCIA MANTIDA.
1 - A presunção relativa de hipossuficiência pode ser afastada mediante verificação, pelo
magistrado, da possibilidade econômica da parte autora em arcar com as custas do processo.
De fato, o artigo 5º Lei n. 1.060/50 permite ao magistrado indeferir os benefícios inerentes à
assistência judiciária gratuita no caso de "fundadas razões". Permite, em consequência, que o
Juiz que atua em contato direto com a prova dos autos, perquira acerca da real condição
econômica do demandante.
2 - In casu, no entanto, o magistrado a quo revogou os benefícios anteriormente concedidos,
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
em virtude de litigância de má-fé da parte autora, e não com base na sua situação
socioeconômica.
3 - Dessa forma, à míngua de elementos que permitam, ao menos por ora, afastar a presunção
relativa de hipossuficiência, de rigor a concessão da gratuidade da justiça.
4 - Afastada também sua condenação em litigância por má-fé.
5 - O Código de Processo Civil de 1973, vigente à época dos atos tidos como desleais,
disciplinava as hipóteses de litigância de má fé, em seu artigo 17, a saber: deduzir pretensão ou
defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; alterar a verdade dos fatos; usar do
processo para conseguir objetivo ilegal; opuser resistência injustificada ao andamento do
processo; proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; provocar
incidentes manifestamente infundados; e interpuser recurso com intuito manifestamente
protelatório expresso.
6 - Excetuadas as circunstâncias acima previstas, o exercício do direito de ação, por si só, não
se presta a caracterizar a litigância de má-fé, desde que justo o motivo que ensejou o
acionamento do Poder Judiciário, independentemente de seu êxito ou não.
7 - A parte autora propôs demanda, autuada sob o nº 0006824-47.2009.4.03.6302, visando a
concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, em 28/05/2009, perante o Juizado
Especial Federal Cível de Ribeirão Preto/SP (extrato processual em anexo). A presente ação,
por sua vez, foi proposta perante o Juízo Estadual da 2ª Vara Cível da Comarca de Monte
Alto/SP, em 18/03/2013 (fl. 02), requerendo os mesmos beneplácitos. Embora haja identidade
entre os pedidos, vê-se que as duas demandas possuem causa de pedir diversa. Naquela, a
autora discutiu sua situação física em meados de 2009, nesta, em meados de 2013.
8 - As ações nas quais se postula os benefícios por incapacidade caracterizam-se por terem
como objeto relações continuativas e, portanto, as sentenças nelas proferidas se vinculam aos
pressupostos do tempo em que foram formuladas, sem, contudo, extinguir a própria relação
jurídica, que continua sujeita à variação de seus elementos. Isso ocorre porque estas sentenças
contêm implícita a cláusula rebus sic stantibus, de forma que, modificadas as condições fáticas
ou jurídicas sobre as quais se formou a coisa julgada material, tem-se nova causa de pedir
próxima ou remota.
9 - Assim sendo, haja vista que as duas ações tratam de questões distintas, verifica-se que a
parte autora, realmente, não incidiu em comportamento apto à subsunção a quaisquer das
hipóteses de cabimento da condenação referida.
10 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II
da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
11 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência.
12 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
13 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o
prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e
vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação
(§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
14 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado
que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
15 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
16 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por
24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos
termos do art. 15 e §1º da Lei.
17 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6 (seis)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da
Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei 13.457, de 2017).
18 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com
fundamento em exame realizado em 05 de novembro de 2013 (fls. 48/57), consignou o
seguinte: "Após a confecção da História Clínica-Ocupacional, verificação detalhada de
documentos acostados nos autos e Exame Físico, concluiu-se que a Requerente é portadora de
doença crônico degenerativa da coluna vertebral avançada e das mãos; com sequelas
funcionais importantes e dor crônica (anexos 1 e 2). Apresenta INCAPACIDADE TOTAL e
PERMANENTE para as atividades habituais". Fixou, por fim, a data do início da incapacidade
em maio de 2012.
19 - O juiz não está adstrito integralmente ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436
do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o
juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a
exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
20 - Ainda que fixada a DII em tal data, tem-se que a incapacidade da requerente surgiu, em
verdade, em período anterior.
21 - Informações extraídas do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, cujo extrato
encontra-se acostado às fls. 26/28 dos autos, dão conta que a demandante promoveu
recolhimentos para a Previdência Social, na condição de contribuinte individual, nos meses de
06/2006 a 07/2006; 10/2006 a 03/2007 e de 10/2011 a 05/2013.
22 - Nota-se, portanto, que a autora promoveu seu primeiro recolhimento para o RGPS com 71
(setenta e um) anos de idade. E, ainda, que ajuizou a presente demanda poucos meses após
cumprir o período de carência legal (18/04/2013 - fl. 02), previsto no art. 25, I, da Lei 8.213/91.
23 - Se afigura pouco crível, à luz das máximas da experiência, subministradas pelo que
ordinariamente acontece no dia a dia (art. 335 do CPC/1973, reproduzido no art. 375 do
CPC/2015), que a autora somente tenha se tornado incapacitada em maio de 2012, uma vez
que é portadora de doenças degenerativas, típicas de pessoas com idade avançada, e que se
caracterizam pelo desenvolvimento paulatino.
24 - Em suma, a demandante somente ingressou no RGPS, na condição de contribuinte
individual, aos 71 (setenta e um) anos de idade, e completou o período de carência pouco
tempo antes de ajuizar a presente ação, o que, somado ao fato de que é portadora de males
degenerativos ortopédicos, típicos de pessoas com idade avançada, denota que sua
incapacidade era preexistente à sua filiação ao RGPS, além do notório caráter oportunista
desta.
25 - Diante de tais elementos, tem-se que decidiu a parte autora se filiar ao RGPS com o
objetivo de buscar, indevidamente, proteção previdenciária que não lhe alcançaria, conforme
vedações constantes dos artigos 42, §2º e 59, parágrafo único, ambos da Lei 8.213/91, o que
inviabiliza a concessão, seja de auxílio-doença, seja de aposentadoria por invalidez.
26 - Apelação da parte autora parcialmente provida. Gratuidade da justiça deferida. Litigância
de má-fé afastada. Improcedência mantida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
apelação da parte autora para conceder os benefícios da assistência judiciária gratuita, bem
como para afastar a sua condenação no pagamento de multa por litigância de má-fé, mantida,
no mais, a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
