Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
5205079-75.2019.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
08/06/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 15/06/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 A 79 E 55, § 3º.
LEI N.º 8.213/91. LABOR RURAL DO DE CUJUS. INEXISTÊNCIA DE SUBSTRATO MATERIAL
MÍNIMO. SÚMULA 149 DO STJ. REVOGAÇÃO DA TUTELA. DEVOLUÇÃO DE VALORES.
JUÍZO DA EXECUÇÃO. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. DEVER
DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA.
1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força
do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº
8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido,
aposentado ou não.
2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do
evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da
qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida
os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no
Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova
exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior Tribunal
de Justiça.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que
se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por
prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o
raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ.
5 - Os documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no
sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
6 - O evento morte da Srª. Juliana Rosa do Nascimento Silvestre, ocorrido em 26/06/2015, e a
condição de dependente dos autores restaram comprovados pelas certidões de óbito, de
casamento e de nascimento, sendo questões incontroversas.
7 - A celeuma diz respeito à qualidade de rurícola da falecida à época do passamento.
8 - Anexou-se, como pretensa prova material, a respeito do labor da instituidora no campo: a)
certidão de casamento entre a falecida e o coautor Reginaldo, celebrado em 19/06/1993, na qual
ele está qualificado como "lavrador" e ela como "do lar" (ID 29914951 - p. 1); b) CTPS da
instituidora, na qual constam dois vínculos de caráter rural, mantidos de forma descontínua entre
1996 e 2000 (ID 29914962 - p. 2); c) CTPS do coautor Reginaldo, na qual constam vínculos nas
funções de trabalhador rural, safrista, serviços gerais, retireiro, rurícola e ordenhador (ID
29914963 - p. 2/5).
9 - Em que pesem as considerações dos demandantes, a certidão de casamento e a CTPS do
coautor Reginaldo não podem ser considerados início razoável de prova material do labor rural da
instituidora. A extensão de efeitos em decorrência de documento de terceiro - familiar próximo - é
viável apenas quando se trata de agricultura de subsistência, em regime de economia familiar - o
que não restou demonstrado nos autos, haja vista que o coautor Reginaldo, assim como a
falecida sempre trabalharam prestando serviços para terceiros, em propriedades rurais da região,
segundo a narrativa deduzida na petição inicial e as evidências apresentadas no curso da
instrução.
10 - A CTPS, embora seja prova plena do exercício de atividade laborativa rural nos interregnos
nela apontada, não se constitui - quando apresentada isoladamente - em suficiente início de
prova material do labor nas lides campesinas em outros períodos que nela não constam.
11 - Por derradeiro, ainda que se estendesse a condição de trabalhadora rural apontada na CTPS
da falecida, de se ressaltar que conquanto tenha sido produzida prova oral, esta não basta, por si
só, para demonstrar o labor rural do de cujus por longos 15 (quinze) anos, entre 30/09/2000 (data
da rescisão do último contrato de trabalho) e 26/06/2015 (data do óbito), inexistindo, para o
período, substrato material.
12 - Diante da não demonstração do trabalho desenvolvido na lide campesina, imperiosa a
extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova ação,
caso os requerentes venham a conseguir documentos que comprovem o labor desenvolvido na
qualidade de rurícola do de cujus à época do passamento. Entendimento consolidado do C. STJ,
em julgado proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos, conforme art. 543-C do
CPC/1973: REsp 1.352.721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE
ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016.
13 - Condenados os autores no ressarcimento das despesas processuais eventualmente
desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento das custas e honorários advocatícios,
os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade
suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que
fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto nos
arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC/2015, já
que deram causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
14 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
15 - Processo extinto, sem exame do mérito. Revogação da tutela. Devolução de valores. Juízo
da execução. Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça.
