
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002323-04.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: KLEYSER FRIEDRICH FRITZ
Advogado do(a) APELANTE: KELI FRITZ - PR75384-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002323-04.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: KLEYSER FRIEDRICH FRITZ
Advogado do(a) APELANTE: KELI FRITZ - PR75384-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Trata-se de ação previdenciária proposta por KLEYSER FRIEDRICH FRITZ em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.
O INSS apresentou contestação.
O pedido foi julgado improcedente. Houve revogação do benefício da gratuidade de justiça
A parte autora interpôs apelação requerendo, preliminarmente, a concessão da gratuidade de justiça. No mérito, pugna, em síntese, pela total procedência do pedido.
Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
10ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002323-04.2024.4.03.9999
RELATOR: Gab. 37 - DES. FED. NELSON PORFIRIO
APELANTE: KLEYSER FRIEDRICH FRITZ
Advogado do(a) APELANTE: KELI FRITZ - PR75384-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Nelson Porfirio (Relator): Preliminarmente, o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) passou a dispor sobre a gratuidade da justiça, revogando em parte a Lei nº 1.060/50.
Com a vigência da nova lei processual, a declaração do postulante quanto à insuficiência de recursos para pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios faz-se por meio de pedido formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em sede de recurso (art. 99).
No entanto, embora tenha mantido a presunção de veracidade da afirmação da pessoa física quanto a sua hipossuficiência financeira (§3º do art. 99), o novo diploma processual deixa expresso que ao juiz cabe verificar o efetivo preenchimento dos pressupostos legais, podendo, em caso de dúvida, determinar ao interessado que apresente elementos probatórios (§ 2º do art. 99).
No caso vertente, o MM. Juízo de origem, inicialmente, concedeu o benefício da assistência judiciária gratuita e a revogou na r. sentença, após análise da documentação anexada ao feito, porquanto entendeu que a parte autora teria possibilidade de arcar com as custas, despesas processuais e honorários advocatícios sem prejuízo de seu sustento.
Nessas condições, deve-se reconhecer que a presunção legal de hipossuficiência - relativa que é - restou afastada naquela ocasião, cabendo então ao requerente trazer elementos de prova que justificassem eventuais despesas extraordinárias ou a existência de alguma situação pessoal (ou familiar) especial que resultasse na alegada insuficiência de recursos para custear o processo da forma delimitada nos autos.
No entanto, a parte autora se limitou, em seu recurso de apelação, a alegar a insuficiência de recursos, sem trazer quaisquer novos documentos aptos à comprovação da efetiva necessidade do benefício, razão pela qual rejeito a preliminar arguida.
Do mérito.
O benefício da aposentadoria por idade é concedido, desde que demonstrado o cumprimento da carência, ao segurado trabalhador rural que tenha 60 anos de idade, se homem, ou 55 anos se mulher (§ 1º, artigo 48 da Lei nº 8.213/91).
Outrossim, o artigo 143 da Lei n.º 8.213/1991, com redação determinada pela Lei n.º 9.063, de 28.04.1995, dispõe que:
"O trabalhador rural ora enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social, na forma da alínea "a" do inciso I, ou do inciso IV ou VII do art. 11 desta Lei, pode requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, durante 15 (quinze) anos, contados a partir da data de vigência desta Lei, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício".
Por sua vez, de acordo com o estabelecido no art. 3º da Lei 11.718/08, a partir de 01.01.2011 há necessidade de recolhimento das contribuições previdenciárias, uma vez que o período de 15 anos a que se refere o artigo 143 da Lei nº 8.213/91 exauriu-se em 31.12.2010, conforme disposto no artigo 2º da Lei nº 11.718/08, que assim dispõe:
"Art. 2º. Para o trabalhador rural empregado, o prazo previsto no art. 143 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, fica prorrogado até o dia 31 de dezembro de 2010."
