Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP
0002098-79.2018.4.03.9999
Relator(a)
Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO
Órgão Julgador
7ª Turma
Data do Julgamento
22/04/2021
Data da Publicação/Fonte
e - DJF3 Judicial 1 DATA: 05/05/2021
Ementa
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM.
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE
SEGURADO. CARÊNCIA LEGAL. MATÉRIAS INCONTROVERSAS. ART. 15, I, LEI 8.213/91.
LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE PARCIAL. IDADE AVANÇADA. CIRROSE
MEDICAMENTOSA. HEMORRAGIA ESTOMACAL GRAVE. ANÁLISE DO CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO E HISTÓRICO LABORAL. SÚMULA 47, TNU. PRECEDENTE DO STJ.
INCAPACIDADE ABSOLUTA E PERMANENTE CONFIGURADA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PRETÉRITO. SÚMULA 576,
STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO.
TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DISTRIBUÍDOS
PROPORCIONALMENTE ENTRE AS PARTES. SÚMULA 111, STJ. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - O apelo cinge-se apenas ao pedido de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, nada
discorrendo sobre a indenização por danos morais. Portanto, somente a primeira pretensão será
analisada por esta Egrégia Turma, em observância ao princípio do "tantum devolutum quantum
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos
apellatum", consubstanciado no art. 1.013 do CPC.
2 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
3 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
9 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 06 de abril de 2016 (ID 100928556, p. 162-174), quando o demandante
possuía 53 (cinquenta e três) anos, consignou o seguinte: "De acordo com os dados obtidos na
perícia médica, o periciando é portador de doença ortopédica de caráter crônico degenerativo de
longa evolução, caracterizada por osteoartrose e osteofitose do segmento lombossacro da coluna
vertebral, sempre tratada de maneira conservadora através do uso de medicação analgésica e
anti-inflamatória e reabilitação fisioterápica. O autor também apresenta diabetes mellitus de longa
evolução, incialmente tratada apenas com o uso de medicação hipoglicemiante oral, mas com
necessidade de introdução de insulina há cerca de 2 anos, devido à dificuldade de controle
glicêmico. Além disso, há aproximadamente 2 anos e 8 meses, o autor foi afastado de suas
atividades laborativa devido à episódio de hemorragia digestiva alta, ocasião em que houve
necessidade de internação hospitalar para investigação e tratamento especializado. Após a
realização de exames complementares foi confirmada uma cirrose hepática com consequentes
varizes de esôfago hemorrágicas e esplenomegalia, com etiologia possível de hepatite
medicamentosa. Secundariamente, o periciando evoluiu com anemia ferropriva (carência de
ferro), tratada através da infusão endovenosa periódica de ferro. Dessa forma, fica caracterizada
uma incapacidade laborativa parcial e permanente, com restrições para a realização de atividades
que demandem esforço físico, especialmente pela doença hepática, mas também em função da
moléstia ortopédica com acometimento da coluna vertebral. Há restrições para a função habitual,
podendo o autor ser readaptado em função compatível com suas limitações". Por fim, fixou a DII
em meados de 2013.
10 - Ainda que o laudo pericial tenha apontado pela incapacidade parcial do requerente, se
afigura pouco crível que, quem sempre trabalhou em serviços braçais (“serviços diversos”,
“auxiliar de serviços gerais”, “trabalhador braçal”, “pintor”, “revisor de tecido”, “lubrificador” e
“serviçal” - CTPS apresentada ao expert), sofrendo de mal hepático grave, e que conta, hoje, com
pouco menos de 60 (sessenta) anos de idade, vá conseguir, após reabilitação, capacitação e
treinamento, recolocação profissional em outras funções.
11 - O autor, frisa-se, estudou apenas até o 5º ano do ensino fundamental.
12 - Em suma, tem-se que o demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação
para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude do seu
contexto socioeconômico, histórico laboral e das patologias de que é portador, o que enseja a
concessão de aposentadoria por invalidez.