Apelação do INSS prejudicada.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5205079-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FRANCISCO DE PAULA XAVIER RIZZARDO COMIN -
SP131656-N
APELADO: INGRID CRISTINA DO NASCIMENTO SILVESTRE, ISABELA CRISTINA DO
NASCIMENTO SILVESTRE, REGINALDO APARECIDO SILVESTRE
REPRESENTANTE: REGINALDO APARECIDO SILVESTRE
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N,
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5205079-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FRANCISCO DE PAULA XAVIER RIZZARDO COMIN -
SP131656-N
APELADO: INGRID CRISTINA DO NASCIMENTO SILVESTRE, ISABELA CRISTINA DO
NASCIMENTO SILVESTRE, REGINALDO APARECIDO SILVESTRE
REPRESENTANTE: REGINALDO APARECIDO SILVESTRE
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N,
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por REGINALDO APARECIDO SILVESTRE, INGRID CRISTINA DO
NASCIMENTO SILVESTRE e ISABELA CRISTINA DO NASCIMENTO SILVESTRE,
objetivando a concessão do benefício previdenciário de pensão por morte.
A r. sentença, prolatada em 29/05/2018, julgou procedente o pedido deduzido na inicial e
condenou o INSS a implantar, em favor dos autores, o benefício de pensão por morte, pagando
os atrasados, desde a data do óbito (26/06/2015), acrescidos de correção monetária e de juros
de mora. Honorários advocatícios arbitrados em 15% (quinze por cento) sobre o valor das
prestações vencidas até a data da prolação da sentença, nos termos da Súmula 111 do C. STJ.
A Autarquia Previdenciária ainda foi condenada a arcar com custas e despesas processuais.
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, ao fundamento de que não
foram preenchidos os requisitos para a concessão do benefício, pois o substrato material não
comprova que a instituidora atuava nas lides campesinas à época do passamento.
Subsidiariamente, pede a modificação dos critérios de cálculo da correção monetária, bem
como a redução dos honorários advocatícios.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este
Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº5205079-75.2019.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: FRANCISCO DE PAULA XAVIER RIZZARDO COMIN -
SP131656-N
APELADO: INGRID CRISTINA DO NASCIMENTO SILVESTRE, ISABELA CRISTINA DO
NASCIMENTO SILVESTRE, REGINALDO APARECIDO SILVESTRE
REPRESENTANTE: REGINALDO APARECIDO SILVESTRE
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N,
Advogado do(a) APELADO: JAIR FIORE JUNIOR - SP274081-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Inicialmente, deixo de oportunizar a intervenção do Ministério Público Federal neste feito, pois a
coautora Isabela atingiu a maioridade civil no curso da demanda.
A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do
princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº
8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido,
aposentado ou não.
O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do
evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção
da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em
vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no
Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior
Tribunal de Justiça:
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para
efeito de obtenção do benefício previdenciário".
A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período que se
pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser corroborada por
prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade daquela. Esse o
raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ:
"AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADORA RURAL. REQUISITOS
NÃO DEMONSTRADOS.
1. (...).
3. Não se exige que a prova material se estenda por todo o período de carência, mas é
imprescindível que a prova testemunhal faça referência à época em que foi constituído o
documento.(...)"
(APELREEX - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº 0008835-06.2015.4.03.9999, Rel. Des.
Fed. Paulo Domingues, j. 30/11/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:07/12/2015 - grifos nossos).
"PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO.
CÔMPUTO DE TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AUSÊNCIA DE INÍCIO
DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO JULGADO. SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO
JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(...)
2) Não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de carência
estabelecido pelo artigo 143 da Lei 8.213/1991, desde que a prova testemunhal amplie sua
eficácia probatória. (...)"
(AgRg no AREsp 547.042/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014 - grifos nossos).
Observo, ainda, que tais documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver
comprovado, no sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
Consigne-se, também, que o C. Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do
RESP nº 1.348.633/SP, adotando a sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil,
assentou o entendimento de que é possível o reconhecimento de tempo de serviço rural
exercido em momento anterior àquele retratado no documento mais antigo juntado aos autos
como início de prova material, desde que tal período esteja evidenciado por prova testemunhal
idônea.
