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PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO AFASTADA. REQUISITOS COMPROVADOS. PROVA DOCUMENTAL. ...

Data da publicação: 12/07/2020, 22:36:04

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO AFASTADA. REQUISITOS COMPROVADOS. PROVA DOCUMENTAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. HABILITAÇÃO TARDIA. TERMO INICIAL NA DATA DO SEGUNDO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS. 1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não. 2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS. 3 - A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época do óbito, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes. 4 - O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal". 5 - Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC. 6 - O evento morte, ocorrido em 04/11/1999, foi devidamente comprovado pela certidão de óbito (fl. 08-verso). 7 - Igualmente, demonstrada a qualidade de segurado do falecido, pelo extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS à fl. 10-verso e ante a concessão do benefício de pensão por morte à filha do de cujus (fl. 49-verso), sendo questão incontroversa. 8 - A celeuma diz respeito à condição do autor como companheiro do falecido, bem como de sua dependência econômica. 9 - Aduziu, na inicial, que conviveu em união estável homoafetiva com o falecido por aproximadamente 07 (sete) anos, até a data do óbito, porém, ao requerer o benefício administrativamente, seu pedido foi negado. 10 - A documentação juntada pelo demandante é suficiente à configuração do exigido início de prova material. 11 - Em audiência de instrução, realizada em 20/03/2011, foi colhido o depoimento pessoal do autor e coletados os depoimentos das testemunhas arroladas por ele e pela corré (mídia à fl. 168). 12 - Analisando-se os depoimentos, infere-se, apesar das contradições, que o falecido residiu entre 1995/1996 na casa da depoente Rosângela, entre 1996/1997 na casa da Sra. Fátima e, após 1997 até o óbito, com o autor Marcelo e com sua genitora, Vera, a qual frequentava a casa quinzenalmente. 13 - As testemunhas do autor confirmaram a relação homoafetiva; a Sra. Vera, ouvida como informante, embora tenha dito que seu filho não era homossexual, desconfiava da existência de um relacionamento; o Sr. Oswaldo afirmou que Marcelo e Milton dividiam um quarto, tendo aquele ido ao enterro e ao velório, e a Sra. Fátima aduziu que viu Marcelo na casa da dona Vera no Jd. Rio Branco. Apesar destes dois depoentes terem dito que Marcelo foi apresentado como amigo, as regras de experiência comum, aliadas aos demais elementos de prova, demonstram que a relação entre as partes envolvidas ia além da mera amizade. 14 - Acresça-se que o Sr. Cléber Fagundes descreveu o falecido, asseverando que se parecia muito com a garota que estava na sala de audiências, circunstância confirmada pelas testemunhas Margarete e Oswaldo, o que demonstra que efetivamente conhecia o Sr. Milton. 15 - Saliente-se que, segundo os dizeres de Maria Berenice Dias, "se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, e as duas pessoas começam a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento se torna uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade familiar. (...) Daí serem a vida em comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores. Nada mais do que a prova da presença do enlaçamento de vida, do comprometimento recíproco" (Manual de direito das famílias, 11ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pg. 246) (grifos no original). 16 - Assim, tendo a Constituição Federal erigido a união estável ao status de entidade familiar e, sendo esta, atualmente, entendida com base nos laços de afetividade, não há como afastar o reconhecimento do instituto no caso em apreço, ante a clara demonstração de afeto, auxílio mútuo, assistência moral e convivência duradoura, pública e contínua. 17 - O autor acolheu o de cujus em sua residência, enfermo, emprestando-lhe os cuidados necessários inerentes e necessários a um final de vida digno. 18 - União estável pressupõe a criação de vínculos familiares duradouros, de cuidado, preocupação e assistência mútuas, compreensão, bem querer e afeto. Comprovado que isto existia entre o autor e o falecido. Fraudes e oportunismos, reconheça-se, não têm aptidão de gerar efeitos jurídicos positivos àqueles envolvidos, mas, repisa-se, não se evidencia dos autos estas reprováveis situações. 19 - Acresça-se, por oportuno, que, conforme ensinam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, "o inciso V do art. 201 da CF consagrou o direito de pensão ao companheiro ou companheira, conceito que sem dúvida é mais amplo do que o de união estável" (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 14ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Atlas, 2016, pg. 113). 20 - Por fim, não há que se falar em ausência de dependência econômica, isto porque há presunção legal (art. 16, §4º, da Lei nº 8.213/91) que só cederia mediante a produção de robusta prova em sentido contrário, que não se vislumbra nos autos. 21 - Assim restou demonstrada a união duradoura, pública e notória com o intuito de constituir família, sendo, como dito, a dependência econômica presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, a qual não foi elidida pelo ente autárquico. 22 - Acerca do termo inicial do benefício, tendo a pensão por morte sido concedida anteriormente à filha do de cujus, e tendo o autor formulado dois requerimentos administrativos, em 03/11/2005 (fl. 11) e 28/03/2007 (fl. 05-verso), ante o lapso temporal havido entre os pleitos naquela seara, de rigor a alteração do termo inicial do benefício fixando-o na data do segundo requerimento, em 28/03/2007, compensando-se os valores eventualmente pagos a título de tutela antecipada concedida na sentença. 23 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento. 24 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 25 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que foi observado com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça. 26 - Apelação do INSS e Remessa Necessária parcialmente providas. (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2020730 - 0007931-70.2007.4.03.6311, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 12/11/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:23/11/2018 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/11/2018
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007931-70.2007.4.03.6311/SP
2007.63.11.007931-0/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR:SP209056 ELIANE DA SILVA TAGLIETA e outro(a)
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MARCELO DA SILVA FRANCISCO
ADVOGADO:SP185155 ANA LIZANDRA BEVILAQUA ALVES DE ARAUJO e outro(a)
