Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
6075413-04.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal TORU YAMAMOTO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/08/2020
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 27/08/2020
Ementa
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL/COISA JULGADA.
PRELIMINARES REJEITADAS. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. INTERREGNO DE LABOR RURAL RECONHECIDO JUDICIALMENTE EM
AÇÃO DIVERSA. EXPRESSA DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DE QUE SUA AVERBAÇÃO
DEVE SER REALIZADA, EXCETO PARA FINS DE CARÊNCIA. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. BENEFÍCIO INDEVIDO. TUTELA REVOGADA.
1. De início, quanto à alegação de inépcia da exordial, é cediço que o Direito Processual Civil é
pautado pela teoria da substanciação, em que se exige a descrição dos fatos para a propositura
da ação. Contudo, a petição inicial somente pode ser considerada inepta quando de sua análise
não se puder identificar o pedido, a causa de pedir, bem como da narração dos fatos não decorrer
pedido juridicamente amparado pelo ordenamento jurídico. No caso em análise, ao contrário do
alegado pela Autarquia Previdenciária, a petição inicial contém suficiente exposição dos fatos
para a regular compreensão da demanda e do período de trabalho campesino no qual se
postulou o reconhecimento, bem como preenche os requisitos dos artigos 319 e 320 do Código
de Processo Civil, não se podendo falar em inépcia da petição inicial. No tocante à alegação de
coisa julgada, verifico que não restou configurada a tríplice identidade, pois a ação anteriormente
interposta pleiteou aposentadoria por tempo de contribuição e, a atual, aposentadoria por idade
híbrida. Observo, no entanto, que a questão relacionada ao eventual reconhecimento de trabalho
rural supostamente exercido pela autora de 1964 a 1970 e de 1971 até 1985 já foi dirimida pela
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
ação anteriormente interposta (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044598-15.2008.4.03.9999/SP), com
trânsito em julgado, de modo que, de fato, descabe qualquer nova análise com relação a tais
interregnos, até porque não se verifica terem sido produzidos novos documentos aptos a
desconstituir o julgado anterior. Aliás, nem a r. sentença reconheceu períodos de labor rural
diferentes daquele anteriormente reconhecido.
2. Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da
idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições
para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei
8.213/91.
3. Por fim, verifico que, por meio de acórdão publicado no DJe 04/09/2019 (Resp 1.674.221/PR),
a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob o rito dos recursos
repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O tempo de serviço rural,
ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado
para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não
tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da
Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou
o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo.
4. Observa-se dos autos que o benefício em questão foi concedido em primeiro grau de jurisdição
em razão do interregno de labor rural reconhecido em ação anteriormente interposta (analisada
em sede recursal e com trânsito em julgado), somado aos recolhimentos vertidos pela
demandante na qualidade de contribuinte autônoma. No entanto, o período de labor rural
anteriormente reconhecido em sede judicial não pode ser aqui utilizado para fins de carência (que
é o objetivo da presente ação), porquanto o julgado anterior já consignou, expressamente, a
impossibilidade do cômputo de tal período para esse fim.
5. Assim, excluído tal interregno, e ausente qualquer irresignação recursal da parte autora,
verifica-se que ela não possui carência necessária à concessão da benesse vindicada, motivo
pelo qual a reforma integral da r. sentença é medida que se impõe.
6. Revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a imediata
cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os
documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em
julgado. A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela
parte autora deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução, após a eventual revisão do
entendimento firmado no Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça.
7. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS provida. Tutela revogada.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6075413-04.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCEIA MOREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6075413-04.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCEIA MOREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Trata-se de apelação em ação de conhecimento proposta em face do INSS, na qual a parte
autora requer aposentadoria por idade, na modalidade híbrida. Busca provar tais circunstâncias
mediante apresentação de documentos que entende comprobatórios do direito pleiteado.
A r. sentença julgou procedente o pedido formulado na exordial para condenar o INSS à
concessão de aposentadoria por idade comum do artigo 11 e 48, §3º, da Lei n. 8.213/91, em
favor da autora, no valor de um salário mínimo, com todos os seus acréscimos e gratificações ao
benefício aderidas, a partir do pedido administrativo (31/01/2018). Consignou que as parcelas
atrasadas deverão ser pagas de uma só vez, corrigidas através da utilização do Manual de
Cálculos da Justiça Federal- JF e as Tabelas de Correção Monetária, julgando resolvido o
processo, com fulcro no art. 487, inc. I, do C.P.C. Condenou a Autarquia Previdenciária nas
despesas processuais, não abrangidas pela isenção de que goza, bem como em honorários
advocatícios, estimados estes em dez por cento sobre o valor da condenação, até a data da r.
sentença, afastada a incidência sobre as vincendas, em razão do disposto na Súmula 111, do C.