Do caso concreto.
O evento morte da Srª. Juliana Rosa do Nascimento Silvestre, ocorrido em 26/06/2015, e a
condição de dependente dos autores restaram comprovados pelas certidões de óbito, de
casamento e de nascimento, sendo questões incontroversas.
A celeuma diz respeito à qualidade de rurícola da falecida à época do passamento.
Anexou-se, como pretensa prova material, a respeito do labor da instituidora no campo:
a) certidão de casamento entre a falecida e o coautor Reginaldo, celebrado em 19/06/1993, na
qual ele está qualificado como "lavrador" e ela como "do lar" (ID 29914951 - p. 1);
b) CTPS da instituidora, na qual constam dois vínculos de caráter rural, mantidos de forma
descontínua entre 1996 e 2000 (ID 29914962 - p. 2);
c) CTPS do coautor Reginaldo, na qual constam vínculos nas funções de trabalhador rural,
safrista, serviços gerais, retireiro, rurícola e ordenhador (ID 29914963 - p. 2/5).
Em que pesem as considerações dos demandantes, a certidão de casamento e a CTPS do
coautor Reginaldo não podem ser considerados início razoável de prova material do labor rural
da instituidora.
Nesse particular, entendo que a extensão de efeitos em decorrência de documento de terceiro -
familiar próximo - parece-me viável apenas quando se trata de agricultura de subsistência, em
regime de economia familiar - o que não restou demonstrado nos autos, haja vista que o
coautor Reginaldo, assim como a falecida sempre trabalharam prestando serviços para
terceiros, em propriedades rurais da região, segundo a narrativa deduzida na petição inicial e as
evidências apresentadas no curso da instrução.
A propósito, destaco que a CTPS, embora seja prova plena do exercício de atividade laborativa
rural nos interregnos nela apontada, não se constitui - quando apresentada isoladamente - em
suficiente início de prova material do labor nas lides campesinas em outros períodos que nela
não constam.
Por derradeiro, ainda que se estendesse a condição de trabalhadora rural apontada na CTPS
da falecida, de se ressaltar que conquanto tenha sido produzida prova oral, esta não basta, por
si só, para demonstrar o labor rural do de cujus por longos 15 (quinze) anos, entre 30/09/2000
(data da rescisão do último contrato de trabalho) e 26/06/2015 (data do óbito), inexistindo, para
o período, substrato material.
Desse modo, diante da não demonstração do trabalho desenvolvido na lide campesina,
imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura
de nova ação, caso os requerentes venham a conseguir documentos que comprovem o labor
desenvolvido na qualidade de rurícola pelo de cujus à época do passamento.
Nesse sentido, transcrevo o entendimento consolidado do C. STJ, em julgado proferido sob a
sistemática de recursos repetitivos, conforme art. 543-C, do CPC/1973:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA
CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO No. 8/STJ. APOSENTADORIA POR
IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL APTA A COMPROVAR O EXERCÍCIO DA
ATIVIDADE RURAL. CARÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E
DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO, DE MODO QUE A AÇÃO PODE SER REPROPOSTA, DISPONDO A PARTE
DOS ELEMENTOS NECESSÁRIOS PARA COMPROVAR O SEU DIREITO. RECURSO
ESPECIAL DO INSS DESPROVIDO.
1. Tradicionalmente, o Direito Previdenciário se vale da processualística civil para regular os
seus procedimentos, entretanto, não se deve perder de vista as peculiaridades das demandas
previdenciárias, que justificam a flexibilização da rígida metodologia civilista, levando-se em
conta os cânones constitucionais atinentes à Seguridade Social, que tem como base o contexto
social adverso em que se inserem os que buscam judicialmente os benefícios previdenciários.
