
| D.E. Publicado em 01/09/2016 |
EMENTA
| PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE INSALUBRE. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA DA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE. EPI. |
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Décima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do impetrante, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008054-60.2015.4.03.6126/SP
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Desembargador Federal Sergio Nascimento (Relator): Trata-se apelação interposta em face de sentença que denegou a segurança pleiteada, em mandamus em que busca o impetrante a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do exercício de atividades laborativas urbanas comuns nos períodos de 12.10.1988 a 02.01.1989 e 02.01.1989 a 23.01.1989, bem como o trabalho em condições especiais no intervalo de 18.04.1989 a 15.07.1992. Não houve condenação em honorários advocatícios. Custas ex lege.
Em suas razões recursais, requer o impetrante seja reconhecia a insalubridade do labor desempenhado no intervalo de 18.04.1989 a 15.07.1992, ao argumento de que esteve exposto ao ruído de intensidade equivalente a 82 decibéis, de forma habitual e permanente. Assevera, ademais, que tal período foi considerado especial pelo INSS quando do primeiro requerimento de concessão de aposentadoria por ele formulado, estando acobertado pela coisa julgada administrativa, visto que a Instrução Normativa vigente estabelece que lapsos já reconhecidos como especiais não devem ser analisados quando da perícia médica. Defende que a sentença violou princípios basilares de nosso ordenamento jurídico, tais como boa-fé, direito adquirido e segurança jurídica. Afirma que o uso de EPI não descaracteriza a atividade especial. Suscita o prequestionamento da matéria ventilada.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
À fl. 209/211, a Ilustre representante do Ministério Público Federal opinou pelo parcial provimento da apelação, para reconhecer, tão-somente, o período de labor urbano de 02.01.1989 a 23.01.1989.
É o relatório.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008054-60.2015.4.03.6126/SP
VOTO
O remédio constitucional do Mandado de Segurança tem por finalidade assegurar a proteção a direito líquido e certo de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, nos termos do inciso LXIX, do artigo 5º, da Constituição da República. O direito líquido e certo é aquele que decorre de fato certo, provado de plano por documento inequívoco, apoiando-se em fatos incontroversos e não complexos que possam reclamar a dilação probatória para a sua verificação.
De início, cumpre ressaltar que a sentença deixou de reconhecer o exercício das atividades comuns pleiteadas pelo impetrante em sua petição inicial, contra o que não se insurgiu este em sua apelação, restando tal questão, portanto, incontroversa.
Busca o impetrante, nascido em 31.07.1960, o reconhecimento do exercício de atividade sob condições especiais no período de 18.04.1989 a 15.07.1992, com a consequente concessão do beneficio de aposentadoria por tempo de contribuição.
Alega que protocolou dois requerimentos administrativos de concessão do benefício, sendo que, no primeiro, o INSS computou o labor desempenhado no interregno de 18.04.1989 a 15.07.1992 como insalubre; não obstante, quando da análise do segundo pedido, formulado em 28.05.2014, a especialidade de tal lapso temporal foi desconsiderada, desprezando a coisa julgada administrativa.
Sobre o tema, ensina Maria Sylvia Di Pietro, na obra Direito Administrativo, 20ª ed., Atlas, 2007, p. 682, coisa julgada administrativa significa apenas que a decisão se tornou irretratável pela própria Administração. Entretanto, há que se ter em mente que a denominada coisa julgada administrativa não se equipara à coisa julgada propriamente dita, pois despida de definitividade. Isso significa que o tempo de contribuição computado em determinado procedimento administrativo não vincula o INSS na análise de pedidos posteriores, ainda que não seja razoável a sua supressão sem qualquer justificativa, como ocorreu no caso em tela.
De qualquer sorte, como efetivamente não ficam as decisões administrativas revestidas do caráter de imutabilidade próprio da coisa julgada material, passo a análise do mérito da pretensão do impetrante.
No que tange à atividade especial, a jurisprudência pacificou-se no sentido de que a legislação aplicável para sua caracterização é a vigente no período em que a atividade a ser avaliada foi efetivamente exercida, devendo, portanto, no caso em tela, ser levada em consideração a disciplina estabelecida pelos Decretos 83.080/79 e 53.831/64, até 05.03.1997, e após pelo Decreto nº 2.172/97, sendo irrelevante que o segurado não tenha completado o tempo mínimo de serviço para se aposentar à época em que foi editada a Lei nº 9.032/95 como a seguir se verifica.
O artigo 58 da Lei nº 8.213/91 dispunha, em sua redação original:
Com a edição da Medida Provisória nº 1.523/96 o dispositivo legal supra transcrito passou a ter a redação abaixo transcrita, com a inclusão dos parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º:
Verifica-se, pois, que tanto na redação original do art. 58 da Lei nº 8.213/91 como na estabelecida pela Medida Provisória nº 1.523/96 (reeditada até a MP nº 1.523-13 de 23.10.97 - republicado na MP nº 1.596-14, de 10.11.97 e convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.97), não foram relacionados os agentes prejudiciais à saúde, sendo que tal relação somente foi definida com a edição do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV).
Ocorre que, em se tratando de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997, razão pela qual apenas para atividades exercidas a partir de então é exigível a apresentação de laudo técnico. Neste sentido, confira-se a jurisprudência:
Pode, então, em tese, ser considerada especial a atividade desenvolvida até 10.12.1997, mesmo sem a apresentação de laudo técnico, pois em razão da legislação de regência a ser considerada até então, era suficiente para a caracterização da denominada atividade especial a apresentação dos informativos SB-40, DSS-8030, exceto para o agente nocivo ruído por depender de prova técnica.