13 - Análise do contexto social e econômico, com base na Súmula 47 da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data
de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010.
14 - Restaram incontroversos os requisitos atinentes à qualidade de segurado do autor e o
cumprimento da carência legal, eis que a presente ação visa o restabelecimento de benefício de
auxílio-doença (NB: 605.499.849-1), e posterior conversão em aposentadoria por invalidez, de
modo que o ponto controvertido restringe-se a alta médica dada pelo INSS em 19.08.2014 (ID
100928556, p. 20). Neste momento, portanto, inegável que o requerente era segurado da
Previdência Social, e havia cumprido a carência, nos exatos termos do art. 15, I, da Lei 8.213/91.
15 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do
auxílio-doença precedente (NB: 605.499.849-1), a DIB da aposentadoria por invalidez deve ser
fixada no momento do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do
requerimento (DER) até a sua cessação (19.08.2014 - ID 100928556, p. 20), o autor efetivamente
estava protegido pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
16 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
17 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
18 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente".
19 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
20 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
21 - Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
devidas até a sentença (Súmula 111, STJ) e distribuídos proporcionalmente entre as partes
sucumbentes, nos termos dos artigos 85, §§2º e 3º, e 86, ambos do Código de Processo Civil.
22 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente
procedente. Tutela específica concedida.
Acórdao
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002098-79.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOAO MARCIO DE ABREU
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALBERTO MARTINS - SP302561-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002098-79.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOAO MARCIO DE ABREU
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALBERTO MARTINS - SP302561-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
R E L A T Ó R I O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
Trata-se de apelação interposta por JOAO MÁRCIO DE ABREU, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando o restabelecimento de
benefício de auxílio-doença e, caso preenchidas as condições legais, sua conversão em
aposentadoria por invalidez, bem como indenização por dano moral.
A r. sentença julgou improcedente o pedido. Condenada a parte autora no ressarcimento das
despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como nos honorários
advocatícios, ficando a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos, desde que inalterada a situação
de insuficiência de recursos que fundamentou a concessão dos benefícios da assistência
judiciária gratuita, a teor do disposto nos arts. 11, §2º, e 12, ambos da Lei nº 1.060/50,
reproduzidos pelo §3º do art. 98 do CPC (ID 100928556, p. 191-192).
Em razões recursais, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que
preenche os requisitos para a concessão dos benefícios ora vindicados (ID 100928556, p. 197-
202).
Sem contrarrazões.
Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.
É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0002098-79.2018.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOAO MARCIO DE ABREU
Advogado do(a) APELANTE: CARLOS ALBERTO MARTINS - SP302561-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):
De início, ressalto que o apelo cinge-se apenas ao pedido de aposentadoria por invalidez ou
auxílio-doença, nada discorrendo sobre a indenização por danos morais.
Portanto, somente a primeira pretensão será analisada por esta Egrégia Turma, em observância
ao princípio do "tantum devolutum quantum apellatum", consubstanciado no art. 1.013 do CPC.
Passo à análise do mérito.
A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de aposentadoria
por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de carência mínimo
exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio-doença,
for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe
garanta a subsistência.
Ao passo que o auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o
caso, o tempo supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou
ocupação habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
No entanto, independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de
acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao
segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das
moléstias elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
Cumpre salientar que, a patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime
não impede o deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou
agravamento da moléstia.
Ademais, é necessário, para o implemento dos beneplácitos em tela, revestir-se do atributo de
segurado, cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar
todos os direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina
denominou "período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos
termos do art. 15 da Lei de Benefícios.
É de se observar, ainda, que o §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
Por sua vez, o § 2º estabelece que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será
acrescido de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa
situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Por fim, saliente-se que, havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a
partir da nova filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas
para o cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença
e aposentadoria por invalidez.
Do caso concreto.