2. As normas previdenciárias devem ser interpretadas de modo a favorecer os valores morais
da Constituição Federal/1988, que prima pela proteção do Trabalhador Segurado da
Previdência Social, motivo pelo qual os pleitos previdenciários devem ser julgados no sentido
de amparar a parte hipossuficiente e que, por esse motivo, possui proteção legal que lhe
garante a flexibilização dos rígidos institutos processuais. Assim, deve-se procurar encontrar na
hermenêutica previdenciária a solução que mais se aproxime do caráter social da Carta Magna,
a fim de que as normas processuais não venham a obstar a concretude do direito fundamental
à prestação previdenciária a que faz jus o segurado.
3. Assim como ocorre no Direito Sancionador, em que se afastam as regras da processualística
civil em razão do especial garantismo conferido por suas normas ao indivíduo, deve-se dar
prioridade ao princípio da busca da verdade real, diante do interesse social que envolve essas
demandas.
4. A concessão de benefício devido ao trabalhador rural configura direito subjetivo individual
garantido constitucionalmente, tendo a CF/88 dado primazia à função social do RGPS ao erigir
como direito fundamental de segunda geração o acesso à Previdência do Regime Geral; sendo
certo que o trabalhador rural, durante o período de transição, encontra-se constitucionalmente
dispensado do recolhimento das contribuições, visando à universalidade da cobertura
previdenciária e a inclusão de contingentes desassistidos por meio de distribuição de renda pela
via da assistência social.
5. A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do
CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo,
impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente
possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos
necessários à tal iniciativa.
6. Recurso Especial do INSS desprovido".
(REsp 1352721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL,
julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016).
Por conseguinte, condeno os autores no ressarcimento das despesas processuais
eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento das custas e
honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa,
ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de
insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária
gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo
§3º do art. 98 do CPC/2015, já que deram causa à extinção do processo sem resolução do
mérito.
Observo, por fim, que foi concedida a tutela antecipada.
Tendo em vista que a eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória
deferida neste feito, ora revogada: a) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado,
conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema
cuja análise se encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo
(STJ, Tema afetado nº 692), nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia
constitucional da duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o
derradeiro momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo
ao andamento do feito; determino que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo
juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ.
Ante o exposto, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do art.
543-C do CPC/1973, extingo, de ofício, o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art.
485, IV, do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural, com a revogação da tutela
anteriormente concedida, delegando-se à fase de liquidação a discussão acerca da devolução
dos valores recebidos a esse título, e condeno os demandantes no pagamento das custas e
despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios, observada a Lei nº 1.060/50,
dando por prejudicada a apelação do INSS.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 A 79 E 55, §
3º. LEI N.º 8.213/91. LABOR RURAL DO DE CUJUS. INEXISTÊNCIA DE SUBSTRATO
MATERIAL MÍNIMO. SÚMULA 149 DO STJ. REVOGAÇÃO DA TUTELA. DEVOLUÇÃO DE
VALORES. JUÍZO DA EXECUÇÃO. VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA
CAUSALIDADE. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DO INSS
PREJUDICADA.
1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força
do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº
8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido,
aposentado ou não.
2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência
do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a
manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter
preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das
aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
3 - O art. 55, §3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço
somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida
prova exclusivamente testemunhal. Nesse sentido foi editada a Súmula nº 149, do C. Superior
Tribunal de Justiça.
4 - A exigência de documentos comprobatórios do labor rural para todos os anos do período
que se pretende reconhecer é descabida. Sendo assim, a prova documental deve ser
corroborada por prova testemunhal idônea, com potencial para estender a aplicabilidade
daquela. Esse o raciocínio que prevalece nesta Eg. 7ª Turma e no Colendo STJ.
5 - Os documentos devem ser contemporâneos ao período que se quer ver comprovado, no
sentido de que tenham sido produzidos de forma espontânea, no passado.