STJ. Por fim, determinou a imediata implantação do benefício, como forma de tutela de urgência,
fixando a multa de R$5.000,00, a contar do 15º dia seguinte à intimação da ordem, ficando o
autor advertido da restituição dos valores recebidos por força da presente tutela, conforme Tema
Repetitivo n. 692, do C. STJ, caso o julgado seja revisto.
Sentença não submetida à remessa oficial.
Irresignado, o INSS ofertou apelação, aduzindo, preliminarmente, acerca da inépcia da inicial e,
também, da coisa julgada. No mérito, alega, em apertada síntese, que a parte autora não faz jus
à benesse vindicada, motivando as razões de sua insurgência. Requer, nesses termos, a reforma
integral da r. sentença. Subsidiariamente, requer que eventual período de labor rural não seja
computado para fins de carência e a redução da multa fixada para o cumprimento da tutela, bem
como a alteração dos consectários legais fixados.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº6075413-04.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 23 - DES. FED. TORU YAMAMOTO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DIRCEIA MOREIRA DE SOUZA
Advogado do(a) APELADO: ANA MARIA FRIAS PENHARBEL - SP272816-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O Exmo. Desembargador Federal Toru Yamamoto (Relator):
Verifico, em juízo de admissibilidade, que o recurso ora analisado mostra-se formalmente regular,
motivado (artigo 1.010 CPC) e com partes legítimas, preenchendo os requisitos de adequação
(art. 1009 CPC) e tempestividade (art. 1.003 CPC). Assim, presente o interesse recursal e
inexistindo fato impeditivo ou extintivo, recebo-o e passo a apreciá-lo nos termos do artigo 1.011
do Código de Processo Civil.
De início, quanto à alegação de inépcia da exordial, é cediço que o Direito Processual Civil é
pautado pela teoria da substanciação, em que se exige a descrição dos fatos para a propositura
da ação. Contudo, a petição inicial somente pode ser considerada inepta quando de sua análise
não se puder identificar o pedido, a causa de pedir, bem como da narração dos fatos não decorrer
pedido juridicamente amparado pelo ordenamento jurídico. No caso em análise, ao contrário do
alegado pela Autarquia Previdenciária, a petição inicial contém suficiente exposição dos fatos
para a regular compreensão da demanda e do período de trabalho campesino no qual se
postulou o reconhecimento, bem como preenche os requisitos dos artigos 319 e 320 do Código
de Processo Civil, não se podendo falar em inépcia da petição inicial.
No tocante à alegação de coisa julgada, verifico que não restou configurada a tríplice identidade,
pois a ação anteriormente interposta pleiteou aposentadoria por tempo de contribuição e, a atual,
aposentadoria por idade híbrida. Observo, no entanto, que a questão relacionada ao eventual
reconhecimento de trabalho rural supostamente exercido pela autora de 1964 a 1970 e de 1971
até 1985 já foi dirimida pela ação anteriormente interposta (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044598-
15.2008.4.03.9999/SP), com trânsito em julgado, de modo que, de fato, descabe qualquer nova
análise com relação a tais interregnos, até porque não se verifica terem sido produzidos novos
documentos aptos a desconstituir o julgado anterior. Aliás, nem a r. sentença reconheceu
períodos de labor rural diferentes daquele anteriormente reconhecido.
Rejeito, pois, as preliminares, e passo a apreciar o mérito.
Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da
idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições
para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei
8.213/91.
Cumpre ressaltar que, com o advento da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, a perda da
qualidade de segurado se tornou irrelevante para a concessão da aposentadoria por idade, desde
que o segurado já conte com o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de
carência, na data de requerimento do benefício.
"Art. 3º: A perda da qualidade do segurado não será considerada para a concessão das
aposentadorias por tempo de contribuição e especial.
§1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será
considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o
tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento
do benefício.
§2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §1º, observará, para os
fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e §2°, da Lei nº 9.876, de 26 de
novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da
competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991."