LITISCONSORTE PASSIVO:YNGRID SIQUEIRA BOLDINI
ADVOGADO:SP187139 JOSÉ MANUEL PEREIRA MENDES e outro(a)
REMETENTE:JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE SANTOS > 4ªSSJ > SP
No. ORIG.:00079317020074036311 2 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO AFASTADA. REQUISITOS COMPROVADOS. PROVA DOCUMENTAL. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. HABILITAÇÃO TARDIA. TERMO INICIAL NA DATA DO SEGUNDO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DO INSS E REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDAS.
1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não.
2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
3 - A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época do óbito, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes.
4 - O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal".
5 - Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.
6 - O evento morte, ocorrido em 04/11/1999, foi devidamente comprovado pela certidão de óbito (fl. 08-verso).
7 - Igualmente, demonstrada a qualidade de segurado do falecido, pelo extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS à fl. 10-verso e ante a concessão do benefício de pensão por morte à filha do de cujus (fl. 49-verso), sendo questão incontroversa.
8 - A celeuma diz respeito à condição do autor como companheiro do falecido, bem como de sua dependência econômica.
9 - Aduziu, na inicial, que conviveu em união estável homoafetiva com o falecido por aproximadamente 07 (sete) anos, até a data do óbito, porém, ao requerer o benefício administrativamente, seu pedido foi negado.
10 - A documentação juntada pelo demandante é suficiente à configuração do exigido início de prova material.
11 - Em audiência de instrução, realizada em 20/03/2011, foi colhido o depoimento pessoal do autor e coletados os depoimentos das testemunhas arroladas por ele e pela corré (mídia à fl. 168).
12 - Analisando-se os depoimentos, infere-se, apesar das contradições, que o falecido residiu entre 1995/1996 na casa da depoente Rosângela, entre 1996/1997 na casa da Sra. Fátima e, após 1997 até o óbito, com o autor Marcelo e com sua genitora, Vera, a qual frequentava a casa quinzenalmente.
13 - As testemunhas do autor confirmaram a relação homoafetiva; a Sra. Vera, ouvida como informante, embora tenha dito que seu filho não era homossexual, desconfiava da existência de um relacionamento; o Sr. Oswaldo afirmou que Marcelo e Milton dividiam um quarto, tendo aquele ido ao enterro e ao velório, e a Sra. Fátima aduziu que viu Marcelo na casa da dona Vera no Jd. Rio Branco. Apesar destes dois depoentes terem dito que Marcelo foi apresentado como amigo, as regras de experiência comum, aliadas aos demais elementos de prova, demonstram que a relação entre as partes envolvidas ia além da mera amizade.
14 - Acresça-se que o Sr. Cléber Fagundes descreveu o falecido, asseverando que se parecia muito com a garota que estava na sala de audiências, circunstância confirmada pelas testemunhas Margarete e Oswaldo, o que demonstra que efetivamente conhecia o Sr. Milton.
15 - Saliente-se que, segundo os dizeres de Maria Berenice Dias, "se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, e as duas pessoas começam a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento se torna uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade familiar. (...) Daí serem a vida em comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores. Nada mais do que a prova da presença do enlaçamento de vida, do comprometimento recíproco" (Manual de direito das famílias, 11ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pg. 246) (grifos no original).
16 - Assim, tendo a Constituição Federal erigido a união estável ao status de entidade familiar e, sendo esta, atualmente, entendida com base nos laços de afetividade, não há como afastar o reconhecimento do instituto no caso em apreço, ante a clara demonstração de afeto, auxílio mútuo, assistência moral e convivência duradoura, pública e contínua.
17 - O autor acolheu o de cujus em sua residência, enfermo, emprestando-lhe os cuidados necessários inerentes e necessários a um final de vida digno.
18 - União estável pressupõe a criação de vínculos familiares duradouros, de cuidado, preocupação e assistência mútuas, compreensão, bem querer e afeto. Comprovado que isto existia entre o autor e o falecido. Fraudes e oportunismos, reconheça-se, não têm aptidão de gerar efeitos jurídicos positivos àqueles envolvidos, mas, repisa-se, não se evidencia dos autos estas reprováveis situações.
19 - Acresça-se, por oportuno, que, conforme ensinam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, "o inciso V do art. 201 da CF consagrou o direito de pensão ao companheiro ou companheira, conceito que sem dúvida é mais amplo do que o de união estável" (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 14ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Atlas, 2016, pg. 113).
20 - Por fim, não há que se falar em ausência de dependência econômica, isto porque há presunção legal (art. 16, §4º, da Lei nº 8.213/91) que só cederia mediante a produção de robusta prova em sentido contrário, que não se vislumbra nos autos.
21 - Assim restou demonstrada a união duradoura, pública e notória com o intuito de constituir família, sendo, como dito, a dependência econômica presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, a qual não foi elidida pelo ente autárquico.
22 - Acerca do termo inicial do benefício, tendo a pensão por morte sido concedida anteriormente à filha do de cujus, e tendo o autor formulado dois requerimentos administrativos, em 03/11/2005 (fl. 11) e 28/03/2007 (fl. 05-verso), ante o lapso temporal havido entre os pleitos naquela seara, de rigor a alteração do termo inicial do benefício fixando-o na data do segundo requerimento, em 28/03/2007, compensando-se os valores eventualmente pagos a título de tutela antecipada concedida na sentença.
23 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
24 - Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
25 - Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que foi observado com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.
26 - Apelação do INSS e Remessa Necessária parcialmente providas.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso de apelação do INSS para estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, e dar parcial provimento à remessa necessária, em maior extensão, para alterar o termo inicial do benefício para a data do segundo requerimento administrativo (28/03/2007), compensando-se os valores eventualmente pagos a título de tutela antecipada concedida na sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 12 de novembro de 2018.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 13/11/2018 18:48:49



APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0007931-70.2007.4.03.6311/SP
2007.63.11.007931-0/SP
RELATOR:Desembargador Federal CARLOS DELGADO
APELANTE:Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
PROCURADOR:SP209056 ELIANE DA SILVA TAGLIETA e outro(a)
ADVOGADO:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
APELADO(A):MARCELO DA SILVA FRANCISCO
ADVOGADO:SP185155 ANA LIZANDRA BEVILAQUA ALVES DE ARAUJO e outro(a)
LITISCONSORTE PASSIVO:YNGRID SIQUEIRA BOLDINI
ADVOGADO:SP187139 JOSÉ MANUEL PEREIRA MENDES e outro(a)
REMETENTE:JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE SANTOS > 4ªSSJ > SP
No. ORIG.:00079317020074036311 2 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pelo INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, em ação ajuizada por MARCELO DA SILVA FRANCISCO, objetivando a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte.

A r. sentença, de fls. 230/243, julgou parcialmente procedente o pedido, para o fim de condenar o INSS na implantação da pensão por morte ao autor, a contar do requerimento administrativo, em 03/11/2005, na proporção de 50% e, na integralidade, a partir de 12/10/2010, quando a corré Yngrid completou a maioridade. Consignou que a correção monetária das parcelas vencidas incide na forma da Súmula 148 do E. STJ e da Súmula 8 do TRF da 3ª Região, bem como da Lei nº 6.899/81 e legislação superveniente, descontados os valores eventualmente pagos. Constou que sobre as parcelas vencidas incidirão também juros de mora, a partir da citação. Determinou a observância do critério de cálculo do Manual de Cálculos aprovado pela Resolução nº 134/2010, alterada pela Resolução nº 267/2013 do CJF. Condenou, ainda, o INSS no pagamento de honorários advocatícios fixados em 10 % (dez por cento) do valor das prestações vencidas até a sentença (Súmula 111 do STJ) e a corré Yngrid no pagamento de R$1.000,00 (mil reais), a título de verba honorária, observado o art. 12 da Lei nº1.060/50. Isenção de custas, a teor do disposto na Lei nº 8.620/93. Concedida a tutela antecipada. Com submissão à remessa necessária.

Razões recursais às fls. 253/257, requerendo a reforma da sentença, ao entendimento de que a união estável e a dependência econômica do autor não restaram comprovadas, inexistindo início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Subsidiariamente, postula a fixação dos juros e da correção monetária de acordo com a Lei nº 11.960/09, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, bem como a redução da verba honorária.

Intimado, o autor apresentou contrarrazões (fls. 264/266).

Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

É o relatório.

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido, aposentado ou não.

O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.

A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época do óbito, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes, in verbis:

"I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;
II - os pais;
III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.(grifos nossos)

O §3º do art. 16 da Lei de Benefícios dispõe que: "Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal".

Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.

O evento morte, ocorrido em 04/11/1999, foi devidamente comprovado pela certidão de óbito (fl. 08-verso).

Igualmente, demonstrada a qualidade de segurado do falecido, pelo extrato do Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS à fl. 10-verso e ante a concessão do benefício de pensão por morte à filha do de cujus (fl. 49-verso), sendo questão incontroversa.

A celeuma diz respeito à condição do autor como companheiro do falecido, bem como de sua dependência econômica.

Aduziu, na inicial, que conviveu em união estável homoafetiva com o falecido por aproximadamente 07 (sete) anos, até a data do óbito, porém, ao requerer o benefício administrativamente, seu pedido foi negado.

Para comprovar o alegado, anexou aos autos os seguintes documentos como indício de prova material:

1 - Cópia do termo de audiência em processo de justificação de existência de união estável, que correu perante a 2ª Vara Cível da Comarca de São Vicente-SP, na qual o magistrado deu por justificados os fatos constantes na inicial, sem exame do mérito (fl. 06-verso);

2 - Depoimentos de testemunhas na referida ação de justificação, dando conta da existência da relação entre o autor e o falecido, os quais residiam na Rua Dois, nº 95, Jardim Rio Branco (fls. 07/08);

3 - Certidão de óbito do Sr. Milton Antônio Boldini, em que foi qualificado como divorciado e residente à Rua Dois, nº 95, Jardim Rio Branco, São Vicente-SP, sendo declarante a mãe do falecido, Vera Lúcia Boldini (fl. 08-verso);

4 - Contrato de locação para fins exclusivamente comerciais de um imóvel sito à Rua Sete, nº 242, Bar Quarentenário, São Vicente-SP, com início em 25/08/1998 e término em 25/08/1999, em que o Sr. Marcelo da Silva Francisco e o Sr. Milton A. Boldini aparecem como locatários (fls. 09-frente e 10);

5 - Declaração da genitora do de cujus, no sentido da existência de relação de "concubinato", por aproximadamente sete anos, entre aquele e o autor (fl. 09-verso);

6 - Ficha de internação do Sr. Milton Antônio Boldini, em 31/09/1999, e autorização de internação, em que o demandante foi qualificado como primo (fls. 29-verso/30).

Por sua vez, a corré Yngrid Siqueira Boldini anexou aos autos cópia da certidão de casamento entre o falecido e a Sra. Yara Célia Siqueira, contraído em 27/02/1988, com averbação de divórcio em 22/01/1999, decorrente de sentença proferida em 23/10/1998, bem como declarações em que as declarantes informam as residências do falecido, entre 12/1995 a 11/1996 e durante 06 (seis) meses no ano de 1997, e o não conhecimento de união estável homoafetiva (fls. 130/131).

A documentação juntada pelo demandante é suficiente à configuração do exigido início de prova material.

Em audiência de instrução, realizada em 20/03/2011, foi colhido o depoimento pessoal do autor e coletados os depoimentos das testemunhas arroladas por ele e pela corré (mídia à fl. 168).