6 - O evento morte da Srª. Juliana Rosa do Nascimento Silvestre, ocorrido em 26/06/2015, e a
condição de dependente dos autores restaram comprovados pelas certidões de óbito, de
casamento e de nascimento, sendo questões incontroversas.
7 - A celeuma diz respeito à qualidade de rurícola da falecida à época do passamento.
8 - Anexou-se, como pretensa prova material, a respeito do labor da instituidora no campo: a)
certidão de casamento entre a falecida e o coautor Reginaldo, celebrado em 19/06/1993, na
qual ele está qualificado como "lavrador" e ela como "do lar" (ID 29914951 - p. 1); b) CTPS da
instituidora, na qual constam dois vínculos de caráter rural, mantidos de forma descontínua
entre 1996 e 2000 (ID 29914962 - p. 2); c) CTPS do coautor Reginaldo, na qual constam
vínculos nas funções de trabalhador rural, safrista, serviços gerais, retireiro, rurícola e
ordenhador (ID 29914963 - p. 2/5).
9 - Em que pesem as considerações dos demandantes, a certidão de casamento e a CTPS do
coautor Reginaldo não podem ser considerados início razoável de prova material do labor rural
da instituidora. A extensão de efeitos em decorrência de documento de terceiro - familiar
próximo - é viável apenas quando se trata de agricultura de subsistência, em regime de
economia familiar - o que não restou demonstrado nos autos, haja vista que o coautor
Reginaldo, assim como a falecida sempre trabalharam prestando serviços para terceiros, em
propriedades rurais da região, segundo a narrativa deduzida na petição inicial e as evidências
apresentadas no curso da instrução.
10 - A CTPS, embora seja prova plena do exercício de atividade laborativa rural nos interregnos
nela apontada, não se constitui - quando apresentada isoladamente - em suficiente início de
prova material do labor nas lides campesinas em outros períodos que nela não constam.
11 - Por derradeiro, ainda que se estendesse a condição de trabalhadora rural apontada na
CTPS da falecida, de se ressaltar que conquanto tenha sido produzida prova oral, esta não
basta, por si só, para demonstrar o labor rural do de cujus por longos 15 (quinze) anos, entre
30/09/2000 (data da rescisão do último contrato de trabalho) e 26/06/2015 (data do óbito),
inexistindo, para o período, substrato material.
12 - Diante da não demonstração do trabalho desenvolvido na lide campesina, imperiosa a
extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova
ação, caso os requerentes venham a conseguir documentos que comprovem o labor
desenvolvido na qualidade de rurícola do de cujus à época do passamento. Entendimento
consolidado do C. STJ, em julgado proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos,
conforme art. 543-C do CPC/1973: REsp 1.352.721/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES
MAIA FILHO, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/12/2015, DJe 28/04/2016.
13 - Condenados os autores no ressarcimento das despesas processuais eventualmente
desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento das custas e honorários advocatícios,
os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a exigibilidade
suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que
fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do disposto
nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do
CPC/2015, já que deram causa à extinção do processo sem resolução do mérito.
14 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
15 - Processo extinto, sem exame do mérito. Revogação da tutela. Devolução de valores. Juízo
da execução. Verbas de sucumbência. Dever de pagamento suspenso. Gratuidade da justiça.
Apelação do INSS prejudicada. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu, em atenção ao determinado no REsp 1.352.721/SP, julgado na forma do
art. 543-C do CPC/1973, extinguir, de ofício, o processo, sem resolução do mérito, nos termos
do art. 485, IV, do CPC/2015, diante da não comprovação do trabalho rural, com a revogação
da tutela anteriormente concedida, delegando-se à fase de liquidação a discussão acerca da
devolução dos valores recebidos a esse título, e condenar os demandantes no pagamento das
custas e despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios, observada a Lei nº
1.060/50, dando por prejudicada a apelação do INSS, nos termos do relatório e voto que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
