Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 1982262 / SP
0006224-55.2011.4.03.6108
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
10/06/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/06/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. LITISPENDÊNCIA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE ENTRE PARTES,
CAUSA DE PEDIR E PEDIDO. SENTENÇA ANULADA. TEORIA DA CAUSA MADURA.
APLICABILIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE
SEGURADO DEMONSTRADO. CUMPRIMENTO DA CARÊNCIA LEGAL. ART. 15, I, DA LEI
8.213/91. INCAPACIDADE TOTAL E TEMPORÁRIA CONFIGURADA. LAUDO PERICIAL.
INTERPRETAÇÃO A CONTRARIO SENSU. ART. 479, CPC. ADOÇÃO DAS CONCLUSÕES
PERICIAIS. MATÉRIA NÃO ADSTRITA À CONTROVÉRSIA MERAMENTE JURÍDICA.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INFIRMEM O PARECER DO EXPERTO. VALORAÇÃO DO
CONJUNTO PROBATÓRIO. CONVICÇÕES DO MAGISTRADO. AUXÍLIO-DOENÇA DEVIDO.
DIB. DATA DA CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PRECEDENTE. SÚMULA 576 DO STJ.
CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA
111 DO STJ. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA ANULADA. ANÁLISE
DO MÉRITO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - A presente demanda foi proposta perante a 2ª Vara Federal de Bauru - 8ª Subseção
Judiciário do Estado de São Paulo, registrada em 16/08/2011 e autuada sob o número
0006224-55.2011.4.03.6108. Ocorre que a parte autora já havia ingressado anteriormente com
ação, visando à concessão de benefício decorrente de acidente do trabalho, cujo trâmite se deu
perante a Justiça Estadual, 2ª Vara da Comarca de Lençóis Paulista/SP, sob o número
0007071-57.2009.8.26.0319 (fls. 137/145). Insta especificar que, no caso mencionado, foi
proferida sentença homologatória de acordo, já transitada em julgado (fls. 301/303).
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
2 - Entretanto, in casu, depreende-se da petição inicial que o requerente pleiteia o
restabelecimento de benefício de auxílio-doença de natureza previdenciária (NB:
31/545.686.671-0) e não relativo a acidente de trabalho, como se extraí da sentença e da peça
inaugural daqueles autos (NB: 91/535.020.847-7).
3 - Dito isto, de rigor a anulação da sentença terminativa proferida.
4 - O caso, entretanto, não é de remessa dos autos à 1ª instância, uma vez que a legislação
autoriza expressamente o julgamento imediato do processo quando presentes as condições
para tanto. É o que se extrai do art. 513, §3º, do CPC/1973 (art. 1.013, § 3º, II, do CPC/2015).
As partes se manifestaram sobre o pedido deduzido na inicial, apresentando provas
específicas, de forma que, diante do conjunto probatório e do regular exercício das garantias
constitucionais, a causa encontra-se madura para julgamento.
5 - A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da
Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.
6 - A Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, preconiza que o benefício previdenciário da
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência
exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for
considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para exercício da atividade que lhe garanta
a subsistência.
7 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência, que tiver cumprido o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
8 - O ato de concessão ou de reativação do auxílio-doença deve, sempre que possível, fixar o
prazo estimado de duração, e, na sua ausência, será considerado o prazo de 120 (cento e
vinte) dias, findo o qual cessará o benefício, salvo se o segurado postular a sua prorrogação
(§11 do art. 60 da Lei nº 8.213/91, incluído pela Medida Provisória nº 767, de 2017).
9 - Independe de carência, entretanto, a concessão do benefício nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, conforme art. 26, II, da Lei
nº 8.213/91, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social -
RGPS, for acometido das moléstias elencadas taxativamente no art. 151 do mesmo diploma
legislativo.
10 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime, não impede o
deferimento do benefício se tiver decorrido a inaptidão de progressão ou agravamento da
moléstia.
11 - Necessário para o implemento do beneplácito em tela, revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a sua situação, o qual pode ser prorrogado por
24 (vinte e quatro) meses aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses, nos
termos do art. 15 e §1º da Lei.
12 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar com 6 (seis)
contribuições mensais, a partir da nova filiação à Previdência Social, para efeitos de carência,
para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez (art. 27-A da
Lei nº 8.213/91, incluído pela Lei 13.457, de 2017).
13 - No que tange à incapacidade, a profissional médica indicada pelo Juízo a quo, com base
em exame realizado em 15 de março de 2013 (fls. 74/81), diagnosticou a autora como
portadora de "fibromialgia" e "bursite de ombros". Consignou que "pelo discorrer das patologias
que estão presentes em atestados e laudos de exames médicos, pode-se concluir que a autora
se encontra com Incapacidade total e temporária para o exercício das atividades laborativas
habituais, devendo manter o tratamento sob regime de afastamento para que a cura seja obtida
uma vez que não estão presentes sinais de patologias de caráter irreversível até o presente
momento". Por fim, fixou a data do início da incapacidade em 2009 (data do primeiro
afastamento).