No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 06 de abril de 2016 (ID 100928556, p. 162-174), quando o demandante
possuía 53 (cinquenta e três) anos, consignou o seguinte:
"De acordo com os dados obtidos na perícia médica, o periciando é portador de doença
ortopédica de caráter crônico degenerativo de longa evolução, caracterizada por osteoartrose e
osteofitose do segmento lombossacro da coluna vertebral, sempre tratada de maneira
conservadora através do uso de medicação analgésica e anti-inflamatória e reabilitação
fisioterápica.
O autor também apresenta diabetes mellitus de longa evolução, incialmente tratada apenas com
o uso de medicação hipoglicemiante oral, mas com necessidade de introdução de insulina há
cerca de 2 anos, devido à dificuldade de controle glicêmico.
Além disso, há aproximadamente 2 anos e 8 meses, o autor foi afastado de suas atividades
laborativa devido à episódio de hemorragia digestiva alta, ocasião em que houve necessidade de
internação hospitalar para investigação e tratamento especializado.
Após a realização de exames complementares foi confirmada uma cirrose hepática com
consequentes varizes de esôfago hemorrágicas e esplenomegalia, com etiologia possível de
hepatite medicamentosa.
Secundariamente, o periciando evoluiu com anemia ferropriva (carência de ferro), tratada através
da infusão endovenosa periódica de ferro.
Dessa forma, fica caracterizada uma incapacidade laborativa parcial e permanente, com
restrições para a realização de atividades que demandem esforço físico, especialmente pela
doença hepática, mas também em função da moléstia ortopédica com acometimento da coluna
vertebral.
Há restrições para a função habitual, podendo o autor ser readaptado em função compatível com
suas limitações".
Por fim, fixou a DII em meados de 2013.
Ainda que o laudo pericial tenha apontado pela incapacidade parcial do requerente, se me afigura
pouco crível que, quem sempre trabalhou em serviços braçais (“serviços diversos”, “auxiliar de
serviços gerais”, “trabalhador braçal”, “pintor”, “revisor de tecido”, “lubrificador” e “serviçal” - CTPS
apresentada ao expert), sofrendo de mal hepático grave, e que conta, hoje, com pouco menos de
60 (sessenta) anos de idade, vá conseguir, após reabilitação, capacitação e treinamento,
recolocação profissional em outras funções.
O autor, frisa-se, estudou apenas até o 5º ano do ensino fundamental.
Nessa senda, cumpre transcrever o enunciado da Súmula 47, da TNU - Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais:
"Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições
pessoais e sociais do segurado para a concessão do de aposentadoria por invalidez".
Corroborado pela jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. REEXAME. PROVA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. 1. Segundo a jurisprudência deste Colegiado, é possível
a verificação do contexto socioeconômico do segurado com a finalidade de concessão da
aposentadoria por invalidez sem ofensa à norma do art. 42 da Lei de Benefícios. 2. A inversão do
decidido pelas instâncias ordinária demanda o revolvimento do contexto fático dos autos e desafia
a Súmula n. 7/STJ. Precedente da egrégia Terceira Seção. 3. Agravo regimental improvido. (STJ
- AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de
Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010)"
Em suma, tenho que o demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação para o
exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude do seu contexto
socioeconômico, histórico laboral e das patologias de que é portador, o que enseja a concessão
de aposentadoria por invalidez.
Restaram incontroversos os requisitos atinentes à qualidade de segurado do autor e o
cumprimento da carência legal, eis que a presente ação visa o restabelecimento de benefício de
auxílio-doença (NB: 605.499.849-1), e posterior conversão em aposentadoria por invalidez, de
modo que o ponto controvertido restringe-se a alta médica dada pelo INSS em 19.08.2014 (ID
100928556, p. 20). Neste momento, portanto, inegável que o requerente era segurado da
Previdência Social, e havia cumprido a carência, nos exatos termos do art. 15, I, da Lei 8.213/91.
Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá
na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ).
Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do auxílio-doença
precedente (NB: 605.499.849-1), a DIB da aposentadoria por invalidez deve ser fixada no
momento do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do requerimento
(DER) até a sua cessação (19.08.2014 - ID 100928556, p. 20), o autor efetivamente estava
protegido pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
Passo à análise da questão envolvendo o trabalho da parte autora no período em que
reconhecida a incapacidade laborativa, com o desdobramento no pagamento das parcelas em
atraso.
Não há dúvida que os benefícios por incapacidade servem justamente para suprir a ausência da
remuneração do segurado que tem sua força de trabalho comprometida e não consegue exercer
suas ocupações profissionais habituais, em razão de incapacidade temporária ou definitiva. Assim
como não se questiona o fato de que o exercício de atividade remunerada, após a implantação de
tais benefícios, implica na sua imediata cessação. E os princípios que dão sustentação ao
raciocínio são justamente os da vedação ao enriquecimento ilícito e da coibição de má-fé do
segurado. É, inclusive, o que deixou expresso o legislador no art. 46 da Lei nº 8.213/91, em
relação à aposentadoria por invalidez.
Completamente diferente, entretanto, é a situação do segurado que se vê compelido a ter de
ingressar em juízo, diante da negativa da autarquia previdenciária em manter benefício
previdenciário, por considerar ausente algum dos requisitos necessários. Ora, havendo pretensão
resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra alternativa não lhe
resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da situação
incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé e, muito
menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada mais é
do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano. Realmente
é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do segurado
fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado ou, então,
para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização patrimonial daquele
que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo reparado, viu sua legítima
pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário processual.
Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado, com a impossibilidade
de concessão de benefício judicialmente, em virtude de suposta ausência de incapacidade. Até
porque, nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
Neste sentido já decidiu esta Corte, conforme arestos a seguir reproduzidos:
"DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. APOSENTADORIA
POR INVALIDEZ. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORATIVA APÓS A CESSAÇÃO DO
AUXÍLIO-DOENÇA. DESCONTO DOS VALORES NO PERÍODO DO SUPOSTO TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE. LEI 11.960/09. APLICAÇÃO COM RELAÇÃO À CORREÇÃO MONETÁRIA.
AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O fato da autora ter trabalhado ou voltado a trabalhar,
por si só, não significa que tenha recuperado a capacidade laborativa, uma vez que pode tê-lo
feito por razão de extrema necessidade e de sobrevivência, ainda mais se tratando de empregada
doméstica, não obstante incapacitada para tal. 2. A autora, que deveria ter sido aposentada por
invalidez, porém continuou a contribuir após referido período, em função de indevida negativa do
benefício pelo INSS, não pode ser penalizada com o desconto dos salários-de-contribuição sobre
os quais verteu contribuições, pois, se buscou atividade remunerada, por falta de alternativa, para
o próprio sustento, em que pese a incapacidade laborativa, no período em que a autarquia opôs-
se ilegalmente ao seu direito, não cabe ao INSS tirar proveito de sua própria conduta. 3. No que
tange à correção monetária, devem ser aplicados os índices oficiais de remuneração básica, a
partir da vigência da Lei 11.960/09. 4. Agravo parcialmente provido." (AC 0036499-
51.2011.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Baptista Pereira, j. 05/02/2013, e-DJF3 Judicial 1
DATA:15/02/2013)".
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AUXÍLIO-DOENÇA. MATÉRIA PRELIMINAR.
ESPERA PELA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO À ATIVIDADE
LABORATIVA. POSSIBILIDADE DE PERCEPÇÃO CONJUNTA DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE E SALÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA.
VALORAÇÃO DE TODAS AS PROVAS ACOSTADOS AOS AUTOS SUBJACENTES. ERRO
FATO. INEXISTÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
I - A matéria preliminar confunde-se com o mérito e com ele será examinada.