No entanto, dada a função social protetiva que permeia a Previdência Social, extraída dos arts. 1º, 3º, 194 e 201, da Constituição da República, constata-se inadmissível a exigência do pagamento de tais contribuições pelo trabalhador rural, sobretudo pela informalidade das atividades desenvolvidas nesta seara, impondo destacar que a relação de labor rural exprime inegável relação de subordinação, pois as contratações ocorrem diretamente pelo produtor ou pelos denominados "gatos".
Repise-se, aliás, que o dever de recolhimento das contribuições previdenciárias constitui ônus do empregador, o qual não pode ser transmitido ao segurado, que restaria prejudicado por negligente conduta a este não imputável (Nesse sentido: STJ - 5ª Turma, REsp 566405, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 15/12/2003; TRF - 3ª Região, 2ª Turma, AC 2000.03.99.006110-1, Rel. Des. Fed. Sylvia Steiner, j. 15/05/2001, RTRF-3ª Região 48/234).
Por outro lado, o colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a "necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias só é evidenciada para os casos em que se pleiteia o benefício aposentadoria por tempo de contribuição, tendo em vista que em caso de aposentadoria por idade rural, aplica-se o disposto no art. 39, I, da Lei 8.213/1991. Vale dizer, basta a comprovação do efetivo exercício da atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que de forma descontínua, em período anterior ao requerimento do benefício, por período igual ao número de meses de carência do benefício." (AgRg no REsp 1.537.424/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 03/09/2015).
Assim, comprovado o exercício de atividade rural pelo prazo determinado na Lei n.º 8.213/1991, bem como o implemento da idade estipulada, as situações fáticas que levam à aquisição de direito a benefícios previdenciários, mesmo que constituídas anteriormente à sua vigência, subordinam-se aos seus efeitos jurídicos.
Cumpre ressaltar que os arts. 2º e 3º da Lei nº 11.718/08 não estabeleceram a fixação de prazo decadencial à aposentadoria por idade rural perquirida pelos que implementaram a idade após 31.12.2010, mas apenas traçaram novo regramento para comprovação de atividade rural (Nesse sentido: TRF - 10ª Turma, AC 1639403, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, e-DJF3 Judicial 1: 13.10.2011).
Nos casos em que a parte autora completa o requisito etário após 31.12.2010, já não se submete às regras de transição dos arts. 142 e 143, devendo preencher os requisitos previstos no art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91 (com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.718/2008): 60 (sessenta) anos de idade, se homem, 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, tempo de efetiva atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período correspondente à carência exigida para o benefício, isto é, 180 (cento e oitenta) meses.
No que tange ao imediatismo do trabalho rural ao requerimento do benefício de que trata a lei, ficou assentado em recente decisão proferida em sede de Recurso Especial Representativo de Controvérsia que o trabalhador rural tem que estar exercendo o labor campestre ao completar a idade mínima exigida na lei, momento em que poderá requerer seu benefício. Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, §1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício.
2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil." (STJ - 1ª Seção, REsp 1.354908/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, j.em 09/09/2015, DJe 10/02/2016).
Com efeito, o tempo de serviço do trabalhador rural exercido antes da data de início de vigência da Lei n. 8.213/1991, é de ser computado e averbado, independentemente do recolhimento das contribuições correspondentes.
Assim, a comprovação do tempo de serviço, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado, nos termos do artigo 55, § 3º, da aludida norma legal, produz efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida, porém, a prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
É certo que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é insuficiente apenas a produção de prova testemunhal para a comprovação de atividade rural, nos termos da Súmula 149: (...) A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário (...). Nesse sentido:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA. CERTIDÃO DE CASAMENTO. MARIDO LAVRADOR. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL.
1. A comprovação da atividade laborativa do rurícola deve-se dar com o início de prova material, ainda que constituído por dados do registro civil, como certidão de casamento onde consta à profissão de lavrador atribuída ao marido da Autora. Precedentes da Terceira Seção do STJ.
2. Recurso especial conhecido em parte e provido (...). (REsp 707.846/CE, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ de14/3/2005).
