Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0017706-20.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
08/06/2021
Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 16/06/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA.
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. ARTIGO 16, § 2º DA LEI Nº 8.213/91.
REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9.528/97. EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA JUDICIAL
COMO DEPENDENTE DE SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA. DEVOLUÇÃO DE
VALORES. JUÍZO DA EXECUÇÃO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DO ÔNUS
DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA.
1 - A condição de dependente é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de
Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida: o cônjuge, o(a)
companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também
ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência
econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um)
anos ou inválido.
2 - De acordo com o §2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são
equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a dependência
econômica.
3 - Impende considerar, aprioristicamente, que o menor sob guarda deixou de ser considerado
dependente com a edição da Medida Provisória n.º 1.523, de 11 de outubro de 1996, a qual foi
convertida na Lei n.º 9.528/97.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
4 - O artigo 33, § 3º, do ECA (Lei n.º 8.069/90) confere ao menor sob guarda, inclusive para fins
previdenciários, a qualidade de dependente; contudo, deve se manter em vista o fato de que o
requisito legal, para a finalidade de se determinar a qualidade de dependente no âmbito do
RGPS, é a situação de dependência econômica em relação ao segurado (artigo 16, §§ 2º e 4º, da
LBPS), o que, no caso do menor sob guarda, deve ser avaliada também quanto à ausência de
capacidade dos pais do menor para prover sua assistência material, eis que ilegítima a tentativa
de transmissão ao Estado, na condição de representante da coletividade, do dever legal de
prover o sustento dos filhos (artigo 1.697 do CC).
5 - Aliás, a concessão de guarda aos avós, quando vivo(s) algum(s) do(s) pais, seria
excepcionalíssima, e somente nos casos justificados por lei, pois o pátrio poder - e as obrigações
a ele inerentes - é irrenunciável.
6 - A aplicação de tal entendimento procede-se mediante a verificação fática da dependência
econômica do menor sob guarda, uma vez que os comandos legais em comento não estão a
colidir, senão a trazer equilíbrio jurídico à relação intersubjetiva que se estabelece entre o menor
e o Instituto Autárquico, visto que ambos são detentores de direitos indisponíveis.
7 - O art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o § 2º do art. 16 da Lei de Benefícios,
com redação alterada pela Lei 9.528/97, não discrepam na essência, embora o enfoque
teleológico de cada dispositivo seja diverso. Ou seja, enquanto ambas as normas encontram seu
nascedouro nos princípios constitucionais de proteção à Ordem Social, é certo que o art. 33 da
Lei 8.069/90, tem sua tônica na tutela dos interesses do menor, enquanto o § 2º do art. 16 da Lei
de Benefícios ressalta a necessidade de verificação de dependência econômica, a fim de não a
ter por presumida.
8 - Portanto, mister se faz análise individualizada de cada situação fática, no intuito de se adequar
à legislação aplicável.
9 - O óbito da avó, Srª. Francisca Maria de Jesus, ocorrido em 21/04/2017, está comprovado pela
certidão de óbito. Também restou superado o requisito da qualidade de segurada da falecida,
uma vez que ela usufruía do benefício de aposentadoria por invalidez à época do passamento
(NB 109.147.084-4) (ID 107199989 - p. 10).
10 - A celeuma diz respeito à condição de dependente do demandante em relação à avó falecida.
11 - Segunda a narrativa desenvolvida na petição inicial, o autor sempre esteve sob a guarda da
avó e dependia dela economicamente, embora tal situação de fato jamais tenha sido regularizada
judicialmente, razão pela qual faria jus à percepção do benefício vindicado.
12 - A fim de corroborar suas alegações, o demandante anexou cópia de contrato de curso
extracurricular, firmado em 10/10/2015, no qual consta a avó como sua responsável (ID
107199988 - p. 23/25). Além disso, foi realizada audiência de instrução em 18/10/2017, na qual
foram ouvidas três testemunhas.
13 - As provas produzidas no curso da instrução, contudo, não permitem concluir que o
demandante era dependente economicamente da falecida.
14 - O relato das testemunhas deixou claro que a mãe sempre esteve presente na vida do
demandante, prestando todos os cuidados a ele e à falecida. Ademais, restou evidenciado que a
mãe era quem publicamente respondia pelos interesses do autor perante terceiros, conforme
relato da professora do demandante. Além disso, era a genitora quem supria as necessidades
materiais e de locomoção do filho e da instituidora, indo à farmácia ou transportando-os de carro
para onde quer que fosse necessário. Os depoimentos da primeira e da terceira testemunha, por
sua vez, assinalaram que o autor só se mudou para a casa da avó, para lhe fazer companhia e
poder ajudá-la, uma vez que se tratava de pessoa com problema físico na perna.