O demandante, Marcelo, sustentou ter conhecido o Milton no bairro em que moravam, Jardim Rio Branco, em 1992, começando um relacionamento com o mesmo. Alegou saber que ele tinha sido casado e que tinha uma filha, bem como que era HIV positivo. Acrescentou que frequentava a casa da família dele e, quando ficou sabendo da patologia, decidiu continuar a relação. Sentia preconceito da sociedade, mas não da família. Aduziu que, por ser enfermeiro, cuidava dele, levava ao médico, internava, quando necessário, e que a filha o visita. Esclareceu que o Milton morava nos fundos da casa da mãe dele, com esta, o padrasto e duas irmãs, sendo uma com problemas intelectuais, e depois se mudou para sua casa, na Rua Sete. Posteriormente, foram residir em outro local, na Avenida Quarentenário (1996) e, após, na Rua Dois, sempre no mesmo local, Jardim Rio Branco ou Quarentenário. Informou que quando o conheceu, morava na Rua Sete e ele na rua detrás, Rua Nove. Em 1992, em março ou abril, é que foram residir juntos. A família frequentava a casa. Aduziu, ainda, que a última residência foi na Rua Dois, nº 95, a partir de 1997/1998, e que a mãe do Milton se mudou da Rua Nove e foi residir num Sítio em Pedro de Toledo, vindo quinzenalmente ajudar. Instado sobre o contrato de locação para fins exclusivamente comerciais, na Rua Sete, em 1998, não soube explicar o aventado, afirmando que não se recordava de ter feito o contrato, embora tivesse trabalhado com costura e tenha reconhecido sua assinatura. Afirmou que o Milton estava morando com ele na época do óbito, sendo informado do falecimento por telefone porque estava de plantão, tendo avisado o irmão do falecido e ido com este até Pedro de Toledo para comunicar a mãe, a qual foi a declarante do óbito. Esclareceu que se intitulou como primo, na internação no hospital da Praia Grande, para não ser demitido do emprego. Questionado sobre o endereço fornecido pela filha do falecido, na Av. Jovino de Melo, aduziu que o Milton morava lá com a avó, tendo conhecido sua ex-esposa na região, a qual também é soropositiva. Depois que começaram a morar juntos, só se separaram para internações. Às reperguntas, informou que não arrolou nenhum familiar do Milton como testemunha porque acreditava não ser permitido. Acrescentou que o falecido usava drogas e álcool, que os motivos da internação eram por baixa imunidade, tendo sido internado nos hospitais Guilherme Álvaro e Santa Casa de Praia Grande, numa clínica em Peruíbe e em outra no Guarujá, ambas ligadas ao "Amor Exigente". Esclareceu que não foi o declarante do óbito, porque não sabia que poderia e não fazia questão, desconhecendo, na época, que poderia ter direitos. Informou não ter acompanhado a separação do Milton, mas que ele estava separado quando começaram a se relacionar em 1992, sabendo que em agosto de 1999 foi averbado o divórcio, não tendo conhecimento de que o Milton tenha procurado se reconciliar com a ex-mulher. Por fim, afirmou que usavam preservativos e que o falecido tinha muito cuidado com a relação, porque já tinha contaminado a ex-esposa; viajavam, iam à sorveteria, danceteria, tinham uma vida de lazer normal e sexual ativa, as quais somente foram prejudicadas quando ele começou a usar fralda, mas que, ainda assim, dormiam na mesma cama.

A corré Yngrid alegou não conhecer Marcelo e que desconhece que ele residia com seu pai. Aduziu que este se separou da sua mãe, no papel, em 1994, quando tinha uns 02 (dois), 03 (três) anos, não se recordando quando foi a separação física. Acrescentou que seu pai trabalhou na Coca-Cola e que morou com uma tia, na "Chico de Paula", com uma prima, na "Jovino de Melo", e com sua mãe, a qual chegou a alugar um quarto para ele. Acrescentou que seu pai ficou internado no "Guilherme Álvaro". Questionada sobre visitas, informou que o visitava uma vez por mês, todos os meses, quando ele estava na casa da tia e da prima, não indo em hospital, nem em clínicas, e que, às vezes, ele ia visitá-la, mas não se recordava de ter dormido com ele. Disse ter ido ao velório, não conseguindo ir ao enterro. Não soube de relacionamentos posteriores do seu pai, nem com homem, nem com mulher. Sustentou que seu pai sempre quis voltar com sua mãe, a qual cuidava dele, na casa da tia Fátima e da prima Rosângela. Esclareceu que numa das vezes que seu pai ficou internado, foi sua tia Fátima quem o levou, e que, quando ele faleceu, ela, depoente, tinha 10 (dez) ou 11 (onze) anos. Por fim, aduziu saber que sua mãe é soropositiva e que seu pai também era, e acha que ele também já tinha se internado por dependência química.

A testemunha do autor, Dona Elza Gregório de Almeida, alegou conhecer o Marcelo há uns 12 (doze), 13 (treze) anos, quando se mudou para a Rua Dois, nº 109, Jd. Rio Branco, em São Vicente, e que ele já morava na referida rua. Sustentou que o Marcelo tinha um "acompanhante", o qual vivia como marido e mulher, chamado Milton. Informou que o autor trabalhava como enfermeiro e o companheiro dele não trabalhava porque estava doente, não sabendo qual doença, e que aquele cuidava deste. Acrescentou que os via na rua, às vezes de mãos dadas, antes do Milton ficar mal. Afirmou que a rua inteira sabia que eles viviam como marido e mulher, que viviam como uma família. Aduziu que o Milton se internou e logo depois faleceu no hospital, tendo o óbito uns 08 (oito) ou 09 anos, e que, na época, o Marcelo vivia com ele. Asseverou que nunca os viu separados, que ouviu comentários de que o Marcelo tinha uma filha, mas que nunca a viu, só conhecendo a mãe, dona Vera, e a irmã dele. Por fim, disse não ter ido ao enterro, nem ao velório.

Por sua vez, Cléber Fagundes afirmou conhecer o autor há mais de 10 (dez) anos, como enfermeiro, sabendo que possuía um companheiro chamado Milton, o qual morava junto, sendo, "na sua mentalidade", homossexuais. Alegou achar que o Milton faleceu em 1992 ou 1993, não sabendo precisar a data, porque não residia com eles, os quais moravam no Quarentenário, na antiga Rua Dois. Sustentou que os via junto em bar, em forró. Ao ser questionado pelo juiz sobre as datas, eis que teria conhecido o Marcelo há 10 (dez) anos, em 2000, mencionou que estava chutando um período, mas que foi bem mais de 10 (dez) anos. Acredita que eles estavam juntos quando o Milton faleceu e que já os visitou na casa. Aduziu que todos do bairro sabiam que eles eram uma família, que os via como casal, andando discretamente de mãos dadas. Sustentou que conheceu a mãe do Milton, Vera, a irmã e o irmão. Asseverou saber, por vizinhos e pelas pessoas da comunidade, que o Milton já foi internado e que o Marcelo é quem fez a internação e cuidava dele, sendo uma das internações no hospital "Guilherme Álvaro". Esclareceu que não foi ao velório, que não conhecia a filha do Milton, mas apontou que a pessoa que estava na sala de audiência era muito parecida com ele, concluindo ser sua filha. Ao ser questionado sobre os trejeitos do Milton, disse que, na sua opinião, ele era bem discreto, não sendo afeminado. Descreveu o falecido como alto, forte e cabelos loiros.

