
8ª Turma
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003770-88.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: DEOCLECIANO DONIZETI CONCEICAO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DEOCLECIANO DONIZETI CONCEICAO
Advogado do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003770-88.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: DEOCLECIANO DONIZETI CONCEICAO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DEOCLECIANO DONIZETI CONCEICAO
Advogado do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
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R E L A T Ó R I O
Demanda proposta objetivando a declaração da prestação de serviço urbano entre 1/1/1970 a 15/3/1977 e o reconhecimento de atividades laborais como especiais, exercidas nos períodos de 16/3/1977 a 30/6/1982, de 1/7/1982 a 31/3/1988 e de 1/3/1988 a 30/1/1988, bem como a consequente certidão de tempo de contribuição.
O juízo a quo julgou procedente a ação, “para determinar ao INSS que (1) considere que a parte autora, nos períodos de 16.03.1977 a 30.06.1982, 01.07.1982 a 31.01.1988 e 01.03.1988 a 30.01.1988 exerceu atividades sob condições especiais (2) acresça tais tempos aos demais tempos especiais eventualmente já reconhecidos em sede administrativa e (3) reconheça que a parte autora desenvolveu trabalho urbano no período de 01.01.1970 a 15.03.1977, devendo a autarquia proceder à devida averbação, bem como expedir a CTC para os devidos fins previdenciários”.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados, deixando-se consignado que houve reconhecimento da especialidade dos períodos de 16/3/1977 a 30/6/1982, 1/7/1982 a 31/1/1988 e 1/3/1988 a 30/1/1993 e que o período de 1/9/1997 a 11/3/2003 não fez parte do pedido veiculado pelo autor.
O INSS apela pela improcedência do pedido, sustentando que não há qualquer início de prova material para o período requerido de reconhecimento de tempo de serviço de 1970 a 1977 e que o nível de ruído a que estaria exposto o autor em relação aos demais períodos não está comprovadamente acima do previsto pela legislação.
A parte autora apela para requerer o reconhecimento da especialidade do período de 1/9/1997 a 11/3/2003, argumentando que fez parte do objeto da ação.
Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0003770-88.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 27 - DES. FED. THEREZINHA CAZERTA
APELANTE: DEOCLECIANO DONIZETI CONCEICAO, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogado do(a) APELANTE: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, DEOCLECIANO DONIZETI CONCEICAO
Advogado do(a) APELADO: HILARIO BOCCHI JUNIOR - SP90916-A
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V O T O
Inicialmente, esclareça-se não ser caso de se ter submetida a decisão de 1.º grau ao reexame necessário, considerando o disposto no art. 496, § 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil, que afasta a exigência do duplo grau de jurisdição quando a condenação ou o proveito econômico for inferior a 1.000 salários mínimos.
Tempestivos os recursos e presentes os demais requisitos de admissibilidade, passa-se ao exame da insurgência propriamente dita, considerando-se a matéria objeto de devolução.
RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO URBANO
O art. 55, § 3.º, da Lei n.° 8.213/91, dispõe sobre a obrigatoriedade de início de prova documental para a comprovação de tempo de serviço, para fins previdenciários, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal, a qual, por si só, não é válida à demonstração do desempenho do trabalho tido como realizado.
Configurada a relação empregatícia, compete à empresa arrecadar as contribuições previdenciárias dos segurados empregados a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração e repassando-as ao INSS, a que incumbe a fiscalização do devido recolhimento (obrigação prevista no art. 79, I, da Lei nº 3.087/60, mantida pela legislação posterior e atualmente prevista no art. 30, I, a, da Lei nº 8.212/91). O empregado não pode ser prejudicado por eventual desídia do empregador e da autarquia, se estes não cumpriram as obrigações que lhes eram imputadas.