II - Há que prevalecer o entendimento já adotado na 10ª Turma, no sentido de que comprovada a
incapacidade laborativa e não tendo sido concedida tutela para implantação do benefício, não se
justifica a exclusão do período em que o segurado, mesmo tendo direito ao benefício, teve que
trabalhar para garantir a sua subsistência, já que não é razoável que se exija que o segurado
tenha recursos para se manter até que o seu feito seja julgado.
III - Malgrado o ora réu tenha exercido atividade remunerada desde o termo inicial do benefício de
auxílio-doença fixado pela r. decisão rescindenda (05.02.2006) até agosto de 2011, conforme
extrato do CNIS acostado aos autos, cabe ponderar que este havia sido contemplado com
benefício de auxílio-doença nos períodos de 25.06.2004 a 04.07.2005, de 16.10.2005 a
30.11.2005 e de 25.01.2006 a 05.02.2006, havendo, ainda, documentos médicos apontando a
ocorrência da mesma enfermidade constatada pela perícia oficial (epicondilite lateral do cotovelo
direito) desde agosto de 2004. Assim sendo, é razoável inferir que o ora réu teve que buscar o
mercado de trabalho mesmo sem plenas condições físicas para tal.
IV - A r. decisão rescindenda apreciou o conjunto probatório em sua inteireza, segundo o princípio
da livre convicção motivada, tendo concluído pela existência de incapacidade parcial e temporária
do réu para o trabalho, a ensejar a concessão do benefício de auxílio-doença.
V - Não se admitiu um fato inexistente ou se considerou inexistente um fato efetivamente
ocorrido, pois foram consideradas as provas acostadas aos autos originários, com
pronunciamento judicial sobre o tema, mesmo porque não constava das peças que compuseram
os aludidos autos o extrato de CNIS indicando a manutenção de atividade laborativa após a
cessação do benefício de auxílio-doença concedido na esfera administrativa.
VI - Honorários advocatícios arbitrados em R$ 700,00 (setecentos reais) a serem suportados pelo
INSS.
VII - Preliminar rejeitada. Ação rescisória cujo pedido se julga improcedente."
(AR nº 0019784-55.2011.4.03.0000, Rel. Des. Federal Sérgio Nascimento, 3ª Seção, e-DJF3
18/11/2013)”.
A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva, fixou a “Tese nº 1.013”, quando do julgamento do
Recurso Especial nº 1.786.590/SP, ocorrido em 24.06.2020, com o seguinte teor:
“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou de
aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente."
A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de
Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.
Sagrou-se vitorioso o requerente ao ver reconhecido o seu direito ao benefício de aposentadoria
por invalidez. Por outro lado, foi negada a pretensão relativa à indenização por danos morais,
restando vencedora nesse ponto a autarquia (questão já definida pelo juízo de 1º grau, haja vista
a ausência de impugnação do demandante).
Desta feita, nos termos dos artigos 85, §§2º e 3º, e 86, ambos do Código de Processo Civil, os
honorários advocatícios, ora arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
devidas até a sentença (Súmula 111, STJ), serão distribuídos entre as partes sucumbentes, na
seguinte proporção: 50% (cinquenta por cento) em favor do patrono da autarquia e 50%
(cinquenta por cento) em favor do patrono da parte autora.
Em relação à parte autora, havendo a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita,
a teor do disposto no §3º do artigo 98 do CPC, ficará a exigibilidade suspensa por 5 (cinco) anos,
desde que inalterada a situação de insuficiência de recursos que a fundamentou.
Por derradeiro, a hipótese da ação comporta a outorga de tutela específica nos moldes do art.