A Sra. Olidárquia Lopes de Lima, última testemunha do autor, aduziu conhecer Marcelo há uns 12 (doze), 14 (catorze) anos, o qual frequentava o pequeno comércio que possuía, um bar e mercearia, na Rua Projetada 40, nº 255, no bairro Quarentenário, em São Vicente. Informou saber que Marcelo tinha um companheiro homossexual, chamado Milton, os quais moravam juntos na antiga Rua Dois. Acompanhou a vivência dos dois por mais ou menos 01 (um) ano e 06 (seis) meses, durante 1996/1997, tendo o Milton falecido em 1999. Afirmou que os dois frequentavam juntos o seu comércio, quase todos os dias, e que se apresentavam como um casal, como marido e mulher, andando de mãos dadas. Acrescentou que não os viu separados, que Marcelo trabalhava como enfermeiro, mas que também tinha uma confecção de roupas (costura). Por fim, aduziu que não foi ao velório, nem ao enterro. Às reperguntas, disse que o Milton tinha um comportamento discreto, não o achando afeminado, mas esclareceu que também não ficava prestando muita atenção, só os atendendo como clientes, como casal.

Ouvida como informante, a Sra. Yara Célia Siqueira, mãe da corré Yngrid, aduziu que foi casada com o Milton, por 10 (dez) anos, de 1988 a 1998, o qual era HIV positivo e dependente químico. Esclareceu que, com o diagnóstico da doença, se separaram, porque não tinham condições financeiras para permanecerem juntos, passando a residir com sua filha, a qual era pequena, na casa da sua mãe. Aduziu que, nesta época, trabalhava e também cuidava do Milton, o qual, neste anos todos, também foi cuidado por diversas pessoas, em diversos locais, sendo internado por três vezes em clínica de recuperação. Afirmou que a prima dela, Rosângela, acolheu e cuidou do Milton, junto com ela, por cerca de 01 (um) ano, que ele morou também com a mãe, assim como com uma parente dele, chamada Fátima. Acrescentou que resolveu se divorciar em 1998, 01 (um) ano antes do óbito, porque a situação estava insustentável, o uso da droga estava fora de controle. Esclareceu que ficaram juntos até o final, que ele sempre tentou se reconciliar e que, mesmo ele morando em outras casas, o considerava como marido. Asseverou que durante este período, não sabe dele ter tido outro relacionamento, até porque o mesmo não tinha condições para isso. Alegou desconhecer que o Milton tenha sido homossexual e que desconhece o Sr. Marcelo, não o tendo visto anteriormente, nem no Hospital Guilherme Álvaro, último local de internação do Milton. Informou ter ido duas vezes no Jd. Rio Branco, na casa da mãe do Milton, dona Vera, tendo-o buscado uma das vezes para internar. Desconhece a residência na Av. Quarentenário e na Rua Dois. Ao ser questionada sobre o contrato de locação assinado pelo Milton e pelo Marcelo, alegou que foi após o divórcio e que, nesta época, 01 (um) ano antes do óbito, o Milton estava muito mal e na casa de parentes. Esclareceu que em 1994 e em 1995 moravam debaixo do mesmo teto, tendo sido despejados em 1995, sendo impossível que o autor e Milton tenham mantido relacionamento por 07 (sete) anos. Alegou que o Milton se tratava em Santos, no CRAIS (tratamento para soropositivos), participou do PID, foi internado no Hospital Guilherme Álvaro e também em clínicas de recuperação no Guarujá, onde ia todo final de semana visitá-lo, e em Peruíbe. A Yngrid via o pai, mais ou menos, a cada 15 (quinze) dias. Não tinha muito contato com a mãe do Milton. Disse que sempre ajudou e cuidou do Milton; na "Jovino de Melo", ficou entre 1995/1996, sendo cuidado por ela e pela Rosângela, e, depois, 1996/1997, ficou com a Fátima. Esclareceu que ele teve toxoplasmose e que, depois do divórcio, em 1998, ele foi cuidado pela família, residindo com a mãe dele, não tendo amizade com ela. Ia visitá-lo todos os dias no "Guilherme Álvaro", onde ficou internado por 02 (dois) meses. Informou que em 1992, moravam na Areia Branca, num morro, onde sua filha nasceu. Disse que o Milton era muito cobiçado por mulheres, tendo dado trabalho nesse sentido. Afirmou que o Milton não a ajudava financeiramente, nem a filha, e que seu último emprego foi na Coca-Cola, em 1995. Mesmo após o diagnóstico do HIV, tinham relação sexual, com uso de preservativos. Não confiava deixar a filha sozinha com o Milton, porque ele usava drogas. O último endereço dele, foi com a mãe, no Jd. Rio Branco. O divórcio foi de comum acordo, em 1998, não se recordando de ter declarado naquela ação que estava separada de fato há 02 (dois) anos, mas afirma que, no final, não estavam como marido e mulher, havendo apenas um laço afetivo muito grande. Questionada, aduziu ser difícil de dizer quando deixaram de ser um casal, mas que antes de 03 (três) anos do óbito, não tinham mais relação, porque era inviável. Reafirmou que em 1995/1996, o Milton morou na "Jovino de Melo", n º 539, ao lado da Panificadora, com sua (depoente) prima, Rosângela.