15 - Diante desse contexto fático, inviável admitir que houve transferência de guarda, do ponto de
vista jurídico, uma vez que a instituidora jamais objetivou suceder a genitora, tornando-se a única
responsável pelo suprimento das necessidades moral, educacional e de subsistência do
demandante. Realmente, este último jamais se afastou da proteção materna, passando a dormir
na residência da avó por mera conveniência, para atenuar sua solidão após o óbito do avô.
16 - Tal conclusão é reforçada pelo fato de a guarda do menor jamais ter sido requerida pela
falecida. De fato, a situação peculiar dos autos revela mero arranjo familiar temporário, no qual o
demandante ficava a maior parte do tempo na casa da avó, a fim de prestar-lhe os cuidados
necessários, sempre sob a supervisão e com a anuência da genitora, conforme salientado por
todas as testemunhas.
17 - Além de não ter sido demonstrada a condição da falecida de guardiã do autor, tampouco
restou configurada a dependência econômica deste em relação àquela.
18 - A propósito, impende salientar que a concessão de guarda não desobriga os pais dos
menores das obrigações inerentes a seu pátrio poder, de sorte que, ainda que sob os cuidados
do guardião, os menores tem o direito de ter alimentos prestados por seus genitores.
19 - O instituto de guarda não implica mera assistência material, mas, também, moral e
educacional. Portanto, a avaliação sobre a necessidade de acolhimento do menor aos cuidados
de guardião não se limita à capacidade econômica dos genitores de proverem o sustento material
de seus filhos.
20 - De outro lado, a comprovação de dependência econômica perpassa tão somente sob o
aspecto material. Vale dizer, se os genitores (pai e mãe) do menor sob guarda, os quais tem o
dever legal de prestar alimentos, possuem condições econômicas de fazê-lo, não se caracteriza
efetiva dependência econômica dos menores em relação ao guardião.
21 - Não parece ser possível, em interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio,
utilizar-se o Regime Geral Previdenciário para substituir dever legal imposto aos pais, de
manutenção dos filhos. Aliás, esta foi a razão da alteração legislativa imprimida pelo legislador
ordinário. Desta forma, possuindo o autor mãe viva, cabia a ela o poder familiar, de onde decorria
a dependência econômica para fins previdenciários. Precedente.
22 - Em decorrência, não estando preenchidos os requisitos necessários à concessão do
benefício, inviável o acolhimento do pedido inicial, sendo de rigor a reforma da sentença de 1º
grau.
23 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenado o autor no ressarcimento das despesas
processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor do
disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98 do
CPC.
24 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
25 - Apelação do INSS provida. Revogação da tutela. Devolução de valores. Juízo da execução.
Ação julgada improcedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de pagamento
suspenso. Gratuidade da justiça.
Acórdao
PODER JUDICIÁRIOTribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017706-20.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUAN FELIPE LOPES
Advogado do(a) APELADO: LIZANDRY CAROLINE CESAR CUSIN - SP264821-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017706-20.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: L. F. L.
Advogado do(a) APELADO: LIZANDRY CAROLINE CESAR CUSIN - SP264821-N
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em
ação ajuizada por LUAN FELIPE LOPES, representado por sua mãe DORACI MOREIRA
LOPES, objetivando a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte.
A r. sentença, prolatada em 19/12/2017, julgou procedente o pedido deduzido na inicial e
condenou o INSS a implantar, em favor do autor, o benefício de pensão por morte, pagando os
atrasados, desde a data do requerimento administrativo (26/04/2017). Honorários advocatícios
arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Foi deferida a tutela de
urgência, a fim de viabilizar a imediata implantação do benefício.
Em razões recursais, o INSS pugna pela reforma do r. decisum, sustentando, em síntese, não
terem sido preenchidos os requisitos para a concessão do benefício, pois o menor sob guarda
foi excluído do rol de dependentes previdenciários após a entrada em vigor da Lei n. 9.528/97.
Subsidiariamente, pede a redução dos honorários advocatícios e a modificação dos critérios de
cálculo da correção monetária.
Devidamente processado o recurso, com contrarrazões, foram os autos remetidos a este
Tribunal Regional Federal.
O DD. Órgão do Ministério Público Federal, em seu parecer, sugere o desprovimento do
recurso.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0017706-20.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: L. F. L.