497 do Código de Processo Civil. Dessa forma, em atenção a expresso requerimento da parte
autora, visando assegurar o resultado concreto buscado na demanda e a eficiência da prestação
jurisdicional, independentemente do trânsito em julgado, determino seja enviado e-mail ao INSS -
Instituto Nacional do Seguro Social, instruído com os documentos da parte autora, a fim de serem
adotadas as providências cabíveis ao cumprimento desta decisão, para a implantação do
benefício no prazo máximo de 20 (vinte) dias.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para julgar parcialmente procedente o
pedido e, com isso, condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados de
aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, ocorrida em
19.08.2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação
da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do IPCA-E, e
juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual, além de
distribuir proporcionalmente os honorários advocatícios entre as partes (metade para cada), ora
arbitrados na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da
prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, deferindo-se, por fim, a antecipação dos efeitos da
tutela.
É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DO TANTUM DEVOLUTUM QUANTUM APELLATUM.
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. QUALIDADE DE
SEGURADO. CARÊNCIA LEGAL. MATÉRIAS INCONTROVERSAS. ART. 15, I, LEI 8.213/91.
LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE PARCIAL. IDADE AVANÇADA. CIRROSE
MEDICAMENTOSA. HEMORRAGIA ESTOMACAL GRAVE. ANÁLISE DO CONTEXTO
SOCIOECONÔMICO E HISTÓRICO LABORAL. SÚMULA 47, TNU. PRECEDENTE DO STJ.
INCAPACIDADE ABSOLUTA E PERMANENTE CONFIGURADA. APOSENTADORIA POR
INVALIDEZ DEVIDA. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PRETÉRITO. SÚMULA 576,
STJ. PERMANÊNCIA NO TRABALHO APESAR DA INCAPACIDADE. ESTADO DE
NECESSIDADE. SOBREVIVÊNCIA. DESDOBRAMENTO DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
VIDA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DESCONTO. DESCABIMENTO.
TEMA REPETITIVO Nº 1.013/STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DISTRIBUÍDOS
PROPORCIONALMENTE ENTRE AS PARTES. SÚMULA 111, STJ. APELAÇÃO DA PARTE
AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE
PROCEDENTE. TUTELA ESPECÍFICA CONCEDIDA.
1 - O apelo cinge-se apenas ao pedido de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, nada
discorrendo sobre a indenização por danos morais. Portanto, somente a primeira pretensão será
analisada por esta Egrégia Turma, em observância ao princípio do "tantum devolutum quantum
apellatum", consubstanciado no art. 1.013 do CPC.
2 - A cobertura da incapacidade está assegurada no art. 201, I, da Constituição Federal.
3 - Preconiza a Lei nº 8.213/91, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário de
aposentadoria por invalidez será devido ao segurado que, cumprido, em regra, o período de
carência mínimo exigido, qual seja, 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de
auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da
atividade que lhe garanta a subsistência.
4 - O auxílio-doença é direito daquele filiado à Previdência que tiver atingido, se o caso, o tempo
supramencionado, e for considerado temporariamente inapto para o seu labor ou ocupação
habitual, por mais de 15 (quinze) dias consecutivos (arts. 59 a 63 da legis).
5 - Independe de carência a concessão dos referidos benefícios nas hipóteses de acidente de
qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que,
após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social - RGPS, for acometido das moléstias
elencadas taxativamente no art. 151 da Lei 8.213/91.
6 - A patologia ou a lesão que já portara o trabalhador ao ingressar no Regime não impede o
deferimento dos benefícios, se tiver decorrida a inaptidão por progressão ou agravamento da
moléstia.
7 - Para o implemento dos beneplácitos em tela, necessário revestir-se do atributo de segurado,
cuja mantença se dá, mesmo sem recolher as contribuições, àquele que conservar todos os
direitos perante a Previdência Social durante um lapso variável, a que a doutrina denominou
"período de graça", conforme o tipo de filiado e a situação em que se encontra, nos termos do art.