Descaracterizada a existência de vínculo empregatício, como por exemplo, no caso do contribuinte individual, o aproveitamento do tempo de serviço depende da comprovação do exercício da atividade e do recolhimento das contribuições previdenciárias pertinentes. O sistema previdenciário é contraprestacional e nesses casos, os períodos correlatos só poderão ser computados mediante prova da indenização, nos termos do artigo 96, IV, da LBPS e artigos 30, II, e 45-A da Lei de Custeio.
RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL
O Decreto n.º 4.827/2003 alterou o disposto no art. 70 do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/1999, para estabelecer que a caracterização e a comprovação do tempo de atividade sob condições especiais obedecerão ao disposto na legislação em vigor na época da prestação do serviço.
Para a concessão da aposentadoria especial exigia-se, desde a Lei Orgânica da Previdência Social de 1960, o trabalho do segurado durante, ao menos, 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade profissional, em serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos, a serem assim definidos por Decreto do Chefe do Poder Executivo.
A Lei n.º 8.213/91, em seus arts. 57 e 58, conservou o arquétipo legislativo originário, dispondo que a relação de atividades profissionais prejudiciais à saúde ou à integridade física seria objeto de lei própria.
O campo de aplicação dos agentes nocivos associava-se ao serviço prestado e, para a concessão da aposentadoria especial, era suficiente que o segurado comprovasse o exercício das funções listadas nos anexos trazidos pela lei. O rol de agentes nocivos era exaustivo, mas exemplificativas as atividades listadas sujeitas à exposição pelo segurado, constantes dos anexos dos Decretos n.º 53.831/64 e n.º 83.080/79. Perícia judicial era admitida para constatar que a atividade profissional do segurado, não inscrita nos anexos, classificava-se em perigosa, insalubre ou penosa (Súmula 198 do Tribunal Federal de Recursos).
A Lei n.º 9.032, de 28/4/1995, alterou o modelo até então vigente.
Na redação original, o art. 57 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a aposentadoria especial seria devida ao segurado que tiver trabalhado (...), conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. A Lei n.º 9.032/95, ao conferir nova redação ao referido dispositivo legal, estatuiu que a aposentadoria especial será devida (...) ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (...), conforme dispuser a lei.
O simples enquadramento da atividade profissional, conforme o disposto nos anexos do decreto regulamentador - isto é, a concessão da aposentadoria especial com base na presunção de que determinada categoria estaria sujeita a certo e correspondente agente nocivo - não mais era bastante. O segurado deveria comprovar que estava, realmente, exposto a agentes insalubres, penosos ou perigosos. E tal comprovação foi organizada pelo INSS por meio de formulário próprio, o SB 40 – ou, posteriormente, o DSS 8030.
As alterações impostas pela Lei n.º 9.032/95 somente alcançaram eficácia plena com o advento da MP n.º 1.523/96, convertida na Lei n.º 9.528, de 10/12/1997, que sacramentou a necessidade de efetiva exposição a agentes nocivos, prova a ser feita por meio de formulário e laudo. E o Poder Executivo definiu a relação dos agentes nocivos por meio do Decreto n.º 2.172/1997.
Por essa razão, exigia que, a partir de 14/10/1996, data que entrou em vigor a MP n.º 1.523/96, a comprovação do exercício da atividade em condições especiais se desse por meio de laudo técnico.
Contudo considerando o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça por ocasião do julgamento de Incidente de Uniformização de Jurisprudência (Petição n.º 9.194, Primeira Seção, Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, DJe 3/6/2014), adiro à compreensão de que a exigência da apresentação do laudo técnico, para fins de caracterização da atividade especial, somente é necessária a partir de 6/3/1997, data da publicação do Decreto n.º 2.172/97.