Importante anotar, contudo, que não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é imprescindível que a prova testemunhal amplie a eficácia probatória dos documentos, como se verifica nos autos. No mesmo sentido:
"AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE AGRÍCOLA NO PERÍODO DE CARÊNCIA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL AMPLIADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PEDIDO PROCEDENTE.
1. É firme a orientação jurisprudencial desta Corte no sentido de que, para concessão de aposentadoria por idade rural, não se exige que a prova material do labor agrícola se refira a todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos, como na hipótese em exame.
2. Pedido julgado procedente para, cassando o julgado rescindendo, dar provimento ao recurso especial para restabelecer a sentença (...).” (AR 4.094/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2012, DJe 08/10/2012).
A matéria, a propósito, foi objeto de Recurso Especial Representativo de Controvérsia:
"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 55, § 3º, DA LEI 8.213/91. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECONHECIMENTO A PARTIR DO DOCUMENTO MAIS ANTIGO. DESNECESSIDADE. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CONJUGADO COM PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL COINCIDENTE COM INÍCIO DE ATIVIDADE URBANA REGISTRADA EM CTPS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A controvérsia cinge-se em saber sobre a possibilidade, ou não, de reconhecimento do período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
2. De acordo com o art. 400 do Código de Processo Civil "a prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso". Por sua vez, a Lei de Benefícios, ao disciplinar a aposentadoria por tempo de serviço, expressamente estabelece no § 3º do art. 55 que a comprovação do tempo de serviço só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, "não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento" (Súmula 149/STJ).
3. No âmbito desta Corte, é pacífico o entendimento de ser possível o reconhecimento do tempo de serviço mediante apresentação de um início de prova material, desde que corroborado por testemunhos idôneos. Precedentes.
4. A Lei de Benefícios, ao exigir um "início de prova material", teve por pressuposto assegurar o direito à contagem do tempo de atividade exercida por trabalhador rural em período anterior ao advento da Lei 8.213/91 levando em conta as dificuldades deste, notadamente hipossuficiente.
5. Ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, ocorrido em 1974, os testemunhos colhidos em juízo, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, corroboraram a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do autor desde 1967.
6. No caso concreto, mostra-se necessário decotar, dos períodos reconhecidos na sentença, alguns poucos meses em função de os autos evidenciarem os registros de contratos de trabalho urbano em datas que coincidem com o termo final dos interregnos de labor como rurícola, não impedindo, contudo, o reconhecimento do direito à aposentadoria por tempo de serviço, mormente por estar incontroversa a circunstância de que o autor cumpriu a carência devida no exercício de atividade urbana, conforme exige o inc. II do art. 25 da Lei 8.213/91.
7. Os juros de mora devem incidir em 1% ao mês, a partir da citação válida, nos termos da Súmula n. 204/STJ, por se tratar de matéria previdenciária. E, a partir do advento da Lei 11.960/09, no percentual estabelecido para caderneta de poupança. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do Código de Processo Civil." (STJ - 1ª Seção, REsp 1.348.622/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, j. 23/08/2013).
Ressalto, ainda, que se encontra pacificado no Superior Tribunal de Justiça que a qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar" na certidão de casamento não descaracteriza sua condição de trabalhadora rural, uma vez que é comum o acúmulo da atividade rural com a doméstica, de forma que a condição de rurícola do marido contido no documento matrimonial pode ser estendida à esposa. Nessa linha, julgados da Corte Superior:
"AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO ONDE CONSTA O MARIDO LAVRADOR. EXTENSÃO DA QUALIDADE DE TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR À ESPOSA. PRECEDENTES.
1. Conforme consignado na análise monocrática, consta dos autos a certidão de casamento da autora com o Sr. Sebastião Maurilio da Silva, já falecido, e lá qualificado como lavrador que, aliada à prova testemunhal, dão conta do exercício de atividade rural exercido em regime de economia familiar. Tal fato é reconhecido pela própria Corte.
