
7ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001100-35.2022.4.03.6103
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KLEBER DA CONCEICAO SANTOS
Advogados do(a) APELADO: ANADIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA - SP373691-A, IVANALDO MOREIRA - SP379964-A
OUTROS PARTICIPANTES:
7ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001100-35.2022.4.03.6103
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KLEBER DA CONCEICAO SANTOS
Advogados do(a) APELADO: ANADIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA - SP373691-A, IVANALDO MOREIRA - SP379964-A
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R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, que objetiva a liberação dos créditos referentes ao benefício por incapacidade, bloqueados e descontados após a conversão do auxílio por incapacidade temporária em aposentadoria por incapacidade permanente.
Indeferida a medida liminar, foi determinado ao impetrante que justifique seu interesse processual, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito.
A r. sentença, proferida em 08/01/2022, concedeu parcialmente a segurança no sentido de determinar a cessação dos descontos no NB 638041185-6 (aposentadoria por incapacidade permanente), efetuados a título de ressarcimento do auxílio-doença cessado. A devolução dos valores já descontados deverá ser objeto de ação própria. Não houve condenação de honorários advocatícios. Custas processuais pela impetrada.
Sentença submetida ao reexame necessário (Art. 14, §1º, da Lei 12.016/09).
Inconformado, apela o INSS arguindo a constitucionalidade do inc. III, do §2º do art. 26 da EC 103/201, bem como a possibilidade da cobrança dos valores recebidos indevidamente a título de auxílio por incapacidade temporária após sua conversão em aposentadoria por incapacidade permanente.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
7ª Turma
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5001100-35.2022.4.03.6103
RELATOR: Gab. 23 - DES. FED. MARCELO VIEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: KLEBER DA CONCEICAO SANTOS
Advogados do(a) APELADO: ANADIA APARECIDA DOS SANTOS SILVA - SP373691-A, IVANALDO MOREIRA - SP379964-A
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO VIEIRA, RELATOR: De início, assevero queo mandado de segurança é ação constitucional que obedece a procedimento célere e encontra regulamentação básica no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal:"conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".
Portanto, dentre outras exigências, é necessário que o direito cuja tutela se pretende seja líquido e certo, assim considerado o direito apurável sem a necessidade de dilação probatória, ou seja, quando os fatos em que se fundar o pedido puderem ser provados de forma incontestável no processo.
Passo à análise:
Com relação ao pedido de declaração de constitucionalidade do art. 26 da EC nº 103/2019, assevero que tramita no E. Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6279, na qual se questiona tal dispositivo.
Em consulta aos expedientes processuais daquele Sodalício, verifica-se que a ADI 6279 ainda pende de julgamento, pois que houve pedido de vista pelo Min. Gilmar Mendes.
Neste contexto, tratando-se de benefício cujos requisitos foram preenchidos após o início da vigência da Emenda Constitucional 103/2019, a princípio, o cálculo de seu valor deve observar as inovações da regra constitucional. Nesse sentido a jurisprudência desta Sétima Turma:
“PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. INCAPACIDADE LABORAL TOTAL E PERMANENTE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONCESSÃO MANTIDA. CUMULAÇÃO DE REMUNERAÇÃO E PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. POSSIBILIDADE. TEMA 1.013 DO STJ. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DO MANUAL DE CALCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. RMI. INCIDÊNCIA DA EC 103/2019. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Trata-se de pedido de concessão de benefício previdenciário por incapacidade, previsto na Lei 8.213/91.
2. Laudo médico pericial indica a existência de incapacidade laboral total e permanente. Concessão da aposentadoria por invalidez mantida.
3. O fato de a parte autora ter exercido atividade laboral para garantir a sua subsistência, em razão da não obtenção de benefício por incapacidade pela via administrativa, por si só não descaracteriza a existência de incapacidade. Afastada a exclusão de parcelas do benefício concomitantes com recolhimento de contribuição previdenciária. Tema 1.013 do STJ.
4. Tratando-se de benefício cujos requisitos foram preenchidos após o início da vigência da Emenda Constitucional 103/2019, o cálculo de seu valor deve observar as inovações da regra constitucional. Precedentes TRF3.
5. Critérios de atualização do débito fixados de ofício. As parcelas vencidas deverão ser atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora na forma estabelecida e pelos índices previstos no capítulo 4.3, do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, alterado pela Resolução CJF nº 784/2022, de 08 de agosto de 2022, ou daquele que estiver em vigor na data da liquidação do título executivo judicial.