O Decreto n.º 3.048/99, em seu art. 68, com a redação dada pelo Decreto n.º 4.032/2001, instituiu na legislação pátria o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP, dispondo que a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário denominado perfil profissiográfico previdenciário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
A exigibilidade da elaboração do Perfil Profissiográfico Previdenciário foi mantida pela legislação sucedânea (art. 148 da Instrução Normativa INSS/DC n.º 84, de 17/12/2002), sendo obrigatório, para fins de validade, que dele conste a identificação do profissional responsável pela elaboração do laudo técnico de condições ambientais em que se baseia - médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
Da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45, de 6/8/2010, fazendo referência à Instrução Normativa INSS/DC n.º 99, de 5/12/2003, consta determinação, a partir de 1/1/2004, acerca da obrigatoriedade de elaboração do Perfil Profissiográfico Previdenciário, pela empresa, para seus empregados, trabalhadores avulsos e cooperados que desempenhem o labor em condições insalubres, prescrevendo que referido documento deveria substituir o formulário até então exigido para a comprovação da efetiva exposição do segurado a agentes nocivos.
Em conclusão, a caracterização e a comprovação da atividade exercida sob condições especiais devem obedecer à legislação vigente à época da prestação do serviço. Assim, tem-se que:
- para funções desempenhadas até 28/4/1995, data que antecede a promulgação da Lei n.º 9.032/95, suficiente o simples exercício da profissão, demonstrável por meio da apresentação da CTPS, para fins de enquadramento da respectiva categoria profissional nos anexos dos regulamentos;
- de 29/4/1995 a 5/3/1997, véspera da publicação do Decreto n.º 2.172/97, necessária a apresentação de formulário para a comprovação da efetiva exposição a agentes nocivos;
- de 6/3/1997 a 31/12/2003, data estabelecida pelo INSS, indispensável que o formulário (SB-40, DSS-8030 ou DIRBEN-8030) venha acompanhado do laudo técnico em que se ampara – ressalvado, a qualquer tempo, supra, que, em relação aos agentes nocivos ruído e calor, sempre se exigiu a apresentação de laudo técnico para demonstração do desempenho do trabalho em condições adversas (STJ, AgRg no AREsp 859232, Segunda Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, DJe 26/4/2016);
- a partir de 1/1/2004, o único documento exigido para fins de comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos, inclusive o ruído, será o PPP, em substituição ao formulário e ao laudo técnico pericial, conforme se depreende da conjugação dos arts. 256, inciso IV, e 272, § 1.º, da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010.
No plano infralegal, em atenção ao princípio tempus regit actum, devem ser observadas as disposições contidas na normatização contemporânea ao exercício laboral:
- até 5/3/1997, os Decretos n.º 53.831/64 e n.º 83.080/79, ressaltando-se que, havendo colisão entre preceitos constantes nos dois diplomas normativos, deve prevalecer aquele mais favorável ao trabalhador (STJ, REsp 412.351, Quinta Turma, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 17/11/2003);
- de 6/3/1997 a 6/5/1999, o Decreto n.º 2.172/97;
- a partir de 7/5/1999, o Decreto n.º 3.048/99.
Imperioso ressaltar que, no tocante à atividade exercida com exposição a agentes agressivos até 31/12/2003 – anteriormente, portanto, à obrigatoriedade da emissão do Perfil Profissiográfico Previdenciário –, relativamente à qual tenha sido emitido o PPP, possível dispensar-se a apresentação dos documentos outrora exigidos (CTPS, formulário e laudo técnico), conforme prescrito no § 2.º do art. 272 da Instrução Normativa INSS/PRES n.º 45/2010, sendo o PPP bastante à comprovação do labor insalubre (STJ, AREsp 845.765, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 26/6/2019).
Nesse particular, registre-se o entendimento firmado no sentido de que o laudo pericial não contemporâneo ao período trabalhado é apto à comprovação da atividade especial do segurado (Súmula 68 da TNU), restando preservada sua força probante desde que não haja alterações significativas no cenário laboral (TRF3, AR 5003081-85.2016.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Juiz Federal Convocado Rodrigo Zacharias, intimação via sistema 20/4/2018).