Advogado do(a) APELADO: LIZANDRY CAROLINE CESAR CUSIN - SP264821-N
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de pensão requerida por menor sob guarda de falecido segurado.
A condição de dependente é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei de
Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida: o cônjuge, o(a)
companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também
ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência
econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um)
anos ou inválido.
De acordo com o §2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são
equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a
dependência econômica.
Impende considerar, aprioristicamente, que o menor sob guarda deixou de ser considerado
dependente com a edição da Medida Provisória n.º 1.523, de 11 de outubro de 1996, a qual foi
convertida na Lei n.º 9.528/97.
Esse comando normativo encontra aparente conflito com o art. 33 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), in verbis:
"Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou
adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais.
§ 1º A guarda destina-se a regularizar a posse de fato, podendo ser deferida, liminar ou
incidentalmente, nos procedimentos de tutela e adoção, exceto no de adoção por estrangeiros.
§ 2º Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a
situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o
direito de representação para a prática de atos determinados.
§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e
efeitos de direito, inclusive previdenciários".
Acerca da matéria, inicialmente, trago à colação o entendimento firmado pela E. Nona Turma no
feito de nº 2006.03.00.008306-9, AG 259549, de relatoria da eminente Desembargadora
Federal Marisa Santos, em sessão de julgamento realizada em 18 de setembro de 2006:
"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO DE AGRAVO INTERPOSTO NA
VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.187/05. PROCESSAMENTO NA FORMA DE INSTRUMENTO.
PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 527, II, DO CPC. TUTELA ANTECIPADA.
PENSÃO POR MORTE. NETA DE EX-PENSIONISTA. QUALIDADE DE DEPENDENTE
RECONHECIDA. VEROSSIMILHANÇA DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA
ECONÔMICA COM O EX-SEGURADO INSTITUIDOR DO BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DO § 3º
DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 8.069/90 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE).
PRELIMINAR REJEITADA. RECURSO PROVIDO.
(...)
IV - Os elementos de convicção coligidos no instrumento permitem inferir a verossimilhança do
pedido, na medida em que a certidão de óbito da avó afirma o convívio desta em matrimônio
com o segurado até o seu óbito, sendo que a inicial é expressa em afirmar que a agravada foi
acolhida pela avó ainda em tenra idade, de maneira a evidenciar o convívio também com o
segurado instituidor da pensão por morte e em período em muito anterior à concessão da sua
guarda judicial à avó, com o que se deflui que a agravada, a priori, mantinha vínculo de
dependência econômica com o segurado instituidor da pensão por morte, fazendo jus, portanto,
à qualificação como dependente deste e à percepção do benefício.
V - O § 3º do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) assegura ao
menor sob guarda a condição de dependente pra todos os fins e efeitos de direito, inclusive
previdenciários, de tal forma que a proteção previdenciária, ainda que fora da legislação
especial de regência da previdência social, estaria assegurada na hipótese vertente, em
contraposição ao artigo 16, § 2º da Lei 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 9.528/97, que
excluiu o menor sob guarda judicial como dependente de segurado da previdência social.
VI - Conflito aparente de normas afastado mediante a compreensão das referidas leis sob a
ótica da proteção social garantida à criança e ao adolescente pela Constituição Federal,
segundo a qual tanto a proteção social como a seguridade social são instrumentos da Ordem
Social destinados ao alcance do bem-estar social e do bem comum (arts. 194 a 204 e 226 a
230), de tal forma que, em sendo normas da mesma espécie, pois ambas dispõem sobre
proteção social, e da mesma hierarquia, pois são leis ordinárias, aplica-se aquela que dá maior
proteção social, com o que, mesmo sem direito adquirido, o menor sob guarda judicial é
dependente para fins previdenciários.
VII - Preliminar afastada. Agravo de instrumento improvido".
(DJU 19.10.2006, p. 727).
Não se olvida que o artigo 33, § 3º, do ECA (Lei n.º 8.069/90) confere ao menor sob guarda,
inclusive para fins previdenciários, a qualidade de dependente; contudo, deve se manter em
vista o fato de que o requisito legal, para a finalidade de se determinar a qualidade de
dependente no âmbito do RGPS, é a situação de dependência econômica em relação ao
segurado (artigo 16, §§ 2º e 4º, da LBPS), o que, no caso do menor sob guarda, deve ser
avaliada também quanto à ausência de capacidade dos pais do menor para prover sua
assistência material, eis que ilegítima a tentativa de transmissão ao Estado, na condição de
representante da coletividade, do dever legal de prover o sustento dos filhos (artigo 1.697 do
CC).