2. Ora, se o Tribunal de origem reconheceu que há documento público do qual se consta como profissão do marido da autora lavrador e que houve testemunha para corroborar o depoimento da recorrente, não poderia ter decidido que "o Plano de Benefícios da Previdência Social, Lei n.º 8.213/91, não admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação de tempo de serviço, dispondo em seu artigo 55, parágrafo 3º, que a prova testemunhal só produzirá efeito quando baseada em início de prova material." Isto, frise-se novamente, porque há certidão de casamento onde a profissão de seu falecido esposo como rurícola.
3. Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o documento probante da situação de camponês do marido é extensível à esposa, ainda que desenvolva tarefas domésticas, ante a situação de campesinos comum ao casal.
4. Saliente-se, por fim, que não há violação do enunciado da Súmula 7/STJ quando a decisão desta Corte se fundamenta nas próprias premissas traçadas pela Corte de origem para fundamentar sua decisão. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 1448931/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 02/06/2014).
No caso vertente, visando comprovar a atividade rural exercida, a parte autora anexou aos autos razoável início de prova material, consubstanciado em diversos documentos, dentre os quais destaco: i) ficha de inscrição e controle emitida por sindicato de trabalhadores rurais (1992); ii) escritura de compra e venda de imóvel rural, em que o autor, qualificado como agricultor, figura como comprador (2011); iii) notas fiscais de compra e venda de insumos e produtos agrícolas, bem como comprovantes de aquisição de vacinas veterinárias (2006/2017).
Pois bem. Inicialmente, anote-se que o imóvel rural do autor é caracterizado como pequena propriedade rural, porquanto possui dimensão total equivalente a 13 hectares e está localizado em Eldorado/MS, local em que o módulo fiscal é de 45 hectares.
De todo modo, convém anotar que o tamanho da propriedade rural não é capaz de descaracterizar, por si só, o regime de economia familiar, desde que a análise dos demais elementos dos autos, notadamente relativos ao modo de produção, permita concluir pela sua configuração (Nesse sentido: STJ - Quinta Turma, AgRg no REsp nº 1.042.401/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.12.2008, DJ. 16.02.2009).
Ademais, dispõe o art. 109 da Instrução Normativa n° 128/2022 do INSS:
“Art. 109. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
§ 1º A atividade é desenvolvida em regime de economia familiar quando o trabalho dos membros do grupo familiar é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico, sendo exercida em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, independentemente do valor auferido pelo segurado especial com a comercialização da sua produção, quando houver, observado que:
(...)”. – grifo nosso.
Conjugando-se o entendimento do C. STJ com a norma exarada pela própria autarquia previdenciária, tem-se que a caracterização do segurado especial não depende do valor auferido com a comercialização da sua produção, e sim do modo de produção.
Tal dispositivo é de se salutar, na medida em que a análise quantitativa da atividade desempenhada pelo produtor rural envolve inúmeros fatores que, por vezes, refogem ao conhecimento do intérprete. Exemplo disso é a usual medição da produção agrícola em toneladas – unidade de medida que, a um leigo, parece exorbitante, mas por vezes não significa produtividade sobejante, sobretudo quando se leva em conta, ainda, a sazonalidade do plantio e da colheita de cada tipo de cultivo. Além disso, os variáveis ciclos de produção agropastoril também implicam valores aglutinados – e aparentemente pujantes - nas notas fiscais de venda de produtos emitidas somente ao longo de determinadas épocas do ano, por vezes levando à conclusão equivocada acerca da real dimensão da produtividade e da renda do produtor.
É por isso que, nos casos de alegado regime de economia familiar, a análise da condição de segurado especial deve ser eminentemente qualitativa, isto é, deve se restringir à natureza e ao modo da atividade humana desempenhada na lida rural, cabendo ao intérprete aferir se ela é indispensável à subsistência do grupo familiar e se há, ou não, auxílio de empregados permanentes – permitindo-se, no entanto, auxílio eventual de terceiros.
Grosso modo, o requisito da indispensabilidade da atividade rural se presta a afastar a condição de segurado especial daqueles que se dedicam à atividade urbana como fonte primária de sustento ou que, de qualquer modo, auferem da lida rural renda meramente complementar. Nesse diapasão, convém asseverar que o C. STJ firmou entendimento, no julgamento do REsp 1.304.479/SP, representativo de controvérsia (Tema 532), de que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.