Acrescente-se ser razoável supor-se que os avanços tecnológicos havidos ao longo do tempo proporcionaram melhoria nas condições ambientais de labor, sendo de se inferir que, em períodos mais recentes, os trabalhadores encontram-se submetidos a situação menos agressiva se comparada àquela pretérita, a que estavam sujeitos à época da prestação do serviço (TRF3, ApCiv 6074084-54.2019.4.03.9999, 8.ª Turma, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 Judicial 1 23/4/2020).
Especificamente em relação ao agente físico ruído, a compreensão jurisprudencial é na linha de que o perfil profissiográfico previdenciário espelha as informações contidas no laudo técnico, razão pela qual pode ser usado como prova da exposição ao agente nocivo (STJ, REsp 1.573.551, Segunda Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 19/5/2016).
USO DO EPI
Antes da vigência da Lei n.º 9.732/98, a utilização do Equipamento de Proteção Individual – EPI não descaracterizava o enquadramento da atividade sujeita a agentes agressivos à saúde ou à integridade física. Tampouco era obrigatória, para fins de aposentadoria especial, a menção expressa à sua utilização no laudo técnico pericial.
Contudo a partir da data da publicação do diploma legal em questão tornou-se indispensável a elaboração de laudo técnico de que conste informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.
Assim, de 14/12/1998 em diante o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial. Havendo dúvida ou divergência acerca da real eficácia do EPI, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial, conforme restou assentado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal na decisão proferida no ARE 664.335/SC, com repercussão geral (Relator Ministro Luiz Fux, DJe 12/2/2015).
Por ocasião desse mesmo julgamento, foi firmada, ainda, outra tese, no sentido de que, na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria, porquanto, ainda que se pudesse aceitar que o problema causado pela exposição ao ruído relacionasse apenas à perda das funções auditivas, o que indubitavelmente não é o caso, é certo que não se pode garantir uma eficácia real na eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído com a simples utilização de EPI, pois são inúmeros os fatores que influenciam na sua efetividade, dentro dos quais muitos são impassíveis de um controle efetivo, tanto pelas empresas, quanto pelos trabalhadores.
O Decreto n.º 8.123, de 16/10/2013, exige que, do laudo técnico de condições ambientais do trabalho em que embasado o PPP, constem informações sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual, e de sua eficácia, estabelecendo, ainda, que o documento deverá ser elaborado com observância das normas editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego e dos procedimentos estabelecidos pelo INSS.
A jurisprudência tem se posicionado relativamente à força probante a ser conferida a determinadas anotações constantes do PPP, que, embora lançadas em conformidade com os procedimentos regulamentares, mostram-se demasiadamente simplificadas, sendo inidôneas a afastar a nocividade do labor a que se referem.
Do mesmo modo, vem se firmando entendimento no sentido de que a ausência de determinadas informações, em razão da inexistência de campo específico para seu preenchimento, não impede a caracterização, como especial, do trabalho exercido.
Privilegia-se, nas duas situações, a proteção ao trabalhador, entendendo-se que este que não pode ser prejudicado em razão de informações unilaterais lançadas no PPP pelo empregador, tampouco em virtude da ausência de fiscalização, por parte do INSS, quanto à efetividade dos registros integrantes do documento.
A 3.ª Seção desta Corte, manifestando-se acerca dos requisitos de habitualidade e permanência da submissão a agentes nocivos, exigidos para fins de reconhecimento da natureza especial da atividade, definiu que se considera exposição permanente aquela que é indissociável da prestação do serviço ou produção do bem, esclarecendo mostrar-se despiciendo que a exposição ocorra durante toda a jornada de trabalho, mas sendo necessário que esta ocorra todas as vezes em que este é realizado.
Na sequência, firmou entendimento no sentido de que a ausência da informação da habitualidade e permanência no PPP não impede o reconhecimento da especialidade, porquanto o PPP é formulário padronizado pelo próprio INSS, conforme disposto no § 1º do artigo 58 da Lei 8.213/91, sendo de competência da autarquia a adoção de medidas para reduzir as imprecisões no preenchimento do PPP pelo empregador. Ainda, que, como os PPPs não apresentam campo específico para indicação de configuração de habitualidade e permanência da exposição ao agente, o ônus de provar a ausência desses requisitos é do INSS (AR 5009211-23.2018.4.03.0000, 3.ª Seção, Relator Desembargador Federal Luiz Stefanini, e-DJF3 1 7/5/2020).