Aliás, a concessão de guarda aos avós, quando vivo(s) algum(s) do(s) pais, seria
excepcionalíssima, e somente nos casos justificados por lei, pois o pátrio poder - e as
obrigações a ele inerentes - é irrenunciável. Neste sentido, confira-se:
"DIREITO CIVIL. PÁTRIO PODER. DEVER IRRENUNCIÁVEL E INDELEGÁVEL.
DESTITUIÇÃO. CONSENTIMENTO DA MÃE. IRRELEVÂNCIA. HIPÓTESES ESPECÍFICAS.
ART. 392 DO CÓDIGO CIVIL. CONTRADITÓRIO. NECESSIDADE. ARREPENDIMENTO
POSTERIOR. ADOÇÃO. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA. SEGURANÇA JURÍDICA.
INTERESSES DO MENOR. ORIENTAÇÃO DA TURMA. PRECEDENTES. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO. I - O pátrio poder, por ser "um conjunto de obrigações, a cargo
dos pais, no tocante à pessoas e bens dos filhos menores" é irrenunciável e indelegável. Em
outras palavras, por se tratar de ônus, não pode ser objeto de renúncia. II - As hipóteses de
extinção do pátrio poder estão previstas no art. 392 do Código Civil e as de destituição no 395,
sendo certo que são estas exaustivas, a dependerem de procedimento próprio, previsto nos
arts. 155/163 do Estatuto da Criança e do Adolescente, consoante dispõe o art. 24 do mesmo
diploma. III - A entrega do filho pela mãe pode ensejar futura adoção (art. 45 do Estatuto), e,
conseqüentemente, a extinção do pátrio poder, mas jamais pode constituir causa para a sua
destituição, sabido, ademais, que "a falta ou a carência de recursos materiais não constitui
motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder" (art. 23 do mesmo diploma) IV -
Na linha de precedente desta Corte, "a legislação que dispõe sobre a proteção à criança e ao
adolescente proclama enfaticamente a especial atenção que se deve dar aos seus direitos e
interesses e à hermenêutica valorativa e teleológica na sua exegese". V - Situação de fato
consolidada enseja o provimento do recurso a fim de que prevaleçam os superiores interesses
do menor" (STJ, 4ª Turma, REsp 158920, relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ
24.05.1999)
A aplicação de tal entendimento procede-se mediante a verificação fática da dependência
econômica do menor sob guarda, uma vez que os comandos legais em comento não estão a
colidir, senão a trazer equilíbrio jurídico à relação intersubjetiva que se estabelece entre o
menor e o Instituto Autárquico, visto que ambos são detentores de direitos indisponíveis.
Dessa forma, o art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o § 2º do art. 16 da Lei de
Benefícios, com redação alterada pela Lei 9.528/97, não discrepam na essência, embora o
enfoque teleológico de cada dispositivo seja diverso. Ou seja, enquanto ambas as normas
encontram seu nascedouro nos princípios constitucionais de proteção à Ordem Social, é certo
que o art. 33 da Lei 8.069/90, tem sua tônica na tutela dos interesses do menor, enquanto o §
2º do art. 16 da Lei de Benefícios ressalta a necessidade de verificação de dependência
econômica, a fim de não a ter por presumida.
Nesse sentido, aliás, formou-se tese, em sede de julgamento de recurso representativo de
controvérsia, pela 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça:
"O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu
mantenedor, comprovada a sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º. do
Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior
à vigência da medida provisória 1.523/96, reeditada e convertida na lei 9.528/97. funda-se essa
conclusão na qualidade de lei especial do estatuto da criança e do adolescente (8.069/90),
frente à legislação previdenciária" (STJ, 1ª Seção, REsp 1411258, relator Ministro Napoleão
Nunes Maia Filho, j. 11.10.2017, DJe 21.02.2018). (grifo nosso)
Quanto ao ponto da necessária comprovação da dependência econômica, asseverou o i.
relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, em seu volto condutor:
"[...] Deve ser exigida, porém, como requisito à concessão do benefício, a comprovação da
dependência econômica, em relação ao falecido segurado, em similitude com o que se exige do
enteado e do menor sob tutela, nos termos do art. 16, § 2º, da Lei 8.213/91. Essa exigência, por
certo, pode evitar eventuais abusos, pois, se apesar da guarda, restar comprovado que o menor
não dependia economicamente do instituidor da pensão, não deverá ser concedido o benefício.