Muito embora o art. 3º, §1º, da Lei 10.666/2003 estabeleça que o segurado conte com, no
mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do
requerimento do benefício, a Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça entende que
a carência exigida deve levar em conta a data em que o segurado implementou as condições
necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 142 DA LEI Nº
8.213/91. PERÍODO DE CARÊNCIA. PREENCHIMENTO. PERDA DA QUALIDADE DE
SEGURADO. ATENDIMENTO PRÉVIO DOS REQUISITOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. Na forma da atual redação do art. 142 da Lei nº 8.213/91, alterado pela Lei nº 9.032/95, a
carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela ali
prevista, mas levando-se em consideração o ano em que o segurado implementou as condições
necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
2. Aplica-se ao caso o art. 102, § 1º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe que a perda da qualidade de
segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos
todos os requisitos segundo a legislação então em vigor (arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/91).
3. Recurso especial provido."
(REsp. nº 490.585/PR, Relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU de 23/8/2005).
O artigo 24 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que: "Período de carência é o número mínimo de
contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas
a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências."
Por seu turno, o art. 25, inciso II, da referida Lei estabelece que:
"A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos
seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
II - aposentadoria por idade, aposentadoria por tempo de serviço e aposentadoria especial: 180
contribuições mensais."
Porém, para os segurados inscritos na Previdência Social Urbana até 24 de julho de 1991, o art.
142 da Lei nº 8.213/1991, trouxe uma regra de transição, consubstanciada em uma tabela
progressiva de carência, de acordo com o ano em que foram implementadas as condições para a
aposentadoria por idade.
Deve-se observar que para aferir a carência a ser cumprida deverá ser levada em consideração a
data em que foi implementado o requisito etário para a obtenção do benefício e não aquele em
que a pessoa ingressa com o requerimento de aposentadoria por idade junto ao Instituto Nacional
do Seguro Social.
Trata-se de observância do mandamento constitucional de que todos são iguais perante a lei (art.
5º, caput, da Constituição Federal). Se, por exemplo, aquele que tivesse preenchido as condições
de idade e de carência, mas que fizesse o requerimento administrativo posteriormente seria
prejudicado com a postergação do seu pedido, já que estaria obrigado a cumprir um período
maior de carência do que aquele que o fizesse no mesmo momento em que tivesse completado a
idade mínima exigida, o que obviamente não se coaduna com o princípio da isonomia, que requer
que pessoas em situações iguais sejam tratadas da mesma maneira.
Por outro lado, no caso de cumprimento do requisito etário, mas não da carência, o aferimento
desta, relativamente à aposentadoria por idade, será realizado quando do atingimento da idade
esperada, ainda que, naquele momento a pessoa não tivesse completado a carência necessária.
Nessa situação, o próprio adiamento da possibilidade de obtenção do benefício para o momento
em que fosse cumprida a carência exigida no artigo 142 da Lei de Benefícios Previdenciários já
estabeleceria diferença entre aquele que cumpriu a carência no momento em que completara a
idade mínima, não havendo que se falar em necessidade de qualquer prazo adicional.
Corroborando este entendimento, cito a Súmula nº 02 da Turma Regional de Uniformização dos
Juizados Especiais Federais da 4ª Região, que assim dispôs: Para a concessão da aposentadoria
por idade, não é necessário que os requisitos da idade e da carência sejam preenchidos
simultaneamente.
Anoto, por oportuno, que a edição da Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, promoveu uma
alteração no art. 48 da Lei 8.213/91, que possibilitou a contagem mista do tempo de labor rural e
urbano para fins de concessão de aposentadoria por idade, com a majoração do requisito etário
mínimo para 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, respectivamente, para mulheres e
homens.
Trago à colação a redação mencionada, in litteris:
"§2º: Para os efeitos do disposto no § 1o deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o
efetivo exercício de atividade rural , ainda que de forma descontínua, no período imediatamente
anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição
correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os
incisos III a VIII do § 9o do art. 11 desta Lei.
§3º: Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no §
2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de
contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65
(sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.
§4º: Para efeito do § 3o deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de
acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-
de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-
contribuição da Previdência Social." (g.n.)
Por fim, verifico que, por meio de acórdão publicado no DJe 04/09/2019 (Resp 1.674.221/PR), a
Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob o rito dos recursos
repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O tempo de serviço rural,
ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado
para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não
tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da
Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou
o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo.
Feitas tais considerações, passo à análise dos requisitos necessários. A idade mínima de 60 anos
exigida para a obtenção do benefício requerido foi atingida pela parte autora em 2012, haja vista
haver nascido em 22/09/1952, segundo atesta sua documentação. Desse modo, necessária
agora a comprovação da carência no montante de 180 meses, conforme redação dada ao art.
142 da Lei 8.213/91, após sua modificação pela Lei 9.032/95.