Assim, não se pode admitir que a lacuna contida no PPP resulte em prejuízo ao trabalhador, circunstância que se verificaria caso a mera ausência de menção à habitualidade e permanência da exposição ao agente nocivo impossibilitasse o reconhecimento do labor como especial.
As anotações relativas à eficácia do EPI, constantes do PPP, merecem, igualmente, algumas considerações.
Imperioso ressaltar que a tese firmada pelo STF por ocasião do julgamento do ARE n.º 664.335, em regime de repercussão geral, de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, restará descaracterizado o enquadramento da atividade como especial, não se resume a mero preenchimento formal de campo específico constante do PPP.
Nesse sentido, o pronunciamento consignado quando do julgamento da Apelação Cível 5000659-37.2017.4.03.6133 pela 9.ª Turma desta Corte, sob relatoria da Desembargadora Federal Daldice Santana, intimação via sistema datada de 28/2/2020, in verbis:
Com a edição da Medida Provisória n. 1.729/1998 (convertida na Lei n. 9.732/1998), foi inserida na legislação previdenciária a exigência de informação, no laudo técnico de condições ambientais do trabalho, quanto à utilização do Equipamento de Proteção Individual (EPI).
Desde então, com base na informação sobre a eficácia do EPI, a autarquia deixou de promover o enquadramento especial das atividades desenvolvidas posteriormente a 3/12/1998.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao apreciar o ARE n. 664.335, em regime de repercussão geral, decidiu que: (i) se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo ao enquadramento especial; (ii) havendo, no caso concreto, divergência ou dúvida sobre a real eficácia do EPI para descaracterizar completamente a nocividade, deve-se optar pelo reconhecimento da especialidade; (iii) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites de tolerância, a utilização do EPI não afasta a nocividade do agente.
Quanto a esses aspectos, sublinhe-se o fato de que o campo "EPI Eficaz (S/N)" constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é preenchido pelo empregador considerando-se, tão somente, se houve ou não atenuação dos fatores de risco, consoante determinam as respectivas instruções de preenchimento previstas nas normas regulamentares. Vale dizer: essa informação não se refere à real eficácia do EPI para descaracterizar a nocividade do agente. (grifei)
Forçoso concluir que a mera utilização de EPI ou, do mesmo modo, a simples afirmação, no PPP, por parte do empregador, acerca da eficácia do equipamento são inidôneas a descaracterizar o labor insalubre, porquanto não refletem, por si só, a comprovação de que o emprego do equipamento deu-se de forma constante e fiscalizada, tampouco que frequentemente neutralizou o agente nocivo.
Ademais, como afirmado no acórdão proferido por ocasião do julgamento da Apelação registrada sob n.º 0009611-62.2012.4.03.6102, no âmbito desta 8.ª Turma, relatada pelo Desembargador Federal Newton De Lucca (e-DJF3 Judicial 1 30/3/2020), a informação registrada pelo empregador no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a eficácia do EPI não tem o condão de descaracterizar a sujeição do segurado aos agentes nocivos. Isto porque, conforme tratado na decisão proferida pelo C. STF na Repercussão Geral acima mencionada, a legislação previdenciária criou, com relação à aposentadoria especial, uma sistemática na qual é colocado a cargo do empregador o dever de elaborar laudo técnico voltado a determinar os fatores de risco existentes no ambiente de trabalho, ficando o Ministério da Previdência Social responsável por fiscalizar a regularidade do referido laudo. Ao mesmo tempo, autoriza-se que o empregador obtenha benefício tributário caso apresente simples declaração no sentido de que existiu o fornecimento de EPI eficaz ao empregado.