[...]". (grifo nosso)
Portanto, mister se faz análise individualizada de cada situação fática, no intuito de se adequar
à legislação aplicável.
Do caso concreto.
O óbito da avó, Srª. Francisca Maria de Jesus, ocorrido em 21/04/2017, está comprovado pela
certidão de óbito.
Também restou superado o requisito da qualidade de segurada da falecida, uma vez que ela
usufruía do benefício de aposentadoria por invalidez à época do passamento (NB 109.147.084-
4) (ID 107199989 - p. 10).
A celeuma diz respeito à condição de dependente do demandante em relação à avó falecida.
Segunda a narrativa desenvolvida na petição inicial, o autor sempre esteve sob a guarda da avó
e dependia dela economicamente, embora tal situação de fato jamais tenha sido regularizada
judicialmente, razão pela qual faria jus à percepção do benefício vindicado.
A fim de corroborar suas alegações, o demandante anexou cópia de contrato de curso
extracurricular, firmado em 10/10/2015, no qual consta a avó como sua responsável (ID
107199988 - p. 23/25).
Além disso, foi realizada audiência de instrução em 18/10/2017, na qual foram ouvidas três
testemunhas.
A primeira testemunha, a Srª. Ana Maria Brandão Manzano, declarou conhecer o autor, pois
deu aulas para ele em escola pública. Segundo o seu relato. quando havia algum problema na
escola, geralmente se ligava para a mãe do autor, Dona Doraci, pois a falecida tinha problema
na perna e não podia comparecer. Afirmou que a mãe do demandante morava perto da avó. O
autor foi criado pela avó, pois ele passava os dias cuidando dela, por conta do problema na
perna. Ele ficava mais na casa da avó. A mãe sempre socorria o autor e a avó. Esclareceu que
o demandante acompanhava tanto a avó quanto a mãe, mas ele morava, cuidava e dormia com
a avó.
A segunda testemunha, o Sr. Manoel Cassiano Costa Filho, declarou ser vizinho do autor.
Segundo o seu relato, o demandante morava com a avó, pois era muito apegado a ela. Disse
que quem criava o autor era a avó. Esclareceu, contudo, que a genitora não só mora na mesma
rua, como também frequentava a residência da instituidora, pois era responsável por esta
última. Ressaltou que, embora a mãe do autor estivesse direto na casa da falecida, quem
cuidava mais dele era a avó. Informou que a mãe do autor, Dona Doraci, levava a instituidora
de carro nos lugares, quando necessário. Também ia na farmácia. A mãe do demandante
estava sempre presente, dando o apoio necessário. Se o autor precisasse de algo, a mãe
também corria atrás. Enfatizou considerar que o demandante dependia da falecida, pois ele
estava sempre na companhia dela.
A terceira testemunha, a Srª. Zilda Aparecida Talarico Brandão, declarou conhecer o autor
desde quando ele era bem pequeno, pois é vizinha da família. Esclareceu que o demandante
mora com a genitora atualmente, mas residia com a avó antes de esta última falecer. Segundo
o seu relato, o autor e a instituidora cuidavam ambos um do outro. A casa da avó era na mesma
rua da depoente e da mãe. Esclareceu que o demandante foi morar com a falecida para cuidar
desta última, após o falecimento do avô. Afirmou que a instituidora pagava a escola do autor,
pois ajudava a genitora. O demandante dormia todos os dias na casa do de cujus. O autor não
queria largar a avó. Ele passou a morar com a avó após o falecimento do avô, pois não queria
deixá-la sozinha. A mãe do demandante é separada do marido e atualmente este último está
desempregado.
As provas produzidas no curso da instrução, contudo, não permitem concluir que o demandante
era dependente economicamente da falecida.
O relato das testemunhas deixou claro que a mãe sempre esteve presente na vida do
demandante, prestando todos os cuidados a ele e à falecida. Ademais, restou evidenciado que
a mãe era quem publicamente respondia pelos interesses do autor perante terceiros, conforme
relato da professora do demandante. Além disso, era a genitora quem supria as necessidades
materiais e de locomoção do filho e da instituidora, indo à farmácia ou transportando-os de
carro para onde quer que fosse necessário. Os depoimentos da primeira e da terceira
testemunha, por sua vez, assinalaram que o autor só se mudou para a casa da avó, para lhe
fazer companhia e poder ajudá-la, uma vez que se tratava de pessoa com problema físico na
perna.