15 da Lei de Benefícios. O §1º do artigo em questão prorroga por 24 (vinte e quatro) meses o
lapso de graça constante no inciso II aos que contribuíram por mais de 120 (cento e vinte) meses,
sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado. Por sua vez, o § 2º estabelece
que o denominado "período de graça" do inciso II ou do § 1º será acrescido de 12 (doze) meses
para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão
próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
8 - Havendo a perda da mencionada qualidade, o segurado deverá contar, a partir da nova
filiação à Previdência Social, com um número mínimo de contribuições exigidas para o
cumprimento da carência estabelecida para a concessão dos benefícios de auxílio-doença e
aposentadoria por invalidez.
9 - No que tange à incapacidade, o profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em
exame realizado em 06 de abril de 2016 (ID 100928556, p. 162-174), quando o demandante
possuía 53 (cinquenta e três) anos, consignou o seguinte: "De acordo com os dados obtidos na
perícia médica, o periciando é portador de doença ortopédica de caráter crônico degenerativo de
longa evolução, caracterizada por osteoartrose e osteofitose do segmento lombossacro da coluna
vertebral, sempre tratada de maneira conservadora através do uso de medicação analgésica e
anti-inflamatória e reabilitação fisioterápica. O autor também apresenta diabetes mellitus de longa
evolução, incialmente tratada apenas com o uso de medicação hipoglicemiante oral, mas com
necessidade de introdução de insulina há cerca de 2 anos, devido à dificuldade de controle
glicêmico. Além disso, há aproximadamente 2 anos e 8 meses, o autor foi afastado de suas
atividades laborativa devido à episódio de hemorragia digestiva alta, ocasião em que houve
necessidade de internação hospitalar para investigação e tratamento especializado. Após a
realização de exames complementares foi confirmada uma cirrose hepática com consequentes
varizes de esôfago hemorrágicas e esplenomegalia, com etiologia possível de hepatite
medicamentosa. Secundariamente, o periciando evoluiu com anemia ferropriva (carência de
ferro), tratada através da infusão endovenosa periódica de ferro. Dessa forma, fica caracterizada
uma incapacidade laborativa parcial e permanente, com restrições para a realização de atividades
que demandem esforço físico, especialmente pela doença hepática, mas também em função da
moléstia ortopédica com acometimento da coluna vertebral. Há restrições para a função habitual,
podendo o autor ser readaptado em função compatível com suas limitações". Por fim, fixou a DII
em meados de 2013.
10 - Ainda que o laudo pericial tenha apontado pela incapacidade parcial do requerente, se
afigura pouco crível que, quem sempre trabalhou em serviços braçais (“serviços diversos”,
“auxiliar de serviços gerais”, “trabalhador braçal”, “pintor”, “revisor de tecido”, “lubrificador” e
“serviçal” - CTPS apresentada ao expert), sofrendo de mal hepático grave, e que conta, hoje, com
pouco menos de 60 (sessenta) anos de idade, vá conseguir, após reabilitação, capacitação e
treinamento, recolocação profissional em outras funções.
11 - O autor, frisa-se, estudou apenas até o 5º ano do ensino fundamental.
12 - Em suma, tem-se que o demandante é incapaz e totalmente insusceptível de reabilitação
para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência, sobretudo, em virtude do seu
contexto socioeconômico, histórico laboral e das patologias de que é portador, o que enseja a
concessão de aposentadoria por invalidez.
13 - Análise do contexto social e econômico, com base na Súmula 47 da Turma Nacional de
Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça: STJ - AgRg no Ag: 1270388 PR 2010/0010566-9, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data
de Julgamento: 29/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/05/2010.
14 - Restaram incontroversos os requisitos atinentes à qualidade de segurado do autor e o
cumprimento da carência legal, eis que a presente ação visa o restabelecimento de benefício de
auxílio-doença (NB: 605.499.849-1), e posterior conversão em aposentadoria por invalidez, de
modo que o ponto controvertido restringe-se a alta médica dada pelo INSS em 19.08.2014 (ID
100928556, p. 20). Neste momento, portanto, inegável que o requerente era segurado da
Previdência Social, e havia cumprido a carência, nos exatos termos do art. 15, I, da Lei 8.213/91.