Desse modo, a deficiência nas informações constantes do PPP, nesse particular, torna-as pouco fidedignas, não sendo razoável transferir ao segurado o ônus dela decorrente – qual seja, a impossibilidade de reconhecimento do labor desenvolvido em condições especiais – se incumbe a terceiros a elaboração do laudo e o dever de fiscalização das efetivas condições de trabalho.
Assim, nos moldes do julgado supra mencionado (ApReeNec 0009611-62.2012.4.03.6102), resta concluir que caberá (...) ao INSS o ônus de provar que o trabalhador foi totalmente protegido contra a situação de risco, pois não se pode impor ao empregado – que labora em condições nocivas à sua saúde – a obrigação de suportar individualmente os riscos inerentes à atividade produtiva perigosa, cujos benefícios são compartilhados por toda a sociedade.
NÍVEL MÍNIMO DE RUÍDO
Quanto ao grau mínimo de ruído, para caracterizar a atividade como especial, a evolução legislativa começa com o Decreto n.º 53.831/64, que considerou insalubre e nociva à saúde a exposição do trabalhador em locais com ruídos acima de 80 decibéis. O Decreto n.º 83.080/79, por sua vez, aumentou o nível mínimo de ruído, fixando-o para acima de 90 decibéis.
Até que fosse promulgada a lei que dispusesse sobre as atividades prejudiciais à saúde e à integridade física, trataram os Decretos n.º 357/91 e n.º 611/92 de disciplinar que, para efeito de concessão de aposentadoria especial, fossem considerados os Anexos I e II do Regulamento dos Benefícios da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 83.080/79, e o anexo do Decreto n.º 53.831/64.
Diante da contradição existente, prevaleceu a solução mais favorável ao trabalhador, dado o fim social do direito previdenciário, considerando-se especial a atividade que o sujeitasse à ação de mais de 80 decibéis, nos termos do Decreto n.º 53.381/1964.
Com o advento do Decreto n.º 2.172, de 5/3/1997, passou-se a exigir, para fins de caracterização da atividade especial, a exposição permanente a níveis de ruído acima de 90 decibéis.
Após, o Decreto n.º 4.882, de 18/11/2003, que deu nova redação, dentre outros aspectos, ao item 2.0.1 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.º 3.048/99, fixou a exposição a Níveis de Exposição Normalizados (NEN) superiores a 85 decibéis.
No que concerne à possibilidade de aplicação retroativa do Decreto n.º 4.882/2003, o Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.398.260/PR, 1.ª Seção, relator Ministro Herman Benjamin, DJe 05/12/2014), consolidou o entendimento no sentido de que o limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC).
DO CASO DOS AUTOS
A controvérsia diz respeito ao reconhecimento do trabalho urbano de 1/1/1970 a 15/3/1977 e da especialidade das atividades exercidas nos períodos de 16/3/1977 a 30/6/1982, de 1/7/1982 a 31/1/1988, de 1/3/1988 a 30/1/1993 e de 1/9/1997 a 11/3/2003.
Período de atividade comum de 1/1/1970 a 15/3/1977
Buscando comprovar o alegado, a parte autora juntou os seguintes documentos:
- Certificado de Saúde e Capacidade Funcional, da Secretaria do Trabalho, Indústria e Comércio, emitido em 14/8/1972, pelo qual o autor é qualificado como balconista, revalidado em 27/9/1974 e em anos posteriores, com validade até 4/3/1978.
- Atestado de Capacidade Funcional emitido em 24/2/1977, em que se considera o autor apto a exercer a profissão de balconista.
- Título Eleitoral emitido em 1/9/1975, que indica a profissão do autor como balconista.
A prova testemunhal produzida corroborou o início de prova material trazido.
A primeira testemunha afirma que conheceu o autor como funcionário da Mercearia dos Trabalhadores, pertencente a seu pai (da testemunha), José Amoroso, na década de 70 mais ou menos, quando era ainda adolescente.
