Processo
ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2102380 / SP
0036909-48.2011.4.03.6301
Relator(a)
DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
Órgão Julgador
SÉTIMA TURMA
Data do Julgamento
21/10/2019
Data da Publicação/Fonte
e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/11/2019
Ementa
PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA
DOCUMENTAL CORROBORADA POR PROVA ORAL. EX-CÔNJUGE. SEPARAÇÃO DE
FATO ANTES DO ÓBITO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. EXCLUSÃO
DA RELAÇÃO DE DEPENDENTES. POSSIBILIDADE. COMPANHEIRA. REQUISITOS
PREENCHIDOS. RECEBIMENTO DE PRESTAÇÕES ATRASADAS. IMPOSSIBILIDADE.
HABILITAÇÃO TARDIA. VEDAÇÃO AO PAGAMENTO EM DUPLICIDADE. APELAÇÃO DA
CORRÉ DESPROVIDA. REMESSA NECESSÁRIA PARCIALMENTE PROVIDA. SENTENÇA
PARCIALMENTE REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1 - A pensão por morte é regida pela legislação vigente à época do óbito do segurado, por força
do princípio tempus regit actum, encontrando-se regulamentada nos arts. 74 a 79 da Lei nº
8.213/91. Trata-se de benefício previdenciário devido aos dependentes do segurado falecido,
aposentado ou não.
2 - O benefício independe de carência, sendo percuciente para sua concessão: a) a ocorrência
do evento morte; b) a comprovação da condição de dependente do postulante; e c) a
manutenção da qualidade de segurado quando do óbito, salvo na hipótese de o de cujus ter
preenchido em vida os requisitos necessários ao deferimento de qualquer uma das
aposentadorias previstas no Regime Geral de Previdência Social - RGPS.
3- A Lei de Benefícios, no art.16, com a redação dada pela Lei nº 9.032/95, vigente à época dos
óbitos, prevê taxativamente as pessoas que podem ser consideradas dependentes.
4- Já a Lei nº 9.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º da Constituição Federal, dispõe que:
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
"É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um
homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família". Saliente-se que
referido conceito consta da atual redação do §6º do art. 16 do RPS e no art. 1.723 do CC.
5 - O evento morte do Sr. Renato Cruz Souza, ocorrido em 07/07/2010, restou comprovado com
a certidão de óbito (fl. 11). O requisito relativo à qualidade de segurado do de cujus restou
incontroverso, considerando que ele estava em gozo do benefício de auxílio-doença à época do
passamento (fl. 96).
6 - A celeuma diz respeito à alegada união estável entre a autora e o de cujus.
7 - Segundo a narrativa desenvolvida na petição inicial, a autora e o falecido conviveram
maritalmente até a época do passamento, não obstante o de cujus ainda não tivesse
formalmente rompido o vínculo conjugal que estabelecera previamente, em 05/05/1983, com a
corré Maria José dos Santos Souza.
8 - A fim de comprovar a pretensa união estável, foram coligidos, dentre outros, os seguintes
documentos: 1 - boletim de ocorrência realizado pela autora em 07/07/2010, noticiando as
circunstâncias da morte do de cujus na residência do casal (fls. 15/16); 2 - contrato de locação
de imóvel firmado pela autora e ficha de atendimento médico do falecido, preenchida em
08/02/2010, nos quais consta, como domicílio do casal, o mesmo endereço (fls. 17/20 e 29); 3 -
declaração da Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo, noticiando que a autora
acompanhou o falecido em todas as sessões de acupuntura por ele realizadas entre janeiro de
2008 e julho de 2010 (fl. 41); 4 - cartão de conta conjunta bancária mantida pelo falecido e a
autora, juntamente com inúmeros extratos bancários em nome de ambos (fls. 46/51); 5 -
solicitação de documentos médicos do falecido, realizada pela autora em 13/11/2006 (fl. 52); 6 -
fotos do casal tiradas nas dependências de unidade de saúde (fls. 74/77).