Entretanto, com relação ao derradeiro requisito, verifico que não ter sido atingido.
A parte autora alega, na exordial, in litteris:
“(...)
DOS FATOS
A autora conta com 65 (sessenta) anos de idade.
Sempre trabalhou e ganhou o seu sustento como trabalhador rural, tendo desenvolvido esta
atividade em regime de economia familiar e também como diarista, trabalhando para vários
produtores rurais na região, colhendo, semeando, irrigando, entre outras funções inerentes ao
seu labor, consoante demonstram os documentos anexos.
A autor ajunta nesse ato as provas materiais onde exerceu trabalho na lavoura, senão vejamos:
Certidão de Casamento em que consta o marido da autora como lavrador desde 1970; Certificado
de Dispensa de Incorporação na qual consta o marido da autora como agricultor; Título de eleitor
na qual consta o autor como lavrador desde 1978; Carteirinha do sindicato rural que comprova
que o autor é filiado desde 1994; Escritura na qual consta o marido da autora como lavrador
desde 1980; Certidão de matricula de imóvel na qual consta o marido da autora e autora como
lavradores desde 1993; Inscrição de cadastro de produtor rural no ano de 2007; Notas de
produtor rural dos anos de 2007 a 2018; bem como oitiva de testemunha abaixo arroladas.
Dessa forma a autora ingressara com pedido administrativo junto a autarquia-ré na data de
31/01/2018, aposentadoria por idade rural (NB 172.021.626-3), recebendo a negativa ao benefício
sob o fundamento de que houve “falta de comprovação de atividade rural”.
Ocorre que, a autora trabalhava na lavoura sem registro em CTPS e passou a desenvolver
atividade laborativa urbana como costureira a partir de 1999 até o ano de 2002, e após isso
retornou com as atividades campesinas, conforme documentos comprovando o trabalho na roça,
por toda sua vida, diante disso lhe foi negado o pedido de aposentadoria por idade rural quando
completou 55 anos de idade.
Atualmente, em razão de alteração na legislação, a autora pode pleitear a sua Aposentadoria por
Idade Comum, e também por preencher, atualmente, o requisito etário.
(...)”
A prova testemunhal, por sua vez, assim restou produzida no processado:
“(...)
CLARICE DE JESUS OLIVEIRA, às de costume disse ser testemunha do(a) autor(a).
Compromissada. Inquirida pela Meritíssima Juíza, na forma da lei, respondeu: Que conhece o(a)
autora há mais de 40 anos. Não são parentes. São vizinhas. Quando a conheceu ela trabalhava
na roça da família. Depois que autora casou continuou trabalhando com o marido na roça deles,
em tereno do sogro em regime de economia familiar, plantando na época cebola em roça de 3
alqueires e não tinham empregados. Ela trabalhou como costureira a partir de 1985, em casa, até
hoje. Que nesse período o marido continuou a plantar e se aposentou na roça. SEM
REPERGUNTAS. Nada Mais.
ADMILSON JOSÉ DE CAMARGO, às de costume disse ser testemunha do(a) autor(a).
Compromissada. Inquirida pela Meritíssima Juíza, na forma da lei, respondeu: Que conhece o(a)
autora há mais de 50 anos. Não são parentes. São vizinhos de bairro. Quando a conheceu ela
não trabalhava mas a partir de 9, 10 anos começou a trabalhar na roça da família. Depois que
autora casou continuou trabalhando com o marido na roça deles em regime de economia familiar,
plantando na época cebola e verduras em roça média e não tinham empregados. Ela trabalhou
como costureira em casa por um período e também fazia as coisas da casa. Depois que começou
a costurar não voltou mãos para a roça. Que messe período e marido continuou plantar só que
mensos. ÀS REPERGUNTAS: Que o marido da autora se aposentou da lavoura. Nada Mais.
(...)”
E a r. sentença, prolatada em audiência, ao conceder o benefício vindicado, assim fundamentou
sua decisão:
“(...)
“É o relatório. Fundamento e DECIDO. Funda-se no disposto nos artigos 11 e 48, §3º, da Lei
Federal nº 8.213/91, e, nesta senda, necessária a comprovação da idade de 60 anos (mulher) e
também o tempo de serviço máximo de 15 anos, conforme disposição do artigo 142, da lei n.