A segunda testemunha, seu Valdir, disse ter trabalhado com o autor na Mercearia dos Trabalhadores e que, quando iniciou seu trabalho por volta de 1973 ou 1974, com registro em carteira, o autor já estava lá, e que quando saiu, o autor já havia deixado de trabalhar lá.
A terceira testemunha, senhora Tânia, também confirmou ter conhecido o autor na mercearia.
Observe-se que o autor é nascido em 16/8/1957 e na data do primeiro documento trazido, 14/8/1972, estava com praticamente 15 anos, e na data declarada como de início do labor, em 1/1/1970, contava 12 anos.
Provavelmente em razão da tenra idade, o trabalho não fora registrado em CTPS.
Na época, a Constituição de 1967 proibia o trabalho aos menores de 12 anos.
Períodos de 16/3/1977 a 30/6/1982, 1/7/1982 a 31/1/1988, 1/3/1988 a 30/1/1993
Empregador: Construcap – CCPS Engenharia e Com. S/A
Função: auxiliar de almoxarifado e almoxarife
Conclusão: impossibilidade de caracterização, como especial, da atividade desenvolvida no período.
Em relação a esse período, embora tenha sido apresentado formulário DIRBEN 8030 pela empresa empregadora, houve apontamento de exposição a “calor, poeira e ruídos”, sem maior especificação nem medição técnica, e afirmação de que a empresa não possuía laudo técnico (LTCAT).
A perícia judicial realizada apurou que o autor esteve submetido a agentes químicos hidrocarbonetos (gasolina, óleo diesel e óleos lubrificantes), de maneira condizente com a descrição que fez das atividades do autor, tais como realizar o abastecimento dos carros, caminhões e máquinas da construção civil, com gasolina e óleo diesel, e lubrificar esses veículos.
No entanto, essas atividades não têm correlação com o cargo exercido pelo autor (de auxiliar de almoxarifado e almoxarife) e não foram enumeradas no formulário emitido pela empresa empregadora.
A consideração dessas atividades a mais, mencionadas pelo perito, dependeria, no mínimo, do depoimento de algum representante da empresa, mas o perito indicou que a empresa encerrou suas atividades econômicas e, embora tenha assentado que a perícia fora direta, realizou a visitação às instalações de empresa diversa (Associação Comercial Industrial).
Assim, impossível a ampliação da função exercida pelo simples relato do autor e inverossímil a submissão a hidrocarbonetos de forma dissociada das atividades cuja execução não foi comprovada, indicadas somente pelo perito.
Período de 1/9/1997 a 11/3/2003
Empregador: Serrano Madeiras e Materiais para construção Ltda.
Função: auxiliar de almoxarifado (armazenamento e controle de estoques, além de distribuição de produtos e materiais)
Conclusão: impossibilidade de caracterização, como especial, da atividade desenvolvida no período.
Com relação a esse período, denota-se ter sido objeto da ação, pelo fato de ter sido citado no corpo da petição inicial, quando da descrição da causa de pedir, e pelo fato de a parte ter juntado documentação específica a respeito dele, emitida pela empresa empregadora.
Ultrapassado esse limiar, possível, outrossim, o prosseguimento da demanda, com espeque no permissivo constante do art. 1.013, § 3.º, inciso II, do Código de Processo Civil, em atendimento aos princípios da celeridade e da economia processual.
O PPP emitido em 18/6/2008 não aponta haver agentes nocivos no ambiente laboral e descreve as funções do autor como sendo: recepcionar, conferir e armazenar produtos e materiais em almoxarifados, armazéns, silos e depósitos; fazer o lançamento da movimentação de entradas e saídas e controlar os estoques; distribuir produtos e materiais a serem expedidos; organizar o almoxarifado para facilitar a movimentação dos itens armazenados e a armazenar.