Diante desse contexto fático, inviável admitir que houve transferência de guarda, do ponto de
vista jurídico, uma vez que a instituidora jamais objetivou suceder a genitora, tornando-se a
única responsável pelo suprimento das necessidades moral, educacional e de subsistência do
demandante. Realmente, este último jamais se afastou da proteção materna, passando a dormir
na residência da avó por mera conveniência, para atenuar sua solidão após o óbito do avô.
Tal conclusão é reforçada pelo fato de a guarda do menor jamais ter sido requerida pela
falecida. De fato, a situação peculiar dos autos revela mero arranjo familiar temporário, no qual
o demandante ficava a maior parte do tempo na casa da avó, a fim de prestar-lhe os cuidados
necessários, sempre sob a supervisão e com a anuência da genitora, conforme salientado por
todas as testemunhas.
Além de não ter sido demonstrada a condição da falecida de guardiã do autor, tampouco restou
configurada a dependência econômica deste em relação àquela.
A propósito, impende salientar que a concessão de guarda não desobriga os pais dos menores
das obrigações inerentes a seu pátrio poder, de sorte que, ainda que sob os cuidados do
guardião, os menores tem o direito de ter alimentos prestados por seus genitores.
Não é demais lembrar que o instituto de guarda não implica mera assistência material, mas,
também, moral e educacional.
Portanto, a avaliação sobre a necessidade de acolhimento do menor aos cuidados de guardião
não se limita à capacidade econômica dos genitores de proverem o sustento material de seus
filhos.
De outro lado, a comprovação de dependência econômica perpassa tão somente sob o aspecto
material. Vale dizer, se os genitores (pai e mãe) do menor sob guarda, os quais tem o dever
legal de prestar alimentos, possuem condições econômicas de fazê-lo, não se caracteriza
efetiva dependência econômica dos menores em relação ao guardião.
Acresça-se que não me parece seja possível, em interpretação sistemática do ordenamento
jurídico pátrio, utilizar-se o Regime Geral Previdenciário para substituir dever legal imposto aos
pais, de manutenção dos filhos. Aliás, esta foi a razão da alteração legislativa imprimida pelo
legislador ordinário.
Desta forma, possuindo o autor mãe viva, cabia a ela o poder familiar, de onde decorria a
dependência econômica para fins previdenciários.
No mesmo sentido, colaciono o seguinte julgado:
"PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. PENSÃO POR MORTE DA AVÓ.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL E DA GUARDA DE FATO.
1. A situação de dependência econômica, por si só, não se presta para justificar o
enquadramento de alguém como dependente para fins previdenciários. A dependência
econômica efetiva somente tem relevância jurídica se houver possibilidade de enquadramento
em uma das hipóteses previstas na legislação de regência (art. 16 da Lei 8.213/91).
2. O conjunto probatório dos autos não autoriza a caracterização de uma eventual guarda de
fato exercida pela avó.
3. A guarda pressupõe a orfandade ou, quando menos, a destituição do pátrio poder. De guarda
(ou mesmo tutela) de fato, pois, somente se poderia cogitar, em se tratando de menor não tem
pai ou mãe, e é criado e mantido por outra pessoa. Ou, ainda, de menor que informalmente foi
colocado em família substituta. Nas situações em que o menor convive, ainda que
esporadicamente, com seus pais, mas é mantido economicamente por outra pessoa, não se
pode cogitar de tutela ou guarda de fato. Há, pura e simplesmente, dependência econômica.
Dependência econômica, todavia, não é hipótese de dependência para fins previdenciários (art.
16 da Lei 8.213/91). Fosse assim, a qualidade de dependente para fins previdenciários poderia
ser alegada em relação a qualquer pessoa, mesmo sem vínculo de parentesco."
(TRF 4ª Região, Embargos Infringentes em Apelação Cível 2006.72.990007038/SC, rel. Des.
Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, 3ª Seção, DJU de 14.03.2007)
Em decorrência, não estando preenchidos os requisitos necessários à concessão do benefício,
inviável o acolhimento do pedido inicial, sendo de rigor a reforma da sentença de 1º grau.
Inverto, por conseguinte, o ônus sucumbencial, condenando o autor no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais arbitro em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando a
exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98
do CPC.
Observo, por fim, que foi concedida a tutela antecipada.
Tendo em vista que a eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória
deferida neste feito, ora revogada: a) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado,
conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema
cuja análise se encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo
(STJ, Tema afetado nº 692), nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia
constitucional da duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o
derradeiro momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo
ao andamento do feito; determino que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo
juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ.