14 - Da mesma forma que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, a contrario sensu do que
dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento
motivado, a não adoção das conclusões periciais, na matéria técnica ou científica que refoge à
controvérsia meramente jurídica depende da existência de elementos robustos nos autos em
sentido contrário e que infirmem claramente o parecer do experto. Atestados médicos, exames
ou quaisquer outros documentos produzidos unilateralmente pelas partes não possuem tal
aptidão, salvo se aberrante o laudo pericial, circunstância que não se vislumbra no caso
concreto. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto
probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis
Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima,
DJE. 12/11/2010.
15 - Saliente-se que a perícia médica foi efetivada por profissional inscrita no órgão competente,
a qual respondeu aos quesitos elaborados e forneceu diagnóstico com base na análise de
histórico da parte e de exames complementares por ela fornecidos, bem como efetuando
demais análises que entendeu pertinentes, e, não sendo infirmado pelo conjunto probatório,
referida prova técnica merece confiança e credibilidade.
16 - Depreende-se do laudo pericial que a demandante possui impedimento total e temporário
para o trabalho, fazendo jus ao auxílio-doença.
17 - Restaram incontroversos os requisitos atinentes à qualidade de segurada da autora e o
cumprimento da carência legal, eis que a presente ação visa o restabelecimento de benefício de
auxílio-doença (NB: 545.686.671-0), e posterior conversão em aposentadoria por invalidez, de
modo que o ponto controvertido restringe-se a alta médica dada pelo INSS em 21/04/2011 (fl.
47). Neste momento, portanto, inegável que a requerente era segurada da Previdência Social, e
havia cumprido a carência, nos exatos termos do art. 15, I, da Lei 8.213/91.
18 - No que se refere à necessidade de reabilitação, destaca-se que esta só tem vez quando o
segurado for tido por incapacitado total e definitivamente para o exercício da sua ocupação
habitual, mas não para o trabalho que lhe permita o sustento, quando então, após a
constatação, haverá a obrigação da autarquia de reabilitá-lo ao exercício de nova ocupação
profissional, nos exatos termos do caput do art. 62 da Lei 8.213/91. Nessa senda, uma vez
concedido e dada sua natureza essencialmente transitória, o benefício de auxílio-doença pode
ser cessado, prorrogado, ou mesmo convertido em processo de reabilitação ou aposentadoria
por invalidez, sendo necessária, para tanto, a aferição das condições clínicas do segurado, o
que se dá por meio da realização de perícias periódicas por parte da autarquia, conforme
previsão expressa contida no art. 101 da Lei nº 8.213/91. Bem por isso, descabe cogitar-se da
impossibilidade de cessação do benefício, sem a realização de procedimento reabilitatório, caso
a perícia administrativa constate o restabelecimento da capacidade laboral para o trabalho
habitual, uma vez que esse dever decorre de imposição de Lei. Eventual alegação de
agravamento do quadro de saúde e concessão de nova benesse, por se tratar de situação
fática diversa, deve ser objeto de novo pedido administrativo ou judicial, sob pena de
eternização desta lide.
19 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este
se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua
inexistência (Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da
cessação do auxílio-doença (NB: 545.686.671-0), a DIB deve ser fixada no momento do seu
cancelamento indevido, já que desde a data de entrada do requerimento (DER) até a sua
cessação (21/04/2011 - fl. 47), a autora efetivamente estava protegida pelo Sistema da
Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
20 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
21 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
22 - Relativamente aos honorários advocatícios, consoante o disposto na Súmula nº 111, STJ,
estes devem incidir somente sobre o valor das parcelas devidas até a prolação da sentença,
ainda que reformada. E isso se justifica pelo princípio constitucional da isonomia. Na hipótese
de procedência do pleito em 1º grau de jurisdição e sucumbência da autarquia previdenciária, o
trabalho do patrono, da mesma forma que no caso de improcedência, perdura enquanto não
transitada em julgado a decisão final. O que altera são, tão somente, os papéis exercidos pelos
atores judicias que, dependendo da sorte do julgamento, ocuparão polos distintos em relação
ao que foi decidido. Portanto, não se mostra lógico e razoável referido discrímen, a ponto de
justificar o tratamento diferenciado, agraciando com maior remuneração profissionais que
exercem suas funções em 1º e 2º graus com o mesmo empenho e dedicação. Imperiosa, assim,
a incidência da verba honorária até a data do julgado recorrido, em 1º grau de jurisdição, e
também, na ordem de 10% (dez por cento), eis que as condenações pecuniárias da autarquia
previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual deve, por imposição legal,
ser fixada moderadamente, o que resta atendido com o percentual supra.
23 - Apelação da parte autora provida. Sentença anulada. Análise do mérito. Ação julgada
procedente. Tutela específica concedida.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso
de apelação da parte autora para anular a r. sentença de 1º grau de jurisdição e, consoante o
disposto no art. 515, §3º do CPC/1973 (art. 1.013, § 3º, II, do CPC/2015), adentrar no mérito da
demanda, a fim de condenar o INSS no restabelecimento e no pagamento dos atrasados de
auxílio-doença, desde a data da sua cessação, 21/04/2011, sendo que sobre os valores em
atraso incidirá correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos
para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando
será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício
requisitório, de acordo com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento de honorários
advocatícios na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data
da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, deferindo-se, ainda, a antecipação dos efeitos
da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