A perícia judicial realizada apurou que o autor esteve submetido a ruído, considerado o relato de que a atividade de entrega para os clientes era realizada com caminhões Chevrolet 11000 e Volkswagen 8140, nos quais as medições resultaram em 93,5 dB(A) e 91,3 dB(A).
Respondeu o perito (a quesito do INSS) que os dados da perícia foram obtidos do depoimento do autor, das informações constantes do processo judicial e, no caso desta empresa empregadora, do relato de um funcionário que trabalhou com o autor, na função de motorista.
Assim como nos períodos acima, aqui também não pode haver consideração pelo perito da ampliação relatada pelo autor das suas atividades laborais nem consideração a veículos utilizados durante o labor, sem que tal situação fática tenha sido cabalmente demonstrada, ao mínimo, por representante da empresa envolvida.
Em razão da sucumbência recíproca e proporcional, a sucumbência deve ser fixada de forma recíproca e proporcional, de modo que ficam condenadas ambas as partes, considerado o valor atribuído à causa, ao pagamento de honorários advocatícios de R$ 700,00 (setecentos reais), cada uma, observando-se, quanto ao réu, a suspensão da exigibilidade, nos termos do art. 98, §§ 2.º e 3.º, do CPC; bem assim dividir as custas processuais, respeitadas a isenção de que é beneficiário o INSS e a gratuidade conferida ao segurado.
Posto isso, dou parcial provimento à apelação do INSS para afastar a especialidade dos períodos laborais de 16/3/1977 a 30/6/1982, 1/7/1982 a 31/1/1988, 1/3/1988 a 30/1/1993, mantendo, no mais, a sentença proferida, e dou parcial provimento à apelação da parte autora apenas para conhecer e examinar o pedido relativo ao período de 1/9/1997 a 11/3/2003, julgando-o, entretanto, improcedente, nos termos da fundamentação desenvolvida, fixando a sucumbência conforme exposto acima.
É o voto.
THEREZINHA CAZERTA
Desembargadora Federal Relatora
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL. RUÍDO, AGENTES QUÍMICOS E BIOLÓGICOS. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO DEVIDA.
- O art. 55, § 3.º, da Lei n.° 8.213/91, dispõe sobre a obrigatoriedade de início de prova documental para a comprovação de tempo de serviço, para fins previdenciários, sendo insuficiente a produção de prova exclusivamente testemunhal, a qual, por si só, não é válida à demonstração do desempenho do trabalho tido como realizado.
- Compete à empresa arrecadar as contribuições previdenciárias dos segurados empregados a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração e repassando-as ao INSS, a que incumbe a fiscalização do devido recolhimento (obrigação prevista no art. 79, I, da Lei nº 3.087/60, mantida pela legislação posterior e atualmente prevista no art. 30, I, a, da Lei nº 8.212/91). O empregado não pode ser prejudicado por eventual desídia do empregador e da autarquia, se estes não cumpriram as obrigações que lhes eram imputadas.
- Para o trabalho exercido até o advento da Lei n.º 9.032/95, bastava o enquadramento da atividade especial de acordo com a categoria profissional a que pertencia o trabalhador, segundo os agentes nocivos constantes nos róis dos Decretos n.º 53.831/64 e n.º 83.080/79, cuja relação é considerada como meramente exemplificativa.
- Com a promulgação da Lei n.º 9.032/95 passou-se a exigir a efetiva exposição aos agentes nocivos, para fins de reconhecimento da agressividade da função, através de formulário específico, nos termos da lei.
- Somente a partir da publicação do Decreto n.º 2.172/97 tornou-se legitimamente exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários SB-40 ou DSS-8030.
- Legislação aplicável à época em que foram prestadas as atividades, e não a do momento em que requerida a aposentadoria ou implementadas as condições legais necessárias.
- A consideração de atividades exercidas pelo segurado além daquelas constantes da documentação, mencionadas pelo perito, dependeria, no mínimo, do depoimento de algum representante da empresa, sendo impossível a ampliação da função exercida pelo simples relato do autor.