8.213/91. Tema n. 1007, do STJ- suspensão- desnecessidade: Em decisão proferida no dia 22 de
março de 2019, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça afetou, por unanimidade, na
sistemática dos recursos especiais repetitivos, sob o Tema nº 1007, a questão da “possibilidade
de concessão de aposentadoria híbrida, prevista no art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, mediante o
cômputo de período de trabalho rural remoto, exercido antes de 1991, sem necessidade de
recolhimentos, ainda que não haja comprovação de atividade rural no período imediatamente
anterior ao requerimento administrativo". Observo que o objeto do mencionado Tema não
abrange o objeto da ação destes autos, pois, conforme CNIS de fls. 63/64, já houve o
reconhecimento e a averbação do tempo da atividade especial em favor da autora, no período de
22/09/1964 até 31/12/1970, período esse que, juntamente com o cômputo dos demais tempo de
serviço e contribuição, devidamente recolhidos, alcançam mais de 15 anos de tempo de serviço e
contribuição, sem computar aqui os períodos de 01/1980 até 02/1985, que se pretende o
reconhecimento da atividade rural em regime de economia familiar, pois, mesmos que se
reconhecidos, em nada irão alterar o valor do benefício, porquanto recolhidos à base de um
salário-mínimo. Destarte, deixo de determinar a suspensão dos autos com base no mencionado
Tema e passo a analise de mérito. No mérito, o documento trazido com a petição inicial indica o
preenchimento do requisito etário, pois a autora possui mais de 60 anos de idade. Relativamente
ao tempo de serviço especial rural e também contribuições, as provas produzidas nos autos,
principalmente o CNIS de fls. 63/64, demostra que já houve o reconhecimento do tempo de
serviço rural em favor da autora, no período de 22/09/1964 até 31/12/1970, ou seja, 06 anos, 03
meses e 09 dias. No mesmo CNIS (fls. 63/64), tem-se o tempo de contribuição de forma
autônoma pelo tempo de 12 anos e 05 meses. Computando-se o tempo de serviço especial e o
tempo de contribuição, tem-se o total de 18 anos, 08 meses e 09 dias, superior ao máximo de 15
anos exigido para o reconhecimento do tempo de serviço comum, conforme artigo 142, da Lei n.
8.213/91. Reitero que os demais períodos de atividade rural, referente ao período de 08/1970 até
02/1985, ou seja, por 14 anos e 06 meses, embora devidamente comprovados nestes autos,
conforme prova oral e documental, não estão sendo computados para fins de concessão da
aposentadoria híbrida, lembrando que mesmo que assim o fossem, em nada irão alterar o valor
da Renda Mensal Inicial, concedida na base de um salário-mínimo, tendo em vista que as
contribuições foram realizadas na base de um salário-mínimo e o valor do benefício não pode ser
inferior por força do artigo 33, da lei n. 8.213/91.
(...)”
Pois bem.
Observa-se dos autos que o benefício em questão foi concedido em primeiro grau de jurisdição
em razão do interregno de labor rural reconhecido em ação anteriormente interposta (analisada
em sede recursal e com trânsito em julgado), somado aos recolhimentos vertidos pela
demandante na qualidade de contribuinte autônoma. No entanto, o período de labor rural
anteriormente reconhecido em sede judicial não pode ser aqui utilizado para fins de carência (que
é o objetivo da presente ação), porquanto o julgado anterior já consignou, expressamente, a
impossibilidade do cômputo de tal período para esse fim.
Colaciono, por oportuno, excerto do referido julgado:
“(...)
Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação do INSS, para julgar parcialmente
procedente a demanda, e mantendo em parte a sentença recorrida somente quanto ao
reconhecimento da atividade rural no período de 22/09/1964 a 31/12/1970, exceto para fins de
carência, afastando a condenação da autarquia na implantação do benefício vindicado, deixando
de condenar quaisquer das partes nas custas e despesas processuais e, ante a sucumbência
recíproca (art. 21, CPC/73), dando a verba honorária por compensada entre os litigantes, e
revogo a tutela concedida, autorizando a cobrança pelo INSS dos valores recebidos pela autora a
título de tutela antecipada, conforme inteligência dos artigos 273, § 3º e 475-O do CPC/73,
aplicável à época.
(...)”. g.n.
Assim, excluído tal interregno, e ausente qualquer irresignação recursal da parte autora, verifica-
se que ela não possui carência necessária à concessão da benesse vindicada, motivo pelo qual a
reforma integral da r. sentença é medida que se impõe.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários fixados em R$ 1.000,00 (mil reais), cuja
exigibilidade observará o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/1950 (artigo 98, § 3º, do Código de
Processo Civil/2015), por ser beneficiária da justiça gratuita.
Revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a imediata
cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os
documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em
julgado.