Já os requisitos da ausência de empregados permanentes e do limite de quatro módulos fiscais da propriedade rural – requisito este que, como alhures visto, pode ser mitigado - são os principais critérios erigidos pelo INSS para diferenciar os produtores rurais caracterizados como contribuintes individuais daqueles tidos como segurados especiais. Ou seja, não há diferenciação entre produtores rurais contribuinte individual e segurado especial baseada na renda auferida.
Não se olvida que é muito provável que um latifundiário, com diversos empregados e maquinários, terá renda maior que um pequeno produtor familiar. No entanto, ele será caracterizado como contribuinte individual por fatores alheios à renda, já acima elencados. Por outro lado, o membro de uma família numerosa que se dedica exclusivamente ao trabalho em uma pequena propriedade rural, sem auxílio de empregados, e que dá conta de cultivar e comercializar eficientemente determinado produto de alta rentabilidade, poderá se caracterizar como segurado especial da mesma forma que o produtor que convive somente com seu cônjuge, em uma pequena chácara, e que produz o mínimo necessário para o consumo próprio.
Dito isso, convém anotar que, conquanto irrelevante aos fins pretendidos neste feito, a renda declarada pelo autor nos exercícios de 2008 a 2021 nem sequer é exorbitante. Por exemplo, quanto à discriminação mensal do exercício de 2015, em ID 301501997 (pág. 38), vê-se que há vários meses com receita bruta igual a zero, e outros em que as despesas de custeio/investimento superam a receita bruta – o que corrobora a sobredita sazonalidade da atividade rural. Ao final, o resultado anual tributável declarado foi de pouco mais de R$16.000,00, embora a receita bruta tenha superado o montante de R$80.000,00.
Por sua vez, a prova testemunhal produzida em Juízo corroborou o alegado na exordial, não remanescendo quaisquer dúvidas quanto ao exercício, pela parte autora, de atividade rural em regime de economia familiar nos períodos vindicados.
Por fim, o fato de o autor residir em zona urbana não afasta sua condição de segurado especial. Segundo dispõe o art. 110, § 1º, da Instrução Normativa n° 128/2022 do INSS:
“Art. 110, § 1º. Considera-se que o segurado especial reside em aglomerado urbano ou rural próximo, quando resida no mesmo município ou em município contíguo àquele em que desenvolve a atividade rural.”.
Neste contexto, havendo prova plena ou início razoável de prova material corroborada por prova testemunhal, impõe-se reconhecer que a parte autora comprovou o exercício de atividade rural por período superior ao legalmente exigido, no período imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário.
Assim sendo, tendo a parte autora completado 60 anos de idade em 14.04.2016, bem como cumprido tempo de atividade rural superior ao legalmente exigido, consoante o art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, é de se conceder a aposentadoria rural por idade.
O benefício é devido a partir da data do requerimento administrativo (D.E.R. 16.05.2017), momento em que o INSS tomou ciência da pretensão da parte autora.
A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 (que já contempla a aplicação da Selic, nos termos do artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021), do Conselho da Justiça Federal (ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença). Os juros de mora deverão incidir até a data da expedição do PRECATÓRIO/RPV, conforme entendimento consolidado pela colenda 3ª Seção desta Corte. Após a devida expedição, deverá ser observada a Súmula Vinculante 17.
Com relação aos honorários advocatícios, tratando-se de sentença ilíquida, o percentual da verba honorária deverá ser fixado somente na liquidação do julgado, na forma do disposto no art. 85, § 3º, § 4º, II, e § 11, e no art. 86, todos do CPC, e incidirá sobre as parcelas vencidas até a data da decisão que reconheceu o direito ao benefício (Súmula 111 do STJ).
Embora o INSS seja isento do pagamento de custas processuais, deverá reembolsar as despesas judiciais feitas pela parte vencedora e que estejam devidamente comprovadas nos autos (Lei nº 9.289/96, artigo 4º, inciso I e parágrafo único).