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r. sentença
de 1º grau de jurisdição, julgar improcedente o pedido inicial, condenando ainda o autor nos
ônus de sucumbência, com dever de pagamento suspenso, delegando à fase de liquidação a
discussão acerca da devolução dos valores recebidos por este último a título de tutela
provisória.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. MENOR SOB GUARDA.
DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO COMPROVADA. ARTIGO 16, § 2º DA LEI Nº 8.213/91.
REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 9.528/97. EXCLUSÃO DO MENOR SOB GUARDA JUDICIAL
COMO DEPENDENTE DE SEGURADO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. APELAÇÃO DO INSS
PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. REVOGAÇÃO DA TUTELA. DEVOLUÇÃO DE
VALORES. JUÍZO DA EXECUÇÃO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INVERSÃO DO
ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. DEVER DE PAGAMENTO SUSPENSO. GRATUIDADE DA
JUSTIÇA.
1 - A condição de dependente é verificada com amparo no rol estabelecido pelo art. 16 da Lei
de Benefícios, segundo o qual possuem dependência econômica presumida: o cônjuge, o(a)
companheiro(a) e o filho menor de 21 (vinte e um) anos, não emancipado ou inválido. Também
ostentam a condição de dependente do segurado, desde que comprovada a dependência
econômica, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um)
anos ou inválido.
2 - De acordo com o §2º do supramencionado artigo, o enteado e o menor tutelado são
equiparados aos filhos mediante declaração do segurado e desde que comprovem a
dependência econômica.
3 - Impende considerar, aprioristicamente, que o menor sob guarda deixou de ser considerado
dependente com a edição da Medida Provisória n.º 1.523, de 11 de outubro de 1996, a qual foi
convertida na Lei n.º 9.528/97.
4 - O artigo 33, § 3º, do ECA (Lei n.º 8.069/90) confere ao menor sob guarda, inclusive para fins
previdenciários, a qualidade de dependente; contudo, deve se manter em vista o fato de que o
requisito legal, para a finalidade de se determinar a qualidade de dependente no âmbito do
RGPS, é a situação de dependência econômica em relação ao segurado (artigo 16, §§ 2º e 4º,
da LBPS), o que, no caso do menor sob guarda, deve ser avaliada também quanto à ausência
de capacidade dos pais do menor para prover sua assistência material, eis que ilegítima a
tentativa de transmissão ao Estado, na condição de representante da coletividade, do dever
legal de prover o sustento dos filhos (artigo 1.697 do CC).
5 - Aliás, a concessão de guarda aos avós, quando vivo(s) algum(s) do(s) pais, seria
excepcionalíssima, e somente nos casos justificados por lei, pois o pátrio poder - e as
obrigações a ele inerentes - é irrenunciável.
6 - A aplicação de tal entendimento procede-se mediante a verificação fática da dependência
econômica do menor sob guarda, uma vez que os comandos legais em comento não estão a
colidir, senão a trazer equilíbrio jurídico à relação intersubjetiva que se estabelece entre o
menor e o Instituto Autárquico, visto que ambos são detentores de direitos indisponíveis.
7 - O art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o § 2º do art. 16 da Lei de Benefícios,
com redação alterada pela Lei 9.528/97, não discrepam na essência, embora o enfoque
teleológico de cada dispositivo seja diverso. Ou seja, enquanto ambas as normas encontram
seu nascedouro nos princípios constitucionais de proteção à Ordem Social, é certo que o art. 33
da Lei 8.069/90, tem sua tônica na tutela dos interesses do menor, enquanto o § 2º do art. 16
da Lei de Benefícios ressalta a necessidade de verificação de dependência econômica, a fim de
não a ter por presumida.
8 - Portanto, mister se faz análise individualizada de cada situação fática, no intuito de se
adequar à legislação aplicável.
9 - O óbito da avó, Srª. Francisca Maria de Jesus, ocorrido em 21/04/2017, está comprovado
pela certidão de óbito. Também restou superado o requisito da qualidade de segurada da
falecida, uma vez que ela usufruía do benefício de aposentadoria por invalidez à época do
passamento (NB 109.147.084-4) (ID 107199989 - p. 10).
10 - A celeuma diz respeito à condição de dependente do demandante em relação à avó
falecida.
11 - Segunda a narrativa desenvolvida na petição inicial, o autor sempre esteve sob a guarda
da avó e dependia dela economicamente, embora tal situação de fato jamais tenha sido
regularizada judicialmente, razão pela qual faria jus à percepção do benefício vindicado.