A testemunha da corré, Fátima de Oliveira Silva, foi casada com o tio do Milton, alegando conhecê-lo desde novo, tendo acompanhado o namoro e o casamento dele com a mãe da Yngrid. Afirmou que não é boa de datas, mas que o casamento dos dois durou uns 05 (cinco), 06 (seis) anos, e que, quando se separaram, o Milton foi morar na casa da mãe dele, Vera Lúcia, no Jd. Rio Branco, em São Vicente; depois, morou sozinho num quartinho, no Jd. Santa Maria; residiu também com o irmão, sumiu um tempo e retornou para o Jd. Rio Branco, com a mãe. Em seguida, ele ficou muito mal, residindo um pouco com ela (depoente), em 1997. Quando ficou bom, voltou para a mãe, no Jd. Rio Branco. Foi internado, numa clínica e, depois, no hospital Guilherme Álvaro. Aduziu que a Yara ficou um bom tempo com o Milton na Jovino de Melo. Alegou ter visto o Marcelo umas duas vezes, o conhecendo por intermédio da mãe do Milton, na Rio Branco e, em outra ocasião, porque seu marido precisou de cirurgia. Não viu o Marcelo junto com o Milton, tendo-o conhecido como amigo da família, dentro da casa da dona Vera, sabendo que ele ajudava quando precisava, com medicamentos, porque ele era enfermeiro. Desconhece que o Milton é homossexual, sabendo que ele tem outro filho de 25 (vinte e cinco) anos, chamado Thiago, e que, ainda, teve relacionamento com uma moça chamada Margarete. Esclareceu não saber se o Milton residiu na Rua Sete, no Quarentenário, nem na Rua Dois, nº 295. Asseverou que foi no velório e no enterro do Milton, não se recordado se o Marcelo estava lá. Informou que participou da última internação do Milton, no Guilherme Álvares, não vendo o Marcelo no local. Asseverou que a Sra. Yara sempre cuidou do Milton, mesmo separada. Achava impossível ele ter qualquer relacionamento com alguém. Nunca participou de uma festa em que o Marcelo estava presente. Aduziu que o Milton não aparentava ser gay. Comentou que o Milton tinha um relacionamento de amigo com a Yara, tentando se reconciliar com esta. Alega que quando o Milton se recuperava, ele sumia. Disse que o último lugar que ele morou foi com a mãe. Às reperguntas da advogada do autor, afirmou que o Milton visitava a filha com frequência, uma vez por mês, no mínimo. Aduziu que a Yara e a mãe do Milton não tinham bom relacionamento, que a Yngrid vivia mais com a mãe da Yara. Disse que o Milton foi morar com a sogra, quando a Yngrid era pequena. Informou que a mãe do Milton é alcóolatra e se esquece das coisas, que ela morou num Sítio em Pedro de Toledo, a visitando uma vez. Esclareceu que quem residia na Jovino de Melo era a prima da Yara com esta, vindo o Milton a residir um período lá por necessidades. A tentativa de reconciliação foi quando a Yngrid era pequena. Às perguntas do magistrado, informou que o Milton saía com a Margarete 01 (um) ano antes do óbito. Às perguntas da advogada do autor, afirmou que é amiga da Dona Yara, tendo bastante intimidade com a mesma e que, depois da separação, o Milton visitava a Yngrid toda a semana.

Por sua vez, Rosângela Ricardo Alves, afirmou conhecer o Sr. Milton desde a infância, morando próximos em Nossa Senhora de Fátima, em Santos. Aduziu que ele tem uma filha, Yngrid, e que mantinha contato com ele até o dia do falecimento, Informou que ele morou com ela durante 01 (um) ano, mais ou menos, de 1995 a 1996. Ele estava doente, por conta das drogas, e era soropositivo. Antes de morar com ela, ele ficava na mãe, na cunhada, no irmão (num morro). Se recorda que ele faleceu em 1999 e, quando isso aconteceu, acha que ele estava morando com a mãe. Não sabe dizer a data certa do casamento, mas acha que foi em 1995. Aduz que Yara e Milton ficaram uns 04 (quatro) anos casados e, quando se separaram, não perderam o contato. Afirma que ele não teve outro relacionamento, de morar com alguém, mas que ele namorou com uma moça chamada Margarete. Aduziu que nunca soube que ele gostasse de namorar homens. Falou que ele era bem mulherengo, "sendo mais para o lado machão, do que homossexual". Asseverou que nunca viu o Marcelo. Visitava o Milton pouco quando ele estava internado, tendo ido no Guilherme Álvaro, não vendo o Marcelo neste hospital, nem no velório ou no enterro, não se recordando o nome do cemitério de São Vicente. Acrescentou que, além da Yngrid, ouviu falar que o falecido teria outro filho. Às perguntas do advogado da corré, informou que o Milton morou na Jovino de Melo, com ela, mais ou menos de 1995/1996. Asseverou que ele residiu com a Fátima depois. Alegou que a Yara sempre ajudou nos cuidados e residiu com ela, junto com a Yngrid. Após a separação de corpos, o Milton morou com os irmãos Oswaldo e com Luis, sendo com este no morro. Quando do falecimento, estava morando com a mãe. Às reperguntas da advogada do autor, afirmou que o Miltou morou 01 (um) ano com ela e que a Yngrid tinha uns 09 (nove), 10 (dez) anos, tendo ela e a Yara ficado lá, dormindo umas duas ou três vezes por semana. Não sabe dizer quanto anos a Yngrid tinha quando se separaram. Aduziu que foi só uma vez na casa da dona Vera, mãe do Milton, não se recordando dele morar sozinho ou sumir por um período. Declarou que ele sempre estava presente, visitando a Yngrid com frequência, a cada 15 (quinze) dias. Por fim, disse que a Yngrid tinha pouco contato com a avó materna, a qual morou no Jd. Rio Branco, antes do Milton falecer.

Margarete Santana alegou que conhece o Milton desde a época em que ele começou a namorar a Yara, tendo ido ao casamento dos dois. Sustenta que foi testemunha na ação de divórcio, o qual foi, mais ou menos, em 1998, e que mesmo separados de corpos, morando em casas diferentes, a Yara sempre esteve com ele, ajudando e cuidando, como companheira e como amiga. Aduziu que a Yngrid tinha uns 05 (cinco) ou 06 (seis) anos quando se separaram. Informou que o Milton morou em várias casas, com a mãe, no morro, com o irmão Luís, com a Rosângela na Av. Jovino de Melo, por cerca de 01 (um) ano, quando estava doente, num quarto sozinho no Jd. Santa Maria, onde a Yara cuidava dele, mas não morando juntos. Sempre via a Yara e o Milton juntos, mas não sabia se tinham relacionamento como marido e mulher. Afirmou que, depois que ele se separou da Yara, queria se reconciliar, tendo falado isso no dia do divórcio. Declarou que o falecido era assediado por mulheres, que "o negócio dele era mulher", não tendo-o visto num relacionamento homossexual. Aduziu não conhecer o Marcelo. Visitou o Milton com a Yara no hospital Guilherme Álvaro, próximo ao falecimento, quase todos os dias, não vendo o Marcelo no local, nem no velório ou no enterro. Aduziu que a Yngrid somente foi no velório. Esclarece ter visitado o Milton numa clínica do Guarujá, para pessoas que tinham problemas com drogas, e que, na casa da Rosângela, ele estava com toxoplasmose. Às perguntas do advogado da corré Yngrid, aduziu que o divórcio foi consensual e que a Yara foi quem pediu. Acredita que em 1998, na época do divórcio, o Milton morava com a mãe. Sustentou que a Yara morava com a mãe e que frequentava a casa da Rosângela, prestando toda a assistência, quando o Milton lá residia, em 1995, na Jovino de Melo. O Milton também morou com a Fátima, na "Chico de Paula", depois de ter residido com a Rosângela; após, residiu num quarto. Aduziu que, no Guarujá, o Milton ficou uns 05 (cinco) ou 06 (seis) meses internado, achando que a clínica era pública. Informou que ele morou num quarto, nas proximidades da Jovino de Melo, em 1997/1998. Por fim, mencionou que a Yngrid é muito parecida fisicamente com o pai, tendo descrito este fisicamente como alto, forte e com cabelos castanhos claros, que os dois ficavam, às vezes, sozinhos, sem a presença da Yara.