Caso a parte autora esteja recebendo benefício previdenciário concedido administrativamente, deverá optar, à época da liquidação de sentença, pelo benefício judicial ou administrativo que entenda ser mais vantajoso. Se a opção recair no benefício judicial, deverão ser compensadas as parcelas já recebidas em sede administrativa, face à vedação da cumulação dos benefícios.
As verbas acessórias e as prestações em atraso também deverão ser calculadas na forma acima estabelecida, em fase de liquidação de sentença.
Ante o exposto, REJEITO A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, para julgar procedente o pedido, e conceder-lhe o benefício de aposentadoria por idade, a partir do requerimento administrativo (D.E.R. 16.05.2017), observada eventual prescrição quinquenal, tudo nos termos acima delineados, fixando, de ofício, os consectários legais.
Determino que, independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao INSS (Gerência Executiva / Unidade Administrativa) a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja implantado o benefício da parte autora, KLEYSER FRIEDRICH FRITZ, de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, D.I.B. (data de início do benefício) em 16.05.2017 e R.M.I. (renda mensal inicial) a ser calculada pelo INSS, nos termos da presente decisão, tendo em vista o art. 497 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15).
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ART. 48, §1º, DA LEI 8.213/91. ATIVIDADE RURAL COMPROVADA. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADA POR PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. A presunção legal de hipossuficiência - relativa que é - restou afastada na r. sentença, após a revogação, cabendo então ao requerente trazer elementos de prova que justificassem eventuais despesas extraordinárias ou a existência de alguma situação pessoal (ou familiar) especial que resultasse na alegada insuficiência de recursos para custear o processo da forma delimitada nos autos. No entanto, a parte autora se limitou, em seu recurso de apelação, a alegar a insuficiência de recursos, sem trazer quaisquer novos documentos aptos à comprovação da efetiva necessidade do benefício, razão pela qual rejeito a preliminar arguida.
2. O benefício da aposentadoria por idade é concedido, desde que demonstrado o cumprimento da carência, ao segurado trabalhador rural que tenha 60 anos de idade, se homem, ou 55 anos se mulher (§ 1º, artigo 48 da Lei nº 8.213/91).
3. Extrai-se do art. 109 da Instrução Normativa n° 128/2022 que a caracterização do segurado especial não depende do valor auferido com a comercialização da sua produção, e sim do modo de produção. Isso porque a análise quantitativa da atividade desempenhada pelo produtor rural envolve inúmeros fatores que, por vezes, refogem ao conhecimento do intérprete. Exemplo disso é a usual medição da produção agrícola em toneladas – unidade de medida que, a um leigo, parece exorbitante, mas por vezes não significa produtividade sobejante, sobretudo quando se leva em conta, ainda, a sazonalidade do plantio e da colheita de cada tipo de cultivo. Além disso, os variáveis ciclos de produção agropastoril também implicam valores aglutinados – e aparentemente pujantes - nas notas fiscais de venda de produtos emitidas somente ao longo de determinadas épocas do ano, por vezes levando à conclusão equivocada acerca da real dimensão da produtividade e da renda do produtor.
4. É por isso que, nos casos de alegado regime de economia familiar, a análise da condição de segurado especial deve ser eminentemente qualitativa, isto é, deve se restringir à natureza e ao modo da atividade humana desempenhada na lida rural, cabendo ao intérprete aferir se ela é indispensável à subsistência do grupo familiar e se há, ou não, auxílio de empregados permanentes – permitido, no entanto, auxílio eventual de terceiros.
5. No caso vertente, comprovada a atividade rural em regime de economia familiar e a carência exigidas através de início de prova material corroborada pela testemunhal, e preenchida a idade necessária à concessão do benefício, faz jus a parte autora ao recebimento da aposentadoria por idade.
6. Preliminar rejeitada. Apelação da parte autora provida. Fixados, de ofício, os consectários legais.
ACÓRDÃO
DESEMBARGADOR FEDERAL