A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela parte autora
deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução, após a eventual revisão do entendimento firmado no
Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça.
Por esses fundamentos, rejeito as preliminares e, no mérito, dou provimento à apelação do INSS,
revogando a tutela antes concedida, nos termos deste arrazoado.
É o voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO/PROCESSUAL CIVIL. INÉPCIA DA INICIAL/COISA JULGADA.
PRELIMINARES REJEITADAS. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. REQUISITOS NÃO
PREENCHIDOS. INTERREGNO DE LABOR RURAL RECONHECIDO JUDICIALMENTE EM
AÇÃO DIVERSA. EXPRESSA DETERMINAÇÃO NO SENTIDO DE QUE SUA AVERBAÇÃO
DEVE SER REALIZADA, EXCETO PARA FINS DE CARÊNCIA. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. BENEFÍCIO INDEVIDO. TUTELA REVOGADA.
1. De início, quanto à alegação de inépcia da exordial, é cediço que o Direito Processual Civil é
pautado pela teoria da substanciação, em que se exige a descrição dos fatos para a propositura
da ação. Contudo, a petição inicial somente pode ser considerada inepta quando de sua análise
não se puder identificar o pedido, a causa de pedir, bem como da narração dos fatos não decorrer
pedido juridicamente amparado pelo ordenamento jurídico. No caso em análise, ao contrário do
alegado pela Autarquia Previdenciária, a petição inicial contém suficiente exposição dos fatos
para a regular compreensão da demanda e do período de trabalho campesino no qual se
postulou o reconhecimento, bem como preenche os requisitos dos artigos 319 e 320 do Código
de Processo Civil, não se podendo falar em inépcia da petição inicial. No tocante à alegação de
coisa julgada, verifico que não restou configurada a tríplice identidade, pois a ação anteriormente
interposta pleiteou aposentadoria por tempo de contribuição e, a atual, aposentadoria por idade
híbrida. Observo, no entanto, que a questão relacionada ao eventual reconhecimento de trabalho
rural supostamente exercido pela autora de 1964 a 1970 e de 1971 até 1985 já foi dirimida pela
ação anteriormente interposta (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0044598-15.2008.4.03.9999/SP), com
trânsito em julgado, de modo que, de fato, descabe qualquer nova análise com relação a tais
interregnos, até porque não se verifica terem sido produzidos novos documentos aptos a
desconstituir o julgado anterior. Aliás, nem a r. sentença reconheceu períodos de labor rural
diferentes daquele anteriormente reconhecido.
2. Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da
idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições
para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei
8.213/91.
3. Por fim, verifico que, por meio de acórdão publicado no DJe 04/09/2019 (Resp 1.674.221/PR),
a Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento sob o rito dos recursos
repetitivos, fixou a seguinte tese em relação ao Tema Repetitivo 1.007: "O tempo de serviço rural,
ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado
para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não
tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do artigo 48, parágrafo 3º, da
Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou
o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento
administrativo.
4. Observa-se dos autos que o benefício em questão foi concedido em primeiro grau de jurisdição
em razão do interregno de labor rural reconhecido em ação anteriormente interposta (analisada
em sede recursal e com trânsito em julgado), somado aos recolhimentos vertidos pela
demandante na qualidade de contribuinte autônoma. No entanto, o período de labor rural
anteriormente reconhecido em sede judicial não pode ser aqui utilizado para fins de carência (que
é o objetivo da presente ação), porquanto o julgado anterior já consignou, expressamente, a
impossibilidade do cômputo de tal período para esse fim.
5. Assim, excluído tal interregno, e ausente qualquer irresignação recursal da parte autora,
verifica-se que ela não possui carência necessária à concessão da benesse vindicada, motivo
pelo qual a reforma integral da r. sentença é medida que se impõe.
6. Revogo a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente concedida, determinando a imediata
cessação do benefício concedido pela r. sentença. Expeça-se ofício ao INSS, com os
documentos necessários, para as providências cabíveis, independentemente do trânsito em
julgado. A questão relativa à obrigatoriedade ou não de devolução dos valores recebidos pela
parte autora deverá ser dirimida pelo Juízo da Execução, após a eventual revisão do
entendimento firmado no Tema Repetitivo 692 pela C. Primeira Seção do Superior Tribunal de
Justiça.
7. Preliminares rejeitadas. Apelação do INSS provida. Tutela revogada.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu rejeitar as preliminares e, no mérito, dar provimento à apelação do INSS,
revogando a tutela antes concedida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