15 - Acerca do termo inicial do benefício (DIB), firmou-se consenso na jurisprudência que este se
dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência
(Súmula 576 do STJ). Tendo em vista a persistência da incapacidade, quando da cessação do
auxílio-doença precedente (NB: 605.499.849-1), a DIB da aposentadoria por invalidez deve ser
fixada no momento do cancelamento indevido daquele, já que desde a data de entrada do
requerimento (DER) até a sua cessação (19.08.2014 - ID 100928556, p. 20), o autor efetivamente
estava protegido pelo Sistema da Seguridade Social, percebendo benefício previdenciário.
16 - Descabe o abatimento, sobre as parcelas devidas, do período em que o segurado manteve
vínculo empregatício ou verteu recolhimentos na condição de contribuinte individual. Ora,
havendo pretensão resistida e enquanto não acolhido o pleito do jurisdicionado, é óbvio que outra
alternativa não lhe resta, senão a de se sacrificar, inclusive com possibilidade de agravamento da
situação incapacitante, como única maneira de prover o próprio sustento. Isto não configura má-fé
e, muito menos, enriquecimento ilícito. A ocorrência denomina-se estado de necessidade e nada
mais é do que desdobramento dos direitos constitucionais à vida e dignidade do ser humano.
Realmente é intrigante a postura do INSS porque, ao que tudo indica, pretende que o sustento do
segurado fosse provido de forma divina, transferindo responsabilidade sua para o incapacitado
ou, então, para alguma entidade que deve reputar sacra. Pugna pela responsabilização
patrimonial daquele que teve seu direito violado, necessitou de tutela jurisdicional para tê-lo
reparado, viu sua legítima pretensão ser resistida até o fim e teve de suportar o calvário
processual.
17 - Premido a laborar, diante do direito vilipendiado e da necessidade de sobrevivência, com
recolhimentos ao RGPS, não se pode admitir a penalização do segurado com o desconto dos
valores do benefício devido no período em que perdurou o contrato de trabalho. Até porque,
nessas circunstâncias, tal raciocínio serviria de estímulo ao mercado informal de trabalho,
absolutamente censurável e ofensivo à dignidade do trabalhador, eis que completamente à
margem da fiscalização estatal, o que implicaria, inclusive, em prejuízo ao erário e ao custeio do
regime.
18 - A confirmar tal entendimento, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso
representativo de controvérsia repetitiva (REsp nº 1.786.590/SP, Relator Ministro Herman
Benjamin, 1ª Seção, j. 24/06/2020, DJe 01/07/2020), fixou a “Tese nº 1.013” com o seguinte
teor:“No período entre o indeferimento administrativo e a efetiva implantação de auxílio-doença ou
de aposentadoria por invalidez, mediante decisão judicial, o segurado do RPGS tem direito ao
recebimento conjunto das rendas do trabalho exercido, ainda que incompatível com sua
incapacidade laboral, e do respectivo benefício previdenciário pago retroativamente".
19 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
20 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
21 - Honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas
devidas até a sentença (Súmula 111, STJ) e distribuídos proporcionalmente entre as partes
sucumbentes, nos termos dos artigos 85, §§2º e 3º, e 86, ambos do Código de Processo Civil.
22 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente
procedente. Tutela específica concedida. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora para julgar parcialmente
procedente o pedido e, com isso, condenar o INSS na concessão e no pagamento dos atrasados
de aposentadoria por invalidez, desde a data da cessação de auxílio-doença pretérito, ocorrida
em 19.08.2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá correção monetária de acordo com
o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a
promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos índices de variação do
IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo com o mesmo Manual,
além de distribuir proporcionalmente os honorários advocatícios entre as partes (metade para
cada), ora arbitrados na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a
data da prolação da sentença de 1º grau de jurisdição, deferindo-se, por fim, a antecipação dos
efeitos da tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Resumo Estruturado
VIDE EMENTA