12 - A fim de corroborar suas alegações, o demandante anexou cópia de contrato de curso
extracurricular, firmado em 10/10/2015, no qual consta a avó como sua responsável (ID
107199988 - p. 23/25). Além disso, foi realizada audiência de instrução em 18/10/2017, na qual
foram ouvidas três testemunhas.
13 - As provas produzidas no curso da instrução, contudo, não permitem concluir que o
demandante era dependente economicamente da falecida.
14 - O relato das testemunhas deixou claro que a mãe sempre esteve presente na vida do
demandante, prestando todos os cuidados a ele e à falecida. Ademais, restou evidenciado que
a mãe era quem publicamente respondia pelos interesses do autor perante terceiros, conforme
relato da professora do demandante. Além disso, era a genitora quem supria as necessidades
materiais e de locomoção do filho e da instituidora, indo à farmácia ou transportando-os de
carro para onde quer que fosse necessário. Os depoimentos da primeira e da terceira
testemunha, por sua vez, assinalaram que o autor só se mudou para a casa da avó, para lhe
fazer companhia e poder ajudá-la, uma vez que se tratava de pessoa com problema físico na
perna.
15 - Diante desse contexto fático, inviável admitir que houve transferência de guarda, do ponto
de vista jurídico, uma vez que a instituidora jamais objetivou suceder a genitora, tornando-se a
única responsável pelo suprimento das necessidades moral, educacional e de subsistência do
demandante. Realmente, este último jamais se afastou da proteção materna, passando a dormir
na residência da avó por mera conveniência, para atenuar sua solidão após o óbito do avô.
16 - Tal conclusão é reforçada pelo fato de a guarda do menor jamais ter sido requerida pela
falecida. De fato, a situação peculiar dos autos revela mero arranjo familiar temporário, no qual
o demandante ficava a maior parte do tempo na casa da avó, a fim de prestar-lhe os cuidados
necessários, sempre sob a supervisão e com a anuência da genitora, conforme salientado por
todas as testemunhas.
17 - Além de não ter sido demonstrada a condição da falecida de guardiã do autor, tampouco
restou configurada a dependência econômica deste em relação àquela.
18 - A propósito, impende salientar que a concessão de guarda não desobriga os pais dos
menores das obrigações inerentes a seu pátrio poder, de sorte que, ainda que sob os cuidados
do guardião, os menores tem o direito de ter alimentos prestados por seus genitores.
19 - O instituto de guarda não implica mera assistência material, mas, também, moral e
educacional. Portanto, a avaliação sobre a necessidade de acolhimento do menor aos cuidados
de guardião não se limita à capacidade econômica dos genitores de proverem o sustento
material de seus filhos.
20 - De outro lado, a comprovação de dependência econômica perpassa tão somente sob o
aspecto material. Vale dizer, se os genitores (pai e mãe) do menor sob guarda, os quais tem o
dever legal de prestar alimentos, possuem condições econômicas de fazê-lo, não se caracteriza
efetiva dependência econômica dos menores em relação ao guardião.
21 - Não parece ser possível, em interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio,
utilizar-se o Regime Geral Previdenciário para substituir dever legal imposto aos pais, de
manutenção dos filhos. Aliás, esta foi a razão da alteração legislativa imprimida pelo legislador
ordinário. Desta forma, possuindo o autor mãe viva, cabia a ela o poder familiar, de onde
decorria a dependência econômica para fins previdenciários. Precedente.
22 - Em decorrência, não estando preenchidos os requisitos necessários à concessão do
benefício, inviável o acolhimento do pedido inicial, sendo de rigor a reforma da sentença de 1º
grau.
23 - Invertido o ônus sucumbencial, deve ser condenado o autor no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, os quais se arbitra em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa, ficando
a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação de insuficiência de
recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, a teor
do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50, reproduzidos pelo §3º do art. 98
do CPC.
24 - A controvérsia acerca da eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela
provisória deferida neste feito, ora revogada, deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de
acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ, por ser matéria inerente à liquidação e
cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos
do CPC. Observância da garantia constitucional da duração razoável do processo.
25 - Apelação do INSS provida. Revogação da tutela. Devolução de valores. Juízo da
execução. Ação julgada improcedente. Inversão das verbas de sucumbência. Dever de
pagamento suspenso. Gratuidade da justiça. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso de apelação do INSS, para reformar a r.
sentença de 1º grau de jurisdição, julgar improcedente o pedido inicial, condenando ainda o
autor nos ônus de sucumbência, com dever de pagamento suspenso, delegando à fase de
liquidação a discussão acerca da devolução dos valores por este último recebidos a título de
tutela provisória, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