6. Sentença corrigida de ofício. Apelação do INSS parcialmente provida.
(TRF3 – ApCiv 5005216-02.2023.403.9999, Sétima Turma, Rel. Des. Fed. MARCELO VIEIRA DE CAMPOS, j. 20/02/2024, DJe 04/03/2024)destaque nosso
Portanto, considerando válidas as novas regras insertas na Emenda Complementar nº 103/19, no pertinente a devolução dos valores recebidos indevidamente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, submetido ao rito dos recursos repetitivos, pacificou a questão no Tema 979/STJ, firmando o seguinte entendimento: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
A Corte Superior modulou, ainda, os efeitos da decisão, no sentido de que o entendimento firmado no Tema 979 somente será aplicável aos processos distribuídos, em primeira instância, a partir de 23/04/2021, data da publicação do acórdão que transcrevo:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar os descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp n. 1.381.734/RN, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 10/3/2021, DJe de 23/4/2021.)
Neste contexto, considerando o precedente firmado no Tema 979, impende aferir se o caso dos autos se submete a tal entendimento.
Verifica-se dos autos que o impetrante, desde 22/08/18, percebe auxílio-doença previdenciário, sendo que foi submetido à perícia médica administrativa em 02/02/2021, a qual reconheceu o direito ao benefício de Aposentadoria por Incapacidade Permanente, no entanto, somente em 01/02/2022 tal benefício foi concedido com DIB retroativa à data da perícia médica.
Diante da concessão retroativa da aposentadoria por incapacidade permanente, o INSS passou a consignar os descontos decorrentes dos pagamentos a maior entre 02/02/2021 e 01/02/2022, o que gerou saldo negativo em razão da redução percentual entre os benefícios.
A descrição dos fatos conduz à conclusão que o pagamento a maior se deu exclusivamente por erro administrativo do INSS, ante a demora de praticamente 01 (hum) ano para a conversão dos benefícios.
É absolutamente factível que o beneficiário aguarde passivamente a conversão de um benefício pelo outro, conquanto se trata de ato administrativo vinculado ao resultado da perícia médica e lançamento de dados no sistema próprio da Autarquia, o que denota a boa-fé objetiva da parte.
Não se justifica, dessa forma, a cobrança dos valores por meio dos descontos efetuados, devendo ser reformada a r. sentença, no sentido de determinar a suspensão dos descontos, bem como a devolução dos valores já descontados na esfera administrativa.
Por mais que busque o INSS afetar à segurada a responsabilidade na recepção dos valores a maior, verifica-se que tal pagamento do benefício por incapacidade temporária após a constatação da incapacidade permanente decorreu exclusivamente de erro do INSS na demora de 01 ano para migração da nova aposentadoria ao sistema informatizado de dados previdenciários.
Neste contexto, deve ser reconhecido o direito líquido e certo da parte à cessação dos descontos perpetrados sobre o benefício NB: 638041185-6.
Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS e à remessa necessária, nos termos da fundamentação.
É como voto.
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CESSAÇÃO DOS DESCONTOS. TEMA 979. INAPLICABILIDADE. EXISTÊNCIA DE ERRO ADMINISTRATIVO. DEMORA NA MIGRAÇÃO DO BENEFÍCIO. BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Considerando válidas as novas regras insertas na Emenda Complementar nº 103/19, no pertinente a devolução dos valores recebidos indevidamente, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.381.734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, submetido ao rito dos recursos repetitivos, pacificou a questão no Tema 979/STJ, firmando o seguinte entendimento: "Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido".
2. Por mais que busque o INSS afetar ao segurado a responsabilidade na recepção dos valores a maior, verifica-se que tal pagamento do benefício por incapacidade temporária após a constatação da incapacidade permanente decorreu exclusivamente de erro do INSS na demora da migração da nova aposentadoria ao sistema informatizado de dados previdenciários.
3. É factível que o beneficiário aguarde passivamente a conversão de um benefício pelo outro, conquanto se trata de ato administrativo vinculado ao resultado da perícia médica e lançamento de dados no sistema próprio da Autarquia, o que denota a boa-fé objetiva da parte.
4. Dessa forma, não se justifica a cobrança dos valores por meio dos descontos efetuados, devendo ser mantida a sentença concessiva da segurança.
5. Apelação do INSS e Remessa Necessária não providas.