Por derradeiro, a última testemunha da corré, Oswaldo Elias Boldini, irmão da Dona Vera, aduziu que o Milton é seu sobrinho e foi criado por sua mãe desde os 02 (dois) anos de idade. Afirmou que, depois que o Milton se separou, sumia às vezes, tendo morado com seu irmão e com sua irmã, uma vez. Na época do falecimento, em 1999, o Milton morava em São Vicente, numa casa que dividia com o Marcelo, dizendo que era uma relação de amizade. Conheceu o Marcelo no último ano da vida do Milton. Teve ciência que moravam 01 (um) ano juntos. Foi uma vez buscar o Milton na casa em que eles moravam, para levá-lo para a clínica. Não sabe informar se depois que ficou internado por uns 06 meses, se retornou a voltar a morar com o Marcelo. Acredita que o Marcelo tenha visitado o Milton no hospital. Afirmou que o Marcelo foi no velório e no enterro. Perguntou para o Milton se ele tinha um relacionamento homossexual com o Marcelo, mas este sempre negava. Nunca os viu andando juntos na rua. Não se recorda de o falecido ter sido internado num hospital em Praia Grande. Aduziu que o Milton era mulherengo e que, na época em que estava com Marcelo, o Milton estava bem debilitado. Acrescentou que, nas reuniões de família, o Milton às vezes levava algumas mulheres, não se recordando do Marcelo. Da família, acha que só a dona Vera conhecia o Marcelo. O Milton não tinha trejeitos, era bem parecido com a Yngrid, alto, forte e cabelos claros (loiros). Informou não ter contato com a Yngrid, mas sabia que o falecido a visitava, e que, até onde saiba, a Yngrid não conheceu o Marcelo, o qual trabalhava num hospital na Praia Grande, na parte de cirurgia, assistente. Ao ler a declaração da irmã Vera, no sentido de que o Milton vivia com o Marcelo em união estável, alegou que a mesma nunca comentou essa circunstância. Às perguntas do advogado da corré, aduziu que acha muito difícil o Milton e o Marcelo terem se relacionado por 07 (sete) anos. Alega que a Vera "nunca foi bem de cabeça", sendo instável, tendo problemas com álcool. Na época da declaração, informa que a Vera morava em Pedro de Toledo. Esclareceu ter ligado para sua irmã Vera para perguntar sobre a declaração, tendo esta dito não ter emitido a mesma. Acredita que o Milton e a Yara tenham vivido por uns 13 (treze) anos e que o divórcio tenha sido em 1994, mais ou menos. Soube que após a separação da Yara, ele foi morar com a Rosângela, na "Jovino de Melo", acha que em 1997, e depois com sua cunhada, Fátima, que morava no "Chico de Paula". Aduziu que ele morou sozinho uma vez num quarto, no Jd. Santa Maria e com o irmão Luis antes dele ficar doente. Informou que o Milton morou com a mãe durante o tempo, antes de residir com o Marcelo. Acredita que o divórcio foi amigável. Às perguntas do advogado do autor, esclareceu que não se lembra de ter visto o Marcelo na casa da Vera, a qual morava com um rapaz e com o filho de 18 anos. Asseverou que não via a Yngrid nas festas paternas, nem os via passeando juntos.

Em 11/04/2012 foi ouvida, como informante, a Sra. Vera Lúcia Boldino, mãe do falecido, a qual afirmou que seu filho, Milton, não era homossexual. Aduziu que, quando faleceu, ele morava com o Marcelo e com ela, que ficava 15 (quinze) dias lá e 15 (quinze) dias em Pedro de Toledo, permanecendo o Milton sozinho com o Marcelo. Aduziu que morou com o Marcelo durante uns 03 (três) anos. Não sabe dizer o que o Milton e o Marcelo eram, porque a respeitavam, mas desconfiava que tinham uma relação amorosa. Esclareceu que o Marcelo era enfermeiro e que o Milton trabalhou na última vez na Coca-Cola. Declarou que eles quase não saíam, mas que os vizinhos e os amigos perguntavam se ela não desconfiava que eles viviam como marido e mulher, ao que ela respondia ser "problema deles". Aduziu que o Marcelo cuidou muito bem do Milton, dando banho, comida na boca, cuidando das feridas nas costas, e que o mesmo foi no velório, no enterro, bem como tirou os ossos para colocar no ossário. Afirmou que o Marcelo acompanhava o Milton no hospital. Ao ser questionada sobre a declaração, datada em 2004, na qual teria afirmado que o casal vivia em concubinato, esclareceu que não se recordava da mesma, embora reconhecesse sua assinatura. Disse ter assinado muitos papéis da Praia Grande, do Guilherme de Toledo, e outros documentos sem ler, os quais eram apresentados pelo Marcelo. Às perguntas do advogado da corré, esclareceu acreditar que o filho não tinha relação porque "não aguentava nem com ele", mas que tinha certeza que viviam juntos, tendo presenciado carinho e preocupação entre eles, que a levava a acreditar que havia algo, embora eles sempre a tivessem respeitado. Instada sobre o relacionamento, mencionou achar que o Marcelo cuidava do Milton como enfermeiro, porque, por conta da doença, não dava para viverem como marido e mulher. Confirmou que o Milton morou na casa da prima da Yara, com a Fátima, achando que foi antes do divórcio. Aduziu que "se o Milton fosse gay não teria tido uma filha bonita como a neta dela". Às perguntas da advogada do autor, afirma que acredita que o Milton e o Marcelo tinham um relacionamento amoroso. Informou ter residido no Toledo antes de morar no Rio Branco. Asseverou que nunca pagou nada para o Marcelo cuidar do Milton, que a casa era do Marcelo e que ela era costureira dele, vindo o Marcelo a morar com o mesmo depois que ela se mudou para a chácara. Ao ser lembrada da declaração do ano de 2004, aduziu que, depois do falecimento do Milton, não lembra do Marcelo ter levado documentos para ela assinar. Esclareceu que no dia de tirar os ossos do Milton, estavam o irmão, a cunhada, os vizinhos próximos, além do Marcelo, não comparecendo a Yara e a Yngrid. Por fim, esclareceu que, enquanto o Milton estava na sua companhia, viu a Yngrid duas vezes, não a vendo mais após o óbito, e que o Marcelo a chamava de "mãe Vera", continuando amiga do mesmo após o falecimento (mídia à fl. 177).