9 - Constitui início razoável de prova material os documentos acima apontados, devidamente
corroborados por idônea e segura prova coletada em audiência realizada em 18/03/2014, na
qual foram ouvidas a demandante, a corré, três testemunhas e uma informante (mídia à fl. 242
e transcrição às fls. 254/255-v).
10 - Os relatos são convincentes no sentido de que a corré Maria José já havia se separado de
fato do falecido muito antes da data do óbito, ocorrido em 2010. Na verdade, a robusta prova
documental, corroborada pelos depoimentos das testemunhas, revelou que a Sra. Dirce e o Sr.
Renato conviviam como marido e mulher, em união pública e duradoura, com o intuito de
formarem família, desde 2006 até a época do passamento, sendo a autora presente até os
últimos dias de vida do de cujus na condição de companheira, não havendo nos autos
quaisquer outros elementos que indiquem a inexistência da união estável.
11 - Com efeito, a própria corré admitiu, em seu depoimento pessoal, que o falecido foi morar
com uma "amiga" após ter sido acometido do AVC, quatro anos antes do falecimento. No mais,
não restou comprovada a dependência econômica da corré, tendo em vista que o diminuto valor
do auxílio-financeiro prestado - que, segundo seu próprio depoimento pessoal, consistia em R$
100,00 (cem reais) a partir do momento em que o de cujus ficou doente, em 2006 -, infirma a
tese de que ele era o principal garantidor da subsistência de sua ex-cônjuge.
12 - Portanto, é possível concluir, pela dilação probatória e demais documentos juntados,
mormente pela prova oral, com fundamento nas máximas de experiência, conforme disciplina o
artigo 375, do Código de Processo Civil, que a autora era companheira do falecido no momento
do óbito.
13 - Diante disso, havendo nos autos elementos de convicção que comprovam a união estável
e duradoura entre a demandante e o de cujus, a dependência econômica é presumida, nos
termos do art. 16, § 4º, da Lei nº 8.213/91, e só cederia mediante a produção de robusta prova
em contrário, o que não se observa no caso.
14 - Em decorrência, preenchidos os requisitos para a pensão por morte, a exclusão da corré
como dependente válida do de cujus e o deferimento do beneplácito à demandante é medida
que se impõe.
15 - Entretanto, com relação aos atrasados, verifica-se que a sentença condenou o INSS a
pagá-los à autora desde a data do óbito, ao mesmo tempo em que vedou à Autarquia
Previdenciária exigir a restituição ou a compensação dos valores recebidos pela corré Maria
José.
16 - Trata-se, portanto, da discussão dos efeitos financeiros da pensão por morte para
dependente cuja habilitação ocorre tardiamente, após o reconhecimento de sua união estável
com o de cujus. A matéria está regulada pelo disposto no artigo 76 da Lei 8.213/91.
17 - O benefício de pensão por morte é concedido ao primeiro dependente que formular o
requerimento do benefício, restando aos demais usufruírem de suas cotas-partes apenas a
partir da conclusão de sua habilitação posterior. A finalidade da desburocratização e a
celeridade do processamento do pedido de pensão por morte se deve ao estado de fragilidade
em que se encontram os dependentes do de cujus, em razão da perda recente do ente querido.
18 - No caso concreto, a corré Maria José se habilitou inicialmente para receber a pensão por
morte à época do passamento, ainda que a cognição exauriente ora realizada da relação de
parentesco estabelecida entre ela e o falecido, tenha concluído pela impossibilidade de
enquadrá-la como sua dependente válida, em razão da separação de fato consumada muito
antes da data do óbito e da inexistência de dependência econômica.
19 - Assim, não há como imputar ao INSS a obrigação de pagar novamente valores já
despendidos com a corré Maria José, sob pena de pagar em duplicidade o benefício,
dilapidando o orçamento da Seguridade Social, em detrimento dos interesses de toda a
coletividade. Precedentes.
20 - Apelação da corré Maria José desprovida. Remessa necessária parcialmente provida.
Sentença parcialmente reformada. Ação julgada procedente.
Acórdao
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima
Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à
apelação da corré Maria José e dar parcial provimento à remessa necessária, para afastar o
direito da autora ao recebimento das prestações atrasadas do benefício de pensão por morte,
nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA.