Ressalto que os Decretos n. 53.831/64 e 83.080/79 vigeram de forma simultânea, não havendo revogação daquela legislação por esta, de forma que, verificando-se divergência entre as duas normas, deverá prevalecer aquela mais favorável ao segurado.
O Decreto n. 2.172, de 05.03.1997, que revogou os dois out ros decretos anteriormente citados, passou a considerar o nível de ruído s superior 90 decibéis como prejudicial à saúde. Por tais razões, até ser editado o Decreto n. 2.172, de 05.03.1997, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB como agente nocivo à saúde.
Com o advento do Decreto n. 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruído s tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível passou a ser de 85 decibéis (art. 2º do Decreto n. 4.882/2003, que deu nova redação aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n. 3.048/99).
Tendo em vista o dissenso jurisprudencial sobre a possibilidade de se aplicar retroativamente o disposto no Decreto 4.882/2003, para se considerar prejudicial, desde 05.03.1997, a exposição a ruído s de 85 decibéis, a questão foi levada ao Colendo STJ que, no julgamento do Recurso Especial 1398260/PR, em 14.05.2014, submetido ao rito do art.543-C do C.P.C., Recurso Especial Repetitivo, fixou entendimento pela impossibilidade de se aplicar de forma retroativa o Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar de ruído para 85 decibéis, conforme ementa a seguir transcrita:
Dessa forma, é de considerar prejudicial até 05.03.1997 a exposição a ruído s superiores a 80 decibéis, de 06.03.1997 a 18.11.2003, a exposição a ruído s de 90 decibéis e, a partir de então, a exposição a ruído s de 85 decibéis.
Assim, deve ser tido por especial os períodos de 18.04.1989 a 15.07.1992, em que o autor laborou como meio pintor oficial junto à empresa Uliana Indústria Metalúrgica Ltda., conforme o Perfil Profissiográfico Previdenciário de fl. 131/132, tendo em vista a exposição habitual e permanente a ruídos acima de 80 decibéis.
Ressalto que o período posterior a 01.02.1991 pode ser considerado especial, não obstante o PPP tenha apontado a ausência de representante técnico para elaboração do PPRA, tendo em vista que o autor sempre trabalhou na mesma função e no mesmo setor da empresa, sendo expressamente informado que não houve mudança de lay-out nem nas condições ambientais.
Destaco que o Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP, instituído pelo art. 58, §4º, da Lei 9.528/97, é documento que retrata as características do trabalho do segurado, e traz a identificação do engenheiro ou perito responsável pela avaliação das condições de trabalho, sendo apto para comprovar o exercício de atividade sob condições especiais, fazendo às vezes do laudo técnico.
Saliento, ainda, que a extemporaneidade do Perfil Profissiográfico Previdenciário não afasta a validade de suas conclusões, vez que tal requisito não está previsto em lei e, ademais, a evolução tecnológica propicia condições ambientais menos agressivas à saúde do obreiro do que aquelas vivenciadas à época da execução dos serviços.
De outro giro, no julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas:
Tese 1 - regra geral: O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial.
Tese 2 - agente nocivo ruído: Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.
Sendo assim, a discussão quanto à utilização do EPI, no caso em apreço, é despicienda, porquanto o autor esteve exposto ao agente nocivo ruído, cujos efeitos agressivos não são neutralizados pelos tipos de equipamentos de proteção individual atualmente disponíveis.
Somado o tempo de atividade especial ora admitido àqueles períodos já reconhecidos administrativamente, totaliza o autor 19 anos, 09 meses e 12 dias de tempo de serviço até 15.12.1998 e 35 anos, 02 meses e 25 dias até 28.05.2014, data do requerimento administrativo, conforme planilha anexa, parte integrante da presente decisão.
Insta ressaltar que o art. 201, §7º, inciso I, da Constituição da República de 1988, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98, garante o direito à aposentadoria integral, independentemente de idade mínima, àquele que perfez 35 anos de tempo de serviço.
Dessa forma, o impetrante faz jus à aposentadoria por tempo de contribuição, observando-se no cálculo do benefício o disposto no art. 29, II, da Lei 8.213/91, na redação dada pela Lei 9.876/99.
O termo inicial deve ser fixado na data do requerimento administrativo (28.05.2014; fl. 89/90), conforme firme entendimento jurisprudencial nesse sentido, com o pagamento das prestações vencidas, no âmbito deste feito, a partir de seu ajuizamento.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do impetrante, para conceder a segurança pleiteada, a fim de reconhecer a especialidade das atividades desempenhadas no período de 18.04.1989 a 15.07.1992, totalizando 35 anos, 02 meses e 25 dias de tempo de serviço até 28.05.2014, data do requerimento administrativo. Em consequência, determino à Autoridade Impetrada que conceda ao impetrante o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, desde 28.05.2014, com o pagamento das prestações vencidas, no âmbito deste feito, a partir de seu ajuizamento.
Não há condenação em honorários advocatícios, a teor das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ.
Independentemente do trânsito em julgado, expeça-se e-mail ao INSS, instruído com os devidos documentos do impetrante Vilson Ribeiro Santos, a fim de serem adotadas as providências cabíveis para que seja o benefício de Aposentadoria por Tempo de Contribuição implantado de imediato, com data de início - DIB em 28.05.2014, e renda mensal inicial - RMI a ser calculada pelo INSS, tendo em vista artigo 497 do CPC de 2015.
É como voto.
SERGIO NASCIMENTO
Desembargador Federal Relator
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| Data e Hora: | 23/08/2016 17:34:36 |