Analisando-se os depoimentos, infere-se, apesar das contradições, que o falecido residiu entre 1995/1996 na casa da depoente Rosângela, entre 1996/1997 na casa da Sra. Fátima e, após 1997 até o óbito, com o autor Marcelo e com sua genitora, Vera, a qual frequentava a casa quinzenalmente.

As testemunhas do autor confirmaram a relação homoafetiva; a Sra. Vera, ouvida como informante, embora tenha dito que seu filho não era homossexual, desconfiava da existência de um relacionamento; o Sr. Oswaldo afirmou que Marcelo e Milton dividiam um quarto, tendo aquele ido ao enterro e ao velório, e a Sra. Fátima aduziu que viu Marcelo na casa da dona Vera no Jd. Rio Branco. Apesar destes dois depoentes terem dito que Marcelo foi apresentado como amigo, as regras de experiência comum, aliadas aos demais elementos de prova, demonstram que a relação entre as partes envolvidas ia além da mera amizade.

Acresça-se que o Sr. Cléber Fagundes descreveu o falecido, asseverando que se parecia muito com a garota que estava na sala de audiências, circunstância confirmada pelas testemunhas Margarete e Oswaldo, o que demonstra que efetivamente conhecia o Sr. Milton.

Saliente-se que, segundo os dizeres de Maria Berenice Dias, "se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo. O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, e as duas pessoas começam a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento se torna uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade familiar. (...) Daí serem a vida em comum e a mútua assistência apontadas como seus elementos caracterizadores. Nada mais do que a prova da presença do enlaçamento de vida, do comprometimento recíproco" (Manual de direito das famílias, 11ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, pg. 246) (grifos no original).

Assim, tendo a Constituição Federal erigido a união estável ao status de entidade familiar e, sendo esta, atualmente, entendida com base nos laços de afetividade, não há como afastar o reconhecimento do instituto no caso em apreço, ante a clara demonstração de afeto, auxílio mútuo, assistência moral e convivência duradoura, pública e contínua.

O autor acolheu o de cujus em sua residência, enfermo, emprestando-lhe os cuidados necessários inerentes e necessários a um final de vida digno.

União estável pressupõe a criação de vínculos familiares duradouros, de cuidado, preocupação e assistência mútuas, compreensão, bem querer e afeto. Convenci-me à saciedade, de que isto existia entre o autor e o falecido. Fraudes e oportunismos, reconheço, não têm aptidão de gerar efeitos jurídicos positivos àqueles envolvidos, mas, repiso, não se evidencia dos autos estas reprováveis situações.

Acresça-se, por oportuno, que, conforme ensinam Daniel Machado da Rocha e José Paulo Baltazar Júnior, "o inciso V do art. 201 da CF consagrou o direito de pensão ao companheiro ou companheira, conceito que sem dúvida é mais amplo do que o de união estável" (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 14ª ed. rev., atual. e ampl.. São Paulo: Atlas, 2016, pg. 113).

Por fim, não há que se falar em ausência de dependência econômica, isto porque há presunção legal (art. 16, §4º, da Lei nº 8.213/91) que só cederia mediante a produção de robusta prova em sentido contrário, que não se vislumbra nos autos.

Assim restou demonstrada a união duradoura, pública e notória com o intuito de constituir família, sendo, como dito, a dependência econômica presumida, nos termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, a qual não foi elidida pelo ente autárquico.

Acerca do termo inicial do benefício, à data do passamento, o art. 74, inciso I, da Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, previa que a pensão era devida a contar da data do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste; do requerimento, quando requerida após referido prazo; ou da decisão judicial, no caso de morte presumida.

Por sua vez, o art. 76 da referida lei, dispõe que: "a concessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação".

No caso, tendo a pensão por morte sido concedida anteriormente à filha do de cujus, e tendo o autor formulado dois requerimentos administrativos, em 03/11/2005 (fl. 11) e 28/03/2007 (fl. 05-verso), ante o lapso temporal havido entre os pleitos naquela seara, de rigor a alteração do termo inicial do benefício fixando-o na data do segundo requerimento, em 28/03/2007, compensando-se os valores eventualmente pagos a título de tutela antecipada concedida na sentença.

A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.

Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.

Quanto aos honorários advocatícios, é inegável que as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária são suportadas por toda a sociedade, razão pela qual a referida verba deve, por imposição legal, ser fixada moderadamente, o que foi observado com o percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença, consoante o verbete da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de apelação do INSS para estabelecer que a correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e que os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, serão fixados de acordo com o mesmo Manual, e dou parcial provimento à remessa necessária, em maior extensão, para alterar o termo inicial do benefício para a data do segundo requerimento administrativo (28/03/2007), compensando-se os valores eventualmente pagos a título de tutela antecipada concedida na sentença.

É como voto.

CARLOS DELGADO
Desembargador Federal


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